REABERTURA DO INQUÉRITO
INSTRUÇÃO
FORÇA DE CASO JULGADO REBUS SIC STANTIBUS
Sumário

A reabertura do inquérito não é passível de controlo judicial.
A única possibilidade de pôr em causa a reabertura do inquérito é a que está prevista no nº 2 do artº 279º do C.P.P..
Mas a instrução pode ser requerida com fundamento em que a acusação se baseou nos mesmos indícios que (não) existiam aquando da prolação do despacho de arquivamento.
A arguida não pode ser submetida a um julgamento por virtude de uma acusação relativa aos mesmos factos que foram objeto de arquivamento prévio, sob pena de violação do que se tem entendido designar por “força de caso decidido” ou, numa outra formulação mais rigorosa face ao actual C.P.P. e ao disposto no seu artº 279º, nº 1, “força de caso julgado rebus sic stantibus”.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇAO DE ÉVORA

RELATÓRIO

Findo o inquérito no âmbito do processo 331/14.2T9EVR.E1 foi a arguida CSRD acusada pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, e um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

Inconformada com a acusação, a referida arguida requereu a realização da instrução e finda a mesma foi proferida decisão instrutória não conhecendo do mérito relativamente ao crime de falsificação e não a pronunciando pela prática do crime de condução sem habilitação legal.

Em desacordo com tal decisão instrutória, o Ministério Público recorreu tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1.º- A arguida CSRD foi acusada nestes autos pela prática, em autoria material, sob a forma consumada e concurso efetivo, de um crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, e um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

2.º- Remetidos os autos à Distribuição para Instrução, no dia 20.12.2020 foi proferida Douta Decisão pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal nos seguintes termos (fls. 676 a 687-v):

“a) Não conhecer o mérito em relação ao crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, imputado à arguida CSRD.

b) Não pronunciar a arguida CSRD pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro. (…).”

3.º- Ora, é desta decisão que não pronunciou a arguida CD pelos dois crimes de que vinha acusada que se recorre.

4.º- No que respeita ao crime de falsificação de documento, o Mmº JIC fundamentou na decisão recorrida que “é procedente a excepção de direito penal de caso decidido, e, em consequência, não se conhece do mérito relativamente ao crime de falsificação de documento.”

5.º- Todavia, a reabertura do inquérito é um ato da exclusiva competência do MºPº, não podendo ser apreciada a pertinência da decisão por parte de Juiz de Instrução Criminal.

6.º- Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.03.2018, processo 38/16.6PBFUN.L1-3, relator Vasco Freitas, disponível em dgsi.pt, “a reabertura do inquérito é um acto não jurisdicional, e como tal não sujeito a recurso ou a controle judicial, sendo da exclusiva competência do MºPº.”

7.º- Desta forma, conhecedora da reabertura do inquérito e reapreciação daquela factualidade, caso não se conformasse com essa decisão, podia a arguida ter invocado tais argumentos junto do Magistrado titular no inquérito e/ou ter suscitado a questão junto do superior hierárquico do MºPº nos termos do artº 279º do CPP.

8.º- A arguida foi notificada do despacho que determinou a reabertura do inquérito (referência 28435258, Data: 21-02-2019; e Referência 28435537 Data: 21-02-2019, constantes do sistema eletrónico citius), bem como foi interrogada no decurso da reabertura do inquérito (conforme auto de interrogatório de fls. 463 a 465 e onde foi confrontada com os factos da falsificação de documento), não tendo invocado perante o Ministério Público qualquer vício durante o inquérito ou na sequência da notificação da acusação pública.

9.º- O despacho do Ministério Público que aprecia a possibilidade de reabertura do inquérito pode ocorrer oficiosamente ou por impulso de um interveniente processual.

10.º- Assim, ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 48.º, 267.º, 268.º, 269.º, 279.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPP, e artigo 32º, nº 5, da CRP, o que constitui uma nulidade insanável de conhecimento oficioso – artigo 119.º, alínea e), e 122.º, n.º 1, ambos do CPP - que se argui para todos os efeitos legais.

11.º- Ainda que se entenda de modo diverso, consideramos que foram produzidos novos elementos de prova, capazes de colocar em crise o arquivamento.

12.º Na verdade, verificando-se que a arguida CD foi detetada a conduzir veículo automóvel e a usar aquela carta de condução que obteve através de troca com título de condução emitido na República da Guiné-Bissau, essa situação permite o surgimento de indícios suficientes de que a arguida sempre teve a intenção de conduzir veículos automóveis com conhecimento de que a carta que lhe foi emitida pelo IMT tinha na sua base um título de condução emitido de forma ilegítima pois nunca havia sido submetida aos competentes exames escritos e teóricos naquele país.

13.º- A factualidade referente aos novos factos (condução de veículo automóvel no dia 27 de agosto de 2019) não é desligável do apuramento da existência de título de condução e sobre a forma (legitima ou ilegítima) como foi obtido.

14.º- Pelo exposto, pugna-se junto do Venerando Tribunal da Relação que revogue a decisão que considerou procedente a exceção de direito penal de caso decidido, e, em consequência, julgando verificada a nulidade insanável invocada, seja a arguida CD pronunciada por todos os factos descritos na acusação pública e pelo crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, devendo ser pronunciada pelos factos descritos na acusação pública de fls. 576 a 587, designadamente os artigos constantes do artigo 1.º ao artigo 13.º da descrição, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

15.º- Para não decidir como indiciada com suficiência a factualidade imputada à arguida CD e integrante do crime de condução sem habilitação legal, consignou o Tribunal recorrido na motivação que os poderes estavam limitados pois havia decidido anteriormente considerar procedente a exceção de direito penal de caso decidido, e, em consequência, não conhecia do mérito relativamente ao crime de falsificação de documento.

16.º- Todavia, caso seja provido o presente recurso com os fundamentos vindos de elencar e referentes ao crime de falsificação e documento, deverá ser dada como suficiente indicada a factualidade imputada à arguida CD e integrante do crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

17.º- Com efeito, os fundamentos usados em sede de decisão instrutória para indiciar com suficiência a factualidade quanto ao arguido JCSC servem para indiciar com suficiência a arguida CD.

18.º- Da conjugação do regime previstos nos artigos 161.º, n.ºs 1 e 2, e 162.º, n.º 1, ambos do CPA, o ato administrativo que atribuiu o título de condução à arguida é nulo por ter sido determinado pela prática de um crime e não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.

19.º - A conclusão do referido em 18.º- ocorre ainda que se venha a entender que a arguida não deve ser pronunciada pelo crime de falsificação de documento.

20.º- Com efeito, entendemos ser de chamar à colação o princípio da suficiência do processo penal previsto no artigo 7.º do CPP, ainda que analisado com as devidas adaptações.

21.º- O Tribunal não se encontrava limitado nos poderes de aferir da existência ou não de título de condução, pelo que podia e devia ter apreciado a legitimidade do título de condução invocado pela arguida.

22.º- Pelo exposto, pugna-se junto do Venerando Tribunal da Relação que revogue a decisão que não pronunciou aa arguida e, em consequência, pronuncie a arguida pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, praticado no dia 27.08.2019, decidindo indiciados com suficiência os factos descritos na acusação pública de fls. 576 a 587, nos artigos constantes dos artigo 14.º ao artigo 19.º da descrição, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

23.º- Porquanto, ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 7.º do CPP, nos artigos 161.º, n.ºs 1 e 2, e 162.º, n.º 1, ambos do CPA, e no artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.”

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A arguida respondeu ao recurso, tento terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1. Não se conformando com a douta Decisão Instrutória proferida a fls. e seg.s dos autos, veio o recorrente interpor o presente recurso, por entender, sumariamente, que “ ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 48º, 267º, 268º, 269º, 279º, nºs 1 e 2, todos do CPP, e artigo 32º, nº 5, da CRP, o que constitui uma nulidade insanável de conhecimento oficioso- artigo 119º, alínea e), e 122º, nº 1, ambos do CPP- que se argui para todos os efeitos legais”;

2. “Considerando que foram produzidos novos elementos de prova.”;

3. “Que o acto administrativo que atribuiu o titulo de condução à arguida é nulo por ter sido determinado pela prática de um crime e não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”

4. Salvo o devido respeito, não partilhamos esse entendimento.

5. Dúvidas não restam que, os factos pelos quais a arguida se mostra acusada, são totalmente coincidentes com aqueles que foram objecto de decisão do MºPº de arquivamento, não constando qualquer surgimento de novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo MºPº no despacho de arquivamento.

6. O M.P. não pode considerar como surgimento de elemento de prova, a condução da arguida, quando única e exclusivamente contribuiu para que mesmo viesse a acontecer, ao devolver a carta aquela.

7. Acresce ainda ao referido em 6 que a arguida foi notificada da reabertura do processo, sem qualquer advertência de proibição de conduzir ou para proceder à entrega da carta de condução.

8. Mais, o relatório de exame pericial junto a fls 162/163 dos autos, veio concluir que o impresso de carta de condução e o selo branco do Comissariado das Comunicações e Transportes da Guiné Bissau aposto na certidão “ se admitem autênticos, não apresentando nenhum dos documentos vestígios de manipulação”, concluindo-se portanto na perícia como autentica nos seus elementos materiais.

9. Pelo que bem andou o tribunal a quo quando na sua decisão instrutória decidiu não conhecer do mérito em relação ao crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alíneas e9 e f), e nº 3, com referência ao artigo 255º, alínea a), ambos do Código Penal, imputado à arguida CSRD”. e

10. Não ter pronunciado a arguida CSRD pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e 2, do decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro.

11. Tal como se refere na decisão instrutória somos da opinião que em termos conceptuais, o despacho de arquivamento produz efeitos extraprocessuais (ao contrário do que sucede com a acusação que produz efeitos endoprocessuais), pois, decorridos os prazos peremptórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica), tem a força de caso decidido, apenas mutável e susceptível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa.

12. Mas os novos elementos de prova têm de pôr em causa esses fundamentos, e não apenas a bondade da decisão.

13. O que no caso dos autos não aconteceu.

14. No caso de hipótese de arquivamento do inquérito nos termos do art. 277.º do CPP (como sucedeu), pode manter-se ainda uma certa indefinição, quanto ao objecto do processo, que tem como consequência que em caso de reabertura do inquérito os factos podem ser ampliados, restringidos ou ser qualificados diversamente.

15. O arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto no art. 277.º do CPP, não tem efeitos preclusivos, pois o inquérito pode ser reaberto nos termos do art. 279.º n.º1 do mesmo diploma legal, o que pode suceder em dois casos, caso surjam novos factos, ou caso surjam elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento.

16. O principio ne bis in idem engloba uma verdadeira proibição de dupla perseguição penal, sempre que tenha ocorrido um qualquer ato processual do Estado que represente uma tomada definitiva de posição relativamente a determinado facto penal, quer seja através, do arquivamento do inquérito pelo Mº Pº, da decisão de não pronuncia pelo Juiz de Instrução criminal, de uma sentença, da declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por amnistia, prescrição do procedimento criminal ou até por mera desistência de queixa.

17. A regra do «ne bis in idem » (ou “non bis in idem ») é um princípio clássico do processo penal, já conhecido do direito romano, segundo o qual “ninguém pode ser perseguido ou punido penalmente pelos mesmos factos».

18. O instituto jurídico do caso julgado, embora não regulado expressamente na lei processual penal, decorre do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

19. Esta proibição assenta em razões de segurança jurídica, impedindo que o que nela se decidiu seja atacado quer dentro do mesmo processo, quer noutro processo.

20. O caso julgado material pressupõe, assim, para além da identidade do acusado e da existência de decisão definitiva, transitada em julgado, a identidade do objeto do processo.

21. Com efeito, só dentro de tal condicionalismo se compreende que o tribunal não possa voltar a reapreciar aquilo que apreciou ou, ainda que não tenha apreciado, que podia e devia apreciar.

22. Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, basta compulsarmos alguns trechos da irreparável Decisão proferida, a mesma que o Mº Pº coloca em causa para se louvar a sentença em crise e se concluir pela improcedência da argumentação do recorrente;

23. Alega ainda o recorrente que “ o acto administrativo que atribui o título de condução à arguida é nulo por ter sido determinado pela prática de um crime e não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade(…) ocorre ainda que se venha a entender que a arguida não deve ser pronunciada pelo crime de falsificação de documento”.

24. A incongruência de tal alegação é desprovida de fundamentação legal, não se pode afirmar que a carta de condução emitida pelo IMT tenha na sua base um crime, se do prisma material não há duvidas de que a carta não era nem contrafeita nem forjada.

25. Pois que, tal como consta da perícia realizada pela Policia Judiciária, junto aos autos, a carta entregue no IMT para troca, por a arguida, refere explicitamente tratar-se de um documento verdadeiro e sem vestígios de manipulação.

26. È no mínimo perturbador a congruência da hipótese criminal imputada pelo M.P. perante o relatório pericial da Policia Judiciária.

27. Porquanto, perante o acima alegado, forçoso é concluir que inexistem os argumentos carreados pelo recorrente para o seu recurso, a douta sentença proferida, a qual não se acha inquinada de qualquer vicio mas ao invés, se louva e deve ser mantida nos seus precisos termos.

Termos em que, deverá ser declarada improcedente a alegação do recorrente, louvando-se a decisão recorrida, mantendo-a nos seus precisos termos.

Termos em que não deve ser dado provimento ao presente recurso interposto e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”

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Neste tribunal da relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P. não foi oferecida qualquer resposta.

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APRECIAÇÃO

É apenas uma a questão a resolver no presente recurso: saber se ao invés do decidido na decisão instrutória recorrida, deve a arguida ser pronunciada pela prática de um crime de falsificação de documento e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

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A decisão recorrida é do seguinte teor (para melhor compreensão, inclui-se a matéria relativa ao arguido JC):

“DECISÃO INSTRUTÓRIA

I. RELATÓRIO:

1. Nos presentes autos, a arguida CSRD, nascida a …, filha de RDA e de MHNRDA, natural de …, solteira, …, id. civil n.º …, e residente …, …, requer a abertura de instrução por não se conformar com o despacho de acusação proferido pelo Ministério Público (cfr. fls. 576 e seguintes), com a seguinte imputação criminal:

«Pelo exposto, cometeu a arguida CSRD cometeu, em autoria material, na forma consumada e concurso real, um crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, e um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.».

2. Foi igualmente acusado pela prática dos mesmos ilícitos criminais o arguido JCSC, nascido a …, filho de JRC e de MGSS, natural de …, solteiro, id. civil n.º …, …, residente …, ….

3. Declarada aberta a instrução, realizou-se o debate instrutório com observância de todo o formalismo, conforme resulta da respectiva acta.

II. CONHECIMENTO DE NULIDADES E OUTRAS QUESTÕES PRÉVIAS OU INCIDENTAIS DE QUE SE POSSA CONHECER (ARTIGO 308º, NÚMERO 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL):

O tribunal é competente.

O processo é o próprio e válido.

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Os autos iniciaram-se com a participação de 10-11-2014 da Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Alentejo, a fls. 2, nos termos da qual informavam de irregularidades na prova teórica para a obtenção de habilitação legal de conduzir veículos automóveis relativamente a JCSC.

Em 06-11-2018, e após as diligências de investigação, foi determinado o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 277.º, do Cód. Processo Penal, sem prejuízo de reabertura.

Posteriormente, em 25-01-2019, a Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Alentejo informa que o arguido JCSC solicitou um pedido de troca de carta de condução da República do Zimbabwe, conforme resulta de fls. 362 a 366.

Em 29-01-2019, foi reaberto o inquérito, em face do elemento de prova remetido pela Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Alentejo. Nessa sequência foi realizada perícia à declaração da Embaixada da República Portuguesa em Harare emitida em 2018-12-20 e a uma carta de condução da República do Zimbabué, concluindo que a impressão do selo branco aposta na declaração é autêntica e, após adenda, a carta de condução é falsa.

A carta da arguida requerente foi apreendida em 27/08/2019.

Posteriormente, o Ministério Público profere acusação contra a arguida CSRD, imputando-lhe um crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, e um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

PAULO PINTO DE ALBURQUERQUE, CCCP, 3.ª Edição Actualizada: “A reabertura só pode ter lugar se ‘surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos do despacho de arquivamento. A natureza da novidade dos ‘novos elementos de prova’ é a mesma que caracteriza a novidade dos novos factos ou meios de prova do art.º 449.º, isto é, trata-se de factos que não eram conhecidos, nem podiam ser conhecidos pelo requerente, com a diligência devida.”.

A decisão de arquivamento perdura enquanto se mantiverem as circunstâncias que a determinaram, à semelhança com o efeito de caso julgado e o princípio rebus sic stantibus. A decisão de arquivamento proferida pelo Ministério Público, embora não seja uma sentença, tem força de caso decidido – cfr. Ac. do TRE, de 2008.12.16, em CJ, 2008. V, 268.

A decisão de reabertura do inquérito não é sindicável pelo juiz de instrução. Contudo, a Constituição da República Portuguesa preceitua no artigo 29.º, n.º 5 que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.”.

A Constituição proíbe o duplo julgamento e não a dupla penalização e pretende evitar a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção com a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do mesmo crime (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição Revista, GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Coimbra Editora 1993, p. 194).

Conforme se refere no mencionado Ac. do TRE, de 2008.12.16, in CJ: “O direito de não ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime é um direito subjectivo fundamental do cidadão, com expressa consagração constitucional (artigo 29.º, n.º 5, da C.R.P.).”

Perante a proibição de reviver processos já julgados com resolução executória, o caso julgado penal ou a excepção de ne bis in idem é causa de extinção da responsabilidade penal.

O principio do proibição de duplo julgamento pelos mesmos factos “embora pensado e estruturado em razão da segurança e paz jurídica”, “assume também uma garantia fundamental do cidadão que se traduz na certeza, que se lhe assegura, de não poder voltar a ser incomodado pela prática do mesmo facto” – cf. FREDERICO ISASCA, Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância em Processo Penal,. p. 218 e 226. Esta garantia visa limitar o poder de perseguição e de julgamento, autolimitando-se o Estado e proibindo-se o legislador e demais poderes estaduais à perseguição penal múltipla e, consequentemente, que exista um julgamento plural (cf. VIVAS USSHER, G., Manual de Derecho Procesal Penal, Tomo I, Córdoba, Alveroni, 1999, p. 150, citado no Ac. RL de 13.04.2011, de RUI GONÇALVES, disponível em www.dgsi.pt).

Como refere EDUARDO CORREIA, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias." (A teoria do concurso em direito criminal, Caso Julgado e Poderes Do Juiz, Coimbra 1983, pág. 302).

Para que a excepção de caso julgado penal seja eficaz com o seu efeito impeditivo, apesar de a Constituição referir-se ao julgamento, deve entender-se que abrange decisões equiparadas à sentença como o despacho de pronúncia, a conformação judicial de um caso concreto ter idêntica imputação. A imputação idêntica verifica-se quando tem por objecto mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa, irrelevando-se a qualificação jurídica atribuída aos factos.

O artigo 29.º, n.º 5, aborda a questão ao referindo-se “pela prática do mesmo crime”.

Esclarece FIGUEIREDO DIAS que “o crime por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal efectivamente aplicável ao caso. A essência de uma tal violação não reside pois nem por um lado na mera “acção”, nem por outro na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside (…) no ilícito-típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes.” (cf. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., 2007, pp. 988-989)

E acrescenta que “será a análise do significado do comportamento global que lhe empresta um sentido material (social) da ilicitude, devendo reconhecer-se, de um ponto de vista teleológico e de valoração normativa “a partir da consequência”, a existência de dois grupos de casos: (a) o caso “normal” em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos e, deste modo, a uma pluralidade de factos puníveis – hipóteses de concurso efectivo (do art. 30º,nº1), próprio ou puro; (b) e o caso em que, apesar do concurso de tipos legais efectivamente preenchidos pelo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude, que a ele corresponde uma predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos típicos praticados – hipóteses de concurso aparente, impróprio ou impuro. (…) Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível; a qual no entanto, também ela, pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente. Isto significa que o procedimento não pode em qualquer caso reduzir-se ao trabalho sobre normas, mas tem sempre de ser completado com um trabalho de apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto” (loc. cit., pp. 990-991)

Deve, ainda, manter-se a identidade do processado, ou seja, é necessário que a pessoa do acusado seja idêntica à que foi matéria do julgamento anterior à que se pôs termo no mérito de uma resolução executória.

É necessário que o primeiro processo tenha sido findo totalmente e que não seja susceptível de meio impugnatório algum, para que justamente se possa reclamar os efeitos de inalterabilidade que acompanha as decisões jurisdicionais que passam à autoridade de caso julgado.

De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-03-2008, do proc. n.º 2846/07-1, relatado por RIBEIRO CARDOSO, disponível em www.dgsi.pt, “Em termos conceptuais, entende-se que o despacho de arquivamento produz efeitos extraprocessuais (ao contrário do que sucede com a acusação que produz efeitos endoprocessuais), pois, decorridos os prazos peremptórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica), tem a força de caso decidido, apenas mutável e susceptível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa os efeitos da decisão de abstenção, no âmbito do mesmo processo. A relevância da motivação do despacho de arquivamento propaga-se para além dos momentos da sua sindicabilidade (intra-orgânica ou judicial) aos efeitos futuros do despacho que vale como caso decidido, pois os novos elementos de prova têm de por em causa esses fundamentos e não apenas a bondade da decisão.”

Assim, as considerações supra tecidas a respeito do ne bis in idem são inteiramente aplicáveis no caso de arquivamento do inquérito.

No caso em apreço, o despacho de arquivamento versou sobre a suspeita que recaia sobre a arguida requerente que obteve a carta de condução após o responsável da escola de condução lhe ter apresentado uma carta de condução, emitida pela República da Guiné Bissau, em seu nome e com todos os elementos de identificação, incluindo a sua assinatura e fotografia e a utilizou no processo de troca da carta no IMT de Évora. Posteriormente, o Ministério Público reabre o inquérito e deduz acusação contra a arguida requerente devido à utilização daquela carta de condução forjada no processo de troca de carta de condução estrangeira por carta de condução portuguesa e ao facto de se encontrar a conduzir no dia 27 de Agosto de 2019.

A única divergência prende-se com o acto de condução em 2019.

Decorrido os prazos impugnatórios do despacho de arquivamento, a factualidade referente ao título de condução da arguida requerente foi repetidamente apreciada pelo Ministério Público com identidade subjectiva e objectiva dos factos em questão no quadro histórico em relevo. Existem duas decisões diversas sobre a arguida com base nos mesmos factos, sem que exista fundamento processual que justificasse a divergência. Os novos elementos probatórios que sobrevieram após o despacho de arquivamento em nada respeitam à arguida CD. Não existiam elementos probatórios novos para divergir do decidido pelo Ministério Público em 06-11-2018. Prosseguir com os autos para julgamento da factualidade constante da acusação implicaria a violação do princípio geral de direito constitucional consagrado no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição.

Com as razões expostas, é procedente a excepção de direito penal de caso decidido, e, em consequência, não se conhece do mérito relativamente ao crime de falsificação de documento.

III. DA VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE SE TEREM VERIFICADO OS PRESSUPOSTOS DE QUE DEPENDE A APLICAÇÃO AO(S) ARGUIDO(S) DE UMA PENA OU MEDIDA DE SEGURANÇA:

A instrução é uma fase preliminar do processo, tal como o inquérito. A instrução visa, nos termos do art. 286.º, nº 1 do Código de Processo Penal, a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não uma causa a julgamento, configurando-se como um “expediente destinado a questionar o despacho de arquivamento ou a acusação deduzida” (SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, Código de Processo Penal Anotado, vol. II, pág. 158.)

