CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Sumário

I – No crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1 alínea c) do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, quanto à determinação da pena acessória respetiva, importa assegurar um equilíbrio (complexo) entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP, ou seja, as circunstâncias que devem ser levadas em conta para a determinação da medida da pena (principal e acessória, como vimos supra) e a circunstância desconhecida da taxa de alcoolemia (TA) que o agente tinha quando evidenciou a conduta desobediente (mantendo-a, dolosamente, desconhecida).
II – Importa encontrar um ponto de equilíbrio entre a possibilidade de, sobrevalorizando as circunstâncias conhecidas atenuantes, desvalorizar a possibilidade de compensar o agente relativamente a uma TA que o mesmo sabe ser elevada (ou mesmo elevadíssima) e, por outro lado, seguindo o percurso inverso, sancionar o agente de forma desproporcionada precisamente atento o desconhecimento da TA.

Texto Integral


Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

No Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, corre termos o processo comum singular n.º 81/20.0GGSTC, no qual veio o arguido HEMD, filho de ATD e de MM, natural de …, nascido a …, residente em …, a ser condenado (transcrição):

a) (...) pela prática de 1 (um) crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigos 348.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, por referência ao artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 63/2007, de 06 de Novembro, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros);

b) (...) pela prática de 1 (um) crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, por referência 154.º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros);

c) (...)pela prática de 1 (um) crime de desobediência simples, previsto e punido pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada e artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1 alínea c) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros);

d) (...) pela prática do ilícito referido na alínea anterior, nos termos do artigo 69,º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove) meses;

e) Em cúmulo jurídico das penas referidas de a) a d) condenar o arguido (...) na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove) meses”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O arguido/recorrente foi condenado pela prática de um crime de desobediência simples, p. e p. pelos art.ºs 348º nº 1, al. a) e 69º nº 1 alínea c) do Código Penal e art.º 152º nº 3 do Código da Estrada na pena de 100 dias de multa à razão diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove) meses.

2. O arguido/recorrente não apresenta antecedentes criminais.

3. O arguido/recorrente confessou livre e integralmente os factos de que vinha acusado.

4. O ilícito praticado pelo arguido/recorrente, tal como refere o tribunal a quo, permite supor que não terá passado de um acto isolado.

5. A medida da pena acessória adoptada pelo tribunal a quo revela-se gravemente desajustada à realidade e à prática jurisprudencial.

6. O tribunal a quo fez uma errada escolha da pena acessória, porquanto deveria ter feito um juízo favorável ao percurso do arguido/recorrente.

7. A pena acessória aplicada pelo tribunal a quo mostra-se desproporcional e demasiado austera atenta a factualidade considerada, pelo que deverá ser reduzida para medida próxima do seu limite mínimo legalmente estabelecido.

8. O Direito Penal não é nem pode ser encarado só pela sua vertente condenatória e sancionatória, mas sim e também, pela sua forte componente de reintegração do agente infractor na sociedade.

9. Destarte, o tribunal a quo fez uma errada interpretação dos critérios de determinação da pena acessória enunciados no art.º 71º do Código Penal e, bem assim, os que resultam, ainda, dos art.ºs 40º, 69º e 70º do mesmo Código.

10. Termos em que deve ser proferido Acórdão que julgue procedente o presente recurso, revendo e diminuindo a medida da pena acessória para uma próxima do limite mínimo estabelecido.”

O recurso foi admitido.

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, com as seguintes conclusões (transcrição):

“I. Face ao predito, o recurso deve improceder, sendo de manter, na íntegra, o decidido na douta sentença recorrida.

II. A douta sentença recorrida não violou os artigos 40º, 69º, 70º e 71º, do Código Penal.”

Defendendo, sinteticamente, que:

“Nos termos vindos de expor e nos mais de direito que V. Exas. como sempre, mui doutamente suprirão, devem julgar totalmente improcedente o presente recurso, e por consequência, deverão manter nos seus precisos termos a douta sentença recorrida.”

