NULIDADE DO INQUÉRITO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
Sumário


1 - No caso do inquérito, só haverá a nulidade invocável, por natureza insanável, quando a falta de actos de inquérito for absoluta, por exemplo, por o MP, assim que tenha sido elaborado o auto de notícia ou recebida a queixa, ter de imediato acusado sem ter feito qualquer diligência de investigação, não se devendo olvidar que a mera insuficiência do inquérito é cominada como nulidade sanável, nos termos do Artº 120 nº2 al. d) do CPP.

2 - O nº 2 do Artº 132 do C. Penal enumera várias circunstâncias que consubstanciam elementos da culpa e não do tipo, o que quer dizer, não só que as mesmas não são de funcionamento automático, como também, que outros factores, ali não enumerados, podem, em concreto, revelar que o agente, no cometimento do crime, revelou uma especial censurabilidade ou perversidade, justificadoras da punição agravada da norma.
Nessa medida, o que importa aferir é se a factualidade da dinâmica criminosa permite concluir por uma atitude mais desvaliosa do agente, por uma personalidade delituosa particularmente negativa, em suma, por um especial juízo de censura.
Essa aferição em nada é afectada pelo facto de o arguido ter actuado com dolo eventual, na medida em que qualquer forma de dolo pode concorrer com o crime qualificado ainda que na forma tentada.

Texto Integral




ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO


A – Decisões Recorridas


No processo comum colectivo nº 1027/19.4PBEVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Central Civil e Criminal, Juiz 2, o arguido (...), foi condenado pela prática de:

- um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 131, 132 nsº1 e 2 als. d) e e), 22, 23 e 71 nº1 al.s a) e b), todos do C. Penal, na pena de 11 (onze) anos de prisão;
- um crime de furto qualificado, p.p., pelos Artsº 203 nº1 e 204 nº1 al. d), ambos do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

Foi ainda condenado, a título de indemnização civil, a pagar ao demandante (...):
- as quantias de € 4.760,00 (quatro mil setecentos e sessenta euros) e € 30.000,00 (trinta mil euros), a título, respectivamente, de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à taxa supletiva legal de 4 %, desde, respectivamente, a notificação do pedido e o trânsito em julgado da condenação e até efectivo e integral pagamento;
- Uma indemnização a título de danos futuros respeitante ao uso de medicação e consultas para acompanhamento clínico, cujo montante, que não poderá exceder os € 10.000,00 (dez mil euros), se relegou para incidente de liquidação de sentença, nos termos do Artº 609 nsº1 e 2 do CPP, quantia que, a apurar, será acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal de 4 %, devidos desde a notificação do demandando nessa sede e até efectivo e integral pagamento.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluído as suas motivações da seguinte forma (transcrição):