Atendendo ao regime processual, a instrução é uma instância de controlo e não de investigação, embora não esteja de todo afastada qualquer actividade inquisitória, sendo que o juiz deve investigar autonomamente mas sempre dentro do acervo factual que lhe é apresentado no requerimento de abertura de instrução e que sempre delimitará os seus poderes de actuação. A instrução – importa acentuar – não é um novo inquérito, mas tão só um momento processual de comprovação; não visa um juízo de mérito, mas apenas um juízo sobre a acusação, em ordem a verificar da sua admissibilidade da submissão do arguido a julgamento com base na acusação que lhe foi formulada (MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, 15ª Edição, pág. 578.).

Em sentido negativo, a instrução não tem por finalidade directa a fiscalização ou complemento da actividade de investigação e recolha de prova realizada em inquérito, com o que, porém, não se pretende significar que nesta fase processual não se proceda também à fiscalização da legalidade dos actos praticados no decurso do inquérito e até à decisão da sua suficiência ou insuficiência.

Terminada a fase instrutória, o juiz proferirá decisão de pronúncia ou não pronúncia consoante tenha conseguido, ou não, recolher indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança.

Neste sentido prescreve o nº 1 do art.º 308.º que “se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

O nº 2 do art.º 283.º CPP refere que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”. Indícios suficientes prende-se com a suficiência como a maior probabilidade de condenação do que de absolvição e a suficiência como forte possibilidade de condenação.

Os indícios só são suficientes e a prova bastante, quando já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável que a absolvição.

O juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forme a sua convicção de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido.

A decisão deve resultar da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução devendo existir a convicção de forte possibilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação ou de que o não seja, sendo este caso para a não pronúncia.

1. FACTOS SUFICIENTEMENTE INDICIADOS:

1.º No dia 27 de agosto de 2019, pelas 07H45, a arguida CD conduzia o veículo automóvel de matrícula …, marca …, modelo …, na via pública que se desenvolve na localidade de …, altura em que foi intercetada por inspetores da Polícia Judiciária.

2.º A arguida conduzia aquele veículo a motor.

3º A arguida sabia que a condução de veículo com motor na via pública dependia da prévia obtenção de título de condução.

4.º Não obstante conhecer tais factos, quis conduzir aquele veículo automóvel nas circunstâncias supra descritas.

5.º No dia 07/01/2019, o arguido JCSC dirigiu-se ao Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT), Direção Regional de Évora, onde deu entrada de um requerimento, que ficou registado com o número de pedido …, solicitando àquela entidade a troca de carta de condução estrangeira por título equivalente português.

6.º Para instruir esse pedido, o arguido apresentou ao IMT a carta de condução com os dizeres “Zimbabwe Drivers Licence” e onde consta, entre outros elementos, o número …, a data de emissão de …, a existência das categorias …, o nome do arguido, a data de nascimento … e a fotografia do mesmo.

7.º Pelo IMT foi recebido o pedido do arguido para análise, tendo sido emitida a guia de substituição datada de 07/01/2019 e válida até 08/03/2019.

8.º Contudo, a carta de condução referida em 6. era forjada uma vez que não havia sido emitido pelas autoridades competentes da República do Zimbábue em seu favor, tratando-se de uma imitação através de reprodução não oficial de um documento, não tendo sido elaborado e criado por uma entidade oficial da República do Zimbábue ou através da autorização e conhecimento destas.

9.º O arguido JC não se submeteu a qualquer exame de condução em Portugal ou na República do Zimbábue.

10.º O arguido JC sabia que a dita carta era desconforme com a realidade, obtendo-a através pessoa ou entidade não autorizada à emissão de tal documento.

11.º Ao entregar no IMT – Direção Regional de Évora, a carta de condução supra, agiu com o propósito de fazer crer àquela entidade com competência para a troca de títulos de condução estrangeiros por portugueses, de que era, legitimamente, titular da referida carta de condução, por ter sido aprovado nos competentes exames, facto que o arguido bem sabia não corresponder à realidade e que, por isso, não era validamente titular de carta de condução emitida pela República do Zimbábue.

12.º Mais sabia o arguido que, ao utilizar tal documento, na forma e nas circunstâncias que utilizou e perante aquela entidade, o IMT, desacreditava a confiança e credibilidade bem como a fé pública que tais documentos merecem, em especial documentos oficiais emitidos por países soberanos e que podem ser usados em estados terceiros, e que o beneficio que obteria através de engano não era legitimo e visava a possibilidade de conduzir veículos em território português e passar a ser titular de uma carta de condução emitida pelo Estado Português.

13.º O arguido sabia que o documento descrito em 6.º e que apresentou junto do IMT era falso uma vez que não havia sido emitido pelas entidades da República do Zimbábue competentes em seu favor.

14.º Na verdade, sabia o arguido que os dados nele lavrados e não eram verdadeiros, o mesmo acontecendo com a entidade emissora e o Estado Emissor.

15.º Não obstante, o arguido quis usar aquele documento que sabia ter sido forjado, o que fez com o intuito de obter vantagem e benefício ilegítimo, designadamente de obter uma carta de condução emitida pelo estado português, sabendo que colocava em causa a fé pública dos documentos autênticos e a segurança no tráfego jurídico nacional e internacional, o que quis e conseguiu.

16.º O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas por lei.

17.º No dia 03 de junho de 2019, pelas 10H30, o arguido José Cabeças conduzia o veículo automóvel de matrícula …, marca …, modelo …, na via pública que se desenvolve no …, sentido …, área do município de …, tendo conduzido o referido veículo até à Zona Industrial de ….

18.º O arguido conduzia aquele veículo a motor sem que fosse titular de carta de condução, ou titular de outro documento com força legal equivalente, que o habilitasse a conduzir aquele automóvel.

19.º O arguido sabia que não estava habilitado a conduzir qualquer veículo com motor na via pública.

20.º O arguido sabia que a condução de veículo com motor na via pública dependia da prévia obtenção de título de condução.

21.º Não obstante conhecer tais factos, quis conduzir aquele veículo automóvel nas circunstâncias supra descritas.

22.º Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

2. FACTOS NÃO SUFICIENTEMENTE INDICIADOS:

- Sem que fosse titular de carta de condução, ou titular de outro documento com força legal equivalente, que a habilitasse a conduzir aquele automóvel.

- A arguida sabia que não estava habilitada a conduzir qualquer veículo com motor na via pública.

- Agiu a arguida de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

3. MOTIVAÇÃO:

O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica da prova recolhida durante as fases de inquérito e instrução. A prova foi valorada atendendo ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º CPP), o que significa, não é um juízo arbitrário e/ou meramente subjectivo acerca da prova produzida, mas sim «uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96).

Em particular, o tribunal baseou a sua convicção relativamente aos factos considerados como demonstrados e não demonstrados na apreciação conjugada e de acordo com as regras da experiência comum, dos seguintes elementos de prova:

3.1 PROVA DOCUMENTAL - Documentos de fls. 142 a 156; Informação de fls. 158 a 158-v; Carta e documento constantes de fls. 161; Auto de apreensão de fls. 221; Comunicação de fls. 362; Guia de substituição e fls. 363; Declaração de fls. 364; Documento de fls. 365; Carta de condução e declaração juntos a fls. 389; Informação de fls. 393 a 395; Auto de diligência de fls. 395; Auto de apreensão de fls. 396; Guia de substituição e fls. 397; Auto de notícia de detenção de fls. 398 a 401; Auto de diligência de fls. 441; Informação de fls. 442; Auto de apreensão de fls. 443 e respetiva carta de condução junta; Auto de notícia de detenção de fls. 444 a 447; - Informação de fls. 563, 564 e 567.

3.2. PROVA PERICIAL: Relatório de exame pericial de fls. 162 a 163; Relatório de exame pericial de fls. 390 a 391; e o Aditamento a exame pericial de fls. 436 a 437.

3.3. PROVA TESTEMUNHAL: Na acusação do Ministério Público foram indicadas duas testemunhas que correspondem às Senhoras Inspectoras da PJ que desenvolveram as diligências de investigação.

Especificamente, no que concerne à arguida CSRD, o auto de notícia e detenção em flagrante delito, a fls. 444 e seguintes, determinam a convicção deste tribunal no que respeita à factualidade descrita em 1) e 2).

A matéria descrita em 3) e 4) da factualidade considerada suficientemente indiciada decorre da prova documental junta aos autos, designadamente a inscrição em escola de condução.

No que se refere à condução sem ser titular de carta de condução, a prova recolhida no inquérito – e assente o pressuposto que impede o conhecimento da questão da falsidade de documento que instruiu o pedido de troca de título de condução estrangeiro – determina a convicção de que a arguida estava habilitada a conduzir no dia em que foi interceptada pelos inspectores da Polícia Judiciária.

Em 25 de Setembro de 2017 foi emitida pelo IMT de … a carta de condução portuguesa n.º …,, em nome da arguida, que se encontra apreendida nestes autos. Consequentemente, não se prova o elemento subjectivo do tipo criminal imputado e fica prejudicada a argumentação constante do requerimento de abertura de instrução – que a ser apreciada ficaria claramente condicionada pela falta de declarações da arguida.

Por sua vez, e no que concerne ao arguido JCSC, resulta suficientemente indiciado que o mesmo usou a carta de condução do Zimbabué para a obtenção de título de condução português válido. O arguido munido desse documento inicia o procedimento de troca de carta em Portugal. Não será despiciendo referir que, no pedido de troca de condução da República do Zimbabué, existe uma declaração de autenticidade da carta de condução obtida mediante a submissão a exame de condução em julho de 2017 (cfr. fls. 362, 364 e 391). Acresce que o arguido não tem qualquer registo de passagem pelas fronteiras externas, nem pediu a emissão de passaporte, conforme fls. 374 e 375. Portanto, nunca poderia ter sido submetido a exame de condução em Julho de 2017 na República do Zimbabué e obtido o título habilitante.

Os postos consulares não têm competência para atestar a veracidade e/ou autenticidade de documento público emanado por autoridade estrangeira.

E, à luz da prova documental recolhida, o tribunal logra em criar a convicção para a suficiente indiciação da factualidade descrita em 5) a 7).

O auto de notícia e detenção em flagrante delito, a fls. 398 e seguintes, determina a convicção no que respeita à factualidade descrita em 17) e 18).

Sujeita a exame pericial, a fls. 341 e 436, admite-se que a mencionada carta de condução é falsa. Considera-se suficientemente indiciado a factualidade descrita em 8).

A factualidade descrita em 9) a 15) advém da conjugação das regras de experiência comum em função da prova pericial reunida nos autos e da informação prestada pelo SEF, no sentido de inexistirem deslocações para fora do território nacional e a emissão de passaporte pelas autoridades nacionais, tanto mais que o arguido esteve inscrito para realizar exame teórico com vista à obtenção de título de condução. O arguido sabia e quis utilizar a forjado documento que o habilitava a conduzir no Zimbabué quando nunca esteve em tal país nem podia ter obtido tal título de condução. O arguido destinou tais elementos documentais ao procedimento de troca de título de condução estrangeiro de forma a obter o título de condução nacional e a evitar o procedimento de obtenção de título de condução a que estão sujeitos todos os nacionais.

A prova do elemento subjectivo decorre das condutas adoptadas pelo arguido à luz das regras de experiência comum: a incapacidade em obter o título de condução nacional, o uso de documento falsamente emitidos por entidade estrangeira para a obtenção de título de condução no procedimento de troca de títulos estrangeiros e o acto de condução munido do título que ardilosamente obtido. Neste contexto, o tribunal conclui pela existência de uma vontade deliberada e propositada de atentar os bens jurídicos da fé pública e da segurança rodoviária.

