PROCESSO DE INVENTÁRIO
PARTILHA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
INVENTÁRIO NOTARIAL
Sumário


i) de acordo com o n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, o novo regime do processo de inventário judicial (NRPIJ) aplica-se aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, ou seja, aos processos instaurados a partir de 1 de janeiro de 2020 (art.º 15.º) e, também, aos processos pendentes nessa data nos cartórios notariais e que sejam remetidos ao tribunal, nos termos do disposto nos n.ºs 1 a 3 do art.º 12.º daquele diploma legal;
ii) ordenada, pelo notário, a remessa do inventário, em observância do disposto no n.º 1 do art.º 13.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, são os interessados notificados desse despacho para, em 15 dias, deduzirem as impugnações contra as decisões proferidas pelo notário e que pretendessem impugnar nos termos do n.º 2 do artigo 76.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de março (cfr. n.º 2 do art.º 13.º Lei 117/2019, de 13 de setembro).
iii) os interessados dispõem do prazo de 15 dias, após a referida notificação, para impugnarem as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do processo de inventário notarial e que só podiam ser impugnadas no recurso que viesse a ser interposto da decisão de partilha.
iv) como dispõe o n.º 4 do art.º 13.º da Lei n.º 117/19 de 13 de setembro, recebido o processo “o juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial”.
v) o regime de recursos aplicável aos autos é o previsto no art.º 1123.º do CPC (cfr. n.º 2 do art.º 13.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro), tendo o legislador, com a norma constante do n.º 2 do art.º 13.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, garantido o direito ao recurso autónomo das decisões interlocutórias e prevenido a uniformidade do regime de recursos.

Texto Integral

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I.Relatório
Os presentes autos de inventário foram instaurados no Cartório Notarial de Évora – Lic. Teresa Isabel Nóbrega –, em data anterior a 15.02.2017, por B…, na sequência de divórcio, para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, sendo requerida A….
O cabeça-de-casal não se conformando com o despacho proferido, em 05.11.2018, pela Senhora Notária apresentou impugnação, que correu termos sob o n.º 2356/18.0T8EVR do juízo de Família e Menores de Évora que, em 09.03.2019, proferiu o seguinte despacho:
“(…)
No caso dos presentes autos, o recurso/impugnação incide sobre a decisão proferida pela Senhora Notária em apreciação e decisão da reclamação da relação de bens. Tratando-se de uma decisão não abrangida pelas situações específicas previstas nos artigos 16.º, 57.º 66.º, do R.J.P.I., constitui, nos termos supra expostos, decisão interlocutória abrangida pelo preceituado no artigo 76.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
(…)
Resta assim concluir que a decisão em causa não admite recurso autónomo, sendo apenas impugnável no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha perante os Tribunais da Relação.
Considerando tudo quanto supra se expôs, por inadmissibilidade legal, decido indeferir liminarmente o presente recurso de impugnação.
Custas pelo recorrente/impugnante, fixando-se a taxa de justiça na quantia equivalente a 1 UC – artigo 83.º, n.º 1, do R.J.P.I., e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Registe e notifique.
Após trânsito, devolva os autos ao Cartório Notarial.”.



Em 10.03.2020, o apelante/cabeça-de-casal requereu, ao abrigo do disposto no art.º 12.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que se procedesse à remessa do processo para o tribunal competente.
Por despacho proferido pela Senhora Notária, em 21.09.2020, foi determinada a remessa dos autos para o tribunal judicial, remessa que foi feita, em 24.09.2020, para o juízo de Família e Menores de Évora.
No dia 09.10.2020, o cabeça-de-casal, “nos termos do art.º 13.º, n.º 2 da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro”, deduziu “impugnação contra decisão do Notário”, concluindo pela improcedência da impugnação e consequente revogação do despacho proferido pela Senhora Notária em 05.11.2018, determinando “a produção dos meios de prova requeridos, seguindo-se a prolação de decisão sobre a matéria da reclamação contra a relação de bens, e a realização das alterações e aditamentos na relação de bens inicialmente apresentada, que, em consequência dessa decisão, se mostrem pertinentes.”.