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado parcialmente procedente, defendendo que a pena acessória seja fixada “em período menos dilatado no tempo (mas não no mínimo legal)”.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“1. No dia 08 de Maio de 2020, pelas 22:50m, na Estação de Serviço da …, sita em …, o arguido conduziu o veículo ligeiro, marca …, com a matrícula ….

2. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar chegou à referida Estação de Serviço, uma patrulha de militares da GNR cuja comparência foi solicitada naquele local em virtude de haver notícia de distúrbios naquele local.

3. Nessa sequência, os militares da GNR deram ordem de paragem ao arguido, e solicitaram-lhe os documentos de identificação, carta de condução e os documentos do veículo, tendo o arguido negado prontamente a exibir os documentos, tendo dirigindo-se para os militares e proferido a seguinte expressão: “não dou, não dou documentos nenhuns, prendam-me!”.

4. Porque emanava um forte cheiro a álcool, foi o arguido questionado pelos militares se havia ingerido bebidas alcoólicas, tendo o mesmo respondido que “não vou fazer o teste de álcool, nem no posto, nem vou ao sangue.”

5. Após os militares explicaram ao arguido que deveria de fornecer os documentos e submeter-se ao teste de álcool sob pena de, caso persistisse com a sua recusa, cometer um crime de desobediência, tendo disso ficado ciente.

6. Não obstante o arguido, negou-se a mostrar qualquer documento identificativo ou do veículo e recusado submeter-se aos testes de álcool, voltando a pedir para que o prendessem.

7. Foi então entregue pelos militares ao arguido a notificação nos termos do Código da Estrada segundo o qual ficaria impedido de conduzir pelo período de doze horas sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada, tendo igualmente disso ficado ciente.

8. Porém, no dia 09.05.2020, pelas 08:30m, a patrulha da GNR visualizou o arguido a conduzir o veículo ligeiro, marca …, com a matrícula …, pela Rua …, em ….

9. Os militares da GNR deram ordem de paragem e efectuaram a fiscalização do veículo e procederam à identificação do condutor - o arguido -, tendo questionado o mesmo sobre se sabia que não podia conduzir até às 11 horas do dia 09.05.2020, tendo o arguido respondido que sabia, que já não estava bêbado e que ia apenas tomar café.

10. Ao actuar da forma descrita, o arguido quis e conseguiu, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar descritas, recusar, como recusou, as ordens legítimas de uma autoridade, no caso militares da GNR, de exibir o seu documento de identificação, tendo sido expressamente advertido de que incorria na prática de um crime de desobediência, tendo disso ficando ciente.

11. Sabia ainda o arguido que, ao recusar submeter-se ao teste de pesquisa de álcool no sangue, quer pelo método do ar expirado, como recusou, desrespeitava a uma disposição legal que e tendo sido devidamente advertido das consequências legais em que incorreria se persistisse na sua conduta, não obstante actuou da forma descrita em 4 e 5 e 6 da presente acusação, recusando a realização de tais testes e pedindo para que prendessem.

12. Ainda ao conduzir o veículo automóvel na via pública, após todo o circunstancialismo supra descrito, sendo conhecedor do teor e alcance da notificação e advertência efectuada de que não poderia conduzir durante o período de 12 horas (até ás 11 horas do dia 9 de maio), o arguido sabia que estava a desobedecer a uma imposição emanada de autoridade competente que proibia a condução enquanto tal impedimento permanecesse, o que era o caso, sendo que a cessação só poderia ser demonstrada através de realização de contraprova ou novo exame antes do fim do período de impedimento que revelassem uma TAS inferior a 0,5 g/l, o que também sabia não ter acontecido.

13. Em todas as situações descritas, o arguido agiu livre, deliberada, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e tinha capacidade de se determinar com esse conhecimento.

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14. O Arguido nasceu a … de 1981.

15. O Arguido é operador portuário, encontrando-se actualmente sem trabalhar, uma vez que se encontra preso preventivamente à ordem de processo que tem por objecto a prática de um crime de violência doméstica.