1. O presente recurso vem interposto do douto acordão condenatório, com o qual o arguido não se conforma, nem se pode conformar.
2. Decidiu o Colectivo de Juízes do Tribunal recorrido julgar totalmente procedente a acusação pública e em consequência (na parte que interessa ao presente recurso):
A) um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.° e 132°, nºs. 1 e 2, alíneas d) e e), 22.°, 23.° e 73.° n.º1 als. a) e b) do Código Penal na pena de 11 (onze) anos de prisão;
B) um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.°, n.º 1, e 204.°, n.º 1, alínea d), do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
C) Em cúmulo jurídico das penas referidas de A) e B), na pena única de 12 (doze) anos de prisão;
3. Porém, viu o arguido no decurso do seu julgamento preteridos direitos fundamentais, com consagração constitucional, nomeadamente quanto à sua presença em julgamento e direito a preparar a sua defesa, cuja violação implica a nulidade do respectivo julgamento.
4. Assim, no início da audiência de discussão e julgamento e como consta da respectiva acta, a Meritíssima Juiz Presidente do Colectivo perguntou se Ministério público, Assistente e arguido concordavam com a presença do arguido por videoconferência, tendo todos assentido com excepção do arguido, cujo mandatário requereu o adiamento da diligência quer por o arguido não poder estar presente como era sua vontade, como tinha sido impossível por motivos relacionados com a pandemina relacionada com a doença Covid-19, arguido e os seus mandatários reunirem para preparação da respectiva defesa.
5. Ora apesar de Já anteriormente os mandatários haverem apresentado requerimento alegando a referida dificuldade, a qual foi aliás confirmada pelo estabelecimento Prisional onde o arguido está preso preventivamente, considerou o tribunal recorrido que podia iniciar o julgamento sem que arguido e mandatários pudessem preparar a sua defesa, concedendo para o efeito 15 minutos em videoconferência, e bem assim dando inicio à diligência sem que o arguido estivesse presente no tribunal, mas antes com aquele no estabelecimento prisional, através de videoconferência.
6. Tal decisão viola de forma flagrante quer os artigos 20.° n.º 2, e 32.° n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, quer a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
7. Importa salientar que, naquela data não se encontrava em vigor a redacção do artigo 7.° da Lei n.º I-A/2020- que criou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Co V-2 e da doença COVID-19 - já não se encontrava prevista a prática de actos processuais através de meios de comunicação à distância adequados, além das previstas no Código de Processo Penal, mais concretamente no seu artigo 318.°, não aplicáveis ao arguido e sua presença em julgamento.
8. A ausência do arguido da audiência de julgamento e sua intervenção na mesma, exclusivamente por meios de videoconferência implica uma nulidade insanável nos termos do art°.119° al, c) do CPP -, nulidade essa que expressamente e atempadamente se invocou e agora se argui.
9. Da mesma forma, no que concerne ao início do julgamento sem que a defesa tenha contactado o arguido de forma privada, por forma a preparar a sua defesa, tal terá de resultar na invalidade dos actos subsequentes e a irregularidade, sendo que também esta foi expressa e tempestivamente invocada, ao abrigo do disposto no art°.61°, nº1 al. f) e 123.° do CPP.
Ainda que assim não seja entendido:
10. Resulta do processo, mais concretamente do relatório da Polícia Judiciária datado de 05/0112020, constante de folhas 190 a 200 (verso) que eram suspeitos da prática dos factos
(...), aqui arguido e recorrente e bem assim (...).
11. Porém, escassos dias depois a Sr.ª Procuradora titular do inquérito requer a realização de buscas domiciliárias exclusivamente aos locais de habitação de (...), referindo que recaem sobre este fundadas e fortes suspeitas da pratica dos crimes, excluindo qualquer suspeita sobre (...) e não ordenando qualquer diligência de prova referente a este.
12. A exclusão de (...) da investigação não encontra qualquer justificação de facto ou de direito, foi uma opção do Ministério Público que ia contra os relatórios da Polícia Judiciária, que o colocavam como suspeito.
13. Opção que temos por ilegal, na medida em que apesar de titular da acção penal, o Ministério Público tem de agir segundo critérios legais e não de escolha pessoal, e até que o legislador assuma um regime de delação premiada em que um dos suspeitos possa confessar e dessa forma incriminar outro suspeito do mesmo crime, não só o inquérito correrá de forma ilegal, como contende mesmo com os direitos constitucionais de defesa.
14. Em consequência, o Ministério Público omitiu acto obrigatório (constituição de arguido de (...)) imposto por lei.
15. Resultando de resto da inquirição da testemunha, Inspector da Polícia Judiciaria, Dr. (...), transcritas neste recurso, a opção tomada, por quem e com que consequências.
16. A opção do Ministério Público teve como efeito a não realização de diligências essenciais ao apuramento da verdade, nomeadamente buscas com vista à recolha de provas junto de (...) análises ao seu vestuário, nos mesmos termos em que realizados relativamente a (...), perícias aos vestígios encontrados na Travessa das (…), etc ...
17. Ora, a não realização de diligências de prova essenciais à descoberta da verdade por opção do Magistrado do Ministério Público em sede de inquérito, e bem assim a omissão de actos impostos por lei como a constituição de arguido como ocorreu, equivale à falta de inquérito, nulidade insuprível nos termos do disposto no artigo 119.°, alínea d) do Código de Processo Penal, da qual devem ser retiradas todas as consequências legais previstas.
18. Ora, além das nulidades atrás invocadas, não se pode também o arguido conformar nem com a matéria de facto apurada, nem com a forma como o tribunal logrou apurar tal matéria.
19. O douto Acórdão condenatório, salvo o devido respeito que é muito, não valorizou toda a prova carreada aos autos, nem tão pouco usou das regras da experiência comum para chegar às conclusões que chegou.
20. Entre os factos considerados provados no Acórdão e a frágil prova efetivamente produzida no processo, quer por declarações da testemunha principal (...), quer pela restante prova testemunhal e documental, existe uma evidente discrepância e conclusões que não poderiam ser dali retiradas.
21. Sendo o acórdão proferido nulo, por violação do disposto no artigo 374.°, n.º 2 do Código de Processo Penal.
22. Pois se não é necessário que o julgador expor pormenorizada e completamente o raciocínio lógico que baseia a sua convicção de dar como provado certo facto, contudo, à contrário, não pode a conclusão retirada após aplicação do raciocínio lógico ser desprovida de um certo rigor no iter­lógico usado para se chegar a certa conclusão, razão porque o o legislador de 1998 alterou a redação do n. ° 2 daquele artigo exigindo agora o "EXAME CRÍTICO" das provas.
23. Ora, não se compreende à luz do referido "exame crítico" à luz de que razões concluiu o tribunal a factualidade dada como provada sob o ponto 7 dos factos provados.
24. É que da prova produzida, pelas declarações do arguido (até num sentido que lhe é desfavorável), resultou que (...) emitiu a declaração de intenção de conduzir o veículo de (...), porquanto este tinha bebido substâncias alcoólicas e tinha fumado drogas e não estava capaz de conduzir, mas, a verdade é que também (...) teve essa intenção, a de conduzir o veículo de (...).
25. Ora a testemunha (...), cuja credibilidade o Tribunal não afasta e pelo contrário parece salientar, não só refere que também ele pretendeu conduzir o veículo de (...) e expressou essa intenção, como acrescenta não ter existido qualquer discussão ou sequer desentendimento quanto à condução do veículo, circunstâncias que o Tribunal ignorou no raciocínio operado para concluir pela prova do facto atrás referido.
26. Mas o tribunal recorrido vai mais longe e afirma que o facto de o Arguido e (...) terem bebido muito foi potenciador de dissensos e que o facto de (...) ser mais baixo que (...), fez com que este tivesse mais tolerância ao álcool que o outro ­xfr 1º parágrafo da pág. 19 do acórdão- (circunstância que não encontra sustentação lógica em qualquer estudo ciêntifico, ou sequer na experiência comum) e bem assim, com que (...) tivesse menos equilíbrio que este.
27. Ora, o Tribunal a quo não podia ter recorrido a este tipo de raciocínio e, consequentemente, não podia ter chegado a essa conclusão na motivação porquanto, foi provado que o Arguido, (...) e (...) estiveram quase sempre afastados dentro do Bar (...), sendo certo que consumiram muito álcool, nenhuma prova existe da quantidade efectiva do que cada um bebeu e, portanto, não se sabe se um estava mais ou menos alcoolizado do que o outro, tanto mais que das imagens de videovigilância não resulta que qualquer deles estivesse a cambalear ou a arrastar-se, sendo que todos sabiam e tomaram o caminho de onde tinham estacionado o veículo automóvel.
28.Logo, não podia o tribunal a quo lançar mão desta motivação para enquadrar uma alegada discussão sobre a condução do veículo, discussão essa que a testemunha (...), amplamente valorizada pelo Tribunal, nega ter existido.
29.Também o facto de (...) viver em Évora nada tem a ver com a possível recusa de deixar outros conduzir até Estremoz, pois, recordemos que (...) voluntariamente se deslocou até Estremoz para dar boleia ao arguido e a (...)
30. Não se reconhece a lógica do raciocínio que levou o Tribunal a concluir como concluiu, quer na medida em que o Tribunal desvaloriza factos ocorridos que contrariam a tese do Tribunal quanto à forma de ocorrência desses factos, quer porque a testemunha valorada pelo tribunal, sem em momento algum apontar qualquer circunstância em que não a tivessem valorado, refere coisa diferente da que veio depois a ser dada como provada!
31. Também a lógica seguida pelo tribunal para dar como provado o facto do ponto 8 dos factos provados não se compreende.
32. Já que resulta claramente do depoimento de (...) que na noite em questão só (...) consumiu estupefacientes, os quais fumava.
33. Ora lançando mão das regras de experiência comum, daqui decorre que dos três envolvidos na situação só (...) consumia estupefacientes, logo não é verossímil que (...) tivesse proferido aquela expressão «nós vamos só ali cheirar».
34. Mais acrescenta o Tribunal recorrido que (...) teria com aquela expressão atraido (...) para um local esconso, sem que tal facto estivesse alegado na acusação, nem tivesse sido alvo de qualquer prova.
35. Razão porque não se percebe nem entende o acórdão recorrido quando afirma " ... até uma travessa, lugar por isso de pouca ou nenhuma passagem (pois que o próprio nome indica tratar-se de via secundária, não sendo principal) aliciando-o a irem cheirar algo (indiciando, como é das regras da experiência, consumo de estupefacientes, tal como já tinha ocorrido naquela noite relativamente a (...), como resulta da factualidade provada) temos para nós que o modo de actuação do arguido e o motivo pelo qual agiu revela especial perversidade e censurabilidade".
36. Este raciocínio não pode ser de forma alguma aceite, desde logo porque tendo o veículo sido estacionado junto da travessa das (...) (facto 5 dado como provado) é natural que os três intervenientes dos factos pudessem ter passado pela travessa em causa, quer à chegada quer no caminho de regresso ao carro.
37. Não resulta que o arguido tenha desviado o ofendido do caminho que o levava ao seu veículo.
38. E menos ainda resulta provado que a Travessa em questão tivesse as características que o Tribunal afirma ter na motivação do acórdão recorrido.
39. Também o Facto 9, dado como provado, não o poderia ser, porquanto nenhuma prova existe que o arguido estivesse irritado. Não pode admitir-se que se tenha dado como provado que (...) se irritou, pois se assim fosse, porque não ocorreria a mesma circunstância por "irritação" de (...), que também queria levar o carro? E recordemos que a condução do veículo, conforme disse (...) não deu origem a nenhuma discussão.
40. Acresce que, apesar de ter dado como não provado que a queda de (...) tenha acontecido na sequência de agressão do arguido (...), a verdade é que ao dar como provado que o arguido se irritou com (...) e que em sequência, por modo não concretamente apurado, (...) caiu ao chão, o Tribunal faz uma associação entre factos, sem suporte factual e que contraria a factualidade que deu como não provada nas alíneas b) e c) dos factos não provados.
41. Repare-se que o Tribunal não adere à acusação que afirmava que (...) irritado com (...) por este não o deixar conduzir, desferiu no mesmo uma pancada na cabeça, em consequência da qual (...) caiu ao chão, mas, continua a dar como provado que (...) estava irritado com (...) e que este, por razões não apuradas, caiu ao chão.
42. Ora, se não se provou nem que o arguido tenha desferido uma pancada na cabeça de (...), nem que nessa sequência (...) caiu ao chão, não se percebe qual a razão lógica para no mesmo facto provado e aparentemente em correlação, constar a irritação de (...) e a queda de (...).
43. Ora sucede que, os factos dados como provados de 10 a 17 não o deveriam ter sido, porque a factualidade provada neste particular assentou, nas palavras do próprio tribunal, no depoimento da testemunha (...).
44. Ora, recorrendo àquilo que o tribunal diz ter recorrido, que são as regras da experiência comum, nunca tais factos poderiam ser dados como provados porquanto, assenta a convicção do tribunal tão somente num depoimento de alguém ((...)) que teve sempre intervenção activa em todo o decurso dos factos tendo sido considerado suspeito durante a investigação e só não foi constituído arguido por opção do Ministério Público.
45. (...) não é um jovem qualquer, tem 24 anos e está, pelo menos há 4 anos, a prestar serviço no Exército (forças armadas portuguesas) sendo militar de profissão. Primeiro no quartel militar de Estremoz, cidade onde conheceu (...), e agora em (…). Tem mais 4 anos que (...), e nestas idades, 4 anos notam-se quer na formação da personalidade e quer na experiência de vida.
46. (...) admitiu que também quis conduzir o carro até Estremoz, e efectivamente conduziu, conforme os factos provados no Acórdão.
47. Da prova produzida fica claro que não existiu discussão alguma e por isso mesmo quem tinha motivos para ofender a integridade física de (…), se (...), se (...), se ambos, se um terceiro depois daqueles terem saído do local.
48. O facto de estarem os três sozinhos na Travessa das (...), não é suficiente para chegar às conclusões que o Tribunal a quo chegou para condenar (...), só porque lhe "pareceu" que era aquilo que deve ter ocorrido, sem qualquer outra sustentação.
49. A verdade é que sendo (...) um Militar, tanta capacidade tinha um como outro, ambos de estatura maior que (…), para perpetrar os actos violentos que o Tribunal refere.
50. O Tribunal valorou a circunstância de (...) calçar uma sapatilha de n.º 45, não se conseguiu provar que número calça (...) porque nenhuma diligência foi feita nesse sentido.
51. O Tribunal valorou a circunstância de (...) ter gotas de sangue nos seus tenis Nike Jordan, mas nenhuma diligência foi feita para saber se (...) também teria vestígios no seu calçado usado nessa noite.
52. Porém, o depoimento de um indivíduo tido como suspeito em grande parte do inquérito não pode ser "livremente valor ado" pelo tribunal, pois há limites e aqui olvidou-se fazer o EXAME CRÍTICO DA PROVA.
53. Os factos provados de 10 a 17 devem ser, em sede de recurso, dados como não provados, porquanto, apenas se baseiam no depoimento do interessado na condenação de (...), que é a testemunha (...).
54. Estas circunstâncias, aliadas ao facto de (...) ter-se efectivamente apoderado do carro, tê-lo conduzido e tê-lo depositado numa estrada secundária com ajuda de (…) (seu amigo e não de (...)), demonstram que é uma testemunha parcial, interessada, manipuladora e de maus princípios mas, que apesar de tudo isso, foi valorada pelo Tribunal como se de uma testemunha isenta e desinteressada se tratasse!!!
55. Acaso alguém poderá acreditar que uma pessoa que está muito "irritada", a ponto de querer matar um amigo à patada, cessa as agressões porque um terceiro lhe diz "Preto pára, o que é que estás a fazer", cfr. se dá como provado no ponto 11.
56. Já por outra banda, se (...), militar experiente, efectivamente visse que o Recorrente estava a matar outro rapaz, teria obviamente conseguido fazer cessar de imediato tal agressão, pois é para isso que é treinado.
57. Tão pouco, segundo as regras da experiência comum, se pode admitir que (...) estava com muito medo, uma pessoa que está preparada para ir para a Guerra não tem medo de um miúdo 4 anos mais novo que ainda por cima era seu amigo.
58. Mas o douto tribunal percebeu isso, tanto percebeu, que mandou extrair certidão das suas declarações falsas, que ocorreram na qualidade de testemunha.- dr. acta de audiência de discussão e julgamento - continuação- com ref.º 30089171, de dia 12/11/2020, relativas às declarações prestadas por (...) das 15h10 até às 16h42, cujo despacho tem o seguinte teor: «Após a Mm.º Juíza proferiu o seguinte: DESPACHO "Extraia certidão da inquirição da testemunha (...) e bem assim da acta desta audiência e remeta aos serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes. Notifique, D.N." * (O despacho proferido foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 16 horas e 42 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 43 minutos) »
59. É, no mínimo, incoerente a posição adotada pelo tribunal que viu claramente que (...) mentia em proveito próprio, consequentemente manda extrair certidão das declarações daquele, mas motiva o acórdão condenatório precisamente no depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento.
60. Por tudo isto, também não podem ser dados como provados os pontos 18 e 20. do acórdão condenatório.
61. Já que não é possível apurar que as consequências e sequelas físicas com que (...) ficou foram perpetradas pelo Recorrente.
62. Aliás, ainda quanto ao facto provado 20., isto é, a intenção de retirar a vida a (...), alegadamente feita por (...), tal é absolutamente fabulado e sem qualquer sustentação fáctica.
63. Se (...) tivesse tido a intenção de matar, por conta da recusa de (...) em deixa-lo conduzir, uma de duas coisas teria sucedido, ou tinha matado (...) ou tinha conduzido e, pasme-se, nenhuma das duas coisas ocorreu.
64. Poderia o julgador acaso motivar um acórdão condenatório com recurso a livre apreciação da prova, e as regras da experiência comum, e, com esta factualidade que ora se alega, concluir da forma que concluiu, não cremos.
65. E por tudo isso, deve o Recorrente ser absolvido do crime de homicídio qualificado na forma tentada.
66. Porque não existe prova de que:
-A recusa de dar a direção efetiva do veículo a (...) e (...) originou uma discussão.
-A discussão tivesse sequer existido entre (...) e (...)
-(...) quisesse ir cheirar drogas com (...);
-(...) teve intenção de matar (...) ao pontapear-lo;
-(...) conseguiu fazer cessar os actos de homicídio por dizer "pára, preto"
67. Quanto ao crime de furto qualificado considera o Tribunal a quo que (...) teve a intenção de apropriação do veículo de (...).
68. O tribunal aceitou, sem reservas, as declarações de (...) e as mesmas bastaram-se para dar se como provada a factualidade de 13, 14, 17, 21., 22, 50 a 59 e, destes factos dados como provados.
69. A verdade é que não existe prova, para além do testemunho de (...), que teria sido (...) a retirar de (...) as chaves do veículo e um cartão multibanco, já que o cartão multibanco nunca foi encontrado e o mero facto de se dizer que o assistente costumava andar com o cartão na carteira não prova que naquele dia, naquele momento o mesmo lá estava acomodado e foi alguém que lho retirou.
70. Quanto ao veículo, em sede de depoimento (...) diz que (...) tirou as chaves do bolso de (...) e que, de seguida, entrou para o lugar do condutor, que não conseguiu colocar o carro a trabalhar e por isso trocaram de lugar, passando (...) a ter a posse e direcção do veículo.
71. Assim, (...) que alegadamente quis matar (...) para conduzir o carro, não o sabia conduzir (o que não é de estranhar pois nem sequer tem carta de condução), não fora (...) aprontar-se a conduzir e dali não tinha saído o veículo.
72. (...), militar do exército portugues, saiu do local deixando muribundo um amigo porque, alegou "ter medo", medo esse que não consta como facto provado mas que foi referido várias vezes no seu depoimento.
73. O Tribunal imputa os actos materiais de consumação de um ilícito ao arguido (...), mas os factos provados (que não só em depoimento de testemunha) são materialmente realizados por (...), raciocínio que não pode ser admitido.
74. Das regras da experiência comum seria esperado que, um indivíduo, coagido ou subjugado a outro se tente livrar e fugir deste o mais depressa possível, mais ainda se "acabou de ver alguém a ser agredido brutalmente" há minutos atrás.
75. A verdade é que se (...) tivesse tido medo, que se constata que não teve por não provado, teria ali a oportunidade ideal de, aproveitando que (...) estava na rua do Café, não só pedir auxílio ligando discretamente do seu telemóvel para as autoridades, para que fossem socorrer (...), como podia dizer a uma das dezenas de pessoas que ali estavam que estava a ser ameaçado.
76. Já no percurso há uma paragem, também ela gravada em fotogramas, no posto de combustível de Evoramonte, e mais uma vez a testemunha nada faz para fugir a (...) e por aqui se vê que não existia medo por parte de (...), pois que, se efetivamente tivesse tido medo, durante o período de tempo de (...) esteve a fazer compras para ambos comerem, aquele teria colocado em marcha o carro, teria fugido, deixando (...) sozinho, tinha ligado às autoridades para verem de (...) e para pedir socorro.
77. É absolutamente inverossímil que alguém pensasse em furtar um veículo (propriedade de um miúdo de Estremoz e que ia ser dado como desaparecido às autoridades) com a intenção de se fazer transportar em Estremoz (logo o Recorrente que é um dos poucos negros que vive na cidade e por isso conhecido por toda a gente, o outro é o irmão de 14 anos) e, se o autor do crime fosse (...), agressivo como se tentou fazer passar no processo, não teria sido (...) que o faria mudar de ideias, com uma simples frase.
78. (...) não só tomou posse do veículo tirando as chaves a (...), como o conduziu para onde quis, como de Évora a Borba engendrou um plano para abandonar o mesmo, com a ajuda do seu amigo (…).
79. (...), a testemunha cujo depoimento sustenta a condenação, teve o discernimento de limpar as suas impressões digitais do veículo, já o arguido não.
80. Bem será de concluir que (...) não furtou o veículo e por isso não pode, de modo nenhum ser condenado.
81. Mas ainda que assim não fosse, discordar-se-ia, de igual forma do enquadramento dos factos num crime de furto qualificado, pois como atrás já se especificou, não podia o Tribunal concluir como concluiu que o arguido agiu com intenção de se apropriar do veículo automóvel em questão.
82. Sendo, por mero exercício de raciocínio e sem prescindir, quando muito integrável a restante factualidade num crime de furto de uso de veículo.
83. Todavia, à cautela, e por mero dever de patrocínio, ainda que o Douto Tribunal ad quem não entenda que a globalidade dos factos provados e não provados deva culminar nos termos requeridos pelo Arguido Recorrente, sempre será verdade que dúvidas não restam que não existiu um verdadeiro exame crítico das provas carreadas ao processo, que a motivação é insuficiente e que há uma contradição insanável do direito com a decisão, ademais de em determinados casos um evidente erro na apreciação da prova.
84. O limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, cfr. Artigo 127 do CPP, é o princípio do in dúbio pro reo, estando ambos intimamente ligados, impondo a orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos, mas para ser apreciada a violação tem de resultar dos próprios autos e termos da decisão recorrida.
85. No caso dos autos, decorre da propna letra do acórdão recorrido que há contradição entre factualidades provadas e não provadas e, bem assim, não decorre da experiência comum o raciocínio expressado pelo Tribunal no acórdão recorrido.
86. Pois, se a jurisprudência dos Tribunais superiores defende que não pode ser atendível uma decisão que não aprecie criticamente a prova, explicando o seu iter lógico-racional, tão pouco pode proferir um acórdão condenatório se as contradições forem insanáveis entre factualidades e sem uma prova forte que sustente o alegado. Como se demonstra no caso concreto.
87. Assim, i-Quanto ao crime de crime de homicídio qualificado na forma tentada, não só se viola o dever de fundamentação e de exame crítico da prova, mas também se faz uso de uma incorrecta motivação, pois sustentando o Tribunal a quo a sua decisão (em grande parte) no depoimento de (...) (que teve posição se suspeito durante a investigação), não atendeu ao
facto deste ter dito expressamente em julgamento que não houve discussão sobre a intenção de condução do veículo de (...), bem como desconsiderou que apenas (...) consumia drogas e que, por isso, era inverossímil que (...) tivesse querido cheirar estupefacientes numa rua esconsa, não atendeu que não se provou sequer que tivesse havido discussão e que, finalmente, os actos de violência pudessem ter sido praticados pela própria testemunha, ou por terceiro. O Tribunal a quo desconsiderou que (...), militar de profissão, deu voz de comando a (...) em determinadas situações e que, por isso, se denota mais a ascendencia de (...) sobre (...) do que o oposto. Usando das regras da experiência comum, e face a prova feita por (...) o Tribunal chegou a conclusões que não podia ter chegado para condenar o Recorrente. Desconsiderou também que foi um sujeito, militar de profissão, mais velho que o arguido, que é interessado diretamente na condenação deste, que apresentou por forma a nunca ser relacionado com qualquer actividade criminosa. Todas estas circunstâncias não servem para dar como provada a factualidade do acórdão e, bem assim, não servem para condenar o arguido;
88. ii- Quanto ao crime de furto qualificado, dos factos dados como provados de 50 a 59, resulta que quem actuou de forma a preencher o ilícito criminal foi (...) e não (...), tendo sido aquele que conduziu, direcionou, parou, escondeu e limpou as impressões digitais do veículo. O tribunal a quo dá como provado os factos 13, 14, 17, 21., 22, sem qualquer prova para além do depoimento de (...), parte interessada no desvio da culpa para (...), e não o deveria, pois da análise crítica das provas resultaria obviamente conclusão diversa. Para além do mais, em momento algum se dá como provado que (...) estivesse com medo ou sob coação do arguido.
89. Acresce que o tribunal a quo fundamenta a sua decisão no depoimento de (...), mas usa esse depoimento apenas na estrita medida e nos momentos "cirúrgicos" e na medida necessária para justificar e provar a acusação.
90. O tribunal a quo já não recorre ao depoimento de (...) nas circunstâncias que o mesmo depôs e que foram favoráveis ao arguido, ou que impunham conclusão diversa da constante da acusação.
91. Sempre sem esquecer que do depoimento deste, ordenou o Tribunal a extracção de certidão, e respectiva remessa ao Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes, sendo certo que não o terá feito se julgasse o acto inútil, mas antes porque teve a percepção de existirem divergências com o depoimento anterior que justificariam procedimento criminal.
92. Surpreendentemente sobre isso no acórdão recorrido, nem uma palavra.
93. Careceria pois a factualidade de ser sustentada por outros meios de prova, que permitissem ao tribunal concluir ter sido o arguido a cometer os actos pelos quais foi condenado e isso, não ocorreu.
94. Em ambos os crimes tais circunstâncias não foram apuradas pelo que o Tribunal nunca poderia chegar à conclusão de terem sido cometidos, por inexistência de prova suficiente, mais que não fosse por aplicação do princípio in dúbio pro reo.
95. Assim, na perspetiva a defesa, o douto acórdão, ora recorrido, padece de contradição insanável entre a factualidade, a fundamentação e a decisão, de uma clara violação do princípio do in dúbio pro Reo e de uma violação dos limites do princípio da livre apreciação da prova.
96. Por tudo o supra exposto, importa modificar o douto acórdão ora recorrido, por outro que aprecie a prova de forma correcta e nos limites da Lei, sendo que então a decisão não poderá ser outra que não a absolvição o arguido.
97. Para além do Recorrente entender que não está aqui em causa um crime de homicídio na forma tentada, mas, na pior das hipóteses e em tese, um crime de ofensas à integridade física, uma vez que nunca existiu intenção de pôr termo a vida de quem quer que fosse,
98. As circunstâncias descritas no artigo 132.º do CP95 não são de funcionamento automático.
99. Sendo que, pelas circunstâncias já atrás especificadas, consideramos ser de manifesta incredulidade toda a factualidade aduzida aos autos pela testemunha (...), e bem assim a indicada segunda agressão perpetrada já depois de ter sido retiradas as chaves do veículo (alegado motivo da agressão), a qual resulta única e exclusivamente do depoimento da testemunha em questão, inexistindo qualquer outro elemento de prova que permita sustentar essa teoria.
100. Assim, pelos motivos já atrás indicados deve esta matéria ser tida como não provada, não podendo consequentemente ser valorada para os efeitos nesta matéria valorados pelo Tribunal.
101. Discorda-se de igual forma do enquadramento dos factos num crime de furto qualificado, pois como atrás já se especificou, não podia o Tribunal concluir como concluiu que o arguido agiu com intenção de se apropriar do veículo automóvel em questão nem do cartão multibanco.
102. O Tribunal a quo, deixando de lado todas as regras de experiência comum, decide dar como provados os factos de 50 a 59, mas não lhe faz alusão na motivação e no campo do preenchimento dos pressupostos da prática do ilícito. Dá como provado, com base no testemunho do interessado que é (...) quem retira a chave de (...), mas não avalia criticamente que foi (...) que conduziu o veículo sempre.
103. Ora, não só não praticou (...) nenhum acto de execução, como a prova por imagens atesta que foi (...) que teve sempre o veículo em sua posse.
104. Acresce que, a factualidade provada, na opinião do recorrente é, quando muito integrável à restante factualidade num crime de furto de uso veículo.
105. Já que, embora exista subtracção da coisa, o agente apodera-se dela, contra a vontade ou sem o consentimento do dono ou do seu legítimo possuidor, mas não o faz com animus apropriativo, no sentido de integrar definitivamente a coisa subtraída no seu património ou no de terceiro;
106. Por tudo o supra exposto o Recorrente deve ser absolvido do Crime de furto qualificado por dele não se ter feito prova, nem dos elementos objetivos, nem dos elementos subjetivos, aliás, em abono da verdade o que ficou provado é que foi (...) que teve sempre a posse e direcção do carro, agindo como condutor do mesmo, todavia,
107. Discorda ainda a defesa quanto à medida da Pena aplicada e o afastamento da aplicabilidade do regime especial para jovens.
108. Refere o Tribunal e bem que o arguido reúne o critério formal, ou objectivo de aplicabilidade deste regime.
109. Porém, considera depois que não se verifica o critério material, da existência em concreto (sublinhado no próprio acórdão) de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado, porém fá-lo em abstracto e não em concreto.
110. Em concreto estamos perante um jovem de 19 anos sem antecedentes criminais e que está pela primeira vez em contacto com o sistema judicial, acrescendo a sua boa integração familiar e social, desenvolvendo uma actividade laboral, pelo que motivos não se anteviam que não justificassem a aplicação do referido regime.
111. Procurou porém o Tribunal afastar o referido regime por invocação de factos que não têm, salvo o devido respeito, nem fundamento nem relevância para esse efeito.
112. Refere o tribunal que para efeito de valoração da conduta anterior do arguido valora por um lado o facto de ter sido sancionado disciplinarmente em contexto escolar e por outro lado ter o arguido sido visado nu processo tutelar educativo que veio depois a ser arquivado.
113. Salvo o devido respeito, não podem esses factos ser valorados, da forma como foram para os efeitos pretendidos pelo Tribunal recorrido, já que a existência da referida decisão disciplinar, suas razões e veracidade dos factos que estariam na sua origem não foram dadas como provadas.
114. Não pode de forma alguma confundir-se os factos dados como provados sob os pontos 80 a 83 com o referido pelo Tribunal em sede de fundamentação de direito acerca da inaplicabilidade do regime especial para jovens.
115. Naqueles factos é dado como provado que o arguido foi visado num processo tutelar educativo e que no âmbito do referido processo constam relatórios subscritos pelo então Director do Agrupamento de escolas de Estremoz… mas que nunca foram verdadeiramente apreciados, por arquivamento dos autos
116. Ora, se num processo criminal importa que o Tribunal apure os factos com base em diversos meios de prova, e mesmo essa está sujeita a escrutínio, não é um relatório de um Director de um agrupamento que foi junto a um processo tutelar educativo que nunca foi apreciado POR TER SIDO ARQUIVADO, que tem a virtualidade de constituir prova irrefutável da sua ocorrência.
117. Errou pois o Tribunal recorrido, ao extrapolar os factos constantes de relatórios anexos a um processo tutelar educativo e nunca sujeitos a um regime de prova ou exercício de defesa, atribuindo-lhes um carácter de veracidade de que não gozam, valorando tais factos não discutidos em sede de julgamento como circunstâncias impeditivas do juízo de verificação do critério de aplicabilidade do regime especial para jovens.
118. Devendo pois o exame da aplicabilidade desse regime ser efectuado novamente sem ter em conta a alegada factualidade cuja verificação não foi provada, provando-se outrossim e somente, que ela consta de relatórios juntos a processo tutelar educativo arquivado e consequentemente nunca apreciada a veracidade da factualidade descrita nos referidos relatórios.
119. Termos em que, nestes e nos mais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:
a) Ser declarado nulo o Julgamento por violação dos direitos do arguido a estar presente em audiência de discussão e julgamento, em conformidade com o disposto no artigo 119.° alínea c) do Código de Processo Penal.
b) Ser declarado nulo o Julgamento por violação dos direitos do arguido a conferenciar livremente com o seu Advogado e dessa forma preparar a defesa, irregularidade expressa e tempestivamente invocada de acordo com o disposto no artigo 61.°, n.º 1, alínea f) e 123.° do Código de Processo Penal.
c) Ser declarado nulo o Julgamento por verificação de falta de inquérito, em conformidade com o disposto no artigo 119.° alínea d) do Código de Processo Penal.
d) Ser o acórdão recorrido declarado nulo por insuficiência no exame crítico das provas, nos termos do n.º 1 do artigo 379 e n.º 2 do artigo 374 do Código de processo penal.
e) Ser o acórdão recorrido declarado nulo por contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e erro manifesto na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.°, n.º 2, alíneas b) e c), 127.° e 412.°, n.º 3, todos do Código de Processo Penal e do princípio in dubio pro reo.
f) Mesmo que assim não seja entendido, deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada, nomeadamente os pontos 7 a 17 e 20 a 22 dos factos dados como provados, e ainda os factos 18 e 31 na parte que refere "Em consequência directa e necessária da descrita conduta de (...) ", modificando a decisão recorrida sobre a matéria de facto tal como dispõe o artigo 431.° do Código de Processo Penal e absolvendo-se o arguido dos crimes que lhe estavam imputados.
g) Caso o Tribunal opte pela condenação, deverá o tribunal aplicar o regime especial para jovens, por se verificarem quer os requisitos formais, quer os requisitos materiais da sua aplicabilidade.
Mais deverá a pena aplicada ser substâncialmente inferior à aplicada na sentença recorrida e atendendo às circunstâncias concretas do caso.