A requerida, notificada da impugnação apresentada pelo cabeça-de-casal, pugnou pelo indeferimento “da pretensão deduzida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, porquanto “a discordância de alguma das partes quanto à decisão proferida pela Sr.ª Notária e agora em crise, apenas pode ser objecto de reacção, por meio de recurso a interpor da decisão da partilha”, “o processo de inventário dispõe de regime próprio, previsto no RJPI”, “nos art.ºs 16, 57 e 66 do RJPI encontram-se elencadas as situações em que as partes pode reagir contra as decisões do Notário”, sendo que “no presente caso, pretende o cabeça de casal subverter as regras processuais e trazer a este tribunal a apreciação de questão, em momento temporal impróprio, porquanto, e como se disse, apenas é impugnável por recurso a interpor da decisão final, já que se trata de uma decisão interlocutória”.
No dia 11 de Dezembro p.p. foi proferido o seguinte despacho:
“Após a remessa do presente processo de inventário para partilha de meações para o Tribunal ao abrigo do artigo 12.º da Lei n.º 117/2019, de 13.09, veio o requerente e cabeça de casal B… apresentar requerimento impugnando o despacho proferido pelo Notário a 05.11.2018, requerendo a sua revogação e que seja determinada a produção de prova apresentada no incidente de reclamação à relação de bens, com a consequente prolação de decisão.
Regularmente notificada, a requerida A… pronunciou-se pugnando pelo indeferimento do requerido, por entender que a decisão em causa apenas é impugnável por via de recurso a interpor da decisão de partilha.
Cumpre apreciar.


Compulsados os presentes autos constata-se que os mesmos foram instaurados ao abrigo do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05.03 no Cartório Notarial da Dr.ª Teresa Nobrega, tendo, posteriormente, transitado para o Cartório da Dr.ª Cristina Reguino. Na sequência de requerimento apresentado pelo cabeça de casal, ao abrigo do disposto no artigo 12.º da Lei n.º 117/2019, de 13.09, que não mereceu a oposição da parte contrária, foi proferido a 21.09.2020 despacho que determinou a remessa dos autos para este Tribunal.
Mais se constata que o último acto praticado no referido Cartório havia sido a realização da primeira conferência preparatória a que alude o artigo 47.º e 48.º do RJPI, que teve lugar a 12.07.2019, e em que as partes requereram a suspensão da instância por 60 dias com vista à obtenção de acordo quanto à partilha dos bens, o que foi deferido.
Do exposto, resulta que já havia sido considerada estabilizada a instância quanto aos bens a partilhar entre as partes. Ainda que não se alcançasse tal conclusão da mera análise da tramitação processual, cumpre referir que a questão agora suscitada ao Tribunal já havia sido suscitada pelo cabeça de casal por requerimento apresentado, desta feita, sob a forma de recurso a 21.11.2019, onde era igualmente requerido que se desse sem efeito a primeira conferência preparatória. A impugnação apresentada foi apreciada por decisão proferida a 09.03.2019, no processo que correu termos neste Tribunal sob o n.º 2356/18.0T8EVR, que indeferiu, por inadmissibilidade, a impugnação apresentada.
Na referida decisão pode ler-se: “Nesta senda, o diploma prevê expressamente nos supra transcritos preceitos as situações submetidas à apreciação do Tribunal – seja ele o de primeira instância ou superior – restringindo-as ao recurso do indeferimento do pedido de remessa das partes para os meios processuais comuns (artigo 16.º), impugnação do despacho determinativo da forma à partilha (artigo 57.º) e recurso da decisão homologatória da partilha (artigo 66.º). Todas as outras decisões proferidas no decurso do processo, porque interlocutórias, apenas serão impugnáveis no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha perante os Tribunais da Relação, como expressamente prevê o transcrito artigo 76.º, n.º 2, a não que das mesmas caiba recurso de apelação nos termos do artigo 644.º, do Código de Processo Civil, casos em que existe recurso imediato e autónomo, perante o Tribunal de Comarca. (…) No caso dos presentes autos, o recurso/impugnação incide sobre a decisão proferida pela Senhora Notária em apreciação e decisão da reclamação da relação de bens.
Tratando-se de uma decisão não abrangida pelas situações específicas previstas nos artigos 16.º, 57.º e 66.º, do R.J.P.I., constitui, nos termos supra expostos, decisão interlocutória abrangida pelo preceituado no artigo 76.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. (…) Resta assim concluir que a decisão em causa não admite recurso autónomo, sendo apenas impugnável no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha perante os Tribunais da Relação.”.




