INVENTÁRIO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
PARTILHA
TORNAS
ADJUDICAÇÃO
VALOR DOS BENS A PARTILHAR
Sumário


I – Nos termos do nº 3 do artigo 1378º do CPC, na versão subsequente à Reforma de 1995 (realizada pelo Decreto-Lei nº 329/95, de 12 de dezembro), podem os interessados a quem couber tornas, pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.
II - Está aqui a criação de um novo, privativo e prático, processo executivo, embora especial em que o credor das tornas se limita a pedir, em simples requerimento, o que no nº 3 do art. 1378.º lhe consente. Então, formulado tal pedido e transitada que seja a sentença homologatórias das partilhas, procede-se à venda, no próprio processo de inventário dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, isto sem haver necessidade de lhe instaurar qualquer processo executivo, de o citar para o efeito de nomear bens à penhora.
III – Pretendendo a interessada/recorrente o pagamento de tornas e não a adjudicação de bens, não podia o Tribunal proferir decisão a determinar que o critério a seguir fosse «o da adjudicação das verbas com valor superior à interessada e a adjudicação das verbas com valor inferior ao interessado/cabeça-de-casal, por forma a assegurar uma aproximação final ao valor correspondente aos respetivos quinhões. (sumário do relator)

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
No âmbito de inventário para separação de meações, instaurado por I… após decretado o divórcio do casal constituído por si e J…, vieram os autos a prosseguir os seus termos e, a 15.10.2020, foi proferida sentença homologatória da partilha dos bens do casal.
A interessada I… veio recorrer, tendo finalizado as alegações com as seguintes conclusões:
«1. No âmbito dos presentes autos, foi proferida decisão sobre a forma à partilha; nos seguintes termos: Somam-se os valores dos bens descritos nas verbas n.ºs 14 a 95 (uma vez que foi acordada uma solução autónoma para as verbas n.ºs 1 a 13), com os aumentos provenientes das licitações, e divide-se o produto obtido em duas partes iguais, cabendo uma a cada interessado.
Para o preenchimento do quinhão de cada interessado, ter-se-á em conta o resultado das licitações, calculando-se as tornas devidas por quem tiver recebido mais que o seu quinhão. Os bens não licitados serão adjudicados na proporção de metade para cada um dos interessados.
2. O despacho indicado, não foi objecto de recurso ou impugnação, tendo transitado em julgado e dando origem ao mapa informativo, datado de 18/11/2016. Mapa este, que igualmente não foi objecto de qualquer reclamação ou impugnação, e como tal transitou em julgado.
3. A ora Recorrente, foi notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1377º n.º 1 e 2 do C.P.C., e reclamou o pagamento das tornas devidas.
4. Verificando-se a ausência do depósito das tornas, por parte do Recorrido/ Cabeça de Casal, foi a Requerente e ora Recorrente, notificada, para, querendo, exercer a possibilidade que lhe concede o artigo 1378º do Código de Processo Civil.
5. E nesse sentido, veio a ora Recorrente, requerer em 10/7/2018, o seguinte: “I…, Requerente nos autos á margem identificados, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1378º n.º 3 do C.P.C., na redação aplicável aos presentes autos, requerer que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas, nomeadamente pela venda da verba n.º 87, adjudicada ao devedor J…, por ser a verba que mais se aproxima do valor devido a título de tornas, ou seja €187.883,06.”
6. Inexplicavelmente e, salvo o devido respeito, veio o Meritíssimo Juiz a quo, por despacho de 12/11/2018, determinar de forma coerciva, contra a vontade da ora Recorrente e contra o direito que lhe é concedido e que foi exercido ao abrigo do disposto no artigo 1378º do C.P.C., que: mantendo-se o anteriormente determinado quanto à adjudicação a cada um dos interessados de metade dos bens não licitados, determina-se agora que o critério a seguir seja o da adjudicação das verbas com valor superior à interessada e a adjudicação das verbas com valor inferior ao interessado/cabeça-de-casal, por forma a assegurar uma aproximação final ao valor correspondente aos respectivos quinhões.
7. Ora, salvo o devido respeito, esta decisão não acolhe qualquer fundamento legal, desde logo porque não se encontra prevista a alteração da formação dos quinhões, quando o mapa informativo já foi fixado e não foi reclamado por qualquer uma das partes.