O juízo de não indiciação resulta não ter sido produzida qualquer prova que sustente a sua verificação nesta fase e o tribunal abstém-se de pronunciar sobre matéria contraditória à dada como suficientemente indiciada.

4. ENQUADRAMENTO JURÍDICO:

a. RESPONSABILIDADE JURIDICO-CRIMINAL DE CD

I - DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS

Preceitua o art.º 256.º do Cód. Penal:

“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

De acordo com o art.º 256.º do Cód. Penal, pune-se quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante.

E, no n.º 3 “se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. .”

Ora, em face das razões supra expostas, não é possível analisar a conduta praticada pela arguida.

II - DO CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL

Dispõe o artigo 3.º do Decreto-lei 2/98, de 3 de Janeiro que “1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”, e que “2 – Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”. O Código da Estrada, por seu turno, determina no seu artigo 121.º, n.º 1, que “Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito”.

A arguida vem acusada por um crime de condução sem habilitação legal previsto no art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-lei 2/98, de 3 de Janeiro.

Atenta a factualidade que resulta suficientemente indiciada, verifica-se que o Ministério Público não demonstrou que a arguida não se encontrava habilitada legalmente a conduzir veículos automóveis à data da apreensão do título.

Nestes termos, não se mostram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo criminal e, consequentemente, deverá ser proferida uma decisão de não pronúncia.

b. RESPONSABILIDADE JURÍDICO CRIMINAL DE JC

I - DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO

Preceitua o art.º 256.º do Cód. Penal:

“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

De acordo com o art.º 256.º do Cód. Penal, pune-se quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante.

E, no n.º 3 “se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. .”

O crime de falsificação de documentos é um crime intencional, isto é, o agente necessita de actuar com “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”.

“Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado. O facto de o agente ter de actuar com esta específica intenção não significa que se pretenda proteger outro bem jurídico que não seja o da credibilidade no tráfico jurídico-probatório. Não constitui objecto de protecção o património, tão pouco a confiança no conteúdo dos documentos, mas apenas a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, em especial no que respeita aos meios de prova, em particular a prova documental.” – cfr. HELENA MONIZ, in CCCP, p. 685.

A falsificação pode assumir formas diversas: falsificação material e ideológica ou intelectual. Na falsificação material o documento não é genuíno; na falsificação ideológica ou intelectual o documento é inverídico. A declaração de facto falso juridicamente relevante que se faz constar em documento regular corresponde a uma falsificação ideológica.

Em suma, na falsificação material o documento não é genuíno; na falsificação ideológica ou intelectual o documento é inverídico.

O tipo objectivo deste ilícito penal pode assumir as seguintes modalidades: (1) a fabricação “ex novo” de documento; (2) a modificação “a posteriori” de um documento já existente; (3) a integração no documento de uma assinatura de outra pessoa; (4) fazer constar num documento a declaração de um facto falso juridicamente relevante; (5) e a circulação de documento falso (cfr., neste sentido, HELENA MONIZ, ob. Cit., nota 23 ao artigo 256.º, p. 682).

Relativamente ao elemento do tipo subjectivo, constitui requisito essencial do delito a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo. Isto é, não basta que o agente queira realizar e realize o acto de falsificação, sendo necessário que realize a conduta com dolo específico, ou seja, a particular intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.

No caso em apreço, indicia-se suficientemente o uso de documento materialmente falso como se fosse uma legítima carta de condução emitida pela República do Zimbabué, uma vez que não foi emitida pelas entidades desse estado soberano. Com a sua conduta, prova-se para além da dúvida razoável que usou e facultou um documento contendo elementos falsos e/ou falsificados. Estão preenchidas as alíneas e) e f) do n.º1 do art.º 256.º do Cód. Penal.

O documento em questão corresponde a um documento autêntico na acepção do n.º3 do art.º 256.º, do Cód. Penal; tratava-se de documento emanado de uma autoridade pública com especial força probatória.

Demonstra-se suficientemente o dolo e a intenção em obter um benefício ilegítimo (a troca ilegal de título de condução estrangeiro por um título nacional).

Não se demonstram causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Praticou assim o arguido um crime de falsificação agravado nos termos do art.º 256.º, n.º1, alíneas e) e f) e 3, do Cód. Penal.

II - DO CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL

Dispõe o artigo 3.º do Decreto-lei 2/98, de 3 de Janeiro que “1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”, e que “2 – Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”. O Código da Estrada, por seu turno, determina no seu artigo 121.º, n.º 1, que “Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito”.

O arguido vem acusado por um crime de condução sem habilitação legal previsto no art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-lei 2/98, de 3 de Janeiro.

Ora, concluindo-se que foi um crime a determinar a decisão no procedimento de troca de título de condução estrageiro por título de condução nacional, necessariamente o título de condução entregue ao arguido é nulo.

De acordo com o art.º 161.º, do Código de Procedimento Administrativo,

«1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos: (...) c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime; (...).»

De acordo com o art.º 162.º, n.º1, Código de Procedimento Administrativo «O ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.». Esta asserção quer dizer que do acto nulo não resultam efeitos e que, consequentemente, ele não vincula ninguém, Administração e particulares, mesmo antes de ter sido declarado como tal pelo tribunal ou pela Administração.

Com efeito, o título de condução atribuído ao arguido é destituído de qualquer efeito, independentemente da declaração da sua nulidade, e nessa medida entende-se que o arguido no dia 03 de Junho de 2019 não se encontrava habilitado a conduzir veículos automóveis.

Derivada a habilitação legal para conduzir de um procedimento que o próprio condutor viciou cometendo um crime, inexistem dúvidas de que o arguido tinha conhecimento e vontade de praticar o acto de condução numa via pública sem estar valida e legalmente habilitado para o efeito.

Desta forma, encontram-se preenchidos os respectivos elementos do tipo legal de crime, objectivos e subjectivo, inexistindo causas que excluam a ilicitude, a culpa, ou que o desculpem.

Praticou assim o arguido, também, um crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º nºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

Em face do exposto, é possível formular um juízo seguro da previsível condenação do arguido, impondo-se a sua pronúncia, nos termos narrados na acusação do Ministério Público.

IV. DECISÃO:

Termos em que ao abrigo do disposto no artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, decido:

a) Não conhecer o mérito em relação ao crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, imputado à arguida CSRD.

b) Não pronunciar a arguida CSRD pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

c) Sem custas no que se refere à instrução requerida pela arguida CSRD em face da isenção legal – art.º 4.º, n.º1, al. a), RCP.

d) Declarar extinta a medida de coacção de termo de identidade e residência referente à arguida CSRD – art.º 214.º, n.º1, al. b) do Cód. Processo Penal

e) Pronunciar o arguido JCSC, nascido a …, filho de JRC e de MGSS, natural de …, solteiro, id. civil n.º …, …, residente …, …, para julgamento em Tribunal Singular (cfr. art.º 16.º, n.º3, CPP), pela prática de, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, um crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, e um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

Porquanto

1.º No dia 07/01/2019, o arguido JCSC dirigiu-se ao Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT), Direção Regional de Évora, onde deu entrada de um requerimento, que ficou registado com o número de pedido …, solicitando àquela entidade a troca de carta de condução estrangeira por título equivalente português.

2.º Para instruir esse pedido, o arguido apresentou ao IMT a carta de condução com os dizeres “Zimbabwe Drivers Licence” e onde consta, entre outros elementos, o número …, a data de emissão de …, a existência das categorias …, o nome do arguido, a data de nascimento … e a fotografia do mesmo.

3.º Pelo IMT foi recebido o pedido do arguido para análise, tendo sido emitida a guia de substituição datada de 07/01/2019 e válida até 08/03/2019.

4.º Contudo, a carta de condução referida em 2.º. era forjada uma vez que não havia sido emitido pelas autoridades competentes da República do Zimbábue em seu favor, tratando-se de uma imitação através de reprodução não oficial de um documento, não tendo sido elaborado e criado por uma entidade oficial da República do Zimbábue ou através da autorização e conhecimento destas.

5.º O arguido JC não se submeteu a qualquer exame de condução em Portugal ou na República do Zimbábue.

6.º O arguido JC sabia que a dita carta era desconforme com a realidade, obtendo-a através pessoa ou entidade não autorizada à emissão de tal documento.

7.º Ao entregar no IMT – Direção Regional de Évora, a carta de condução supra, agiu com o propósito de fazer crer àquela entidade com competência para a troca de títulos de condução estrangeiros por portugueses, de que era, legitimamente, titular da referida carta de condução, por ter sido aprovado nos competentes exames, facto que o arguido bem sabia não corresponder à realidade e que, por isso, não era validamente titular de carta de condução emitida pela República do Zimbábue.

8.º Mais sabia o arguido que, ao utilizar tal documento, na forma e nas circunstâncias que utilizou e perante aquela entidade, o IMT, desacreditava a confiança e credibilidade bem como a fé pública que tais documentos merecem, em especial documentos oficiais emitidos por países soberanos e que podem ser usados em estados terceiros, e que o beneficio que obteria através de engano não era legitimo e visava a possibilidade de conduzir veículos em território português e passar a ser titular de uma carta de condução emitida pelo Estado Português.

9.º O arguido sabia que o documento descrito em 2.º e que apresentou junto do IMT era falso uma vez que não havia sido emitido pelas entidades da República do Zimbábue competentes em seu favor.

10.º Na verdade, sabia o arguido que os dados nele lavrados e não eram verdadeiros, o mesmo acontecendo com a entidade emissora e o Estado Emissor.

11.º Não obstante, o arguido quis usar aquele documento que sabia ter sido forjado, o que fez com o intuito de obter vantagem e benefício ilegítimo, designadamente de obter uma carta de condução emitida pelo estado português, sabendo que colocava em causa a fé pública dos documentos autênticos e a segurança no tráfego jurídico nacional e internacional, o que quis e conseguiu.

12.º O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas por lei.

13.º No dia 03 de junho de 2019, pelas 10H30, o arguido JC conduzia o veículo automóvel de matrícula …, marca …, modelo …, na via pública que se desenvolve no …, sentido …, área do município de …, tendo conduzido o referido veículo até à Zona Industrial de ….

14.º O arguido conduzia aquele veículo a motor sem que fosse titular de carta de condução, ou titular de outro documento com força legal equivalente, que o habilitasse a conduzir aquele automóvel.

15.º O arguido sabia que não estava habilitado a conduzir qualquer veículo com motor na via pública.

16.º O arguido sabia que a condução de veículo com motor na via pública dependia da prévia obtenção de título de condução.

17.º Não obstante conhecer tais factos, quis conduzir aquele veículo automóvel nas circunstâncias supra descritas.

18.º Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

A prova: a indicada na acusação.

Medida de coacção: O arguido JCSC ficará sujeito ao Termo de Identidade e Residência já prestado nos autos.

Ao abrigo do disposto no artº 40º do C.P.P., declaro-me impedido para intervir no julgamento.

Após o trânsito em julgado,

1 – Por ofício que assinarei remeta o título de condução apreendido, certidão da presente decisão e do auto de inquirição de CSRD, a fls. 133 e seguintes, à Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Alentejo para os efeitos do art.º 129.º do Código da Estrada, designadamente, para sujeição a novo exame teórico e prático de condução dado surgirem fundadas dúvidas sobre a capacidade da condutora para conduzir com segurança.

2 – Remeta à distribuição.”

#

Vejamos então a questão que está em causa nos presentes autos.

Com vista a melhor se compreender o ocorrido nos autos importa considerar o seguinte (a transcrição quase integral do despacho de arquivamento do inquérito, do despacho de reabertura do mesmo e da acusação, torna-se imprescindível para melhor se compreender da adequação, ou não, da decisão recorrida):

- O inquérito iniciou-se com a participação enviada em 10/11/2014 pela direcção regional de mobilidade de transportes do Alentejo no qual se dava conta de duas situações:

1ª - No dia 30/10/2014 alguém que não o arguido JCSC compareceu no centro de exames de Évora realizando exame teórico exibindo documento de identificação com os dados daquele arguido, o qual tinha sido convocado para realizar exame nesse dia, através da escola de condução “…” de …;

2ª - O referido arguido e a arguida CD já tinham sido propostos para exame, ambos pela referida escola de condução, outras vezes anteriormente, não tendo ambos comparecido nessas outras vezes.