Ora, quer sob a veste de recurso, quer sob a veste de impugnação, quer sob a veste de uma nulidade a questão colocada já foi judicialmente apreciada e decidida, nada de novo tendo sido trazido aos autos.
Pelo exposto, decide-se, mantendo o já decidido por despacho proferido a 09.03.2019, determinar o normal prosseguimento dos autos.
Custas do incidente anómalo, a cargo do cabeça de casal, nos termos do disposto no artigo 534.º n.º 2 do CPC e do artigo 7.º n.º 8 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.”
O cabeça-de-casal não se conformado com o despacho prolatado dele interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem a presente apelação interposta do douto despacho proferido nos autos, com a Ref. 30151865, que recusou a apreciação de requerimento formulado pelo aqui recorrente em 9/10/2020 e determinou o normal prosseguimento dos autos, com agendamento da conferência de interessados;
2. Tal requerimento visava a impugnação do despacho proferida pela Sra Notária em cujo Cartório o processo era tramitado, datado de 5/11/2018, pelo qual decidira a reclamação contra a relação de bens;
3. O douto despacho aqui recorrido acolheu a fundamentação de anterior sentença proferida nos autos que correram neste mesmo Juízo sob o nº 2356/18.0T8EVR, a qual determinara que a decisão em causa só poderia ser impugnada com o recurso que viesse a ser interposto da decisão da partilha, nos termos do nº 2 do art. 76º do regime jurídico do inventário;
4. A fundamentação adoptada naquela primeira sentença não poderia, porém, ser agora acolhida pelo Tribunal a quo, porquanto a Lei 117/2019, de 13 de Setembro contém normas que regem o procedimento de remessa dos processos de inventário dos cartórios notariais para os tribunais que regem especialmente sobre a questão aqui em causa;
5. A norma constante do nº 2 do art. 13º da Lei 117/2019, de 13/09, visa garantir que, previamente à retoma da normal tramitação do processo, são submetidas a decisão jurisdicional em primeira instância as decisões proferidas pelo Notário;
6. O douto despacho recorrido, ao remeter para (eventual) recurso a interpor a final a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão da Sra Notária, importa clara violação da norma do nº 2 do art. 13º da Lei 117/2019, de 13 de Setembro.
Termos em que, e nos mais do direito aplicável e do douto suprimento, deve a presente apelação ser julgada procedente, determinando-se o imediato conhecimento pelo Tribunal a quo da impugnação deduzida pelo aqui recorrente através do seu requerimento de 9/10/2020 com o que se fará a almejada justiça.”.
Não foi produzida resposta às alegações.
Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir
II. Objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC),
A questão a decidir resume-se a saber se ao tribunal a quo caberia apreciar a impugnação deduzida pelo recorrente.
III. Fundamentação
1. De Facto
O quadro factual a atender para a decisão é o que consta do antecedente relatório.
2. De Direito
Resulta dos autos que o presente inventário foi instaurado no Cartório Notarial de Évora – Licenciada Teresa Isabel Nóbrega - em plena vigência da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que introduziu o regime jurídico do processo de inventário notarial, e impugnado o despacho proferido pela Senhora Notária no dia 05.11.2018, o tribunal da 1.ª instância, por despacho de 09.03.2019, não conheceu da deduzida impugnação, indeferindo liminarmente a impugnação, por inadmissibilidade legal, entendendo, para tanto que, incidindo a decisão proferida pela Senhora Notária em apreciação e decisão da reclamação da relação de bens, trata-se de decisão interlocutória, que não admitia recurso autónomo, sendo apenas impugnável no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha perante os Tribunais da Relação e devolvidos os autos ao cartório Notarial prosseguiram os seus termos.
Na espécie, após a entrada em vigor da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que revogou o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, aprovando um novo regime do inventário notarial e que reintroduziu no CPC (art.ºs. 1082.º a 1135.º) o inventário judicial, o cabeça-de-casal requereu a remessa dos autos ao tribunal judicial, à luz do art.º 13.º daquele diploma legal, e, após a remessa dos autos para o tribunal, apresentou impugnação daquele despacho proferido pela Senhora Notária, em 05.11.2018, tendo a Senhora juíza decidido, por despacho de 11.12.2020, que “a questão colocada já foi judicialmente apreciada e decidida, nada de novo tendo sido trazido aos autos”, manter “o já decidido por despacho proferido a 09.03.2019” e determinou “o normal prosseguimento dos autos”.
Mas, adiantamos, sem razão.