16. Vivia sozinho, em cedida pelos pais, não despendendo qualquer quantia com a renda.

17. Contraiu um crédito pessoal, suportando um pagamento mensal de 455,00 € (quatrocentos e cinquenta e cinco euros).

18. Tem dois filhos de 5 (cinco) e 7 (sete) anos que se encontram a residir com a respectiva progenitora.

19. Uma vez colocado em liberdade tenciona emigrar, beneficiando em liberdade da ajuda dos seus progenitores.

20. Completou o 12.º ano de escolaridade.

21. O Arguido confessou os factos de que vinha acusado de forma livre integral e sem reservas.

*

22. O Arguido não apresenta antecedentes criminais.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A questão (única) a decidir no presente recurso é saber se a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que foi aplicada nos autos deve ou não ser reduzida para uma próxima do limite mínimo estabelecido.

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B. Decidindo.

Questão – Saber se a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que foi aplicada nos autos deve ou não ser reduzida para uma próxima do limite mínimo estabelecido.

Segundo o recorrente, a pena acessória deve ser fixada “próxima do limite mínimo estabelecido”.

Sobre a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, diz-nos Figueiredo Dias (1): “Se, como se acentuou, pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (...). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.”

Do exposto flui que a determinação da pena acessória obedece, assim, aos mesmos elementos que determinam a pena principal, referidos no art.º 71.º do CP.(2)

Nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 1, alínea a) do CP, a pena acessória pode ser determinada por um período fixado entre três meses e três anos.

No caso dos autos, relativamente à pena (principal) o tribunal a quo considerou as seguintes circunstâncias:

“As exigências de prevenção geral são elevadas como já se deixou expresso.O grau de ilicitude é médio relativamente a todos os ilícitos, dentro da ilicitude típica, tendo em conta o circunstancialismo fáctico apurado, nomeadamente, a recusa do Arguido em se submeter a exame para determinação da taxa de álcool no sangue, a recusa de identificação e a subsequente condução no período de impedimento.

O Arguido actuou com uma acentuada vontade dolosa, nomeadamente, com dolo directo, no que respeita a todos os ilícitos.

A culpa situa-se acima de um ponto médio, relevando o Arguido um completo desrespeito pela autoridade e pelas ordens emanadas de órgãos legítimos, o que desemboca, necessariamente, numa menor susceptibilidade de o Arguido ser influenciado pela pena aplicar, e consequentemente num juízo de censura mais elevado.

O Arguido encontra-se actualmente em reclusão em estabelecimento prisional, numa situação de desinserção social, familiar e profissional forçada.

Confessou os factos de que vinha acusado de forma livre, integral e sem reservas, demonstrando assunção dos seus comportamentos, tendo em conta o número de crimes praticados, o que não deixa de relevar, embora tenha reduzido valor atenuante, dada a situação de flagrante delito.

Apresentam-se como circunstâncias favoráveis ao Arguido o facto de se não apresentar antecedentes criminais.”

No que tange, especificamente, à pena acessória, lê-se na sentença:

Não deve deixar, todavia, de ser ponderado que com a prática do crime em análise o Arguido obsta, conscientemente, ao apuramento da concreta taxa de álcool com que circula. No âmbito da condução sob o efeito do álcool os vectores mais relevantes para determinação da sanção acessória são os antecedentes criminais do Arguido e a concreta taxa de álcool, uma vez que ambos revelam a perigosidade do agente. Ao recusar-se a realizar o exame de pesquisa de álcool no sangue o Arguido subtrai aquele conhecimento ao julgador, não podendo ser-lhe aplicada uma pena correspondente a uma ilicitude inferior ou média do crime de condução sob o efeito do álcool, sob pena de flagrante ilegítimo benefício do infractor. Com efeito, a fixação de uma sanção acessória correspondente a uma menor ilicitude iria premiar o infractor, especialmente o infractor fortemente alcoolizado, e consubstanciar, ao contrário daquela que seria a sua função, um incentivo a esta prática criminal – que vem aumentando exponencialmente nesta comarca – e que, de outro modo, deve ser repelida.