A arguida CD estava também proposta para realizar exame no dia 30/10/2014 e não compareceu, registando 5 faltas ao exame.

- Realizado que foi o inquérito, em 6/11/2018 foi proferido o seguinte despacho de arquivamento:

“Declaro encerrado o inquérito porquanto, analisados os elementos constantes dos autos os mesmos afiguram-se adequados à prolação de despacho final 8cfr artigo 276.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

***

DO ARQUIVAMENTO

Relatório

O presente processo de inquérito teve início com a participação remetida ao Ministério Público pelo Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT) de Évora, dando conta que no dia 30 de Outubro de 2014, pelas 14h00, foi realizada uma sessão de exames teóricos da categoria B nas instalações daquele IMT e para a qual estava convocado o candidato JCSC. Este candidato apresentou-se no IMT onde veio a realizar o exame com aproveitamento, no entanto, veio o examinador a apurar que a pessoa que ali se apresentou não era o verdadeiro candidato.

Mais se denunciou que uma outra candidata, CSRD, que havia sido proposta a exame teórico por três vezes, nunca compareceu, o que causou estranheza ao participante já que os candidatos pagam os exames mesmo que não os realizem.

Integração Jurídica

Os factos descritos são susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática de crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e( e f) e n.º 3, do Código Penal.

Diligências de Investigação

Procedeu-se a inquérito, o qual esteve a cargo da Polícia Judiciária, tendo sido realizadas todas as diligências de investigação reputadas úteis, possíveis e pertinentes ao apuramento da verdade e cabal esclarecimento dos factos denunciados.

Vejamos.

Procedeu-se à inquirição de PJAL, Técnico Superior do IMTT de Évora e responsável pela supervisão dos exames teóricos de condução e apoio técnico das escolas de condução. Foi nesta qualidade que deu conhecimento superior dos casos suspeitos e descritos na participação que esteve na base do presente inquérito.

A testemunha explicou que, no dia 30 de Outubro de 2014 supervisionou o exame teórico do candidato JCSC, proposto pela Escola de Condução denominada …, sita em …. Este candidato apresentou como documento identificativo um bilhete de identidade e os elementos constantes do mesmo correspondiam à informação constante da licença de aprendizagem e da folha de presenças. Não obstante, a testemunha disse ter a sensação que aquele B.I não era um documento verdadeiro e oficial, pelo que tirou uma fotocópia do documento para posterior comparação com o processo do candidato. Referiu que ao consultar o processo de JC constatou que, efectivamente, não se tratava da pessoa que compareceu ao exame, uma vez que o aluno da escola de condução contante do processo era portador de um cartão de cidadão.

Aditou que, quando viu o candidato que se apresentou a exame, teve uma sensação de “deja vu”, pensando que já antes aquele candidato teria realizado exames, pelo que a prova do candidato foi anulada, não tendo o candidato realizado ou sido proposto a novo exame, encontrando-se já sem LA válida.

Relativamente à candidata CSRD, a testemunha explicou que a mesma já tinha várias reprovações e faltas e não compareceu ao exame teórico naquele dia nem voltou a ser proposta a exame.

Por último, a testemunha disse que nunca mais voltou a ver o candidato que se apresentou como sendo JCSC, mas que talvez fosse capaz de o reconhecer caso o voltasse a ver.

A testemunha PL juntou aos autos uma nova cópia do B.I daquele individuo que se fez passar pelo candidato que se apresentou no dia do exame e uma cópia da anulação do resultado da prova teórica (cfr fls. 124 e 127).

Constituído e interrogado na qualidade de arguido, JCSC, por ter facultado a terceiros os seus elementos de identificação permitindo que outrem, utilizando um documento de identificação e permitindo que outrem, utilizando um documento de identificação falsificado com parte dos seus dados, se apresentasse no IMT de Évora no dia 30 de Outubro de 2014 e realizasse em sua substituição e prova teórica de condução, negou ter qualquer envolvimento nos factos denunciados. Declarou que esteve inscrito na Escola de Condução … onde veio a frequentar algumas aulas mas desistiu “porque não tinha cabeça para aquilo”. Dissse desconhecer ter tido algum exame de código marcado no IMT de Évora, nunca a testemunha J o notificou de nenhuma data para realização e um exame em Évora. Mais esclareceu que nunca foi ao Centro de Exames de Évora realizar uma sessão de exame teórico da categoria B e que nunca forneceu os seus elementos identificativos para que alguém o fizesse por si.

No interrogatório, foi exibida ao arguido a fotocópia do BI contante de fls. 123 e 124 autos e que contem os seus dados e a fotografia e altura do outro individuo, tendo o arguido afirmado perante a mesma que nunca antes tinha visto este BI, que não sabe quem é o individuo da fotografia e que nunca forneceu os seus dados a ninguém de forma a permitir que a sua documentação fosse falsificada.

Disse ainda que, em relação à assinatura constante do BI falsificado, garantiu que não se trata da sua assinatura.

Procedeu-se à inquirição de CSRD e pela mesma foi dito, em síntese, que esteve inscrita na Escola de Condução …, sita em …. A testemunha começou por afirmar que tirou a sua carta de condução através daquela escola, vindo, no entanto, a assumir que, por volta do mês de Julho de 2017, o responsável da escola de condução que sabe chamar-se J, lhe apresentou uma carta de condução, emitida pela Republica da Guiné Bissau, em seu nome e com todos os elementos de identificação, incluindo a sua assinatura e fotografia. Esclareceu que, na posse daquele documento, em Setembro de 2017, instruiu o processo de troca da carta no IMT de Évora e realizou exame prático de condução, tendo desta forma obtido carta de condução portuguesa.

Por fim, a testemunha disse que quem a transportou a Évora para que realizasse o exame necessário á troca da carta de condução foi o proprietário da escola de condução de nome J, a quem pagou a quantia de €80,00 mas negou ter pago qualquer quantia monetária pela carta da Republica da Guiné Bissau que aquele lhe arranjou.

No seguimento do depoimento prestado pela testemunha CD, foi solicitado ao IMT de Évora o processo de troca de carta desta candidata, tendo a carta de condução e a certidão emitida pela DGVTT da Republica da Guiné Bissau sido enviadas para análise ao Laboratório de Polícia Cientifica (LPC) da Polícia Judiciária.

O referido exame, que deu origem ao relatório de exame pericial junto a fls. 162/163 dos autos, veio a concluir que o impresso de carta de condução e o selo branco do Comissariado das Comunicações e Transportes da Guiné Bissau aposto na certidão “se admitem autênticos, não apresentando nenhum dos documentos vestígios de manipulação.

Diligenciou-se ainda junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no sentido de confirmar se CD havia viajado à Republica da Guiné Bissau em data que lhe permitisse a obtenção de carta de condução daquele país. Em resposta, o SFE informou não dispor de qualquer documento em nome de CD referente a viagens para fora do Espaço Shegen e que a mesma nunca solicitou a emissão de passaporte.

Atendendo à informação recolhida e às declarações prestadas pela testemunha CD foram emitidos mandados de busca às instalações da Escola de Condução … e bem assim à residência de …, proprietário da referida escola de condução.

Nas instalações da dita escola de condução, foram aprendidos com interesse para os autos e entre outros documentos, uma cópia da Certidão emitida pela Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações da Republica da Guiné Bissau e da Carta de Condução emitida pela Republica da Guiné Bissau em nome de CSRD.

Constituído na qualidade de arguido, …, foi interrogado sobre o facto de ter facultado a terceiros elementos de identificação de JC, tendo em vista a que o documento de identificação daquele fosse falsificado e utilizado por outrem, que se apresentou no IMT de Évora e realizou em substituição do candidato a prova teórica de condução e sobre o facto de ter fornecido, de forma ilícita, a CD, uma carta de condução emitida pela Republica da Guiné Bissau, o arguido declarou, em síntese, que: relativamente a CD, admitiu que, por lhe ter sido solicitado pela própria, foi quem lhe facilitou o contacto do individuo que arranjou aquela carta da Guiné Bissau, sendo que essa pessoa é … Disse não se recordar como foi marcado o encontro entre CD e …, mas afirmou ter acompanhado a sua aluna ao Centro Comercial denominado …, onde esta conversou com …, sendo que dias mais tarde, aquele individuo lhe entregou a carta de condução emitida pela Republica da Guiné Bissau, com a respectiva certidão, documentação de que tirou a copia apreendida nos autos e que entregou a CD e JC. Quanto aos factos susceptíveis de integrar o crime de falsificação de documento por este ultimo arguido, a aprova recolhida é muito ténue, ao eu acresce que o arguido negou peremptoriamente os factos que lhe foram imputados.

No que respeita a JCSC, o arguido negou em absoluto qualquer envolvimento na obtenção e um bilhete de identificação falso que permitisse a uma terceira pessoa apresentar-se no IMTT de Évora a realizar um exame em nome daquele e garantiu que JC sempre foi informado das datas dos exames agendadas, sendo que o ultimo foi anulado desconhecendo o motivo.

Constituída e interrogada na qualidade de arguida, CSRD, não prestou declarações sobre os factos que lhe foram imputados, ao abrigo do direito ao silêncio que lhe é conferido pela Lei Processual Penal pela assunção dessa qualidade.

Após se proceder à cabal identificação do individuo apontado pelo arguido …, como tendo sido a pessoa que forneceu a CD o título de condução emitido pela Republica da Guiné Bissau e confirmada a sua residência, foi realizada busca domiciliária e com o consentimento do buscado, foi efectuado exame preliminar ao seu computador de onde nada se retirou. Também no decurso da busca domiciliária nada foi encontrado de relevante para a investigação.

Procedeu-se à constituição como arguido de … e interrogatório nessa qualidade. O arguido, confrontado com o facto de sobre si recaírem suspeitas de se encontra envolvido num esquema de falsificação de documentos, com vista à obtenção de títulos de condução portugueses, nomeadamente, através de obtenção de cartas de condução da Republica da Guiné Bissau, o arguido prestou declarações. Negou ter qualquer envolvimento numa rede de falsificação de documentos de títulos de condução mas recordou-se que … lhe pediu que arranjasse uma carta de condução a um individuo, motivo pelo qual arranjou um encontro entre … e um individuo de nome …. Referiu ainda uma outra situação, ocorrida há cerca de 2 ou 3 anos, em que … lhe pediu que arranjasse uma carta de condução a um individuo de nome …, tendo-lhe dado €1.000,00 (mil euros) e a documentação do candidato necessária á obtenção da carta. Por isso, veio a encontrar-se com um individuo de raça negra num café em … a que entregou a documentação do candidato e a quantia monetária de €500,00 (quinhentos euros) e que esta individuo, cujo nome disse desconhece, foi o … quem lho apresentou.

Mais informou o arguido que o dito … é o dono da Escola de Condução ….

Ao arguido, após lhe serem exibidas as fotografias constantes das Fichas de Identificação Civil de JCSC e CSRD, negou conhecer tais pessoas mas que há cerca de 3 anos o dito … lhe disse que estava a tratar de arranjar uma carta de condução para uma rapariga de ….

Por fim, o arguido disse pensar que … obtinha as cartas de condução emitidas pela Republica da Guiné Bissau através de indivíduos de nacionalidade guineense, os quais, mediante pagamento, enviavam a documentação dos candidatos para aquele país onde as cartas eram emitidas.