C – Resposta ao Recurso

Apena o MP, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1.Nas suas alegações o recorrente começa por mencionar que foi coartado o seu direito de preparar a defesa por impossibilidade de comunicar diretamente e privado com os seus mandatários, pelo facto de ter estado em isolamento profi1ático no estabelecimento prisional.
2. Considerando assim que deve ser declarado nulo o Julgamento por violação dos direitos do arguido, de acordo com o disposto no artigo 61.°, n.º 1, alínea f) e 123.° do Código de Processo Penal.
3. No entanto, não assiste qualquer razão ao recorrente, porquanto este esteve em isolamento profilático apenas desde o dia 10 de Outubro de 2020, sendo que teve oportunidade de reunir com os seus mandatários desde, pelo menos, a data do substabe1ecimento, ou seja, o dia 27-01-2020.
4. Mais, o despacho de acusação de 14-07-2020 foi notificado aos atuais mandatários, tendo os mesmos apresentado contestação em 6 de Outubro de 2020.
5. Face ao exposto, não colhe razão ao recorrente pelo que deve, nesta parte, ser considerado improcedente o presente recurso.
6. De seguida, alega o recorrente que deve ser declarado nulo o Julgamento por violação dos direitos do arguido a estar presente em audiência de discussão e julgamento, em conformidade com o disposto no artigo 119.° alínea c) do Código de Processo Penal.
7. A verdade é que o recorrente assistiu à sessão da audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 21-10-2020, desde o seu início até ao seu término, através do sistema de videoconferência existente, quer no estabelecimento prisional, quer no Tribunal, como se estivesse presente, tendo tido oportunidade de intervir, a qualquer momento, se assim o entendesse.
8. O Tribunal apenas recorreu ao sistema da videoconferência pelo facto de o recorrente estar em risco de ter contraído o vírus SARS-Co V -2 e, deste modo, infetar os restantes intervenientes processuais.
9. Assim, bem andou o Tribunal "a quo" ao dar início à audiência de julgamento, uma vez que estavam disponíveis os meios necessários para a salvaguarda dos direitos de defesa do arguido e, em simultâneo, para a salvaguarda da saúde de todos os intervenientes processuais.
10. Face ao exposto, não colhe razão ao recorrente pelo que deve, também nesta parte, ser considerado improcedente o presente recurso.
11. Invoca também o recorrente a nulidade insanável da falta de inquérito, nos termos do artigo 119°, alínea c) do Código Penal.
12. A nulidade invocada diz respeito à falta total de inquérito ou de instrução.
13. No entanto, na fase de inquérito foram reunidos todos os elementos de provas necessários a sustentar a decisão de acusar o recorrente, pelo que não se verifica uma falta total de realização de diligências de investigação.
14. Ante o exposto, não colhe razão ao recorrente pelo que deve, também nesta parte, ser considerado improcedente o presente recurso.
15. O recorrente entende também que o acórdão está ferido de nulidade por insuficiência no exame crítico das provas, nos termos do n.º 1 do artigo 379 e n.º 2 do artigo 374 do Código de Processo Penal.
16. Neste sentido, alega que o Tribunal Colectivo não valorou toda a prova carreada aos autos e que a interpretação das provas foi desvirtuada e deturpada.
17. Todavia, cada facto dado como provado pelo Tribunal "a quo" foi devidamente fundamentado através de um exame crítico da prova, sendo explicada, exaustivamente, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, entre outros, que o tribunal privilegiou na formação da convicção.
18. A insuficiência do exame crítico, consubstancia-se na falta de exame de provas constituídas ou administradas no processo, não invocando o recorrente as provas que não foram sujeitas a exame crítico, apenas discordando do exame crítico realizado!
19. Na verdade, o recorrente confunde nas suas alegações a nulidade do acórdão por insuficiência no exame crítico das provas com a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, pois das suas alegações, constata-se é que este não concorda com os concretos pontos de facto dados como provados e respetiva motivação, onde se incluí o exame crítico!
20. Face ao exposto, também nesta parte, deve ser considerado improcedente o presente recurso.
21. Ainda no campo das nulidades, invoca o recorrente a nulidade por contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e erro manifesto na apreciação da prova.
22. Contudo, no douto acórdão condenatório não existe qualquer contradição entre os factos provados e os não provados, nem entre estes e aqueles.
23. Nem tão-pouco, se verifica qualquer contradição entre a motivação e a decisão da matéria de facto.
24. Aliás, o recorrente pretende é alegar uma contradição que resulta da sua própria leitura da prova, o que em nada se coaduna com o vício da decisão invocado.
25. No que diz respeito à nulidade de erro notório na apreciação da prova, o que o recorrente pretende é que se considere a sua valoração da prova em detrimento da valoração que foi feita pelo Tribunal "a quo ", situação que não se enquadra neste vício de sentença.
26. Logo, também nesta parte, deve ser considerado improcedente o presente recurso.
27. Quando à impugnação sobre matéria de facto dada como provada, entende o recorrente que o facto provado 7 deve ser dado como não provado, porquanto não existiu nenhuma discussão entre si e o ofendido (...).
28. No entanto, nas declarações que prestou em audiência de julgamento, admite que houve uma discussão quanto à condução do carro e local de destino, consignando consequentemente o facto 7 como provado, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao considera-lo como provado.
29. Também impugna o recorrente o facto provado 8, por entender que não ficou provado que este consumia produto estupefaciente.
30. Porém, a realidade é que o facto provado 8 não imputa qualquer consumo de estupefaciente ao recorrente, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao considera-lo como provado.
31. Relativamente ao facto provado 9, entende o recorrente que não o poderia ser, porquanto nenhuma prova existe que este estivesse irritado.
32. Na verdade, o próprio recorrente referiu ter existido uma discussão entre si, (...) e (...) nas declarações que prestou na sessão de audiência de julgamento.
33. É do senso comum que uma discussão originada por uma contrariedade na vontade de um dos intervenientes lhe possa causar um estado de irritabilidade, sobretudo quando se encontram alcoolizados, situação potenciadora de discussões e sentimentos de irritabilidade, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao considerar o facto 9 como provado.
34. Quanto aos factos provados 10 a 17, entende o recorrente que não o deveriam ter sido porque a motivação do Tribunal a quo se fundou, essencialmente, no depoimento da testemunha (...).
35. Acontece que o Tribunal teve de se basear essencialmente nas declarações prestadas por (...), pois as agressões ocorreram quando apenas estava presente o recorrente, (...) e (...)!
36. Ora, considerando que (...) sofreu de um grave traumatismo craniano e que não se consegue lembrar de quase nada da noite de 21 para 22 de Dezembro de 2019, apenas restou ao Tribunal a quo a versão do recorrente contra a versão de (...), no que diz a esta factualidade.
37. Mas, bem andou o Tribunal a considerar este depoimento, uma vez que a versão de (...) é corroborada pelos restantes elementos probatórios, sendo que a versão do recorrente é colocada em causa pelos mesmos elementos probatórios, não esquecendo as diversas versões dos factos que apresentou desde o primeiro interrogatório judicial até ao fim da audiência de julgamento.
38. Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo a considerar como provada a factualidade dos factos 10 a 17.
39. No que aos factos provados 18 e 20 diz respeito, argumenta o recorrente que não ficou provado que as consequências e sequelas físicas com que (...) ficou foram perpetradas por si nem que este tinha a intenção de retirar a vida a (...).
40. Ora, as agressões do recorrente a (...) foram todas direcionadas para a cabeça e cara, incluindo o ato de pontapear e pisar sucessivamente!
41. É do senso comum que as agressões na cabeça são propicias a causar a morte, sobretudo quando perpetuadas com extrema violência e força.
42. Para além disso, a atuação do recorrente nos momentos subsequentes às agressões, abandono do (...) numa Travessa, onde só por acaso foi encontrado, numa madrugada de Inverno de Évora, bem se sabendo das baixas temperaturas nessa altura do ano, inanimado e a sangrar, contribui para perceber que o recorrente agiu com o propósito de retirar a vida a (...)
43. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao considerar provados os factos 18 e 20.
44. Ainda quanto à matéria dada como provada, defende o recorrente que devem ser dados como não provados os factos provados nos pontos 17, 21 e 22 uma vez que não existe prova, para além do testemunho de (...) que teria sido o recorrente a retirar de (...) as chaves do veículo e um cartão multibanco.
45. Contudo, é o próprio recorrente que admite ter tirado o cartão multibanco de (...), em sede de primeiro interrogatório judicial.
46. No que diz respeito às chaves do veículo, foi com apoio no depoimento da testemunha (...) que se deu por provado, o qual foi credível e corroborado pelos restantes elementos de prova, conforme acima referido.
47. Assim, o Tribunal a quo tinha todos os elementos de prova necessários para dar estes factos como provados.
48. No que concerne à aplicação do direito, entende o recorrente que a qualificação jurídica dos factos, como crime de homicídio qualificado, na forma tentada, não podia nunca ter acontecido pois não teve intenção de matar (...).
49. E, por isso, considera que não está aqui em causa um crime de homicídio na forma tentada, mas, a existir crime, seria o crime de ofensas à integridade física.
50. Neste ponto, não podemos acompanhar o entendimento do recorrente pois o mesmo não tem qualquer enquadramento na factualidade dada como prova.
51. Não há dúvida de que as agressões desferidas pelo recorrente em (...), considerando que as mesmas foram direcionadas à cabeça deste e a violência com que foram desferidas, sendo o impacto de tal modo acentuado que provocou o afundamento das estruturas ósseas occipital e parietal bilateral, se dirigiram e eram aptas a tirar a vida de (...), causando-lhe a morte, o que apenas não ocorreu por motivo alheio à vontade do recorrente.
52. Discorda também o recorrente da qualificação do crime de homicídio por recurso ao artigo 132°, nºs. 1 e 2, este nas alíneas d) e e) todos do Código Penal, por considerar que os factos dados como provados não se enquadram no conceito de especial censurabilidade ou perversidade, não se verificando qualquer ato de crueldade para aumentar o sofrimento de (...) e não existir um motivo fútil.
53. Ora, considerando-se como provado que o motivo da discussão, se prendeu com a pretensão do recorrente em conduzir o veículo de (...) até Estremoz, que o recorrente atraiu (...) até uma Travessa, aliciando-o a irem cheirar algo (indiciando, como é das regras da experiência, consumo de estupefaciente) e onde, aí chegados, perpetuou as agressões, temos para nós que o modo de atuação do recorrente e o motivo pelo qual agiu se enquadra no conceito jurídico de especial perversidade e censurabilidade.
54. Considerando também como provado que o recorrente agrediu violentamente (...), por causa apenas de uma discussão relacionada com a condução da viatura deste, estamos perante um motivo enquadrável no conceito de motivo fútil.
55. Tendo-se provado que o recorrente passado um primeiro momento, em que após as agressões do recorrente a (...) este se encontrava inanimado e a sangrar da cara, tendo o recorrente, ao apelo de (...), caminhado em direção ao veículo, o recorrente aproximou-se (novamente) de (...), que permanecia prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue e exercendo força muscular pisou, por (mais) duas vezes, a cara e cabeça de (...), tal atuação enquadra-se no conceito jurídico de empregar ato de crueldade.
56. Assim, bem andou o Tribunal "a quo" ao considerar que os factos dados como provados se enquadram no conceito de especial censurabilidade ou perversidade.
57. No que diz respeito ao crime de furto qualificado, considera o recorrente que não podia o Tribunal concluir que o arguido agiu com intenção de se apropriar do veículo automóvel em questão nem do cartão multibanco.
58. Entende o recorrente que a factualidade provada, quando muito integra o crime de furto de uso veículo.
59. Nas suas declarações a testemunha (...) é bastante explicita e convicta a afirmar que o recorrente pretendia deixar o veículo na localidade de Estremoz para depois o utilizar mais tarde, daqui se retirando a intenção do recorrente de se apropriar do veículo automóvel em questão!
60. O recorrente em momento algum teve apenas a intenção de utilizar o carro de (...), pelo que bem andou o Tribunal a quo ao considerar os factos enquadráveis no crime de furto qualificado.
61. Nas suas alegações, o recorrente defende ainda que foi violado o princípio do in dúbio pro reo, porquanto existem dúvidas razoáveis de que o que aconteceu naquela madrugada se tivesse passado da forma que o Acórdão deu como provado
62. Quanto a esta questão, não se consegue percecionar em que momento foi violado o princípio do in dubio pro reo, porquanto o recorrente não enumera, de forma concreta, quais as provas, que podem ser consideradas contraditórias, ou, por qualquer outro motivo, criam dúvida relativamente a algum dos factos dados como provados.
63. Assim sendo, também nesta parte deve o recurso ser considerado improcedente.
64. Entende ainda o recorrente que deve beneficiar do Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes (Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro).
65. Conforme se pode constatar dos factos provados 80 a 83, durante o seu percurso o recorrente teve oportunidade de assumir uma postura de acordo com o direito, tendo-lhe sido facultadas todas as oportunidades e ajudas, desde o processo de promoção e proteção, ao acompanhamento psiquiátrico!
66. No entanto, apesar de todos os esforços encetados para que o recorrente organizasse a sua vida e assumisse uma postura de acordo com o Direito e digna de uma vida em sociedade, o mesmo decidiu continuar a transgredir a lei, cometendo um crime de tão grave dimensão, uma vez que atenta contra o maior bem jurídico que o Código Penal português visa proteger, a Vida!
67. Na verdade, apesar dos aspetos que o recorrente tem a seu favor, nomeadamente ter 20 anos à data da prática dos factos (artigo 1°, nº2 do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro) e não ter antecedentes criminais registados, não vislumbra o Ministério Público que da atenuação da pena resultem vantagens para a reinserção social do recorrente, nos termos do artigo 4° do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, pelo que também nesta parte deve o recurso improceder.
68. No que respeita à medida da pena, entende o recorrente que sempre se revelaria exagerada uma pena de 12 anos de prisão aplicada a um jovem de 20 anos de idade sem qualquer antecedente criminal.
69. Constata-se que o Tribunal "a quo" percorreu todo o raciocínio lógico necessário à determinação da medida concreta da pena, pelo que nenhuma alteração à mesma se impõe.
70. Não obstante o recorrente se encontrar inserido familiar, social e profissionalmente, e ter beneficiado anteriormente de acompanhamento psiquiátrico, tal não obstou a que praticasse os factos graves em causa nos autos, não assumindo a responsabilidade dos seus atos, que imputa a terceiro, revelando uma desconsideração pelas normas jurídico-penais, impondo-se a aprendizagem do recorrente, no sentido de uma vivência em conformidade com as normas jurídico penais
71. Assim, face a toda a factualidade dada como provada e consequente fundamentação do Tribunal a quo, afigura-se-nos que uma pena inferior a 12 anos de prisão coloca em causa as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, considerando, sobretudo, as consequências dos atos praticados pelo arguido, a violência empregue, bem como o impacto que os factos praticados têm na comunidade.
72. Face ao exposto deve o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se o douto acórdão nos exatos termos em que foi proferido!