Na decisão do presente recurso, importa, desde já, observar as normas transitórias previstas na Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.
“Artigo 11.º
Aplicação no tempo
1 — O disposto na presente lei aplica-se apenas aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor, bem como aos processos que, nessa data, estejam pendentes nos cartórios notariais mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º
2 — O regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, continua a aplicar-se aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da presente lei, estejam pendentes nos cartórios notariais e aí prossigam a respetiva tramitação.
3 — Para efeitos do disposto no número anterior, os artigos 3.º, 26.º -A, 27.º, 35 e 48.º do regime jurídico do processo de inventário, anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, passam a ter a redação prevista nos artigos 8.º e 9.º da presente lei.
Artigo 12.º
Remessa dos inventários notariais
1 — O notário remete oficiosamente ao tribunal competente os inventários em que sejam interessados diretos menores, maiores acompanhados ou ausentes.
2 — Nos restantes inventários, qualquer dos interessados diretos na partilha pode requerer a remessa ao tribunal competente, sempre que:
a) Se encontrem suspensos ao abrigo do disposto 16.º do regime jurídico do processo de inventário há mais de um ano;
b) Estejam parados, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses.
3 — A remessa do processo para o tribunal competente também pode ser requerida, em qualquer circunstância, por interessado ou interessados diretos que representem, isolada ou conjuntamente, mais de metade da herança.
4 — A remessa pode ser requerida não só para o tribunal territorialmente competente, nos termos do artigo 72.º -A do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela presente lei, mas também para qualquer tribunal que, atendendo à conveniência dos interessados, estes venham a escolher.
Artigo 13.º
Procedimento da remessa
1 — O notário, ouvidos os demais interessados, defere o requerimento apresentado por interessado com legitimidade e determina a remessa do processo ao tribunal, no estado em que se encontrar, sempre que se verifiquem os pressupostos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo anterior.
2 — No prazo de 15 dias, contados do despacho a que se refere o número anterior, podem os interessados deduzir as impugnações contra decisões proferidas pelo notário, que pretendessem impugnar nos termos do n.º 2 do artigo 76.º do regime jurídico do processo de inventário.
3 — É aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo nos termos dos números anteriores o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil
4 — O juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial.”.
Ora, de acordo com o n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, o novo regime do processo de inventário judicial (NRPIJ) aplica-se aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, ou seja, aos processos instaurados a partir de 1 de janeiro de 2020 (art.º 15.º) e, também, aos processos pendentes nessa data nos cartórios notariais e que sejam remetidos ao tribunal, nos termos do disposto nos n.ºs 1 a 3 do art.º 12.º daquele diploma legal.
Ordenada, pelo notário, a remessa do inventário, em observância do disposto no n.º 1 do art.º 13.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, são os interessados notificados desse despacho para, em 15 dias, deduzirem as impugnações contra as decisões proferidas pelo notário e que pretendessem impugnar nos termos do n.º 2 do artigo 76.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (cfr. n.º 2 do art.º 13.º Lei 117/2019, de 13 de Setembro).
A significar que os interessados dispõem do prazo de 15 dias, após a referida notificação, para impugnarem as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do processo de inventário notarial e que só podiam ser impugnadas no recurso que viesse a ser interposto da decisão de partilha.
Revertendo ao caso dos autos, o cabeça-de-casal pretendeu (e pretende) impugnar o despacho proferido, em 05.11.2018, pela Senhora Notária, impugnação que não foi conhecida porque se entendeu que tal despacho era de natureza interlocutória e só podia ser impugnado no recurso interposto da sentença homologatória da partilha, pelo que dúvidas não se suscitam que ao apelante, à luz do citado normativo (n.º 2 do art.º 13), assiste jus a deduzir e a ver apreciada a impugnação daquele despacho proferido pela Senhora Notária.
Destarte, e tal como dispõe o n.º 4 do art.º 13.º da Lei n.º 117/19 de 13 de Setembro, recebido o processo “o juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial”.
É preclaro, que não se pode secundar o tribunal no entendimento que a questão colocada já foi judicialmente apreciada e decidida, nada de novo tendo sido trazido aos autos, mantendo o já decidido por despacho proferido a 09.03.2019 e determinando o normal prosseguimento dos autos.
O despacho datado de 09.03.2019 é proferido no âmbito de um processo de inventário notarial a que era aplicável a Lei n.º 23/2003, de 5 de Março.