8. Determinar a alteração do Mapa Informativo, assim como a composição dos quinhões, tal como decorrente do M.D. despacho de 12/11/2018 e que se impugna com o presente Recurso de Apelação, é retirar à ora Recorrente o seu direito a reclamar o pagamento de tornas, direito esse que se encontra legalmente previsto e foi devidamente exercido.
9. Aliás o M.D. despacho ora impugnado, “esquece” por completo que, apenas a ora Recorrente pode requerer a alteração do seu quinhão, em virtude do seu direito a receber tornas: Artigo 1377.º - (Opção concedida ao interessado a quem caibam tornas) 1. Os interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.
10. A Recorrente pretende o pagamento de tornas e não a adjudicação de bens. Se pretendesse a adjudicação de bens tê-lo-ia manifestado em sede própria, quando instada para tal.
11. Por outro lado, o Recorrido, bem sabia, que ao licitar os bens que lhe foram adjudicados, estava a ultrapassar, em muito, o seu quinhão, concordando inclusive com a Requerente e ora Recorrente, na forma à partilha.
12.Pelo que, é bem patente a má-fé do Recorrido, nos presentes autos, quando vem alegar que, afinal, não tem dinheiro para pagar as tornas devida à ora Recorrente.
13. O M. D. Despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, não encontra qualquer acolhimento legal no Processo de Inventário e Partilha, aplicável aos presentes autos e, como tal, deve ser revogado.
14. Sendo que, não tendo existido qualquer oposição por parte do Recorrido/Cabeça de Casal, ao requerimento apresentado pela Requerente e ora Recorrente, datado de 10/7/2018, deveria ter sido proferido despacho de venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas, nomeadamente pela venda da verba n.º 87, adjudicada ao devedor J…, por ser a verba que mais se aproxima do valor devido a título de tornas, ou seja €187.883,06., tal como previsto no artigo 1378º n.º 3 do C.P.C.
15.Pese embora a ora Recorrente venha impugnar, através do presentes recurso, o Despacho de 12/11/2018, e não concedendo, sempre se dirá que, o Mapa Informativo que é homologado pela M.D. Sentença ora recorrida enferma de nulidade, pois omite os bens que foram, efetivamente, licitados por Recorrente e Recorrido.
A saber:
16.O Mapa Informativo (de 8/7/2020) homologado pela M.D. sentença ora Recorrida, omite o valor total dos bens com o aumento das licitações, conforme conferência de interessados realizada, que é de € 1.082.959,00 (Mapa informativo de 18/11/2016).
Assim, o quinhão de cada parte será de € 541.479,50.
17. Ao Recorrido, J…, foram adjudicados € 580.046,00 em bens imoveis licitados + € 3.335,00 em bens móveis licitados + € 66.005,00 em bens não licitados, tudo num total de € 649.386,00
18.À Recorrente, I…, foram adjudicados € 177.000,00 em bens imoveis licitados + € 43.033,10 em dinheiro + € 15.316,99 em dinheiro + € 256.553,00 em bens não licitados, tudo num total de € 491.903,09
19.Ora, considerando o valor que cada parte deve receber (€ 541.479,50), torna-se evidente, por simples calculo aritmético, que o quinhão da Recorrente não se encontra preenchido, contrariamente ao expresso na Mui Douta Sentença recorrida, sendo que o Recorrido, J…, tem que dar tornas à Recorrente, I…, no valor de € 107.906,50.
20.Termos em que, e sem conceder a impugnação do despacho do Meritíssimo Juiz a quo, de 12/11/2018, o Mapa Informativo datado de 8/7/2020, deverá ser revogado e substituído por outro que contenha, o valor total dos bens a partilhar; os bens não licitados adjudicados, a cada uma das partes e os bens licitados e adjudicados, a cada uma das partes na conferencia de interessados.