Note-se que tudo faz supor que o Arguido conduzia influenciado por uma elevada taxa de álcool no sangue, tendo em conta que exalava um forte cheiro a álcool e a forma totalmente injustificada como recusou realizar o teste.

Assim, procedendo à ponderação dos factos praticados, das necessidades de prevenção e repressão deste tipo de comportamento estradal, e considerando a necessidade de emenda cívica do condutor em causa nestes autos, julgo adequado e proporcional condenar o Arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período 9 (nove) meses (artigo 69.º, n.º 1, al. c) do Código Penal).”

Com efeito, neste crime de desobediência e quanto à determinação da pena acessória em causa, importa assegurar um equilíbrio (complexo) entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP, ou seja, as circunstâncias que devem ser levadas em conta para a determinação da medida da pena (principal e acessória, como vimos supra) e a circunstância desconhecida da taxa de alcoolemia (TA) que o agente tinha quando evidenciou a conduta desobediente (mantendo-a, dolosamente, desconhecida): por um lado, existe a possibilidade de, sobrevalorizando as circunstâncias conhecidas atenuantes, desvalorizar a possibilidade de compensar o agente relativamente a uma TA que o mesmo sabe ser elevada (ou mesmo elevadíssima); por outro lado, seguindo o percurso inverso, sancionar o agente de forma desproporcionada precisamente atento o desconhecimento da TA.

A este respeito, importa sublinhar que o “que é missão do juiz é individualizar, ajustar a sanção a todas as particularidades do caso singular, na medida em que elas possam ser tomadas em linha de conta para o valor a combater penalmente, conforme aos fundamentos político-sistemáticos da lei.” (3)

Importa, assim, indagar dos aludidos “fundamentos político-sistemáticos da lei”, para, de seguida, articular a relevância do “caso singular” na sua essencial qualidade contraditória (e respetiva medida), em concreto, com aqueles fundamentos.

O bem jurídico protegido pelo crime de desobediência é, em termos matriciais, a autonomia intencional do funcionário. (4)

Porém, o crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) (e 69.º, n.º 1 alínea c)) do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada também protege outro bem jurídico, ou seja, é um crime de desobediência impuro. (5)

Segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 418/2013 (6), “a intervenção nos (...) direitos fundamentais (7) dirige-se à salvaguarda da eficácia da pretensão punitiva do Estado, relativamente a normas sancionatórias criadas como garantia de efetiva tutela material de outros direitos fundamentais valiosos - a vida, a integridade física, a propriedade privada - abarcados pela proteção da segurança da circulação rodoviária.”

Por estarem em causa, complementarmente ao bem jurídico matricial, os mencionados bens jurídicos é que este crime “deve ser havido (...) como crime cometido no exercício da condução (em sentido lato...) traduzindo a sua prática uma grave grosseira e perigosa violação de regras do trânsito rodoviário, de rigor estabelecidas no Código da Estrada (...)”, importando que “se faça tudo para razoavelmente se desincentivar e impedir, a todo o custo, a circulação de veículos cujos condutores se encontrem sob a influência do álcool (...) além do mais através de uma melhor adequação ao facto em causa.” (8)

Assim, é de sublinhar que o arguido (facto provado 4) “emanava um forte cheiro a álcool”, e que, “questionado pelos militares se havia ingerido bebidas alcoólicas”, respondeu “não vou fazer o teste de álcool, nem no posto, nem vou ao sangue.”

Em face do exposto, não é ilegítimo deduzir que o arguido se recusou fazer qualquer teste (9) de pesquisa de álcool no sangue para escapar ao sancionamento pelo crime de condução sob influência do álcool.

Devemos levar em conta, a favor do arguido, o facto de ser primário e a confissão dos factos (de forma pouco relevante, dado o flagrante delito, como se sublinha na sentença recorrida).