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que pugnou pela improcedência do recurso.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foram apresentadas respostas.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso
De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
O objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, de onde se extraem das quais as seguintes questões, ordenadas de forma lógica e sistemática:

1) Nulidade do processo por falta de inquérito
2) Nulidade do julgamento por não ter sido permitido ao arguido preparar a sua defesa
3) Nulidade do julgamento por ter decorrido sem a presença do arguido
4) Nulidade do acórdão pelos vícios do Artº 410 do CPP
5) Erro de julgamento
6) Não preenchimento do crime de homicídio
7) Não preenchimento do crime de furto qualificado
8) Aplicação do REJD e uma pena substancialmente inferior

B – Apreciação

Antes de se apreciar da bondade das questões suscitadas pelo recorrente, consigne-se o que, em 1ª instância, foi assumido como provado e não provado (transcrição):

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A.1) FACTOS PROVADOS

Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Na noite de 21 para 22 de Dezembro de 2019, pelas 22H00, em Estremoz, (...) encontrou-se com (...).
2. Depois de terem estado em alguns estabelecimentos de diversão nocturna, pela 01H00, (...) telefonou para (...) e pediu a este que se deslocasse a Estremoz e o transportasse a ele e a (...) para Évora.
3. Então, (...) ao volante do veículo ligeiro de passageiros de marca “RENAULT”, modelo “CLIO”, de matrícula (…), deslocou-se a Estremoz, local onde (...) e (...) entraram para o referido veículo.
4. Após, (...), (...) e (...) dirigiram-se para Évora.
5. Já em Évora, (...) imobilizou o mencionado veículo junto da Travessa das (...).
6. Após, apeados, (...), (...) e (...) dirigiram-se para o estabelecimento de diversão nocturna (…), sito no (…), onde entraram às 03H15 e permaneceram até às 06H49.
7. Depois de saírem do referido estabelecimento, (...) e (...) travaram uma discussão verbal, pois o arguido pretendia conduzir o veículo de matrícula (...) até Estremoz.
8. Nas imediações da Travessa das (...), o arguido disse ao (...) “nós vamos só ali cheirar”.
9. Chegados à Travessa das (...), estando o arguido irritado por (...) não o deixar conduzir o mencionado veículo de matrícula (...) no caminho de regresso para Estremoz, por modo não concretamente apurado, (...) caiu ao chão.
10. De imediato, (...) aproximou-se de (...) e, exercendo força muscular, desferiu diversos pontapés na cabeça e cara do mesmo, que também pisou repetidamente.
11. Então, (...) disse, em voz alta, “Preto pára, o que é que estás a fazer? Vais matar o rapaz”.
12. Depois de verificar que (...) se encontrava inanimado e a sangrar da cara (...) parou de desferir pontapés e de pisar a cara e a cabeça do mesmo e começou a caminhar na direcção do veículo de matrícula (...), tendo dito a (...) “anda se não acontece-te o mesmo”.
13. Após, aproveitando-se do facto de (...) se encontrar prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue, (...) decidiu fazer seus o referido veículo de matrícula (...) e o cartão multibanco de que aquele era dono.
14. Na concretização do plano que delineou, (...) aproximou-se de (...), que permanecia prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue, e retirou de um dos bolsos do casaco do mesmo as chaves do veículo de matrícula (...) e o cartão multibanco, objectos que fez seus.
15. Acto contínuo, exercendo força muscular, (...) pisou, por duas vezes, a cara e cabeça de (...).
16. Então, (...) disse a (...) “pára já preto”.
17. De seguida, (...) dirigiu-se para o veículo de matrícula (...) e abandonou o local, fazendo-se transportar no mesmo.
18. Em consequência directa e necessária da descrita conduta de (...), (...) sofreu de traumatismo crânio-encefálico occipital e parietal bilateral com afundamento de estruturas ósseas, traumatismo maxilofacial com assimetrias da parede orbitária, sobretudo direita, ferida supraciliar direita e do pavilhão auricular direito, suturadas, fracturas dos ossos próprios do nariz, múltiplos focos de contusão torácicos e abdominais, tendo sido assistido de urgência no Hospital do Espírito Santo, em Évora, e helitransportado para o Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, onde ficou internado com má evolução neurológica na Unidade de Cuidados Intensivos com entubação e ventilação invasiva, com traqueostomia, de dores físicas e de mal-estar psicológico, lesões que determinaram 177 dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho em geral e para o trabalho profissional.
19. Mais sofreu de cicatrizes supraciliar direita e do pavilhão auricular direito, estado pós traumatismo crânio-encefálico com alteração do controlo motor global de predomínio direito com movimentos activos contra gravidade, vencendo parcialmente a resistência, com perturbação neuro cognitiva major por lesão cerebral traumática com perturbação do comportamento e perturbação neurolinguística, lesões de carácter permanente, que limitam a capacidade para o trabalho, a capacidade intelectual e de linguagem.
20. Ao actuar do modo descrito, irritado por não o deixarem conduzir um veículo, exercendo força muscular e desferindo diversos pontapés na cabeça e cara de (...), que também pisou por diversas vezes, (...) agiu com o propósito de retirar a vida ao mesmo e de lhe causar grande sofrimento físico e psíquico enquanto o fazia, o que não logrou alcançar por motivos alheios à sua vontade.
21. (...) agiu com o propósito concretizado de fazer seus o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) e o cartão multibanco de que (...) era dono, aproveitando-se de o mesmo se encontrar prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue.
22. (...) agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
Mais se provou que:
23. No dia 19 de Fevereiro de 2020 o demandante deu entrada no Centro Paroquial de S. Tiago da Urra, para efectuar terapêutica de reabilitação, de onde saiu em dia não concretamente apurado do mês de Abril.
24. O demandante deu entrada no Centro de Reabilitação de S. Brás de Alportel, Centro de Medicina de Reabilitação do Sul no mês de Maio de 2020.
25. Desde o dia 27.05.2020 que o demandante se encontra internado no Centro Hospitalar Universitário do Algarve, recebendo tratamento, devido à alteração do seu status funcional do nível cognitivo comportamental, fala, controlo motor e postura global, em consequência ao politraumatismo com trauma cranioencefálico grave (GCS6 no local).
26. O demandante tem perturbações neurocognitivas por lesão cerebral traumática com perturbação do comportamento (status emocional), o que torna o seu comportamento tendencialmente apático e lentificado.
27. O demandante apresenta perturbação neurolinguística com características de afasia e disartria com alteração da prosódia de grau 4.
28. Devido às limitações a nível de coordenação motora e de memória, o demandante necessita de supervisão, até para efectuar as tarefas diárias de higiene pessoal, estando dependente dos cuidados de terceiros.
29. No Centro Hospitalar foi feito treino relativo à actividade laboral do demandante (empregado de mesa), tendo o mesmo revelado, devido às suas limitações a nível de coordenação motora e de memória, não ser capaz de desenvolver esta actividade.
30. O demandante necessita de tomar medicação auxiliar à sua cognição e ao seu comportamento/humor.
31. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido o demandante sofreu dores, devido à agressão e posteriormente devido aos tratamentos a que foi sujeito e dos quais dependiam a sua vida, tendo sido entubado, algaliado, alimentado por sonda, o que se verificou até pelo menos 19.02.2020.
32. Desde 09.01.2020 e pelo menos durante quatro meses o demandante usou fraldas.
33. Até 19.02.2020 o demandante teve infecções urinárias, tendo sentido desconforto incómodo e dores.
34. Até 19.02.2020 o demandante esteve acamado sofrendo dores.
35. O demandante apresentou score de 6 na escala de Coma de Glasgow (GCS) no local dos factos, oscilando entre 6-8 aquando do internamento na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital São Francisco Xavier.
36. Quando foi encontrado por mero acaso o demandante estava incapaz de se comunicar verbalmente devido ao referido de 10. a 15..
37. Na sequência do referido de 10. a 15. o demandante estava incapaz de pedir auxílio.
38. Antes do referido de 10. a 15. o demandante era uma pessoa bem disposta e alegre, que gostava de sair com os amigos e com um plano de vida pessoal e profissional.
39. Actualmente o demandante não reconhece amigos e conhecidos que faziam parte da sua vida.
40. O demandante tem apenas memória de curto prazo.
41. Devido ao referido em 18. e 19., o demandante fala devagar, não se consegue explicar e tem um andar desengonçado.
42. O demandante nasceu em Julho de 1991.
43. O demandante ficou “marcado” fisicamente com uma cicatriz na sobrancelha direita.
44. Foi emitido em nome do demandante “certificado de incapacidade temporária para o trabalho” por doença entre 29.06 e 28.07.2020.
45. O demandante trabalhava num hotel, como empregado de mesa – 2.ª -, auferindo o vencimento de €680,00.
46. Desde o referido de 1. a 22. até à cessação do contrato de trabalho do demandante decorreram 7 meses, durante os quais, em virtude do referido em de 1. a 37., 39. a 41. e 44., o demandando não auferiu o vencimento referido em 45..
47. Em virtude do referido em 19., não foi possível o demandante manter o contrato de trabalho em que investiu.
48. O demandante terá necessidade de continuar a recorrer ao uso de medicação e de recorrer a consultas para acompanhamento clínico.
Mais se provou que:
49. (...), (...) e o arguido beberam álcool durante o período que se encontravam no bar “(...)” e (...) consumiu drogas, de natureza não concretamente apurada.
50. (...) não conduziu o veículo de (...).
51. Foi (...) que conduziu sempre o veículo de (...).
52. (...) chegou ao café “(...)” perto do Chafariz d’el Rei em Évora pelas 7h17 minutos.
53. Após o referido em 52. (...) e (...) foram no veículo de (...).
54. (...) pediu para parar na bomba de gasolina de Evoramonte, ao que (...) concordou.
55. Às 8h01 (...) ligou a (…), seu amigo que reside em Borba.
56. Na sequência do referido em 55., (...) dirigiu-se para Borba até casa de (…).
57. (…) não é amigo de (...), apenas conhecido, mas é amigo de (...).
58. (…) levou (...) e (...) até Estremoz.
59. (...), com a ajuda de (…), deixou o veículo de (...) em Borba à beira de uma estrada.
60. O veículo de matrícula (...) foi adquirido em 2018 pelo valor de €800,00.
Mais se provou que:
61. (...) é o mais velho dos dois filhos do casal progenitor.
62. De outros relacionamentos do pai, tem três irmãos, um mais velho e dois mais novos.
63. Os pais separaram-se quando o arguido tinha cerca de 14 anos de idade, tendo o arguido e o irmão germano permanecido a cargo da mãe.
64. A separação dos progenitores parece ter tido um forte impacto no jovem que teve dificuldade em se adaptar à nova realidade familiar.
65. (...) manteve convívio regular com o pai.
66. O pai do arguido era mais permissivo e desculpabilizante, desautorizando a mãe, o que não terá contribuído para uma interiorização adequada de regras e valores ajustados.
67. (...) frequentou o ensino em idade normativa, tendo registado algumas dificuldades de adaptação, sofrendo duas retenções no quinto ano.
68. O arguido alterou o seu comportamento a partir de 2015 e concluiu o 9º ano do 3º ciclo do ensino básico, através da frequência de um curso vocacional de “Técnico de Tratamento de Águas”, tendo posteriormente concluído o 12º ano de escolaridade.
69. Frequentou posteriormente um curso profissional de segurança privado.
70. (...) jogou hóquei em patins dos quatro aos 17 anos de idade, tendo integrado várias equipas e participado em várias competições, integrando também a seleção.
71. O percurso profissional do arguido teve início após ter concluído a formação de segurança, tendo trabalhado com uma empresa de segurança, prestando serviços em vários locais.
72. Anteriormente à prisão preventiva, (...) integrava o agregado familiar da mãe, composto por esta e pelo irmão mais novo, de 14 anos de idade, estudante.
73. A família reside em casa pertencente à avó materna do arguido, sem despesas associadas, sendo a situação económica da família equilibrada.
74. Anteriormente à prisão preventiva o arguido executava trabalhos na agricultura com o pai.
75. Em contexto prisional, a nível comportamental o arguido foi alvo de uma participação disciplinar em 12/09/2020, em fase de averiguações a 04.11.2020.
76. Em contexto prisional, a nível ocupacional, o arguido executou algumas tarefas como ajudante de faxina no pavilhão.
77. O arguido está inscrito para frequentar uma formação profissional modular de pedreiros.
78. O arguido recebe visitas e contactos regulares da mãe, do pai e da avó materna, os quais manifestam disponibilidade para o apoiarem quer na atual situação, quer quando for restituído à liberdade.
79. Como projeto futuro, o arguido pretende voltar a integrar o agregado familiar materno e inserir-se profissionalmente, junto do pai, na agricultura, ponderando ainda a possibilidade de prosseguir a sua formação académica.
80. O arguido foi visado no processo tutelar educativo que correu termos no DIAP – Secção de Estremoz sob o n.º 52/14.6T9ETZ, ao qual foi junto relatório subscrito pelo Director do Agrupamento de Escolas de Estremoz, (…), em 13.11.2014 do qual ademais resulta: “O menor supracitado frequenta a turma F do curso vocacional do 2.º ciclo, na Escola Básica (…) em Estremoz. No ano letivo transato o (...) apresentou alguns comportamentos de agressividade tendo sido aplicadas medidas disciplinares, corretivas e sancionatórias, devido a questões a colegas e pequenos furtos os comportamentos atrás referidos agravaram-se desde o início do presente ano letivo, manifestando o (...) um comportamento desajustado ao espaço escolar, pautado pelo uso frequente da violência verbal e física para com todos os elementos da comunidade escolar (seus pares, auxiliares de educação, professores e diretor), comportamento este, agravado pelo não reconhecimento dos seus atos, reincidência de comportamentos e não reconhecimento autoridade a professores e demais profissionais da comunidade escolar. Este caso foi relatado à representante da educação da CPCJ, numa reunião que decorreu este ano na sede do agrupamento de escolas, tendo ficado acordado que o aluno iria ser sinalizado para a Comissão de proteção de crianças e jovens tendo esta decisão sido comunicada à encarregada de educação. (…) Nas aulas, o (...) não demonstra interesse pelos conteúdos e aprendizagens recusa trabalhar, tendo já acontecido sair da sala por iniciativa própria e sem dar explicações aos professores. No presente ano lectivo, pelo motivo de agressão a outro colega, em sala de aula, e desrespeito à autoridade do professor, foi-lhe aplicada uma medida correctiva, de acordo com a alínea C), ponto 2 do artigo 26.º da Lei 51/2012 de 5 de Dezembro que não cumpriu. Fora das aulas, nos espaços comuns, tem demostrado comportamentos de agressividade e indisciplina, colocando em risco a integridade física de qualquer elemento da comunidade escolar, os quais conduziram a participações por parte dos colegas e assistentes operacionais. Devido ao facto de o aluno não ter cumprido os Deveres do Aluno previstos nas alíneas d), e), f), g), i), k), l) e o), do artigo 10.º, da Lei 51/2012 de 5 de Setembro, foi aberto, no presente ano lectivo, um Procedimento disciplinar tendo sido aplicado ao aluno a medida disciplinar sancionatória de seis dias de suspensão, prevista na alínea c) do ponto 2) do artigo 28.º da supracitada lei e cumulativamente, a medida disciplinar correctiva de mudança de turma (…). No âmbito da medida disciplinar sancionatória, atrás referida, o aluno tinha de cumprir um plano de actividades pedagógicas (…) No dia 27 de outubro, a encarregada de educação compareceu na escola para conhecer o resultado do procedimento disciplinar. De salientar que o menor recusou conhecer o anteriormente referido, respectivo plano de actividades e os objectivos a alcançar, saindo da sala sem modos, sem autorização, desrespeitando a subdirectora da escola, na presença da encarregada de educação. Posteriormente, as técnicas de Serviço Social e de Psicologia tentaram falar com o aluno tendo esta abandonado a escola, sem autorização. No dia seguinte pela manhã dirigiu-se ao Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família, manifestando vontade de conhecer o plano e de o cumprir. No dia 29 de Outubro iniciou o cumprimento da medida (…) Com a finalidade de visar a sua integração escolar e comunitária, o aluno foi acompanhado pelo serviço de psicologia e orientação vocacional (SPO) desta escola, no ano lectivo anterior, porém, deixou de frequentar após 4 sessões, por sua iniciativa. O aluno é acompanhado atualmente em consultas de psicologia no centro de saúde de Estremoz, segundo informação veiculada pela encarregada de educação. O aluno foi também acompanhado pelo gabinete de apoio ao aluno e a família, onde foram abordadas temáticas sobre relacionamento interpessoal, comportamentos sociais competentes e responsabilidade, ano lectivo anterior e no presente ano letivo. Mostrou-se pouco colaborativo, chegando a abandonar uma sessão dia 24 outubro do presente ano. Tendo em conta as estratégias utilizadas pela escola, com resultados infrutíferos dada a permanente recusa do menor face às mesmas e ao cumprimento de qualquer orientação, no que se refere a aquisição de competências sociais e relacionais, os técnicos que acompanharam aluno, assim como direção da escola e docentes estão preocupados com instabilidade emocional e reincidência constante dos comportamentos valor que estão a colocar em risco a sua formação, educação e desenvolvimento. (…)”.
81. No processo tutelar referido resulta ainda junta informação escolar datada de (…) 2015, pelo Director do Agrupamento de Escolas de Estremoz, (…), da qual ademais resulta “(…) Serve o presente documento propósito de informar que, (…) foi aplicado o (...), n.º 9, do curso vocacional 2.º ciclo, a medida disciplinar sancionatória oito dias suspensão (…), após o exercício dos direitos de audiência de defesa do aluno e encarregado de educação e que a medida foi cumprida (…). A aplicação da medida disciplinar acima referida deveu-se ao facto de o aluno ter incumprido com os deveres do aluno (…) nomeadamente: d) tratar com respeito e correção qualquer membro da comunidade educativa, g) contribuir para a harmonia da convivência escolar e para a integração de todos alunos, i) respeitar a integridade física e psicológica de todos os membros da comunidade educativa, não praticando quaisquer atos, designadamente violentos, independentemente do local ou dos meios utilizados, que atentem contra integridade física, moral ou patrimonial dos professores, pessoal não docente e alunos, o) conhecer e cumprir o Estatuto do Aluno e Ética escolar e o regulamento interno do agrupamento. Na ponderação da proposta de decisão final foram consideradas como circunstâncias atenuantes o facto de o aluno ter admitido autoria dos atos pelos quais estava imputado. Como circunstâncias agravantes os antecedentes do aluno relativamente a infrações disciplinares e sua reincidência ao longo do seu percurso escolar, muitas delas, marcadas por comportamentos agressivos que na ocorrência que deu origem ao presente procedimento disciplinar evidenciaram uma violência desmesurada que determinou que o aluno agredido tivesse de ser transportado ao centro de saúde para ser observado e tratado. De referir que o aluno não mostrou arrependimento da natureza ilícita da sua conduta. (…)”.
82. No processo tutelar referido resulta ainda junta informação escolar datada de 02.12.2015, pelo Director do Agrupamento de Escolas de Estremoz, (…), da qual ademais resulta “(…) Serve o presente documento o propósito de informar que o aluno (...), que frequenta o curso vocacional de 2.º Ciclo, turma F, n.º9, foi suspenso preventivamente, no dia 1 dezembro 2015 até a conclusão do procedimento disciplinar (…) A suspensão preventiva foi motivada por três agressões a um colega, em dois dias consecutivos, considerando a reincidência de comportamentos violentos por parte do (...), colocam em causa o normal funcionamento das atividades escolares, a segurança e tranquilidade no espaço escolar e salvaguardando o normal decurso do procedimento disciplinar. (…).”.
83. No procedimento referido foi proferido em 03.11.2016 despacho do qual, ademais, resulta: “(…) Declaro encerrado o inquérito (…). Os presentes autos tiveram início na participação policial contra o menor (...), porquanto este eventualmente teria praticado factos, susceptíveis de consubstanciar a prática, em abstrato, do crime de furto simples, do crime de dano e do crime de injúria (…).
Estes crimes não puníveis com pena superior a 3 anos de prisão.
Hoje o menor cumpre, no âmbito do processo de promoção e protecção n.º68/15.5T8ETZ medida de apoio junto da mãe.
Do último relatório elaborado pela Segurança Social, conclui-se que atualmente, o menor com 17 anos de idade, frequenta estabelecimento de ensino em curso vocacional de 3.º ciclo, que o ambiente familiar do jovem sofreu significativas alterações e que este adotou uma postura de respeito pelas regras parentais impostas. Efectua acompanhamento psiquiátrico que aceita.
Pelo exposto, face à sua postura, atitude e relacionamento, conclui a Segurança Social, que o mesmo não precisa de educação para o direito, pois essas necessidades foram colmatadas pela integração social, escolar e familiar.
(…)
Com esta acção, e apesar, de os valores de convivência em sociedade terem sido desrespeitados, não haverá, aqui, necessidade de aplicação de uma medida educativa que reponha, na consciência dos menores, o respeito pelos valores jurídicos que regem a sociedade portuguesa e que garantem, por parte de todos, a observação das normas vigentes.
Os menores são responsáveis e entendem o alcance das suas acções tendo, durante o inquérito, sido ouvidos no edifício do Tribunal, funcionando, desde logo, como uma chamada de atenção para o carácter reprovável das suas condutas. Assim, face ao exposto, à moldura penal dos factos, determino o arquivamento do presente inquérito tutelar educativo (…).”.
84. Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido perante o juiz de instrução, após confrontado com as imagens de videovigilância, o arguido declarou ao juiz de instrução ter mentido ao Tribunal relativamente à versão por si inicialmente relatada dos factos.
85. Em julgamento o arguido imputou a (...) a prática das agressões a (...) e bem assim os actos relativos aos bens referidos em 14..
86. O arguido não tem antecedentes criminais.