Considerando os novos elementos revelados pelo arguido …, procedeu-se ao interrogatório complementar do arguido …, por existirem suspeitas de que, para além da carta da Guiné Bissau de CD, tenha o mesmo obtido de forma ilícita, e para outros indivíduos, títulos de condução semelhantes. O arguido, confrontado com tais factos, disse manter na íntegra as declarações prestadas e que são falsas as acusações que lhe foram dirigidas pelo arguido …. Disse que a única pessoa a quem facilitou a obtenção do título de condução foi a CD, que foi quem meteu em contacto o arguido … e a arguida CD.

Negou o arguido ter pedido mais algum outro título de condução a … e desconhecer quem seja o individuo de nome ….

Relativamente a …, o arguido assumiu conhecê-lo, tendo dito que o mesmo lhe foi apresentado por … num dia em que foi ao Centro de Exames do …, tratando-se de um encontro casual. Disse ainda que … e … estiveram a conversar com CD e que estes encontros não presenciou e que desconhece o assunto que foi tratado nos mesmos.

Foi ainda constituído como arguido e interrogado nessa qualidade, … pelo facto de sobre si recaírem suspeitas de se encontra envolvido num esquema de falsificação de documentos com vista à obtenção ilícita de títulos de condução remitidos pela Republica da Guiné Bissau e em cujo esquema se incluiu a carta de condução que arranjou para CD. O arguido prestou declarações. Disse conhecer … e …. Conheceu o primeiro por intermédio do segundo, no … num dia em que se deslocou com …, por este ter marcado um encontro com …. Aditou nunca ter feito qualquer tipo de negócio com ele e nunca esteve na sua escola de condução.

Afirmou conhecer … há vários anos, com que, para além da relação profissional, mantinha uma relação de amizade e que não estavam envolvidos em qualquer esquema de falsificação de documentos. Que se afastou de … despois de fechar a sua escola de condução. O arguido negou ainda que … ou … lhe tenham pedido cartas de condução emitidas pela Republica da Guiné Bissau para alguém. Disse ainda não se recordar de CD. Confrontado o arguido com as declarações prestadas pelo arguido … negou em absoluto tudo o que aquele declarou sobre a sua pessoa. Relativamente a …, o arguido garantiu nunca ter conhecido alguém com este nome e negou ter dito a … que andava a tratar de uma carta de condução da Guiné Bissau para uma rapariga de ….

Fundamentação

Descrita a prova recolhida e carreada para os autos, cumpre apreciar a mesma no sentido de concluir pela existência ou não de indícios suficientes da prática de crime pelos arguidos.

Veja-se que, como bem refere o relatório final elaborado nos presentes autos pela Polícia Judiciária, do teor das declarações prestadas pelos arguidos não é possível concluir entre … e …, qual dos dois terá providenciado pela carta de condução da Republica da Guiné Bissau à arguida CD, nem qual o valor que esta terá pago pela mesma, a quem pagou, sendo certo que esta arguida não prestou declarações.

E se existem suspeitas que ambos os arguidos … e … estão envolvidos em esquema de obtenção de cartas de condução, o certo é que se desconhece o modus operandi, qual a concreta intervenção ou tarefa de cada um nessa rede, os proventos ganhos e bem assim a sua relação com os arguidos ….

O arguido … negou peremptoriamente os factos ao que acresce que não se apurou a identidade dessa terceira pessoa a quem o arguido se socorreu e que se veio a apresentar a exame.

Assim, teremos que concluir pela fragilidade dos indícios recolhidos nos autos que não suportam a dedução de uma acusação contra os arguidos.

Com efeitos, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “se, durante o inquérito, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele”.

E nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”.

A decisão de acusação tem que se fundar em indícios suficientes, recolhidos durante o inquérito, de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente. E os indícios só são suficientes quando deles resultar uma possibilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou medida de segurança. Ora, essa possibilidade razoável, pelos motivos supra expostos, que se resumem na dificuldade de descrever o papel ou intervenção dos arguidos nos factos, ou seja, na descrição dos elementos objectivos do tipo de ilícito, por carência de prova suficientes, leva a que não reste outra possibilidade que não o arquivamento dos autos.

Ao que acresce que não se vislumbram outras diligências de investigação uteis e pertinentes ao esclarecimento dos factos.

Decisão de Arquivamento

Nesta conformidade e nos termos expostos, determino o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 277.º, do Código de Processo Penal, sem prejuízo de reabertura, caso surjam, entretanto, novos e relevantes elementos de prova.

Notificações

Notifique, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Comunique o presente despacho à Polícia Judiciária, nos moldes habituais.

Destrua o traslado.

Prescrição

Circular da PGR 8/2008 – data da prescrição: 30/10/2019.”

- Em 23/1/2019 a referida direcção regional enviou ofício dando conta de que o arguido JCC havia solicitado a troca de carta de condução da república do Zimbabué, carta essa que oferecia dúvidas quanto à forma pela qual foi obtida.

- Perante isso, em 29/1/2019 foi proferido o seguinte despacho, determinando a reabertura do inquérito:

“ DA REABERTURA DE INQUÉRITO

O presente processo de inquérito foi arquivado, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal porque, não obstante as diligências realizadas, os indícios não eram suficientes para imputar aos arguidos a prática dos factos denunciados.

Compulsado o teor do expediente agora junto aos autos a fls. 362 a 365, sobrevieram novos elementos probatórios aos autos, concretamente a informação remetida pelo IMTT dando conta da apresentação àqueles serviços de um pedido de troca de uma carta de condução da Republica do Zimbabwe, por JCSC, já constituído e interrogado como arguido no âmbito dos presentes autos pela prática de factos semelhantes.

Nos termos do disposto no artigo 279.º, n.º 1, do Código de Processo Penal “esgotado o prazo a que se refere o artigo anterior só pode ser reaberto o inquérito se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento”.

Face ao novo elementos de prova junto aos autos, pode a investigação avançar levando ao esclarecimento da concreta actuação dos arguidos na prática dos factos.

Assim, esta nova informação junta aos autos coloca em causa os fundamentos invocados no despacho de arquivamento que antecede.

Pelo exposto, e face aos novos elementos de prova juntos aos autos, determino, nos termos do artigo 279.º, n.º1, do Código de Processo Penal, a reabertura do presente inquérito.

*

Delego na Polícia Judiciária o encargo de proceder às pertinentes diligências de investigação relativas a este inquérito.

Prazo: 60 dias.

Decorrido o prazo referido, nada vindo, solicite informação sobre o estado do inquérito ou a sua devolução, caso se encontre concluído em condições de ser devolvido.

Remeta os autos e elabore traslado com as peças processuais relevantes.”

- Na sequência da reabertura do inquérito, foi realizada perícia à declaração da Embaixada da República Portuguesa em Harare, emitida em 2018-12-20, e a uma carta de condução da República do Zimbabué, concluindo que a impressão do selo branco aposta na declaração é autêntica e, após adenda, que a carta de condução é falsa.

- Em 27/08/2019 a P.J. interceptou a arguida CD a conduzir na via pública e apreendeu a carta de condução que a mesma exibiu e que é a mesma que é referida no despacho de arquivamento e que, conforme aí se refere, “.. tendo a carta de condução e a certidão emitida pela DGVTT da Republica da Guiné Bissau sido enviadas para análise ao Laboratório de Polícia Cientifica (LPC) da Polícia Judiciária.

O referido exame, que deu origem ao relatório de exame pericial junto a fls. 162/163 dos autos, veio a concluir que o impresso de carta de condução e o selo branco do Comissariado das Comunicações e Transportes da Guiné Bissau aposto na certidão “se admitem autênticos, não apresentando nenhum dos documentos vestígios de manipulação.”

- A referida carta de condução havia sido entregue à arguida em 4/12/2018, após requerimento seu nesse sentido, formulado após o despacho do arquivamento do processo, conforme termo de entrega de fls. 359.

- Em 3/8/2020 foi proferida a seguinte acusação:

“Questão prévia.

Nos presentes autos foi apreendido à arguida o título de condução CD com referência a emissão na República da Guiné-Bissau em …, com o n.º …, tendo sido considerado na perícia como autêntico nos seus elementos materiais (fls. 162 a 163).

Contudo, os elementos recolhidos apontam com suficiência no sentido que a arguida nunca esteve naquele país (fls. 158 a 158-v).

Tal conduta é suscetível de integrar a prática, em autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º nº 1, al. a) e b), e n.º 3, do CP, podendo integrar o mesmo crime previsto no artigo 199.º do Código Penal da República da Guiné-Bissau.

Assim sendo, face do critério estabelecido pelo artigo 7º, nº 1, do Código Penal, o crime em apreço foi praticado naquele país na parte respeitante à criação e/ou contrafação física do documento.

Conforme decorre dos critérios determinativos da competência dos tribunais portugueses para conhecerem de crimes cometidos no estrangeiro, vertidos no artigo 22º do Código de Processo Penal, os tribunais portugueses não são, pois, competentes para conhecer desses factos.

E, por via disso, igualmente não tem competência para proceder ao inquérito o Ministério Público – artigo 264º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Nos termos do citado artigo 22º, os tribunais portugueses apenas têm competência para conhecer de crime cometido no estrangeiro nas seguintes situações: a) quando o agente tenha sido encontrado em território nacional; b) quando o agente tenha domicílio em território nacional; c) quando o crime tenha sido praticado em parte em território nacional.

Quando não se verifiquem tais condições (como é o caso nestes autos), decorre do artigo 79º da LCJIMP (Lei 144/99, de 31 de agosto), que o procedimento penal por facto criminoso praticado fora do território português apenas pode ser instaurado ou continuar em Portugal a pedido de um Estado estrangeiro e se verificadas as condições especiais exigidas pelo artigo 80º daquela Lei e as demais condições gerais estatuídas em tal diploma legal.

Ora, tais requisitos não estão igualmente verificados.

Pelo que vem exposto conclui-se que o presente procedimento é legalmente inadmissível em Portugal, por incompetência das autoridades judiciárias portuguesas, nomeadamente do Ministério Público, para a sua prossecução.

Contudo, desconhecendo-se, em rigor, se foi ou não iniciado naquele Estado procedimento criminal pelos factos denunciados, e tendo em conta a sua gravidade, bem como a urgência na sua investigação, entende-se ser caso de transmissão do procedimento para Estado estrangeiro.

Havendo concordância, e verificando-se, no caso, as circunstâncias gerais previstas na Lei º 144/99, acima referida, bem como as condições especiais previstas no seu artigo 90º, n.º 1 (já que o factos integram crime segundo a legislação portuguesa e segundo a legislação da República da Guiné-Bissau; a reacção criminal privativa da liberdade é de duração máxima superior a um ano; o suspeito é nacional da República da Guiné-Bissau a delegação encontra plena justificação no interesse da boa administração da justiça), aparecendo como justificado que a denúncia a apresentar à República da Guiné-Bissau para efeitos de instauração de um processo penal seja feita entre as autoridades centrais com o pedido de que seja solicitada a transmissão do procedimento criminal nessa parte, atenta a delegação de competência de que dispõe, conforme artigos 92.º e 165.º da predita lei, e Despacho n.º 11366/2019de 19.11.2019, de Sua Excelência, a Ministra da Justiça.

Para o efeito, deverá ser extraída certidão deste despacho e de fls. 133 a 134-v, 158 a 158-v, dos documentos constantes de fls. 161, bem como de fls. 162 a 163, por ofício por mim assinado, e remetida a Sua Excelência, a Procuradora-Geral da República, por intermédio da Exm.º Senhor Procurador da República Chefe do seu Gabinete.

Apresente os autos ao Exmo. Senhor Procuradora da República Coordenador para apreciação da suscitada incompetência (quanto à criação e/ou contrafação do documento) e remessa de certidão.

***

Utilização da Declaração de fls. 364 (cujo original consta do saco de prova de fls. 389). Certidão.