Procurando o acima mencionado equilíbrio entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP (a que aludimos imediatamente supra) e o nuclear desconhecimento da TA que é visado pela desobediência e a inerente necessidade de assegurar a efetividade da norma incriminatória, e as suas funções preventivas gerais e especiais, entendemos que a fixação da pena acessória tenha, por imperativo legal, de afastar-se robustamente do mínimo, não se afigurando ser de modo nenhum excessiva uma fixação que, atendendo às atenuantes, ainda se situa substancialmente abaixo do terço inferior da respetiva moldura punitiva. A fixação de uma pena acessória inferior à determinada na decisão recorrida seria a tradução sancionatória, no nosso entendimento, de uma atitude premial face a um comportamento de desadequação normativa consubstanciador de um determinado perigo para bens jurídicos fundamentais . (10)

Pelo exposto, nenhuma censura merece a fixação da pena acessória efetuada, que, assim, se manterá.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 8 de Junho de 2021

Edgar Gouveia Valente

Laura Maria Peixoto Goulart Maurício

Sumário

I – No crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1 alínea c) do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, quanto à determinação da pena acessória respetiva, importa assegurar um equilíbrio (complexo) entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP, ou seja, as circunstâncias que devem ser levadas em conta para a determinação da medida da pena (principal e acessória, como vimos supra) e a circunstância desconhecida da taxa de alcoolemia (TA) que o agente tinha quando evidenciou a conduta desobediente (mantendo-a, dolosamente, desconhecida).

II – Importa encontrar um ponto de equilíbrio entre a possibilidade de, sobrevalorizando as circunstâncias conhecidas atenuantes, desvalorizar a possibilidade de compensar o agente relativamente a uma TA que o mesmo sabe ser elevada (ou mesmo elevadíssima) e, por outro lado, seguindo o percurso inverso, sancionar o agente de forma desproporcionada precisamente atento o desconhecimento da TA.

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1. In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 165.

2. Para Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, Lisboa, 2015, página, páginas 340 e 348, a aplicação desta pena depende da gravidade dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa, devendo, por isso, a pena ser graduada no âmbito dessa moldura. Segundo Germano Marques da Silva (Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, Universidade Católica Editora, 1990, página 28), “A determinação da medida da pena acessória obedece aos mesmos factores da pena principal, isto é, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção , conforme dispõe o art.º 71.º do Código Penal”.

3. Zimmerl, Strafr. Arbeitsmethode, apud José de Sousa e Brito, Sentido e Valor da Análise do Crime, Direito e Justiça, vol. IV, 1989/1990, páginas 140/1.

4. Neste exato sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, Lisboa, 2015, página 1103, assinalando uma divergência com Cristina Líbano Monteiro (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, tomo III, página 350), que define o bem jurídico protegido pelo crime em causa como a autonomia intencional do Estado. Salvo o devido respeito, a divergência não se nos afigura especialmente relevante, pois o que é fundamental é que o funcionário aja no interesse público, assim (e só assim) se justificando a tutela penal da violação da sua autonomia intencional.

5. Assim, Cristina Líbano Monteiro (in Ob. cit. página 349), que define a desobediência impura como “aquela que for acompanhada da lesão ou perigo de lesão de outro bem jurídico”.

6. Disponível no respetivo sítio institucional (Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro).

7. No sentido da exigência de submissão aos métodos de pesquisa de álcool no sangue.

8. Victor de Sá Pereira e António Proença Fouto in Código da Estrada, Comentários, Notas e Legislação Complementar, Livraria Petrony Editores, Lisboa,1998, página 372.

9. Também é de sublinhar que o arguido evidencia um conhecimento minucioso dos métodos de pesquisa de álcool no sangue, a saber, os analisadores qualitativos (teste a efetuar no local), os analisadores quantitativos (normalmente, teste efetuado no posto) e a análise sanguínea e ainda, em situações muito especiais, o exame médico (art.º 1.º, n.º 1 do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17.05), o que traduz uma desobediência especialmente consciente e esclarecida.

10. A vida, a integridade física e a propriedade privada, cfr. acima mencionado no Acórdão do TC 418/2013. Sobre a função primordial da pena como a reafirmação da vigência da norma violada ou como tutela de bens jurídicos, vd. Figueiredo Dias in Ob. cit. página 228 (§ 303) e Günter Jakobs in Derecho Penal, Marcial Pons, Madrid, 1995, páginas 13 e 14.