A.2) FACTOS NÃO PROVADOS

a) Foi o arguido quem iniciou a discussão referida em 7..
b) Aquando do referido em 9. (...) desferiu, de modo não determinado, uma pancada na cabeça do mesmo.
c) A queda referida em 9. aconteceu na sequência do referido em b).
d) (...) também estava a sangrar do ouvido direito aquando do referido em 14..
e) O demandante saiu no dia 20. do lugar referido em 23..
f) O referido em 24. ocorreu no dia 20..
g) O demandante sofreu uma diminuição da sua acuidade visual.
h) O demandante sofreu forte abalo psicológico devido ao referido em 36..
i) Aquando do referido em 37. o demandante estava desorientado e sofreu a angústia de não conseguir comunicar a sua identidade e da sua família.
j) O referido em 33. e 34. perdurou após a data ali referida e até 22.04.2020.
k) O coma referido em 35. foi induzido.
l) O demandante vive apreensivo e triste por ter perdido a memória a longo e médio prazo.
m) O demandante vive sem ânimo em relação ao seu futuro.
n) Além do referido em 29., o demandante não consegue desempenhar qualquer outro tipo de actividade profissional.
o) O demandante sofre grande angústia, em relação ao seu futuro, pois tem medo de não ser capaz de prover o seu sustento, o que foi sempre o seu maior orgulho, ser um jovem activo profissionalmente.
p) A memória referida em 40. é de 3 – 4 minutos.
q) O referido em 41. provoca vergonha no demandante e inibe-o de conviver socialmente, o que o deixa em profunda tristeza e desânimo constante, pois não se sente capaz de vir a constituir família, o que almejava.
r) O referido em 43. impede o demandante de esquecer que foi vítima de graves agressões e que esteve entre a vida e a morte, tendo sofrido abalo psicológico do qual ainda se ressente.
s) Na actividade referida em 45. o demandante auferia o valor diário de €2,83.
t) O demandante tinha a ambição de vir a progredir na sua área profissional, almejando subir de categoria profissional, o que se mostra impossível, face ao referido em 18. e 19..
u) Em virtude do referido de 1. a 22. o demandante jamais esquecerá.
v) Foi (...) quem estabeleceu o contacto telefónico com (...) referido em 2..
w) (...) e (...) não tinham uma relação prévia de amizade, eram apenas conhecidos, a amizade existia apenas entre (...) e (...).
x) Existiu uma discussão entre (...) e (...) porquanto aquele queria sair de Évora para ir para Badajoz para um bar de nome Halloween.
y) (...) recusou o referido em x) ser tarde e ser muito longe.
z) Na sequência do referido em y), (...) começou insistentemente a dizer que, se não iam para Badajoz então iam para um bar de alterne sito em Borba, ao que (...) também recusou.
aa) O desentendimento que existiu foi sempre provocado por (...) em relação a (...) e porque este queria ir para casa e recusava ir para mais bares conforme queria aquele.
bb) Foi (...) quem dirigiu a (...) a expressão referida em 8..
cc) Acto contínuo ao referido em bb) (...) empurrou (...) para o deixasse, (...) respondeu com um encontrão e começaram os dois a briga, tendo (...) dado um passo para trás, e caído pelas escadas da Travessa das (...).
dd) Na sequência do referido em cc), (...) desceu as escadas e nesse momento continuaram a briga, sendo que (...) nessa sequência caiu ao chão e aí continuou a ser agredido por (...).
ee) Na sequência do referido de bb) a dd) (...), vendo o que acontecida, desceu as escadas e afastou ambos, sendo que (...) já se encontrava no chão a sangrar.
ff) Foi (...) que agrediu fisicamente (...) e não (...).
gg) Sendo na sequência do referido de bb) a ff) que (...) ficou inanimado.
hh) Vendo o referido em gg), (...) assustado começou a descer a pé a Travessa das (...), afastando-se do local.
ii) Na sequência do referido em hh), ainda na Travessa das (...), mas já perto do cruzamento com a rua Manuel Bombarda, olhou para cima e viu (...) a retirar objectos dos bolsos de (...).
jj) Na sequência do referido em ii), (...) continuou e seguiu a pé pela Travessa das (...), Rua Miguel Bombarda e voltou em direcção ao largo das Portas de Moura (onde encontrou um indivíduo de nome (…) que trabalha no bar (…) em Évora e com ele falou), seguindo a pé até chegar ao café “(...)” perto do Chafariz d’el Rei.
kk) Após o referido em 52. chegou (...), tendo este dito ao arguido para se irem embora.
ll) Na sequência do referido em kk), como não tinha maneira de regressar, (...) foi com (...) para Estremoz.
mm) (...) fez acreditar a (...) que tinha ajudado (...) a ter assistência médica e que por isso regressavam no carro de (...).
nn) O referido em 54. ocorreu às 8h00.
oo) O referido em 55. ocorreu quando (...) estava a comprar tabaco.
pp) (...) entrou no veículo após o referido em 55..
qq) Aquando do referido em 55., (...) agiu conforme plano previamente delineado com (…) sem intervenção de (...).
rr) No caminho para o destino referido em 56. (...) não apresentava qualquer tipo de constrangimento sobre o que se tinha passado.
ss) (...) fez um vídeo de (...) a conduzir, que não apagou e que se encontra ainda na memória do cartão do seu telemóvel.
tt) No vídeo referido em ss) vê-se o estado de espírito “animado” e muito pouco preocupado de (...).
uu) Aquando do referido de 55. a 58. (...) contou a (…) o que se tinha passado em Évora e foi este quem indicou que o melhor era desfazerem-se do veículo.
vv) (...) deu origem ao referido de 1. a 22., foi quem sempre quis sair de Évora para se dirigir a outro bar, quem agrediu (...), quem lhe retirou os pertences, quem engendrou um plano para culpar (...).
ww) Foi sempre durante toda a noite (...) que desenvolveu esforços para que a situação fosse escondida, foi ele que cometeu os actos de agressão, que tirou os pertences de (...), que fez seu o carro e que agiu como referido em 55. a 58. por forma a que o amigo (…) o ajudasse a encobrir os vestígios do veículo, não foi (...).
xx) O arguido não se orgulha de não ter diligenciado pela chamada das autoridades aquando da agressão de (...) a (...).
yy) Tão pouco se conforma o arguido com o facto de não ter contrariado (...) no plano que este delineou de regresso a Estremoz no veículo de (...).
zz) A imaturidade, decorrente da idade do arguido, cumulada com as circunstâncias em que os factos ocorreram e a crença que (...) não teria ficado no estado em que ficou por causa das ofensas à integridade física levaram a não agir como esperado.

Atente-se, então, aos fundamentos do recurso.

B.1. Nulidade do processo por falta de inquérito

Alega o recorrente que resultando do processo que eram dois os suspeitos da prática dos factos em causa – o arguido e (...), que se veio a revelar ser a testemunha principal – a exclusão deste último da investigação não encontra qualquer justificação, tendo sido uma opção do Ministério Público (MP), que contrariou os relatórios da Policia Judiciária (PJ) e que levou à não realização de diligências essenciais ao apuramento da verdade, nomeadamente, buscas e perícias com vista à recolha de provas junto de (...), nos mesmos termos em que foram realizadas relativamente ao arguido.
Nessa medida, defende o recorrente, a não realização de tais diligências de prova bem como, a omissão de actos impostos por lei, como a constituição de arguido em relação a (...), equivale à falta de inquérito, nulidade insuprível, nos termos do disposto no Artº 119 al. d) do CPP.
Estatui esta norma que:
"Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
(. . .)
d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade; ".
Ora, como é amplamente ensinado pela Doutrina e Jurisprudência, este preceito legal impõe uma nulidade que apenas diz respeito à falta total de inquérito ou de instrução, o mesmo é dizer, só estamos na presença deste vício quando se verifica uma falta total destas fases processuais.
No caso do inquérito, só haverá a nulidade invocável, por natureza insanável, quando a falta de actos de inquérito for absoluta, por exemplo, por o MP, assim que tenha sido elaborado o auto de notícia ou recebida a queixa, ter de imediato acusado sem ter feito qualquer diligência de investigação, não se devendo olvidar que a mera insuficiência do inquérito é cominada como nulidade sanável, nos termos do Artº 120 nº2 al. d) do CPP.
Em sede de inquérito, o MP, como titular da acção penal, leva a cabo ou promove as diligências que reputa como necessárias para, no fim desse processo, poder deduzir acusação ou, em alternativa, proferir despacho de arquivamento, sempre, em qualquer caso, com respeito pelas imposições decorrentes do princípio da legalidade.
ln casu, o MP realizou inúmeras diligências de investigação, de variável extensão e alcance, como os autos profusamente espelham, sendo por isso descabida, com o devido respeito, a alegação de falta de inquérito.
Por outro lado, o facto de o MP de não ter constituído (...) como arguido ao lado do ora recorrente e, por isso, de sobre ele não ter actuado, para efeitos de investigação, como o fez em relação a este, sendo, naturalmente, uma opção criticável, em caso algum, pelas razões expostas, pode configurar a invocada nulidade, sendo certo que, mesmo que se considerasse que a mesma preenchia o elenco dos vícios previstos na referida al. d) do nº2 do Artº 120 do CPP, sempre estaria sanada pelo facto de não ter sido invocada atempadamente.
Assim sendo, não se verificando a invocada nulidade, prevista na al. d) do Artº 119 do CPP, o recurso terá de improceder, neste segmento.

B.2. Nulidade do julgamento por não ter sido permitido ao arguido preparar a sua defesa

Invoca também o recorrente que se viu coartado no seu direito de preparar a defesa por impossibilidade de comunicar diretamente e em privado com os seus mandatários, tendo em conta que esteve em isolamento profilático no estabelecimento prisional na sequência da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-COV-2, de onde resulta a invalidade da inquirição das testemunhas e dos actos subsequentes, nos termos do Artº 123 do CPP, pois a defesa esteve impedida de contactar com o arguido de forma privada depois de proferida a acusação e antes da data de julgamento, irregularidade que foi por si invocada em audiência de julgamento e que implica a nulidade deste, nos termos combinados dos Artº 123 e 61 nº1 al. f), ambos do CPP, por violação dos direitos do arguido a conferenciar livremente com o seu advogado e, dessa forma, preparar a sua defesa.
Em sede de audiência de julgamento, a arguição da irregularidade agora em causa foi indeferida, merecendo do tribunal recorrido o seguinte despacho:
“O arguido tem mandatário constituído desde o dia 22-01-2020, conforme procuração junta aos autos a fls. 369 e verifica-se ainda que tal mandato foi substabelecido aos Mandatários presentes por instrumento de 27-01-2020, conforme fls. 521. Já depois disso foi deduzida acusação, por despacho de 14-07-2020 (fls. 647 a 652) sendo que a mesma foi já notificada aos atuais Mandatários e bem assim toda a demais tramitação subsequente (…) Tendo sido já os Ilustres Mandatários com substabelecimento que apresentaram a contestação atravessada nos autos em 6 de Outubro de 2020, sendo que aí o arguido trás aos autos a sua versão do sucedido, entendendo-se por isso que já então e desde o momento em que pelo menos foram substabelecidos, os Ilustres Mandatários tiveram logo possibilidade de conferenciar com o seu constituinte e preparar a defesa, tanto assim, que já na contestação solicitam um meio de prova que se prende com um vídeo alegadamente constante do telemóvel apreendido nos autos, não se vê por isso que a circunstância de o arguido se encontrar em isolamento profilático nos últimos dias possa de alguma forma coartar o direito de defesa ou os Ilustres Mandatários conferenciarem com o seu constituinte, sendo certo que se assim o pretenderem e entenderem, o Tribunal permitirá que os mesmos possam fazê-lo em momento anterior ao início da diligência, concedendo para o efeito cerca de um quarto de hora, aproveitando os meios técnicos e a presença do arguido por meio de vídeo chamada (…)”
Nada há a apontar à justeza do decidido, já que, como bem notou o tribunal a quo o arguido esteve em isolamento profilático apenas desde o dia 10/10/20, não tendo sido sequer invocada qualquer impossibilidade de o arguido ter reunido como os seu Mandatários, pelo menos, desde a data do substabelecimento, ou seja, o desde o dia 27/01/20, sendo seguro que essa impossibilidade não ocorreu, já que, tendo aqueles sido notificados da acusação proferida em 14/07/20, vieram a apresentar contestação, em 06/10/20, de oito páginas, onde arrolaram testemunhas, requereram meios de prova e expuseram a versão dos factos na perspetiva do arguido, a qual, seguramente, por este lhes foi transmitida.
Nesta medida, não parece que a circunstância de o arguido ter ficado em isolamento profilático desde o dia 10/10/20 possa configurar a violação do direito processual previsto na al. f) do nº1 Artº 61 do CPP, pois nos meses anteriores o arguido teve todo o tempo para se reunir, em privado com os seus Ilustre Mandatários e, desse modo, preparar a sua defesa, como, aliás, certamente sucedeu, e se expressa no teor da contestação por aqueles apresentada nos autos em nome do ora recorrente.
Ainda assim, o tribunal permitiu que o arguido reunisse cerca de um quarto de hora com os seus Mandatários, não obstante todo o tempo que estes tiveram para o fazer, anteriormente ao dia da audiência de julgamento.
Assim sendo, não se mostrando violado o estatuído no Artº 61 nº1 al. f) do CPP, inexiste a invocada nulidade do julgamento, improcedendo o recurso, nesta parte.

B.3. Nulidade do julgamento por ter decorrido sem a presença do arguido

Invoca o recorrente outra nulidade do julgamento, insanável, nos termos do Artº 119 al. c) do CPP, já, aliás, arguida nesta sede, decorrente daquele ter decorrido sem a sua presença e contra a sua vontade, já que o mesmo esteve impedido de comparecer em virtude de estar em isolamento profilático no estabelecimento prisional, tendo, então, requerido o adiamento da audiência, o que lhe foi indeferido.
Em sede de audiência de julgamento, o requerido adiamento da audiência doi indeferido pelo tribunal a quo, determinado que “…não se vê, por isso, que a circunstância do arguido estar presente através de meio de comunicação à distância constitua qualquer impedimento ao início da presente audiência de julgamento, cujo início, por isso, se determina.”
É certo que a regra no CPP é a presença física do arguido na audiência de julgamento e que no momento em que se realizou a audiência dos autos já não se encontrava em vigor a redacção do Artº7 da Lei nº l-A1/2020 - que criou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo COVID-19, nomeadamente, através da prática de actos processuais através de meios de comunicação à distância adequados – mas não deixa de ser verdade que o julgamento ocorreu com a presença do arguido, ainda que não fisicamente.
Na véspera do início do julgamento, o estabelecimento prisional onde o arguido se encontrava detido em situação de prisão preventiva, informou o tribunal, por correio eletrónico, que o recorrente se encontrava em isolamento profilático desde o dia 10 de Outubro, “por contacto de risco, avaliado pela Autoridade de Saúde, com 10 reclusos alojados no mesmo Pavilhão que testaram positivo à Covid 19”.
Mais informou, que “a médica que presta serviço no EP é de parecer que o recluso poderá prestar declarações em audiência de julgamento por meio de comunicação à distância, acauteladas todas as regras.”
Estando em causa um processo urgente, uma vez que o recorrente se encontrava em prisão preventiva e observando-se a impossibilidade de comparência presencial do mesmo em consequência da situação epidemiológica decorrente do Covid-19, entendeu o tribunal a quo que estavam reunidas as condições técnicas para a realização da audiência de julgamento, podendo o arguido acompanhar e presenciar todos os actos processuais que nele fossem praticados, ainda que à distância.
Não se tratou, assim, ao contrário do que parece afirmar o recorrente, de um julgamento na ausência do arguido, mas apenas de uma audiência em que o ora recorrente não esteve presente fisicamente, mas à mesma assistiu, em tempo real, desde o seu início até ao seu termo, através do sistema de videoconferência, sendo certo que durante a sessão não ocorreram quaisquer problemas ou falhas técnicas que prejudicassem a comunicação entre o tribunal e o estabelecimento prisional.
Desta simples constatação – a circunstância de o arguido ter estado presente, a tudo ter assistido, podendo intervir quando quisesse e reputasse necessário à sua defesa – logo resultaria a inexistência da invocada nulidade, configurada no Artº 119 al. c) do CPP, como a ausência do arguido a acto a que devesse estar presente.
Acresce, que o arguido apenas não esteve presente fisicamente na primeira sessão de julgamento, que decorreu no dia 21/10/20, tendo estado na sala de audiências em todas as demais sessões de julgamento, como decorre das respectivas actas.
Se assim é, parece ser inevitável concluir que não foi praticado qualquer acto processual na ausência do arguido, toda a prova produzida na referida sessão de audiência de julgamento foi assistida pelo recorrente, garantindo-se assim o estrito cumprimento dos seus direitos e garantias enquanto arguido, de forma a poder-se dizer que, embora não estivesse fisicamente na sala de audiências do tribunal na sessão de 21/10/20, ao arguido não foram coartados quaisquer direitos de defesa constitucionalmente garantidos.
Atento o exposto, bem andou o tribunal a quo ao dar início à audiência de julgamento, uma vez que estavam disponíveis os meios necessários para a salvaguarda dos direitos de defesa do arguido, não se verificando a invocada nulidade, nos termos do Artº 119 al. c) do CPP, improcedendo, deste modo, o recurso, também nesta parte.