21.O Mapa da Partilha, deverá conter ainda, sob pena de nulidade, o dever do Recorrido pagar tornas à Recorrente, no valor de € 107.906,50, como decorre da lei e dos mapas informativos de bens licitado e não licitados, constantes dos Autos. O que determinará, consequentemente a revogação da M.D. Sentença ora Recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito e, sempre com o muito douto suprimento de Vexas, deverá o presente recurso de Apelação ser julgado procedente por provado, pelos fundamentos de facto e de direito atrás invocados e, em consequência deverá ser revogado o Mui Douto Despacho de 12/11/2018, e proferido despacho de venda dos bens adjudicados ao devedor/Requerido/ Cabeça de Casal até onde seja necessário para o pagamento das tornas, nomeadamente pela venda da verba n.º 87, adjudicada ao devedor J…, por ser a verba que mais se aproxima do valor devido a título de tornas, ou seja €187.883,06, com as demais consequências legais.
Sem conceder e, caso se entenda que não existe fundamento para revogar o M.D. despacho de 12/11/2018, deverá ser revogada a M.D. Sentença ora Recorrida, em virtude do Mapa da Partilha homologado, não conter a indicação do valor total dos bens a partilhar, nem o valor dos bens licitados. Valores estes, que determinam, por simples calculo aritmético, que o quinhão da ora Recorrente não se encontra preenchido, devendo o Recorrido pagar tornas à Recorrente no valor de € 107.906,50, com o que se fará a devida JUSTIÇA!».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), consubstancia-se em saber:
- se deve ser revogado o despacho proferido em 12.11.2018, que determinou o critério a seguir quanto à adjudicação de metade do bens não licitados, e a sua substituição por outro despacho que ordene a venda dos bens adjudicados ao interessado/cabeça-de-casal até onde seja necessário para o pagamento das tornas.
- respondendo-se negativamente à questão anterior, se deve ser revogada a sentença homologatória da partilha por o mapa da partilha não conter a indicação do valor total dos bens a partilhar, nem o valor dos bens licitados.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar são os que constam do relatório precedente, devendo acrescentar-se que:
- Na conferência de interessados, estes acordaram sobre a partilha dos valores relacionados nas verbas n.ºs 1 a 13, nos seguintes termos:
“1 – O interessado J… recebe a quantia de € 15.316,99 (quinze mil, trezentos e dezasseis euros e noventa e nove cêntimos);
2 – A interessada I… recebe a quantia de € 43.033,10 (quarenta e três mil, trinta e três euros e dez cêntimos).
Esta divisão encerra definitivamente o litígio relativamente às verbas 1 a 13, devendo-se a desigualdade dos valores acima mencionados à necessidade de compensar a interessada I… dos montantes levantados pelo interessado J…, como resulta das informações constantes de fls. 573 a 576 e 578.»
- Esta transação foi homologada, condenando-se os interessados a cumpri-la nos seus precisos termos.
- Relativamente às verbas n.ºs 14 a 95 da relação de bens, houve lugar a licitações, tendo as verbas n.ºs 15, 19, 23, 25, 26, 31, 43, 45, 49, 86, 87, 88, 91 e 95 sido licitadas pelo interessado/cabeça-de-casal e as verbas n.ºs 90, 92 e 93 pela interessada.
- As verbas n.ºs 14, 16 a 18, 20 a 22, 24, 27 a 30, 32 a 42, 44, 46 a 48, 50 a 85, 89 e 94 não foram licitadas.
- Não existe passivo.
- Por despacho de 24.10.2016 foi determinado que se procedesse à partilha da seguinte forma:
«Somam-se os valores dos bens descritos nas verbas n.ºs 14 a 95 (uma vez que foi acordada uma solução autónoma para as verbas n.ºs 1 a 13), com os aumentos provenientes das licitações, e divide-se o produto obtido em duas partes iguais, cabendo uma a cada interessado.
Para o preenchimento do quinhão de cada interessado, ter-se-á em conta o resultado das licitações, calculando-se as tornas devidas por quem tiver recebido mais que o seu quinhão.
Os bens não licitados serão adjudicados na proporção de metade para cada um dos interessados».
- O referido despacho, do qual não foi interposto recurso, deu origem ao mapa informativo de 18.11.2016, o qual não foi objeto de qualquer reclamação ou impugnação.
- A interessada ora recorrente, foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1377º, n.ºs 1 e 2, do CPC, tendo reclamado o pagamento das tornas devidas.
- Verificando-se a ausência do depósito das tornas por parte do cabeça-de- casal ora recorrido, foi a recorrente notificada para, querendo, exercer a possibilidade concedida pelo artigo 1378º do CPC.