Se o processo de inventário não tivesse migrado para o tribunal continuaria a ser-lhe aplicável a Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, e caso o ora apelante tivesse deduzido, de novo, impugnação do despacho interlocutório, posteriormente remetida ao tribunal para apreciação, seria acertada a decisão recorrida.
Mas não é o caso que ora nos ocupa.
A impugnação é agora deduzida, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 13.º da Lei n.º 117/2019 de 13 de Setembro, já no âmbito de um processo de inventário judicial, ao qual se aplica a Lei 117/2019, de 13 de Setembro (n.º 1 do art.º 11.º) e, consequentemente, a tramitação prevista no Código de Processo Civil (cfr. n.º 3 do art.º 13.º da Lei nº CPC) e já não a Lei n.º 23/2013, de 5 de Março.
É de meridiana clareza que ao cabeça-de-casal assiste jus a que a impugnação que deduziu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 13.º da Lei 117/2019, no dia 09.10.2020, seja apreciada pelo tribunal recorrido
Ademais, tal como resulta da al. b) do n.º 2 do art.º 1123.º do CPC, que prevê o regime de recursos, aditado pelo art.º 4.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro cabe apelação autónoma da decisão de determinação dos bens a partilhar.
O regime de recursos aplicável aos autos é, pois, o previsto no art.º 1123.º do CPC (cfr. n.º 2 do art.º 13.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro), tendo o legislador, com a norma constante do n.º 2 do art.º 13.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, garantido o direito ao recurso autónomo das decisões interlocutórias e prevenido a uniformidade do regime de recursos.
“Na economia do regime inovatoriamente instituído pela Lei 117 assumem particular relevância as normas e regimes transitórios:
a) Assim, em primeiro lugar, merece referência a regra segundo a qual se mantêm no cartório notarial os processos iniciados à sombra da Lei n.º 23/2013 e que aí devam prosseguir a sua tramitação, por não se verificar situação determinante da migração para o tribunal judicial – aplicando-se ao respetivo processamento o estatuído pelo RJPI, aprovado por aquela Lei, apesar de revogada, mas com as alterações prescritas nos arts 8.º e 9.º da Lei 117, já atrás referenciadas: proscrição das partilhas acordadas por maioria e obrigatória submissão ao juiz de decisões susceptíveis de envolverem, nomeadamente, medidas coercitivas ou aplicação de sanções às partes;
b) Em segundo lugar, o estabelecimento da migração para o tribunal competente dos processos pendentes nos cartórios, nos casos definidos no art. 12.º da Lei n.º 117/19 (…).
Por sua vez, o art. 13.º define os termos do procedimento aplicável à remessa para o tribunal, procurando garantir, desde logo, o direito ao recurso contra decisões interlocutórias do notário que, como se viu, apenas seria exercitável num momento final (a homologação da partilha) que, no caso, nunca será atingido; e, por outro lado, fazendo um apelo decisivo ao poder de gestão e adequação processual do juiz, de modo a conciliar os efeitos de procedimentos heterogéneos, respeitando os efeitos já produzidos de decisões tomadas no inventário notarial (salvo se for julgada procedente a sua impugnação, deduzida ao abrigo do n.º 2) – e cabendo ao juiz, ouvidas as partes (o que normalmente implicará a realização da conferência prévia prevista no art. 1109.º CPC), estabelecer a tramitação futura que se mostre idónea e adequada.”[1].
Assim, pelas razões aduzidas, em face dos prolegómenos supra convocados, sem necessidade de maiores considerações importa, pois, conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o despacho apelado, determinando-se a substituição por outro que, não havendo outros motivos, aprecie e decida a impugnação deduzida, em 09.10.2020, pelo apelante.
As custas serão suportadas, porque vencida, pela apelada (n.ºs 1 e 2 do art.º 527.º do Cod. Civil).
IV. Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em conceder provimento à apelação e, revogando-se o despacho recorrido, determina-se que seja substituído por outro que, não havendo outros motivos, aprecie e decida a impugnação deduzida, em 09.10.2020, pelo cabeça-de-casal, B….
Custas pela apelada.
Registe.
Notifique.
Évora, 27 de Maio de 2021
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1:ª Adjunta)
Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)
(Acórdão assinado digitalmente)_______________________________________________

[1] Carlos Lopes do Rego, A recapitulação do inventário, Julgar Online, Dezembro de 2019, pp. 7-9