B.4. Nulidade do acórdão pelos vícios do Artº 410 do CPP

Em sede de matéria de facto, o recorrente imputa vários vícios à sentença recorrida, nos termos do Artº 410 nº2 do CPP, designadamente, a ausência de exame crítico, a contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, e o erro notório na apreciação da prova, tendo-se todavia esquecido de os concretizar, na medida em que as considerações genéricas que, a tal propósito, enuncia, mais não são do divergências no que respeita à forma como o tribunal recorrido valorou a prova produzida e que se traduzem, por isso, em bom rigor, na invocação de um erro de julgamento, a apreciar infra.
Como se sabe, a decisão proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo.
A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar, expõe os motivos de facto e de direito que a fundamentam e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para basear a decisão do tribunal.
Ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 294:
«A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina. (…) No actual sistema processual português, os tribunais de recurso não podem substituir-se ao tribunal de julgamento em 1ª instância na apreciação directa da prova, mas pode e deve apreciar, nos termos do artº 410º, nº 2, se o tribunal de 1ª instância fez correcta aplicação dos princípios jurídicos em matéria de prova; deve poder julgar em recurso se houve ou não erro notório na apreciação da prova ou contradição insanável na fundamentação. Para tanto, necessário se torna que a sentença indique a motivação dos juízos em matéria de facto, para que o tribunal de recurso possa apreciar da legalidade da decisão».
Também Marques Ferreira, “Meios de Prova” (in Jornadas de Direito Processual Penal, 228 e segs), diz que “exige-se (…) a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso (…). E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos proce
ssuais mas a própria sociedade”,
Sobre o significado do termo ''exame crítico das provas'' pode ler-se no Acórdão do STJ, de 21/03/07, disponível em www.dgsi.pt: ''a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.''
Vigorando na nossa lei adjectiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a actividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e, presumivelmente, se convença como o julgador.
A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.
É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico, que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador.
A razão de ser da exigência de fundamentação em geral está ligada ao próprio conceito do Estado de direito democrático, sendo um instrumento de legitimação da decisão que serve a garantia do direito ao recurso e a possibilidade de conhecimento mais autêntico pelo tribunal de recurso.
Deste modo, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também ao tribunal de recurso.
Sublinhe-se que a necessidade de motivar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, consagrado no Artº 6 nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que a motivação é um elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.
Na sequência disso, é entendimento pacífico da jurisprudência de que o dever de fundamentação, o aludido exame crítico, não exigindo a descrição pormenorizada dos testemunhos prestados, também não se basta com o mero elencar das testemunhas ouvidas e dos documentos examinados, sendo necessário que a decisão descreva, com clareza, o raciocínio efectuado pela 1ª instância, que a conduziu a dar determinados factos como provados ou não provados, sob pena de violação do Artº 205 da Constituição da República Portuguesa e do direito ao recurso.
Só motivando nos moldes descritos a decisão sobre matéria de facto, é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da referida convicção, para que seja permitido sindicar se a prova não se apresenta ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.
A análise crítica impõe-se sobretudo relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção (desde logo a imediação é essencial para a sua avaliação).
Já no que se refere a documentos ou prova pericial reveste-se o seu teor de um carácter objectivo e certo, que na maioria dos casos dispensa considerações sobre o seu conteúdo, porque este se impõe sem que existam questões delicadas de credibilidade ou razão de ciência a equacionar.
Não dizendo assim a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Posto isto, atente-se, desde já, na forma como, no acórdão recorrido, se motivou a decisão de facto (transcrição):

A.3) MOTIVAÇÃO
Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
Assim, enunciados os factos, cumpre apreciar criticamente as provas, não bastando uma mera enumeração dos meios de prova, sendo necessária “ a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal” – cfr. Ac. TC nº680/98, de 02.12, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html, de forma a resultar claro para os destinatários a compreensão do porquê da decisão e do processo lógico – mental que permitiu alcançar a decisão proferida.
Na fixação da matéria de facto o Tribunal atendeu criticamente às declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento e bem assim em sede de interrogatório judicial (cfr. auto de interrogatório judicial fls. 370 a 378 e respectivo CD de suporte de gravação fls. 379 vol. 2.º), declarações do demandante, ao depoimento das testemunhas, nos termos referidos infra, ao auto de notícia de fls 3, 4, autos de apreensão de fls. 5, 119, 120, relatórios de inspecção judiciária, fotos e suporte físico de fls. 61 a 68, 73-A, 74 e 221 a 228, 95 a 99, auto de diligência fls. 134 a 135, documentos e fotos de pessoais de (...) fls. 107 a 118, foto e passaporte (...) fls. 172, 173, termo de consentimento e registo de chamadas de fls. 131 a 133, registo de chamadas telefónicas de fls. 138 a 139, informação de registo automóvel fls. 141 e 142, autos de visionamento de imagens de videovigilância e suporte físico com gravação de fls. 147 a 156, de fls. 157 a 165, de fls. 177 a 183 e 184, informação clínica fls. 249 a 264, fls. 415 a 417, fls. 349 a 352, fls. 683, 684, fls. 685 a 688, fls. 730 a 731, factura simplificada fls 273, relatório pericial fls 296 a 316, auto apreensão fls. 325, termo consentimento fls. 326, auto de diligência e busca e apreensão, folha suporte vestígios e fotos fls. 326-A a 334 e 336, relatório pericial de fls. 394 a 414, ofícios com pedidos de exame pericial fls. 418, 419, 420, relatório pericial fls. 421 a 422, relatório pericial fls. 423 a 426, 583 a 585, 427 a 429, relatório pericial fls. 430 a 432, fls. 508 a 511, relatório pericial e guias de entrega fls. 437 a 464, relatório pericial, guias de entrega, declaração de autorização colheita fls. 465 a 489, relatório de exame pericial fls. 592 a 596, relatório INML fls. 675 a 679 e de fls. 681 a 682, certificado incapacidade temporária de fls. 732, recibo de vencimento de fls. 733, relatório DGRSP de fls. 845 a 848, auto de diligência de fls. 856 e 857, consultas às bases de dados do registo civil de fls. 166 e 167, certidão judicial extraída do processo tutelar educativo de fls. 908 a 927 e ainda ao CRC de fls. 827.
Concretizando:
Para prova dos factos respeitantes às circunstâncias espácio temporais e sujeitos presentes e meio de transporte utilizado na deslocação de Estremoz a Évora, local de estacionamento chegados a Évora e onde se dirigiram, o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento e apenas neste particular e porquanto e na medida em que foram corroboradas pela testemunha (...) e nas quais neste momento, por isso, se fez fé, não se vendo qualquer meio de prova que as infirme e que por isso ponha em causa a sua veracidade (note-se que o arguido assumiu neste particular posição diversa da manifestada em sede de primeiro interrogatório judicial, apenas se crendo na versão apresentada em audiência, nesta parte, face à demais prova produzida e referida agora para efeitos de convicção do Tribunal). Ademais, e no que respeita à deslocação ao “(...)”, as declarações e depoimento referidos vão ainda corroborados pelas imagens das câmaras de videovigilância do (...), sendo que a presença dos sujeitos foi ainda confirmada pelo responsável pelo Espaço – (…), no qual, atenta a forma circunstanciada como depôs neste particular, se fez fé, não se vendo que o mesmo tenha qualquer interesse no desfecho dos autos -, esclarecendo a saída do arguido em momento posterior à saída de (...) e (...). Considerou-se ainda neste particular o depoimento do inspector da Polícia Judiciária – (...), apenas quanto aos factos que são da sua percepção directa –, o qual esclareceu o modo de obtenção das imagens de videovigilância, visualização das mesmas e o desfasamento da hora das mesmas por referência à hora real.
Para prova da propriedade dos bens, o Tribunal socorreu-se, quanto ao automóvel, da informação de registo automóvel, de onde resulta registada a aquisição do veículo a favor de (...) e quanto ao cartão multibanco, do depoimento da testemunha (...) e declarações do arguido em sede de 1.º interrogatório, conjugadas com as regras da experiência e livre apreciação, sendo esta a regra – aliás, de resto, conforme as habituais declarações de responsabilidade outorgadas junto das entidades bancárias aquando da emissão dos cartões e com vista à utilização dos mesmos pelos possuidores.
Quanto à discussão respeitante à condução do veículo e destino pretendido pelo arguido (Évora para Estremoz), o Tribunal considerou bem assim as declarações do arguido neste particular, não se vendo razão para as pôr em crise, porquanto não se vê razão para o arguido, neste estrito particular, faltar à verdade, tanto mais que se trata, no entender do Tribunal, de factualidade que não lhe é favorável (aliás contrária à versão que apresentou em sede de 1.º interrogatório judicial e essa sim era-lhe favorável, tendo aí o arguido referido que nessa noite inclusive dormiu em Évora, o que é contrariado pelas imagens de videovigilância na bomba de gasolina de Évoramonte e pelo depoimento de (...) e (…), coincidente ao menos na parte em que o arguido e (...) ficaram frente ao ISS em Estremoz na manhã de 22.12),sendo ainda conforme às razões da lógica a razão pela qual o arguido discutiu com (...), pois que, como já apontado supra, é de (...) a propriedade do veículo que o arguido pretendia conduzir. Atendeu-se ainda neste particular ao facto de tanto a testemunha, como o arguido e (...) terem admitido terem bebido substancialmente o que – face às regras da experiência – potencia dissensos, designadamente sobre a condução, bem assim o facto de igualmente resultar da prova (mormente depoimento de (…) e de (…) no sentido de (...) habitar em Évora, nos quais se fez fé, atenta a razão de ciência de cada um deles e porquanto se corroboraram mutuamente) que (...) vivia em Évora e trabalhava no dia seguinte, o que explica também a discussão e a razão pela qual (...) não queria dar boleia até Estremoz como pretendia o arguido. Em abono da convicção do Tribunal nesta parte resulta ainda a circunstância de ser crível o facto de o arguido pretender a condução do veículo atento o efectivo estado de embriaguez de (...) na noite em questão, o que é manifestamente percepcionável pelo estado do mesmo ainda no interior do estabelecimento “(...)”, e que não se compara ao estado do arguido, o qual, não obstante ter manifestado ter ingerido bebidas alcoólicas, mantém equilíbrio, o que ademais se compreenderá, face às regras da experiência, considerando a manifesta diferença de estatura e compleição física de cada um – (...) bastante mais baixo e muito menos corpulento face ao arguido, o que resultará em menor tolerância ao álcool face ao último, sendo por esta razão também admissível que o arguido pretendesse assegurar a condução do veículo, entenda-se por ter percepcionado o estado em que (...) se encontrava, o qual manifestamente não seria compatível com tal exercício de forma segura.
Quanto ao factos provados e que se referem à sequência temporal seguinte, concretamente deslocação do arguido a sós com (...) até à Travessa das (...) para “irem nesse circunstancialismo, o estado em que (...) ficou após actuação do arguido, o retorno do arguido já após as primeiras agressões e razão pela qual o fez, a sua actuação nesse circunstancialismo, a actuação do arguido face à testemunha (...) e o abandono do local no veículo, a este propósito uma vez mais o arguido apresentou diversas versões do sucedido, em sede de primeiro interrogatório (onde inclusive, depois de confrontado com as imagens de videovigilância, admitiu ter mentido), na contestação apresentada e depois em sede de audiência de julgamento.
Note-se que, não obstante o arguido não estar sujeito ao dever de verdade (pois que não presta juramento – cfr. art. 140.º n.º3 CPP que acolhe o p. da proibição da auto incriminação), as suas declarações não deixam de estar sujeitas à livre apreciação do julgador, mesmo as prestadas em sede de inquérito no âmbito de primeiro interrogatório judicial, estando o arguido advertido de tal, como sucede no caso em apreço – cfr. auto de interrogatório judicial de arguido detido e art. 141.º n.º4 al. b) CPP.
Ora, no caso concreto, são manifestas as contradições entre as declarações do próprio arguido quanto à dinâmica física com (...). De modo que, neste particular em concreto não pode o Tribunal fazer fé nas declarações prestadas pelo arguido.
Soma-se a isto, o facto de as imagens de videovigilância do “(...)” (com o desfasamento horário assinalado no auto respectivo, supra referido) contrariarem, uma vez mais, a versão do arguido prestada em audiência – pois que daquelas resulta a testemunha (...) a entrar primeiro na esplanada do estabelecimento, seguindo para o interior do estabelecimento, seguindo-se segundos depois o arguido que permaneceu apenas na esplanada e aí estiveram poucos minutos -, sendo que, de acordo com o arguido, em audiência de julgamento, o mesmo entrou bebeu café (para acalmar) e comeu e o (...) teria estacionado o veículo e foi ter ali consigo – o que manifestamente é contrariado pelas imagens de videovigilância, as quais não foram sequer impugnadas – note-se a este propósito que a versão apresentada em sede de 1.º interrogatório é também ela diferente da prestada em audiência, repondo ali o arguido a versão do “(...)” depois de confrontado com as imagens de videovigilância. Aliás, a versão do arguido em interrogatório ia mudando à medida que ia sendo confrontado com a prova; mesmo apenas considerando as declarações prestadas em audiência o arguido entra em contradição – vejam-se os momentos em que o arguido se refere ao abandono da viatura em Borba e intervenção da testemunha (...). Sequer logrou corroborar a sua versão quanto ao vídeo alegadamente feito com o seu telemóvel (note-se que a diligência realizada já em fase judicial não logrou o efeito pretendido pelo arguido, não sendo encontrado o vídeo referido, nem no telemóvel, nem nas aplicações a que os peritos acederam, como resulta do relatório de fls. 856 e 857).
A factualidade dada por provada neste particular – dinâmica na Travessa das (...) até ao abandono do local - assentou no depoimento da testemunha (...), a qual prestou neste particular um depoimento circunstanciado, esclarecendo a sua intervenção nos factos, a razão pela qual só foi ver o que se passava posteriormente, o modo como viu (...) após primeira actuação do arguido e já da segunda vez, a razão pela qual o arguido cessou a primeira intervenção, a razão pela qual acompanhou o arguido no carro do demandante e a razão pela qual foi a testemunha quem conduziu, os locais onde pararam após abandono do local dos factos – (...) e bomba de gasolina - , a razão pela qual estiveram pouco tempo no “(...)”, conjugada com os demais meios de prova, designadamente imagens de videovigilância juntas aos autos dos três locais – (...), (...) e bomba de gasolina de Évoramonte – e respectivos autos de visionamento, factura com aquisição de bens na bomba de gasolina, telefonemas para (...) e registos de telemóveis de ambos, autos de apreensão, relatórios de inspecção judiciária ao local – Travessa das (...) – e respectivas fotos colhidas ao local e ao demandante, de onde resulta à saciedade o estado do demandante inanimado e ensanguentado, sendo conforme às regras da experiência que o sangue que (...) apresentava no momento em que foi encontrado já existiria (ainda que possa admitir-se em menor dimensão…) quando (...) e (...) ainda se encontravam no local onde os factos tiveram lugar, face à violência manifestada pelas lesões do demandado, o relatório de inspecção judiciária a Borba ao local onde se encontrava o veículo e respectiva colheita fotográfica e as imagens de localização geográfica dos locais, bem assim o depoimento das testemunhas (…), os quais, de forma circunstanciada e absolutamente desprendida – pois que não têm qualquer relação com os sujeitos processuais – descreveram o modo como encontraram o demandante, tendo inclusive a testemunha (…) referido a hora aproximada a que o encontrou e ter sido autor das fotos colhidas ao demandante no local e a testemunha (…) auxiliado o corpo de socorro. Bastando confrontar os autos mencionados de inspecção judiciária, busca e apreensão, folhas de suporte e fotos associadas e relatórios de exame pericial, guias de entrega, ofícios a solicitar exame, declarações de autorização de colheita, zaragatoas colhidas em objectos, locais e pessoas, para se concluir que as sapatilhas apreendidas ao arguido de tamanho 45 Nike Jordan pretas (que envergava no dia dos factos) apresentavam vestígios de sangue compatíveis com sangue do demandante (...) e bem assim com o sangue que foi analisado no saco plástico encontrado no lugar do pendura do Clio de (...) onde o arguido se fez transportar (tendo sido excluída a pegada de sapatilha junto de (...), conforme resulta do respectivo relatório pericial – fls. 421, 422) – ainda que seja inócuo, por desconhecida a identidade da pessoa a quem pertence a impressão digital presente no saco plástico, conforme resulta do respectivo relatório de exame pericial. Tudo quanto referido, elementos objectivos a concorrer para corroborar o depoimento da testemunha (...). Ademais, a versão da testemunha no que se refere à ida à bomba de gasolina e do arguido para adquirir tabaco e comida é mais conforme às regras da experiência, pois que sendo o arguido quem pretendia adquirir é normal que fosse o mesmo a sair da viatura e não a testemunha.
Nem se diga que não foram atendidos os vestígios colhidos na manete, volante e travão de mão do veículo, pois que dos relatórios de recolha de vestígios resulta, ao descrever cada um deles que se trata de eventuais vestígios biológicos (não especificando se vestígios hemáticos), por contraposição ao vestígio no saco plástico, onde referem especificamente eventuais vestígios hemáticos. Por outro lado, do relatório pericial de fls. 592 a 596 resulta à saciedade que nos restantes itens – entenda-se item 1 vestígios no volante, travão e manete - não se obtiveram resultados ou não foram concludentes, ou seja, o item apreciado ali quanto aos vestígios agora mencionados não foi desconsiderado, apenas não foram obtidos resultados quanto aos mesmos ou não foram concludentes.
Acresce que a testemunha (...) esclareceu a razão pela qual contactou a testemunha (...), no que se fez fé, não obstante o seu depoimento nesta parte não ser coincidente com a de (...). Com efeito, quanto a este último apenas se fez fé na parte em que o seu depoimento vai corroborado pelos registos de chamadas telefónicas, mas já não quanto ao local onde o arguido e (...) o encontraram, pois que não é crível que não sendo (...) de Borba fosse este a determinar o local onde deixar o veículo, sendo mais crível que tenha sido (...) (porque residente em Borba) a indicar o local, sendo seguido pela testemunha e arguido no Clio e depois transportado os mesmos até Estremoz, fazendo assim o favor ao amigo (...), de resto como este relatou. Note-se ademais que neste particular o Tribunal entende que a testemunha (...) se limitou a falar com verdade quanto aos factos essenciais – encontro com os sujeitos e transporte para Estremoz -, no mais alegando não se lembrar ou sendo evasivo na resposta, manifestando assaz desconforto (para dizer no mínimo) relativamente à sua presença em audiência, o que não seria de todo descabido, a fazer fé no depoimento da testemunha (...) no sentido de que o arguido teria dado a (...) o telemóvel de (...), estando assim de algum modo a testemunha comprometida com o sucedido…
A descrição feita pela testemunha (...) dos factos é bem assim compatível com a localização das lesões no corpo do demandante e ainda com a parte do corpo que refere ter sido usada pelo arguido para desferir as mesmas (pé, calçado pela sapatilha, na qual foi encontrado o vestígio de sangue e que o arguido confirmou ter calçada no dia dos factos quanto confrontado com a imagem da mesma), não colhendo, por isso, sequer a explicação dada pelo arguido para ter sangue de (...) no calçado.
Por outro lado, não se pode olvidar, a fazer fé na testemunha (...), que o arguido procurou inclusive, numa primeira abordagem obstaculizar a investigação, alegando estar em sítio diverso daquele onde se encontraria aquando da interpelação da polícia, de modo a evitar ser encontrado, o que igualmente não concorre para a veracidade de qualquer das versões divergentes que apresentou.
A tudo acresce as circunstâncias em que a testemunha (...) referiu ter ainda visto o cartão de multibanco do (...), prestando também nesta parte depoimento de modo escorreito e localizado no tempo, no que se fez uma vez mais fé. É bem assim de crer que a testemunha pudesse ter receio do arguido, não só pelo que havia presenciado relativamente a (...), mas ainda face à circunstância de o arguido ser pessoa de porte considerável – com efeito resulta da prova produzida que calça o 45/46, veste tamanho 46 e XXL, tem 1,93mts de altura quase mais 20 cm que a testemunha (...) (cfr. consultas de registo civil mencionadas), o que é bastante significativo para o parâmetro em apreço.
De resto, quanto ao cartão multibanco o arguido inclusive admitiu – em sede de 1.º interrogatório - ter ficado com o multibanco (apenas não se fazendo fé que o houvesse apanhado no chão), não colhendo a explicação dada em sede de audiência pelas razões já referidas.
Foi bem assim com apoio no depoimento da testemunha (...) que se deu por provado que foi o arguido quem retirou as chaves do veículo a (...), no qual neste particular também se fez fé, por força das razões já apontadas supra, tendo bem assim a testemunha esclarecido de forma circunstanciada a razão pela qual não foi o arguido a conduzir o veículo de (...), tendo antes sido a testemunha a conduzir.
Quanto aos factos relacionados com o estabelecimento (...) a convicção do Tribunal assentou no depoimento da testemunha (...), uma vez mais crível porquanto compatível desde logo com as imagens de videovigilância respeitantes a este estabelecimento e das quais resulta à saciedade o arguido e a testemunha entraram no estabelecimento juntos, apenas com diferença de segundos entre eles, sendo que o primeiro a entrar na esplanada foi a testemunha, imediatamente seguido do arguido, sendo que ademais a testemunha esclareceu a razão pela qual ali permaneceram tão pouco tempo e o destino subsequente de ambos na viatura, na qual por isso também se fez fé, o que vai corroborado ainda pelas imagens de videovigilância da bomba de gasolina (as quais referem a hora exacta, sem discrepâncias, conforme atestado pela testemunha (...), autor do auto de visionamento respectivo e que esclareceu que apenas são assinalados os casos em que há discrepâncias de hora – como sucedeu com as outras imagens juntas aos autos -, mas não naquelas em apreço, respeitantes à bomba de gasolina, razão pela qual resultou não provada a factualidade alegada pelo arguido no que respeita ao momento temporal desses factos). Foi igualmente por apelo ao depoimento das testemunhas (...) e (...), corroboradas pelas imagens dos registos telefónicos dos telemóveis de ambos que resultaram provados os contactos estabelecidos por tal meio, a relação de amizade de ambos e a residência da testemunha (...). Atente-se que face à hora que resulta do registo do telefonema de (...) para (...) e a hora que consta da videovigilância da saída de (...) do estabelecimento resultou não provado o facto alegado pelo arguido no que respeita à sequência/hora a que reentrou no veículo.
Foi ainda por apelo ao depoimento da testemunha (...) e (...) que resultou provado o relacionamento entre estes e entre (...) e (...), não se vendo bem assim razões para nesta parte se por em causa tais depoimentos.
No que respeita às declarações do demandante, o Tribunal apenas teve em consideração o modo como o mesmo se apresentou em juízo, debilitado, claudicante, com dificuldade na fala e mesmo, no entender do Tribunal, na percepção do que lhe era perguntado, mostrando-se mesmo alheado, o que vai de encontro à descrição que do mesmo fizeram as testemunhas (…), irmão e progenitora do demandante e bem assim o médico que acompanhou o (...) – Dr. (…) - e que vai corroborado pelo relatório INML de fls. 675 a 679. Com efeito, face ao estado neurológico do demandante e que resulta do relatório INML mencionado, o Tribunal não logrou relevar as declarações orais do mesmo, fosse quanto ao evento em concreto, fosse quanto à sua percepção da sua situação actual e perspeciva futura, pois o seu discurso compaginava-se com as conclusões do relatório INML, não tendo o Tribunal razões para pôr este em causa.
Relativamente às lesões, estado clínico do (...) e nexo causal entre os actos do arguido e as lesões e subsequente estado do (...) e permanência das sequelas, o percurso do demandante nas instituições médicas e de cuidados de saúde, limitações e estabilização do seu estado, tal factualidade resultou provada por apelo ao auto de notícia, quanto aos factos directamente percepcionados pelo OPC, aos elementos clínicos juntos aos autos (com excepção para os episódios de urgência em datas muito anteriores ao evento), considerando-se os relatórios INML, bem assim o depoimento do médico que acompanhou o demandante – Dr. (…), que de forma clara e circunstanciada esclareceu o estado clínico do mesmo e os testes realizados, medicação prescrita e bem assim estabilização do estado clínico -, sendo ainda considerados, os depoimentos da mãe e irmão do lesado quanto aos factos mais empíricos relacionados com a percepção do estado físico de dependência e bem assim percepção dos lapsos de memória e falta da mesma e medicação ingerida.
Bem assim por apelo ao depoimento da progenitora (na qual se fez fé, atento o modo espontâneo como depôs) resultou provado o ingresso do demandante no Centro da Urra, sendo ainda considerado a propósito o relatório do Hospital de Évora quanto à data de alta e encaminhamento do demandante para aquele centro, considerando-se os scores da escala de coma de Glasgow constantes dos elementos clínicos, as perturbações consignadas nos relatórios e medicação para estabilizar o demandante e referências ali feitas ao estado doloroso, dos quais, associados às regras da experiência, resultaram provados ademais as dores, incómodos e sofrimento sentidos pelo demandante, situações infecciosas, uso de fraldas, algaliamento, ventilação, tudo quanto respeita ao estado clínico do demandante e marcas físicas que o mesmo apresenta relacionadas com o evento.
O elemento subjectivo resultou provado por apelo às regras da experiência e da livre apreciação da prova, considerando as zonas atingidas do corpo de (...), as consequências que para o mesmo resultaram dos actos perpretados, a actuação do arguido nos momentos subsequentes à prática dos factos – abandono do (...), numa Travessa – portanto lugar secundário de passagem, onde só por acaso foi encontrado, numa madrugada de Inverno de Évora, bem se sabendo das baixas temperaturas nessa altura do ano, inanimado e a sangrar.
A prova relativa à actividade laboral e dependente do demandante resultou dos depoimentos da progenitora, irmão do mesmo, bem assim da testemunha (…) (gerente do hotel onde o demandado desempenhava funções), sendo ainda considerada a prova documental respeitante aos elementos pessoais do demandante relacionados com tal factualidade – curriculum vitae, carta de recomendação, juntos aos autos, recibo de vencimento de fls. 733. Da prova referida se socorreu ainda o Tribunal para dar como provada a cessação da actividade profissional, a não renovação do contrato, valor mensal de vencimento e valores não auferidos, considerando ademais a prova referida neste segmento decisório e bem assim relatório INML e certificado de incapacidade temporária e ainda depoimento do médico Dr. (…), no que respeita à incapacidade do demandante para o desempenho da sua actividade laboral e razões para tal incapacidade, de onde decorre necessariamente, como decorre da normalidade das coisas e regras da experiência a perda de retribuição – a qual é por definição o contraponto do trabalho prestado, que no caso o demandante não logrou prestar.
Bem assim por apelo aos depoimentos da progenitora, irmão do demandante e gerente do hotel onde exercia funções e ainda às fotos do demandante juntas aos autos e elementos respeitantes à vida profissional antes do evento resultaram provados os factos respeitantes à personalidade do demandante e perspectiva de vida no momento anterior aos factos, sendo que tais elementos de prova não foram contrariados.
Para prova do mês e ano de nascimento de (...) o Tribunal considerou os documentos pessoais do demandante juntos aos autos, os quais não foram contrariados por qualquer meio de prova e nos quais se fez fé.
Para prova da incapacidade para o trabalho no período de Junho a Julho 2020 o Tribunal socorreu-se do certificado de incapacidade temporária, no qual fez fé, não se vendo razões para o pôr em crise, o qual se mostra ademais emitido pela testemunha (…), médico que acompanhou o demandante no CHUA e por isso apresenta razão de ciência bastante e do qual o Tribunal ainda se socorreu para dar como provada a necessidade de medicação e acompanhamento clínico futuro do demandante.
Quanto à natureza das bebidas ingeridas pelo arguido, pelo demandante e pela testemunha (...) na noite do evento, o Tribunal considerou as declarações do arguido, na medida e que estritamente corroboradas pela testemunha (...), sendo ainda por apelo ao depoimento da testemunha referida que resultou provado o consumo de droga por parte de (...), a que o arguido também aludiu e no qual por isso, também apenas neste estrito particular, se fez fé, já que corroborado pela testemunha.
O ano e valor de aquisição do veículo resultou provado por apelo ao depoimento da testemunha (…), mãe de (...), a qual não foi contrariada por qualquer outro meio de prova e que neste particular prestou depoimento de modo espontâneo e circunstanciado e no qual, por isso, mesmo se fez fé.
A factualidade respeitante às condições socio económicas e perspectivas do arguido para o futuro resultou provada essencialmente por apelo ao relatório social elaborado pela DGRSP, em conjugação com as testemunhas abonatórias por si arroladas – seus familiares – e nos quais, na estrita medida da factualidade dada por provada, se fez fé, não se vendo razões para neste particular nas mesmas não crer, sendo igualmente por apelo ao relatório referido que resultou provada a factualidade respeitante à vivência do arguido em contexto prisional.
No que respeita à factualidade do processo tutelar educativo, atendeu-se à certidão judicial respectiva junta aos autos.
Quanto às declarações do arguido em sede de instrução, considerou-se o auto de interrogatório e declarações do arguido ali prestadas.
No que concerne aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal considerou o certificado de registo criminal referido.
Os factos não provados resultaram de ausência ou insuficiência de prova e/ou de prova produzida em sentido diverso.