- Veio então a recorrente, em 10.07.2018, requerer que «se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas, nomeadamente pela venda da verba n.º 87, adjudicada ao devedor J…, por ser a verba que mais se aproxima do valor devido a título de tornas, ou seja €187.883,06».
- Sobre este requerimento recaiu o despacho recorrido, datado de 12.11.2018, do seguinte teor:
«No âmbito dos presentes autos foi proferido despacho sobre a forma à partilha, determinando-se que o preenchimento do quinhão de cada interessado se faça de acordo com o resultado das licitações, calculando-se as tornas devidas por quem tiver recebido mais que o seu quinhão. Mais se determinou que os bens não licitados fossem adjudicados na proporção de metade para cada um dos interessados.
Foi elaborado mapa informativo, que considerou as licitações efectuadas e a divisão dos bens não licitados na proporção de metade do respectivo valor por cada um dos interessados, circunstância que determinaria a existência de tornas a onerar o interessado/cabeça-de-casal no valor de € 203.200,05 (duzentos e três mil e duzentos euros e cinco cêntimos. Efectivamente, considerando que o quinhão de cada interessado é de € 541.499,50 e o cabeça-de-casal já havia licitado bens que excediam o respectivo quinhão (€ 583.401,00), a adjudicação de metade dos bens não licitados pelo critério utilizado, representaria um aumento do montante das tornas devidas por este último de € 41.901,50 (quarenta e um mil novecentos e um euros e cinquenta cêntimos) para € 203.200,05 (duzentos e três mil e duzentos euros e cinco cêntimos).
Ora, o Tribunal não pode deixar de considerar que o processo de composição de quinhões ter como função primordial corrigir a licitação, acautelando a posição de ambos os interessados na partilha, procedendo-se de forma a atribuir a cada um as verbas necessárias ao preenchimento das respectivas quotas ou, caso tal não se afigure possível – como sucede nos autos, pois por efeito das licitações o cabeça-de-casal excedeu logo a sua quota – atribuir as que em menor valor excedam tal quota.
Este critério, também é válido para as situações como a dos autos, em que cumpre proceder à atribuição proporcional de bens não licitados.
Assim, não existindo acordo entre os interessados quanto a estes bens, cabe ao Tribunal o poder de determinar o critério de atribuição dos bens restantes, por forma a obviar a consequências injustas, fazendo nascer uma dívida de tornas avultada, contrária ao princípio da repartição igualitária entre os interessados.
Nesta medida, mantendo-se o anteriormente determinado quanto à adjudicação a cada um dos interessados de metade dos bens não licitados, determina-se agora que o critério a seguir seja o da adjudicação das verbas com valor superior à interessada e a adjudicação das verbas com valor inferior ao interessado/cabeça-de-casal, por forma a assegurar uma aproximação final ao valor correspondente aos respectivos quinhões, tal como decorre do espírito das alíneas b), c) e d), do artigo 1374.º, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável aos presentes autos.
Caso existam bens do mesmo valor a atribuir a ambos os interessados, serão organizados lotes a sortear pelos mesmos.
Notifique.

*
Proceda a secção a novo mapa informativo, em conformidade com o ora determinado.»

O DIREITO
Dir-se-á, antes de mais, que tendo os presentes autos de inventário sido apresentados em juízo em 12 de junho de 2008, são os mesmos regulados pelo CPC de 1961 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28 de dezembro de 1961), na versão subsequente à Reforma de 1995 (realizada pelo Decreto-Lei nº 329/95, de 12 de dezembro).
Com efeito, e não obstante a posterior revogação dos arts. 1326º a 1392º, 1395º e 1396º, todos do CPC (disposições pertinentes ao processo especial de inventário) pelo art. 6º, nº 2, da Lei nº 29/2009, de 29 de junho (ela própria posteriormente revogada pela Lei nº 23/2013, de 05 de Março, em vigor desde 02 de Setembro de 2013, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário)[1], o art. 7º do mesmo diploma ressalvou a aplicação do novo regime aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor, se encontravam pendentes.
Dispõe o art. 1377º, nº 1, do CPC, na versão aqui considerada, que os «interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas».