Verifica-se que o arguido JC juntou uma declaração onde foi descrito que “para os devidos efeitos julgados convenientes, declara-se que a Carta de Condução n°…, emitida a favor de JCSC, nascido o …, sexo masculino, pelos Serviços de Viação e Trânsito da República do Zimbábue, aos …, sem restrições para as categorias que dela constam, …e categoria … é autêntica, e foi obtida mediante submissão a exame de condução em …. Por ser verdade e nos haver sido solicitado, passa-se a presente declaração que vai ser devidamente assinada e autenticada com o selo branco em uso nesta Embaixada.

Harare 20 de dezembro 22018”

Tal declaração consta como assinada por …, Assistente Técnica, Embaixada de Portugal em Harare.

A fls. 385 a 386 foi junta aos autos uma informação proveniente de …. A Inspeção-Geral Diplomática e Consular veio prestar a informação de fls. 490 a 491, que suportam as suspeitas sobre a criação e utilização daquele documento.

Pelo exposto, em face da informação de fls. 490 a 491, designadamente a existência de dúvidas quanto à autenticidade do item do carimbo aposto na declaração (ponto 5 da informação) e atenta a referência no ponto 17 a possíveis infrações de natureza penal e financeira (existindo referência a pagamento no preenchimento da informação do carimbo e a Inspeção-geral informou que já não estava em uso), determino que seja extraída certidão deste despacho, de fls. 362 a 365, 385 a 386, 390 a 391, 479 a 493-v, tendo em vista instaurar inquérito autónomo para apurar os factos acima indicados respeitantes à declaração de fls. 364, designadamente ao modo como foi produzida a declaração de fls. 364, utilizados os respetivos dados do carimbo e selos, os dados refentes a pagamento, bem como quanto à utilização no dia 07.01.2019 da declaração de fls. 364 por parte de JC (deve ser RDA como inquérito - Contrafação de selos, cunhos, marcas ou chancelas – IO e distribuído ao signatário nos termos do artigo 6.º, n.º 4, do anexo I do regulamento da procuradoria da república da comarca de Évora).

**

Manutenção parcial do arquivamento.

Relativamente aos factos relacionados com o episódio ocorrido no dia 30 de outubro 2014, pelas 14h00, em que foi realizada uma sessão de exames teóricos da categoria B nas instalações do IMT de Évora e para era candidato e convocado JCSC, existindo fortes suspeitas de ter comparecido no local outra pessoa, utilizando documentos falsos, não tendo sido produzida prova quanto a essa matéria, mantém-se o arquivamento, com os fundamentos já expostos no douto despacho de fls. 333 a 340.

Por outro lado, também quanto aos arguidos …, … e … não tendo sido produzidos novos elementos de prova quanto a essa matéria e quanto a factos levados a cabo pelos mesmos e não tendo sido apurados novos factos quantos aos mesmos, mantém-se o arquivamento, com os fundamentos já expostos no douto despacho de fls. 333 a 340. Na verdade, os novos elementos probatórios recolhidos nos autos após o arquivamento apenas dizem respeito a condutas levadas a cabo pelos arguidos CSRD e JCSC. O mesmo acontece quanto a novos factos.

A arguida CD remeteu-se ao silêncio (fls. 463 a 465).

O arguido … não fez qualquer referência aos demais arguidos. A diligência de fls. 498 foi infrutífera.

Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.03.2018, processo 38/16.6PBFUN.L1-3, relator Vasco Freitas, disponível em dgsi.pt, “Assim pode concluir – se que o arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto no art. 277.º do CPP, não tem efeitos preclusivos, pois o inquérito pode ser reaberto como já referimos nos termos do art. 279.º n.º1 do mesmo diploma legal, o que pode suceder em dois casos, caso surjam novos factos, ou caso surjam elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento. O despacho de arquivamento neste âmbito é da exclusiva competência do Ministério Público e nele não há qualquer intervenção judicial. A decisão em causa não é, pois, jurisdicional e consequentemente, não é susceptível de recurso, nem de trânsito em julgado. Em termos conceptuais, entende-se que o despacho de arquivamento produz efeitos extraprocessuais (ao contrário do que sucede com a acusação que produz efeitos endoprocessuais), pois, decorridos os prazos peremptórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica), tem a força de caso decidido, apenas mutável e susceptível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa os efeitos da decisão de abstenção, no âmbito do mesmo processo. A relevância da motivação do despacho de arquivamento propaga-se para além dos momentos da sua sindicabilidade (intra-orgânica ou judicial) aos efeitos futuros do despacho que vale como caso decidido, pois os novos elementos de prova têm de pôr em causa esses fundamentos, e não apenas a bondade da decisão.”

Proferido despacho de arquivamento existe uma situação de caso decidido, apenas podendo ser alterado nos termos referidos no Douto Acórdão citado. Desta forma, com exceção da factualidade referente a CSRD e JCSC que vai ser objeto de acusação pública infra, mantenho o arquivamento quanto aos demais factos e demais arguidos – artigo 277.º, n.º 2, do CPP.

Arquivamento parcial.

Resulta suficientemente indiciado nos autos que a carta de condução junta pelo arguido JC com o requerimento no IMT no dia 07.01.2019 é falsa, conforme resulta do relatório de exame pericial junto aos autos.

Tais factos são suscetíveis de integrar, em abstrato, a prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1 e 3, com referência ao artigo 255.º, ambos do Código Penal, na vertente da criação do documento.

Não obstante a versão do arguido, não foi possível apurar em concreto de qualquer atuação de terceiro devidamente identificado, dolosa e com a intenção especifica prevista na norma incriminadora, pelo que também não existem nos autos outros elementos de prova suscetíveis de conduzir à descoberta do (s) autor (es) do documento falsificado, sendo infrutíferas as diligências de investigação realizadas até ao momento.

Nestes termos e não se vislumbrando, por ora, outras diligências úteis a realizar, determino, quanto a estes factos, o arquivamento dos presentes autos nessa parte, nos termos do disposto pelo artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quanto aos autores da contrafação e agentes que diligenciaram pela entrega do documento ao arguido JC.

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A arguida tem mandatário constituído nos autos – cfr. fls. 220.

Desde já se informa o arguido de que fica obrigado, caso seja condenado, a pagar os honorários do defensor oficioso, salvo se lhe for concedido apoio judiciário, e que pode proceder à substituição desse defensor mediante a constituição de advogado.

Defensor oficioso nomeado ao arguido através do SINOA nos autos – fls. 413, cuja nomeação se mantém.

**

Da intervenção de Tribunal Singular – artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

A moldura penal abstratamente aplicável ao concurso de crimes de que os arguidos vão acusados contempla uma pena máxima abstrata superior a 5 anos de prisão.

Contudo, vistas as concretas circunstâncias em que ocorreram aqueles crimes, mais concretamente o tempo decorrido desde os factos, não tendo resultando consequências permanentes graves para terceiros, conjugados com a circunstância de a moldura individual dos crimes não ultrapassar os 5 anos, Ministério Público entende que não deve ser aplicada, em concreto, uma pena superior única cinco anos de prisão, atendendo aos critérios usados pela Jurisprudência dos nossos Tribunais, razão pela qual, ao abrigo do disposto no art. 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o Ministério Público deduz acusação, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular.

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Acusação Pública.

O Ministério Público deduz acusação, em processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, contra

CSRD, nascida a …, filha de RDA e de MHNRDA, natural de …, solteira, …, id. civil n.º…, e residente na …, …, e

JCSC, nascido a …, filho de JRC e de MGSS, natural de …, solteiro, id. civil n.º …, …, residente no …, …,

Porquanto resulta suficientemente indiciado dos autos que:

Arguida CD.

1.

No dia 10/02/2017, a arguida CSRD dirigiu-se ao Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT), Direção Regional de Évora, onde deu entrada de um requerimento, que ficou registado com o número de pedido …, solicitando àquela entidade a troca de carta de condução estrangeira por titulo equivalente português.

2.

Para instruir esse pedido, a arguida apresentou ao IMT a carta de condução com a referência República da Guiné-Bissau, carta de condução, e onde constavam, entre outros elementos, o número …, a data de emissão de …, a validade até …, a existência da categoria …, o nome da arguida, a data de nascimento de … e a fotografia da mesma.

3.

E instruía ainda o referido pedido com uma certidão descritiva da carta de condução referida em 2, referida como tendo sido emitida pela Direcção Geral de Viação e Transportes Terrestes na República da Guiné-Bissau, com data aposta de ….

4.

Contudo, a carta de condução referida em 2. era forjada uma vez que a arguida não se submeteu a qualquer exame de condução em Portugal ou na República da Guiné-Bissau em data anterior a ….

5.

A arguida CD sabia que a dita carta era desconforme com a realidade, obtendo-a através pessoa ou entidade não autorizada à emissão de tal documento.

6.

Ao entregar no IMT – Direção Regional de Évora, a carta de condução supra, a arguida agiu com o propósito de fazer crer àquela entidade com competência para a troca de títulos de condução estrangeiros por portugueses, de que era, legitimamente, titular de carta de condução, por ter sido aprovado nos competentes exames, facto que a arguida bem sabia não corresponder à realidade e que, por isso, não era validamente titular de carta de condução emitida pela Republica da Guiné-Bissau.

7.

Mais sabia a arguida que, ao utilizar tal documento, na forma e nas circunstâncias que utilizou e perante aquela entidade, o IMT, desacreditava a confiança e credibilidade bem como a fé pública que tais documentos merecem, em especial documentos oficiais emitidos por países soberanos e utilizáveis em estados terceiros, e que o beneficio que obteria, através de engano a que conduziu as autoridades competentes para a troca solicitada pela arguida, não era legitimo e consistia na possibilidade de conduzir veículos em território português e receber uma carta de condução portuguesa.

8.

A arguida sabia que o documento descrito em 2.º e que apresentou junto do IMT era desconforme com a realidade uma vez que não havia sido emitido pelas entidades da República da Guiné-Bissau competentes em seu favor na sequência de submissão aos competentes exames escritos e teóricos naquele país.

9.

Na verdade, sabia a arguida que os dados nele lavrados não eram verdadeiros.

10.

Não obstante, a arguida quis usar aquele documento que sabia ter sido forjado, o que fez com o intuito de obter vantagem e benefício ilegítimo, designadamente de obter uma carta de condução emitida pelo estado português, sabendo que colocava em causa a fé pública dos documentos autênticos e a segurança no tráfego jurídico nacional e internacional, o que quis e conseguiu.

11.

Pelo IMT foi recebido o pedido da arguida para análise e, na convicção daqueles serviços que a arguida era titular de forma legítima de uma carta emitida pela República da Guiné-Bissau e após submissão a prova prática de exame, a carta de condução apresentada pela arguida foi trocada e foi emitida pelo IMT uma carta de condução portuguesa a favor da arguida.

12.

De facto, em … foi emitida pelo IMT de Évora a carta de condução portuguesa n.º …, em nome da arguida, que foi entregue à arguida e que esta passou a transportar consigo.

13.

A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas por lei.

14.

No dia 27 de agosto de 2019, pelas 07H45, a arguida CD conduzia o veículo automóvel de matrícula …, marca …, modelo …, na via pública que se desenvolve na localidade de …, altura em que foi intercetada por inspetores da Polícia Judiciária.

15.

A arguida conduzia aquele veículo a motor sem que fosse titular de carta de condução, ou titular de outro documento com força legal equivalente, que a habilitasse a conduzir aquele automóvel.

16.

A arguida sabia que não estava habilitado a conduzir qualquer veículo com motor na via pública.

17.

A arguida sabia que a condução de veículo com motor na via pública dependia da prévia obtenção de título de condução.

18.

Não obstante conhecer tais factos, quis conduzir aquele veículo automóvel nas circunstâncias supra descritas.

19.

Agiu a arguida de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Arguido JC.

20.

No dia 07/01/2019, o arguido JCSC dirigiu-se ao Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT), Direção Regional de Évora, onde deu entrada de um requerimento, que ficou registado com o número de pedido …, solicitando àquela entidade a troca de carta de condução estrangeira por titulo equivalente português.

21.