Como se vê, não merece a decisão recorrida a censura que lhe assaca o recorrente no sentido de padecer de exame crítico, na medida em que o tribunal recorrido, justificou, com suficiência bastante, as razões e os elementos de prova que fundaram a sua convicção, quer em relação aos factos provados, quer aos não provados.
O tribunal a quo explicou, exaustivamente, a sua motivação factual, os meios de prova que a sustentaram, as razões pelas quais credibilizou uns depoimentos em detrimento de outros e o valor da prova documental e pericial que foi privilegiada na sua convicção, de um modo perfeitamente inteligível, capaz, por isso, de se impor aos outros.
Pode o recorrente discordar de tal exame crítico, mas daí não resulta a sua insuficiência, pois nem sequer são enunciados os meios de prova que o tribunal recorrido não atendeu e que devia ter atendido, para formar a sua convicção.
O que se verifica, é que o recorrente confunde uma alegada nulidade do acórdão por insuficiência no exame crítico das provas, com a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, pois das suas alegações, o que se observa, é a sua discordância com os concretos pontos de facto dados como provados e respetiva motivação, mas essa é uma matéria que apenas contende com um eventual erro de julgamento, a apreciar, infra.
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Por outro lado, invoca ainda o recorrente a existência de uma contradição insanável da fundamentação, ou entre esta e a decisão, e um erro notório na apreciação da prova, vícios que também acarretariam a nulidade do acórdão recorrido.
Preceitua o Artº 410 nº2, do CPP, que, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) - A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) - Erro notório na apreciação da prova”.
Por outro lado, dispõe o seu nº3, que, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.
Como ressalta do nº2 do citado Artº 410, a norma reporta-se aos vícios intrínsecos da decisão, como peça autónoma, verificáveis pelo simples exame do seu texto ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum, sendo por isso evidente que os ditos vícios têm de resultar do acórdão recorrido considerado na sua globalidade, por si só, ou conjugado com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que ao mesmo sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Daí que não possa invocar-se a existência de qualquer um dos vícios enumerados nas alíneas do referido nº2 apelando para elementos não constantes da sentença, como seja, por exemplo, um documento junto aos autos, ou um depoimento prestado em audiência, ainda que os depoimentos se achem documentados como é o caso dos autos.
A contradição insanável da fundamentação, ou entre esta e a decisão, é definida por Simas Santos e Leal-Henriques, in Processo Penal, Rei dos Livros, 7ª Ed., 2008, pág, 75, como aquela, em que “… fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente
Verifica-se o apontado vício quando, na análise da factualidade dada como provada e não provada, se chega a conclusões contraditórias, insanáveis e irredutíveis, que não podem ser ultrapassadas recorrendo-se ao contexto da decisão no seu todo e ainda com recurso às regras da experiência comum.
No que aqui respeita, torna-se cristalina a inobservância do apontado vício, na medida em que, entre a fundamentação – quer factual, quer de direito – e a decisão, há todo um processo lógico e sequencial de modo a se concluir que esta mais não é do que o resultado lógico e necessário daquela, daqui se extraindo, à evidência, o preenchimento, pelo arguido, dos elementos objectivos e subjectivos dos crime de homicídio na forma tentada e furto qualificado, pelos quais foi condenado.
Alegava o recorrente uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, na medida em que não ficou provado que o arguido tenha atraído o ofendido para uma travessa e foi com base nesse pressuposto que o tribunal julgou verificada a especial censurabilidade para o condenar por homicídio qualificado.
Ora, mal se percebe, com o devido respeito, esta alegação do recorrente, na medida em que da factualidade assente nos nsº8 e 9 resulta, à evidência, exactamente o contrário do por si afirmado, ou seja, que o arguido atraiu a vítima para a dita travessa, com o fito de consumir estupefacientes, o que o ofendido havia feito durante a noite, como se alcança do nº49 da factualidade apurada.
Não existe, assim, a contradição invocada, que mais não é, no fundo, do que uma mera discordância com o facto de o tribunal a quo ter assumido essa matéria como provada.
Como bem nota o MP na sua resposta, “o recorrente pretende alegar uma contradição que resulta da sua própria leitura da prova, o que em nada se coadune com o vício da decisão invocado!”
No mais, ou seja, na valorização jurídica desse acervo factual, trata-se de matéria para apreciar mais à frente, quando se aferir da existência do crime de homicídio qualificado imputado ao arguido.
Relativamente ao invocado erro notório na apreciação da prova pelo tribunal a quo, ensinam Simas Santos e Leal-Henriques, em Recursos Penais, Rei dos Livros, 8ª Ed., pág. 80, que é uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível para o cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se tirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.”
Erro notório na apreciação da prova, é, assim, aquele que não escapa à normal observação da generalidade das pessoas, isto é, o que, pela sua certeza, não pode passar despercebido ao comum dos cidadãos e que só se deve ter como apurado quando se dá por assente uma determinada factualidade com base em juízos ilógicos, arbitrários, contraditórios e insustentáveis, e que, por isso, desde que detectados no texto decisório, se apresentem como manifestamente violadores das regras da experiência comum.
Alega o recorrente que existe um erro notório na apreciação da prova na medida em que se deu por assente que, de modo não concretamente apurado, (...) caiu ao chão (nº9 dos factos provados), sendo certo que se deu como não provado que, nesse momento, o arguido tenha desferido naquele uma pancada na cabeça e que a dita queda tenha acontecido em consequência de tal pancada (als. b. e c. dos factos não provados).
De novo, mal se entendendo a argumentação do recorrente, nomeadamente, para a configuração do invocado vício, importa tão só dizer que o facto de não se ter provado que o recorrente agrediu, no momento em causa, o ofendido, com uma pancada na cabeça, em nada impede que se tenha por assente que este tenha caído ao chão em consequência de algum acto daquele, ainda que não se tenha conseguido apurar, em concreto, de que modo é que tal aconteceu.
No mais, lendo o texto da motivação do recurso, constata-se que o imputado vício mais não traduz do que as discordâncias do recorrente em relação ao modo como foi valorizada, pelo tribunal recorrido, a prova produzida, nomeadamente, à aferição concertada das declarações da testemunha (...), em detrimento do seu próprio testemunho, tudo conjugado com os restantes depoimentos e o acervo documental do processo.
É, pois, seguro, que o recorrente, quer na motivação recursória, quer nas conclusões apresentadas, não concretiza, ainda que de forma mínima, os fundamentos de cada um dos invocados vícios, direcionando-os, no fundo, à mera circunstância de o tribunal recorrido ter assumido como provados os factos que permitiram a sua condenação pelos crimes que lhe eram imputados.
É igualmente seguro, que da decisão condenatória não se retira qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, ou erro notório na apreciação da prova, tal como são definidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, não só não resultam, nenhum deles, do texto da decisão recorrida, como nem são demonstrados, ainda que incipientemente, pelo recorrente.
O que se verifica, na verdade e na essência do recurso, nesta parte, é um diferente entendimento do que se provou, ou seja, uma mera impugnação factual, assente num alegado erro de julgamento, que será apreciado de seguida.
A diferente convicção do recorrente em relação à valoração das provas produzidas em julgamento não se enquadra nos alegados vícios da decisão, tal como definidos no citado normativo, não se verificando, assim, qualquer nulidade do acórdão recorrido, designadamente, por padecer dos invocados vícios de insuficiente exame crítico, contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, e erro notório na apreciação da prova,
Improcede assim, com meridiana evidência, o recurso, nesta parte.