Mais se lê, no nº 2 e nº 3 do citado preceito, que, «[s]e algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados [interessados a quem hajam de caber tornas] é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas que lhe sejam adjudicados pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão», e podendo o licitante «escolher, de entre as verbas em que licitou as necessárias para preencher a sua quota».
Por sua vez, prescreve o nº 1 do art. 1378º que «[r]eclamado o pagamento das tornas, é notificado o interessado que já de as pagar, para as depositar», acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que «[n]ão sendo efetuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contante que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar. (…)».
E, nos termos do nº 3 do citado artigo 1378º, «[p]odem também os requerentes pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas».
No caso vertente foi este último o caminho seguido pela recorrente, que após ter sido notificada de que o interessado/cabeça-de-casal não havia efetuado o depósito das tornas, requereu que se procedesse no processo «à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas, nomeadamente pela venda da verba n.º 87, adjudicada ao devedor J…, por ser a verba que mais se aproxima do valor devido a título de tornas, ou seja € 187.883,06».
Escreve a este propósito J…[2]:
«Está aqui a criação de um novo, privativo e prático, processo executivo, embora especial.
Regra geral, o direito definido executa-se com base em título idóneo a esse fim (…), mediante formalismo próprio.
No caso considerado tudo é diferente, pois o credor das tornas limita-se a pedir, em simples requerimento, o que no nº 3 do art. 1378.º se lhe consente. Então, formulado tal pedido e transitada que seja a sentença homologatórias das partilhas, procede-se à venda, no próprio processo de inventário dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, isto sem haver necessidade de lhe instaurar qualquer processo executivo, de o citar para o efeito de nomear bens à penhora.»
A esta luz, resulta algo incompreensível o despacho recorrido, que contra a vontade da recorrente e contra o direito que lhe é concedido e que foi exercido ao abrigo do mencionado art. 1378.º do CPC, mantendo embora o anteriormente determinado quanto à adjudicação a cada um dos interessados de metade dos bens não licitados, determinou que «o critério a seguir seja o da adjudicação das verbas com valor superior à interessada e a adjudicação das verbas com valor inferior ao interessado/cabeça-de-casal, por forma a assegurar uma aproximação final ao valor correspondente aos respectivos quinhões».
Ora, esta decisão, que veda à recorrente o seu direito legalmente previsto de reclamar o pagamento de tornas, olvida ainda que apenas a recorrente pode requerer a alteração do seu quinhão, em virtude do seu direito a receber tornas (cfr. art. 1377º, nº 1).
Ora, não sofre a menor contestação que a recorrente pretende o pagamento de tornas e não a adjudicação de bens, pois se pretendesse esta, tê-lo-ia dito quando foi notificada de que o interessado/cabeça-de-casal não havia depositado as tornas que havia de pagar.
Importa, assim, revogar o despacho recorrido, anulando-se os atos subsequentes que dele dependem, nomeadamente o novo mapa informativo elaborado em conformidade com o determinado nesse despacho, bem como a sentença homologatória da partilha, devendo elaborar-se nova sentença em conformidade com o mapa informativo de 18.11.2016, e transitada a mesma, proceder-se à venda dos bens adjudicados ao interessado/cabeça-de-casal até onde seja necessário para o pagamento das tornas devidas à recorrente, tal como esta oportunamente requereu.

Vencido no recurso, suportará o interessado/cabeça-de-casal as respetivas custas - artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente, com a consequente revogação do despacho de 12.11.2018, devendo elaborar-se nova sentença homologatória da partilha em conformidade com o mapa informativo de 18.11.2016, e proceder-se posteriormente à venda no processo dos bens adjudicados ao interessado/cabeça-de-casal até onde seja necessário para o pagamento das tornas, conforme requerido pela interessada/recorrente.
Custas pelo recorrido.
*
Évora, 27 de maio de 2021

(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
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[1] Por sua vez, a Lei nº 117/2019, de 13.9, que entrou em vigor em 1.1.2020, veio, além do mais, revogar o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei nº 23/2013, de 5.3, aprovando um novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no Código de Processo Civil (arts. 1082º a 1135º) o inventário judicial.

[2] Partilhas Judiciais, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra – 1990, pp. 452-453.