Para instruir esse pedido, o arguido apresentou ao IMT a carta de condução com os dizeres “Zimbabwe Drivers Licence” e onde consta, entre outros elementos, o número …, a data de emissão de …, a existência das categorias … e …, o nome do arguido, a data de nascimento … e a fotografia do mesmo.

22.

Pelo IMT foi recebido o pedido do arguido para análise, tendo sido emitida a guia de substituição datada de 07/01/2019 e válida até 08.03.2019.

23.

Contudo, a carta de condução referida em 21. era forjada uma vez que não havia sido emitido pelas autoridades competentes da República do Zimbábue em seu favor, tratando-se de uma imitação através de reprodução não oficial de um documento, não tendo sido elaborado e criado por uma entidade oficial da República do Zimbábue ou através da autorização e conhecimento destas.

24.

O arguido JC não se submeteu a qualquer exame de condução em Portugal ou na Republica do Zimbábue.

25.

O arguido JC sabia que a dita carta era desconforme com a realidade, obtendo-a através pessoa ou entidade não autorizada à emissão de tal documento.

26.

Ao entregar no IMT – Direção Regional de Évora, a carta de condução supra, agiu com o propósito de fazer crer àquela entidade com competência para a troca de títulos de condução estrangeiros por portugueses, de que era, legitimamente, titular da referida carta de condução, por ter sido aprovado nos competentes exames, facto que o arguido bem sabia não corresponder à realidade e que, por isso, não era validamente titular de carta de condução emitida pela República do Zimbábue.

27.

Mais sabia o arguido que, ao utilizar tal documento, na forma e nas circunstâncias que utilizou e perante aquela entidade, o IMT, desacreditava a confiança e credibilidade bem como a fé pública que tais documentos merecem, em especial documentos oficiais emitidos por países soberanos e que podem ser usados em estados terceiros, e que o beneficio que obteria através de engano não era legitimo e visava a possibilidade de conduzir veículos em território português e passar a ser titular de uma carta de condução emitida pelo Estado Português.

28.

O arguido sabia que o documento descrito em 2.º e que apresentou junto do IMT era falso uma vez que não havia sido emitido pelas entidades da Republica do Zimbábue competentes em seu favor.

29.

Na verdade, sabia o arguido que os dados nele lavrados e não eram verdadeiros, o mesmo acontecendo com a entidade emissora e o Estado Emissor.

30.

Não obstante, o arguido quis usar aquele documento que sabia ter sido forjado, o que fez com o intuito de obter vantagem e benefício ilegítimo, designadamente de obter uma carta de condução emitida pelo estado português, sabendo que colocava em causa a fé pública dos documentos autênticos e a segurança no tráfego jurídico nacional e internacional, o que quis e conseguiu.

31.

O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas por lei.

32.

No dia 03 de junho de 2019, pelas 10H30, o arguido JC conduzia o veículo automóvel de matrícula …, marca …, modelo …, na via pública que se desenvolve no …, sentido …, área do município de …, tendo conduzido o referido veículo até à Zona Industrial de ….

33.

O arguido conduzia aquele veículo a motor sem que fosse titular de carta de condução, ou titular de outro documento com força legal equivalente, que o habilitasse a conduzir aquele automóvel.

34.

O arguido sabia que não estava habilitado a conduzir qualquer veículo com motor na via pública.

35.

O arguido sabia que a condução de veículo com motor na via pública dependia da prévia obtenção de título de condução.

36.

Não obstante conhecer tais factos, quis conduzir aquele veículo automóvel nas circunstâncias supra descritas.

37.

Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Pelo exposto, cometeu a arguida CSRD cometeu, em autoria material, na forma consumada e concurso real, um crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, e um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

O arguido JCSC cometeu, em autoria material, na forma consumada e concurso real, um crime de falsificação ou contrafação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 3, com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, e um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n. º 2/98, de 3 de janeiro.

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(…)

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Remeta certidão deste despacho ao IMT para os fins tidos por convenientes, tanto mais que existe referência a indícios suficientes de que a carta de condução emitida a favor da arguida teve na sua base um pressuposto que não correspondia à realidade.

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Remeta certidão deste despacho ao Ministério Público junto do TAF visto que existe indicação de que a carta emitida a favor da arguida CD terá sido objeto de despacho administrativo de deferimento com base em elementos que não correspondiam à realidade.

*

Comunique o teor do presente despacho à Polícia Judiciária, pela via habitual.”

- Na sequência da referida acusação, a arguida CD requereu a abertura da instrução, finda a qual foi proferida a decisão instrutória acima transcrita, sendo dessa decisão instrutória que o Ministério Público interpôs recurso, na parte em que não se pronunciou a arguida CD.

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Vistas as circunstâncias do processo, temos desde logo que concordar com a decisão instrutória na parte em que se refere:

“A única divergência prende-se com o acto de condução em 2019.

(…)

Decorrido os prazos impugnatórios do despacho de arquivamento, a factualidade referente ao título de condução da arguida requerente foi repetidamente apreciada pelo Ministério Público com identidade subjectiva e objectiva dos factos em questão no quadro histórico em relevo. Existem duas decisões diversas sobre a arguida com base nos mesmos factos, sem que exista fundamento processual que justificasse a divergência. Os novos elementos probatórios que sobrevieram após o despacho de arquivamento em nada respeitam à arguida CD. Não existiam elementos probatórios novos para divergir do decidido pelo Ministério Público em 06-11-2018.”

Com efeito, a reabertura do inquérito foi determinada porque o I.M.T. comunicou que o arguido JC tinha aí entregue para troca uma carta de condução do Zimbabué que se suspeitou ser falsa (falsidade posteriormente confirmada pelo exame pericial efectuado).

Nada se referiu de novo quanto à arguida CD.

E no “inquérito reaberto” a única diligência que se fez relativamente à arguida CD foi a apreensão da carta de condução que lhe havia sido entregue em 4/12/2018 na sequência do anterior arquivamento, conforme já acima se referiu.

Chegados ao fim do “inquérito reaberto” foi a arguida CD acusada dos mesmos factos que estiveram em investigação antes do despacho de arquivamento, referindo-se agora que a carta de condução era forjada, o que a arguida bem sabia, apesar de continuar a constar nos autos o exame pericial que foi determinante para o anterior arquivamento e que conclui não haver indícios de o mesmo ter sido forjado.

Temos, portanto, que uma coisa é certa: não existem indícios suficientes para que a arguida seja pronunciada pela prática do crime de falsificação de documento que lhe é imputado.

Tudo está em saber se a questão deve ser tratada em sede de questão prévia, como se fez na decisão recorrida, ou em sede de apreciação dos indícios, como a arguida apresentou a questão no requerimento de abertura de instrução.

Temos que convir, face às circunstâncias concretas deste caso, que a questão é praticamente indiferente.

É que na apreciação como questão prévia, como se fez na decisão recorrida, no fundo o que se apreciou foi a total falta de novos indícios que levasse à pronúncia da arguida.

É certo que a decisão recorrida refere que: “Com as razões expostas, é procedente a excepção de direito penal de caso decidido, e, em consequência, não se conhece do mérito relativamente ao crime de falsificação de documento.”

Mas para concluir que ocorreu a “excepção de direito penal de caso decidido” a decisão recorrida teve que analisar a (in)existência de indícios, após o despacho de arquivamento.

É que só assim era possível concluir que não havia razões para a reabertura do inquérito, tendo a declaração de reabertura sido proferida ao arrepio do artº 279º, nº 1, do C.P.P..

Temos como certo que a reabertura do inquérito não é passível de controlo judicial (neste sentido, embora relativamente a uma situação diferente da que está aqui em causa, ac. da rel. do Porto de 2/11/2005, C.J. V, 211), isto é, o Juiz não pode agora decidir que o inquérito nem sequer devia ser reaberto e “invalidar” tudo o que posteriormente ocorreu

A única possibilidade de pôr em causa a reabertura do inquérito é a que está prevista no nº 2 do artº 279º do C.P.P..

Mas, como não pode deixar de ser, a instrução pode ser requerida com fundamento em que a acusação se baseou nos mesmos indícios que (não) existiam aquando da prolação do despacho de arquivamento.

Não se está a pôr em causa directamente o despacho de reabertura do inquérito, mas indirectamente é isso que ocorre, embora por via do pedido de não pronúncia, ou seja, de não submissão a julgamento, conforme permite o artº 286º, nº 1, do C.P.P..

Foi o que ocorreu nos presentes autos e, por isso, seja como questão prévia, como se entendeu na decisão recorrida, seja porque não há indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação à arguida de uma pena (cfr. artº 308º, nº 1, do C.P.P.), sempre a arguida não deveria ter sido pronunciada, como não foi.

O resultado é o mesmo: a arguida não pode ser submetida a um julgamento por virtude de uma acusação relativa aos mesmos factos que foram objecto de arquivamento prévio, sob pena de violação do que se tem entendido designar por “força de caso decidido” ou, numa outra formulação mais rigorosa face ao actual C.P.P. e ao disposto no seu artº 279º, nº 1, “força de caso julgado rebus sic stantibus” – “enquanto se mantiverem os seus pressupostos, a decisão tomada pelo MP não poderá ser alterada (cfr. Paulo Albuquerque, Comentário ao C.P.P., 2ª edição, pág. 725 e ac. da rel. de Évora de 16/12/2008, relatado pelo Exmº Desembargador João Amaro, C.J., V, 268, embora também esta decisão verse sobre situação diferente da do presente recurso; também a este propósito, João Conde Correia, Comentário Judiciário do C.P.P., III, 1053 e 1054).

E no seguimento do referido, também quanto ao crime de condução sem habilitação legal, a decisão recorrida não merece reparo, sendo certo que a eventual inexistência de documento válido para a condução está relacionada com a sua eventual falsificação, cujos factos consubstanciadores, repete-se, foram objecto de arquivamento, inexistindo quaisquer meios de prova posteriores que levem à verificação de indícios suficientes de a mesma ter ocorrido.

Nem se apele ao artº 7º do C.P.P., como faz o recorrente, para, apesar do arquivamento, se prosseguir para julgamento a fim de se apurar se há, ou não, falsificação da carta de condução, pois só assim será possível concluir pela eventual inexistência de documento válido.

É que se assim fosse, então o arquivamento, e as regras e os princípios que regem a reabertura do inquérito, de nada serviriam, pois sempre poderia/deveria o tribunal, em fase de julgamento, ir novamente “investigar” os mesmos factos relativamente aos quais recaiu o arquivamento.

Seria a violação clara do princípio do acusatório (artº 32º, nº 5, da C.R.P.).

É certo que a carta de condução apreendida à arguida pode ter sido obtida por meios fraudulentos que nada tenham que ver com falsificação, uma vez que, pelo menos face ao exame pericial efectuado, a mesma não será falsa, no sentido de ter sido “fabricada”.

A carta pode ser verdadeira, emitida pela entidade competente da Guiné-Bissau, mas ter sido obtida, por exemplo, através da prática de um crime de corrupção ou de abuso de poder, mas para o apuramento disso, o MºPº enviou certidão para a Guiné-Bissau.

Por último, não se diga, como faz o recorrente, que o que levou à pronúncia do arguido são as mesmas razões que devem levar à pronúncia da arguida.

Em primeiro lugar: foi apenas relativamente ao arguido que surgiram novos elementos de prova;

Em segundo lugar: do exame pericial feito à carta de condução apreendida ao arguido resultou conclusão completamente oposta ao anterior exame pericial feito à carta de condução apreendida à arguida.

Em terceiro lugar: o único elemento que liga o arguido à arguida é a circunstância de terem estado inscritos na mesma escola de condução, estando aqui em causa apenas a conduta da arguida, não sendo caso de eventual aplicação do nº 4 do artº 307º do C.P.P..

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar improcedente o recurso.

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Sem tributação.

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Évora, 8 de Junho de 2021

Nuno Garcia

António Condesso