B.5. Erro de julgamento

Aduz na verdade o recorrente um erro de julgamento, decorrente do Artº 412 nº3 do CPP, e não, um erro/vício da sentença previsto no nº2 do Artº 410 do mesmo diploma legal.
A base desta parte do recurso relativo à matéria de facto é a incorrecta e deficiente apreciação da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento pelo tribunal recorrido, por ter valorizado alguns depoimentos em detrimento de outros, designadamente, o seu, o que, na sua perspectiva, consubstancia um erro nesta aferição, da qual não deveriam ter resultado como provados, nos termos em que o foram, os factos que permitiram a sua condenação pelo mencionado ilícito.
É sabido que constitui princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no Artº 428 do CPP, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro, da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no Artº 412 nsº3 e 4 do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410 nº2 do aludido Código.
O erro de julgamento, ínsito no Artº 412 nº3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nsº3 e 4 do Artº 412 do CPP.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes, um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo), ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que se impõe, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº3 do Artº 412 do CPP.
Assim, impõe-se-lhe a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Mais se lhe atribui, a individualização das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, acrescendo a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considera mal julgado.
Por fim, é-lhe ainda assacada a pormenorização das provas que devem ser renovadas, o que só se compraz com a informação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em sede de 1ª instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº2 do artº 410 do CPP e das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo (Cfr. Artº 430 nº1 do citado diploma).
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto, é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/03/12, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18/04/12:
Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, importa dizer, desde já, que o recorrente não cumpriu, em bom rigor, com a tripla exigência do nº3 do Artº 412 do CPP, ainda que se desenhe, com clareza, o ataque factual que faz à decisão recorrida.
Tendo presente o que supra se transcreveu em relação à motivação do tribunal a quo e descendo ao concreto da impugnação de facto do recorrente, relativa aos Artsº nsº7 a 17, 18, 20 a 22 e 31 dos factos provados, há que tecer as seguintes considerações:
No que toca ao Artº7, alusivo à discussão verbal que aconteceu entre o arguido e (...) motivada pela intenção daquele de conduzir o veículo de matrícula (…) até Estremoz, foi o próprio recorrente quem, em declarações prestadas em audiência de julgamento, admitiu que houve uma discussão quanto à condução do carro e local de destino.
Acresce, que tanto a testemunha (...), como o arguido e (...) admitiram terem bebido substancialmente, circunstância que, amiúde, atentas as regras da experiência, potencia discussões, designadamente, sobre a condução.
Assim, não se consegue compreender como pretende o recorrente que seja dado como não provado um facto que por si foi admitido, pelo que bem andou o tribunal colectivo ao considerar o facto nº7 como provado.
No que diz respeito ao facto provado nº8, alega o recorrente não ter ficado provado que consumia droga.
Ora, no facto provado nº8 apenas se refere que "Nas imediações da Travessa das (...), o arguido disse ao (...) "nós vamos só ali cheirar", em nenhum momento se dizendo que o recorrente consumiu ou era consumidor de produtos estupefacientes, pelo que a sua impugnação não pode proceder.
No que toca ao facto provado nº9, diz o recorrente que o mesmo não pode ser assumido como provado na medida em que nenhuma prova se fez que estivesse irritado.
Como já supra se mencionou, é o próprio recorrente que admite ter existido uma discussão entre si, (...) e (...) a propósito da sua intenção de conduzir o aludido veículo, sendo evidente que uma discussão gera, regra geral, irritabilidade em quem nela se envolve, principalmente, se um dos contentores for contrariado numa vontade por si preconizada – no caso, a de conduzir o veículo – e se, como era, manifestamente, o caso, as pessoas nela envolvidas estiverem alcoolizadas.
Nessa medida, a conclusão sobre a irritabilidade do arguido em consequência da discussão que travou com o ofendido e com (...) é, não só, inevitável, como imposta pelas regras da experiência, o sentido das coisas e a normalidade da vida.
Diga-se, aliás, a talhe de foice, que se dúvidas houvesse sobre o facto de o arguido ter ficado irritado em consequência da dita discussão, a inaudita brutalidade com que agrediu, em seguida, o ofendido, dissiparia todas e quaisquer dúvidas a esse propósito, já que o modo como atingiu, a pontapé, a cabeça de (...), repetida e violentamente, é um espelho ineludível da forma como essa irritação se veio a expressar.
Bem andou, pois, o tribunal recorrido, ao assumir como provada a materialidade constante do nº9 dos factos apurados.
Quanto aos factos provados nsº10 a 17, que descrevem a dinâmica da agressão perpetrada pelo arguido no corpo de (...), contesta o recorrente essa aquisição probatória por a mesma ter assentado no depoimento da testemunha (...), que não merece credibilidade, na medida em que foi ele o autor dos factos criminosos e quis, desse modo, eximir-se à sua responsabilidade, atribuindo-os ao arguido.
Sempre com o devido respeito por esta alegação, a verdade é que a mesma nem sequer foi confirmada pelo próprio recorrente na audiência de julgamento, já que o mesmo expressamente declarou não ter visto a testemunha (...) a bater no ofendido!
Como bem nota o MP na sua resposta, em percurso dedutivo reportado ao produzido pela instância sindicada e ao qual se adere na íntegra “Na verdade, as agressões ocorreram quando apenas estava presente o recorrente, (...) e (...)! Ora, considerando que (...) sofreu de um grave traumatismo craniano e que não se consegue lembrar de quase nada da noite de 21 para 22 de Dezembro de 2019, apenas nos resta a versão do arguido contra a versão de (...), no que diz respeito às agressões de que (...) foi vítima!
A versão da testemunha (...) é corroborada pelos restantes elementos probatórios, sendo que a versão do arguido é colocada em causa pelos mesmos elementos probatórios, não esquecendo as diversas versões dos factos que apresentou desde o primeiro interrogatório judicial até ao fim da audiência de julgamento, conforme bem referiu o Tribunal a quo: "(. . .) uma vez mais o arguido apresentou diversas versões do sucedido, em sede de primeiro interrogatório (onde inclusive, depois de confrontado com as imagens de videovigilância, admitiu ter mentido), na contestação apresentada e depois em sede de audiência de julgamento. Aliás, a versão do arguido em interrogatório ia mudando à medida que ia sendo confrontado com a prova; mesmo apenas considerando as declarações prestadas em audiência o arguido entra em contradição ­vejam-se os momentos em que o arguido se refere ao abandono da viatura em Borba e intervenção da testemunha (...). Sequer logrou corroborar a sua versão quanto ao video alegadamente feito com o seu telemóvel (note-se que a diligência realizada já em fase judicial não logrou o efeito pretendido pelo arguido, não sendo encontrado o video referido, nem no telemóvel, nem nas aplicações a que os peritos acederam”
O depoimento da testemunha (...) - que, ao contrário do afirmado pelo recorrente não era, à data dos factos, militar - foi circunstanciado e objectivo, esclarecendo a sua intervenção nos factos, que, de algum modo, é significativamente censurável (pois, como admitiu, não parou as agressões, não chamou uma ambulância, nem diligenciou por qualquer tipo de socorro à vítima, admissões estas, todavia que só reforçam a credibilidade do testemunho), podendo valer-lhe um procedimento criminal pela eventual prática do crime de omissão e auxílio – sendo certo que foi extraída certidão das suas declarações e entregue ao MP para os fins tidos por convenientes – foi corroborado pelos demais meios de prova, designadamente, imagens de videovigilância relativas aos três locais - (...), (...) e bomba de gasolina de Évoramonte - e respectivos autos de visionamento, factura com aquisição de bens na bomba de gasolina, telefonemas para (...) e registos de telemóveis de ambos, autos de apreensão, relatórios de inspecção judiciária ao local - Travessa das (...) - e respectivas fotos colhidas ao local e ao demandante.
O seu depoimento mereceu credibilidade ao tribunal possibilitando perceber a cronologia dos factos na noite em causa, não se podendo olvidar que tal testemunho é ainda corroborado pela colheita de zaragatoas colhidas em objectos, locais e pessoas, que permitem concluir que as sapatilhas apreendidas ao arguido de tamanho 45 Nike Jordan pretas (que, confessadamente, envergava no dia dos factos), apresentavam vestígios de sangue compatíveis com sangue do ofendido e, bem assim, com o sangue que foi analisado no saco plástico encontrado no lugar do pendura do Clio de (...) onde o arguido se fez transportar.
Nessa medida, não se crê que o tribunal recorrido tenha cometido qualquer erro de julgamento na valoração positiva do depoimento da testemunha (...) e, desse modo, ter dado por assente a factualidade descrita nos Artsº 10/17.
No que concerne aos factos provados nsº18/20 e 31, alusivos às consequências sofridas pelo ofendido em consequência das agressões praticadas pelo ora recorrente, torna-se matéria evidente e óbvia, em resultada da assunção probatória de tais agressões, pelo que nada mais há a acrescentar sobre essa matéria.
No que respeita ao facto de o arguido ter actuado com a intenção de tirar a vida a (...) – artº20 da factualidade provada – há que dizer que o dolo, por pertencer à vida interior de cada um e sendo, por isso, insusceptível de apreensão directa, é, contudo, recolhido pela natureza e objectividade dos factos conhecidos, da materialidade comum, verificável por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou da geral da experiência.
Ora, quando se bate em alguém como o arguido fez na pessoa da vítima, desferindo múltiplos pontapés na cabeça e cara deste, de cima para baixo, quando aquela se encontrava caída, pisando-a repetidamente, atingindo-a com força suficiente para lhe provocar traumatismo crânio-encefálico occipital e parietal bilateral com afundamento das estruturas ósseas, tem, inevitavelmente, de agir com dolo de homicídio, seja pela violência com que actua – bem expressa nas graves e duradouras lesões que naquela provocou – seja pela escolha da zona do corpo do ofendido, tão frágil, sensível, importante e vital, como é a cabeça, como é do conhecimento e senso comuns, podendo-se concluir, sem rebuço de errar, que qualquer pessoa sabe que se alguém for alvo de uma pancada forte na cabeça pode ter sérias consequências, nomeadamente, a morte.
In casu, não estamos a falar de uma simples pancada na cabeça do ofendido, mas antes, de diversos pontapés e pisões repetidos, que o arguido, aliás, não se coibiu de voltar a praticar, já aquele se encontrava inanimado no chão, a sangrar.
Se o objetivo do recorrente não fosse pôr termo à vida de (...), teria, necessariamente, cessado as agressões a partir do momento em que este se encontrava prostrado no chão, pois já o tinha agredido, fisicamente, com suficiência bastante para o deixar inconsciente no chão!
Mas o arguido não parou com as suas agressões, voltou a repeti-las, pelo menos, por duas vezes, com extrema violência, com o evidente propósito de tirar a vida ao ofendido, o que só não aconteceu por este ter sido atempadamente socorrido por transeuntes que ali passavam de madrugada, as testemunhas (…).
Se há situações em que a intenção de matar, pelo menos, a título de dolo eventual, não levanta quaisquer dúvidas é a presente, pelo que outra qualquer conclusão seria grosseiramente violadora das regras da experiência e do sentido das coisas.
Alega ainda o recorrente que não existe prova, para além do testemunho de (...), que teria sido o arguido a retirar de (...) as chaves do veículo e um cartão multibanco.
Ora, se em relação ao cartão multibanco foi o próprio arguido que admitiu, em sede de primeiro interrogatório judicial, dele se ter apropriado – declarações valoradas pelo tribunal, desvalorizando, em consequência, a negação entretanto operada em audiência de julgamento – no mais, valeu, como referido, o depoimento da testemunha (...), o qual, pelos motivos já expostos, mereceu crédito e que descreveu, de forma particularizada, como o arguido não conseguiu colocar a viatura em andamento por ter problemas com o ponto de embraiagem, razão pela qual foi o depoente quem acabou por a conduzir, sendo certo que foi completamente explícito a afirmar que o recorrente pretendia deixar o veículo na localidade de Estremoz para depois o utilizar mais tarde, de onde se retira, inequivocamente, a intenção daquele de se apropriar da viatura em questão.
Apenas uma nota instrumental em relação ao eventual medo que a testemunha (...) teve do arguido e que este parece refutar no seu recurso.
Como bem nota o MP na resposta ao mesmo, “A testemunha (...), aquando das suas declarações, na sessão de audiência de julgamento do dia 12/11/2020 às 15:10:25, do minuto 36:00 ao minuto 37:00, disse que, relativamente à condução do veículo de (...), o recorrente o obrigou a conduzir o mesmo, dirigindo-lhe as seguintes palavras "leva-o tu se não acontece-te o mesmo". Para além disso, do minuto 1 :02:05 ao minuto 1 :02:52, (...) admitiu que não aproveitou qualquer ocasião para fugir do recorrente porque ambos moram em Estremoz e, no dia seguinte, este iria certamente à sua procura, sentindo-se desta forma coagido e com medo das consequências caso não alinhasse no plano que o recorrente tinha traçado.
Face a estas declarações da testemunha, é fácil perceber o medo sentido pela mesma, quer no momento da prática dos factos, quer relativamente a futuras represálias caso pedisse ajuda ou fugisse do recorrente quanto teve oportunidade.
Considerando que Estremoz é uma localidade de pequena dimensão e que o recorrente conhece o sítio onde a testemunha mora, bem como as rotinas do mesmo, é de senso comum que (...) tenha agido com base num sentimento de medo atua1, bem como de futuras represálias.
Aliás, o seu medo de futuras represálias confirmou-se nos dias posteriores à data dos factos pois nas suas declarações prestadas durante a sessão de audiência de julgamento do dia 12/11/2020 às 15:10:25, do minuto 20:49 ao minuto 21:32 referiu estar a ser alvo de ameaças. Mais, do minuto 1:13:13 ao minuto 1:14:50, referiu que no dia 22/01/2020 foi contactado pelo pai do recorrente, não tendo atendido a chamada por indicação da Polícia Judiciária.”
Como se vê, as conclusões factuais retiradas pela instância recorrida são, não só inatacáveis, como as únicas que se adequam às regras da experiência e à razoabilidade das coisas, sendo que o recorrente mais não faz do que discordar da aquisição probatória levada a cabo pelo tribunal a quo, esquecendo, contudo, que a mesma foi realizada ao abrigo do princípio da sua livre apreciação, ínsito no Artº 127do CPP e onde se estipula que: Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Tal princípio assenta, fundamentalmente, em duas premissas:
A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência.
E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum.
Nestes termos, o juiz não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o tribunal livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção.
Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites.
Não verdade, livre convicção não pode ser sinónimo de arbitrariedade.
Ou seja, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração "racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo, porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo.
A sentença, para além dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência.- Ac. do STJ de 13/02/92, CJ Tomo I, pág. 36.
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, “é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir(…)comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo” (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, pág. 126 e sgs.).
Como diz o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, 1974, págs. 202/203, “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo”.
Por outro lado, e segundo o mesmo, «a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. (...) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável».
Também o Prof. Cavaleiro Ferreira, in «Curso de Processo Penal», 1986, 1° Vol., pág. 211, diz que o julgador, sem ser arbitrário, é livre na apreciação que faz das provas, contudo, aquela é sempre «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório».
Directamente ligada a esta apreciação livre das provas, e determinante na formação da convicção do julgador, está o princípio da imediação, que Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 232, define como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão».
«(...) Só estes princípios (também o da oralidade) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso».
Nessa avaliação probatória e na aferição global de toda a prova produzida, designadamente, como a da situação sub judice, o juiz deve fazer essa exegese segundo as regras da experiência comum, com bom senso e de acordo a normalidade da vida e o sentido das coisas.
Não assiste, assim, qualquer razão ao recorrente, atenta a forma clara, extensa, profusa e isenta de dúvidas, pelas quais foi definido o cenário factual dos autos, num processo explicativo que se mostra suficientemente objectivado e motivado, capaz, portanto, de se impor aos outros.
O que se impunha ao tribunal recorrido é que explicasse e fundamentasse a sua decisão, pois só assim seria possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
Importa ter ainda em conta que a prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, dever ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os seus diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
As provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza dos factos a provar, certeza, essa, que, muitas vezes, seria impossível, ou quase impossível de alcançar.
O que é necessário, é que as mesmas provoquem um grau de probabilidade tão elevado, que se baste, como certeza possível, para as necessidades de vida, de forma a se poder concluir, sem dúvida razoável, que um indivíduo praticou determinados factos.
Do conjunto da prova produzida, entende-se que nenhuma crítica deve ser assacada ao tribunal recorrido, na sua apreciação probatória, sendo que o raciocínio consequente pelo qual deu por assente uns factos e não provados outros, configura-se, por isso, como adequado às regras de experiência, à normalidade da vida e à razoabilidade das coisas, razão pela qual, não merecendo censura, não é sindicável por este tribunal, inexistindo por isso motivos para ser alterado.
E ao ter decidido assim, o tribunal recorrido, ao contrário do que invoca o recorrente, não violou o princípio in dubio pro reo, violação que só ocorre, quando, em sede de prova, perante uma dúvida objectiva e intransponível, o tribunal decide desfavoravelmente ao arguido.
Sendo ele uma emanação do princípio constitucional da presunção de inocência, surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo.
Se, a final, persistir uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova terá de ser resolvido a seu favor, por imposição do estatuído no Artº 32 nº1 da Constituição da República Portuguesa.
Mas esta dúvida, não é a que o recorrente entende que o tribunal deveria ter tido, mas antes, aquela que este efectivamente teve.
Ora resulta, com toda a clareza, da fundamentação do acórdão recorrido, que não existiu qualquer dúvida no espírito do julgador, na construção do cenário factual dos autos, após a apreciação, livre, mas responsável, livre, mas motivada, da prova produzida em Audiência de Julgamento, corroborada com a já existente nos autos.
Nessa medida, não tem cabimento a aplicação do referenciado princípio in dubio pro reo, pois o tribunal a quo entendeu que havia sido produzida suficiente prova do cometimento dos factos pelo arguido, entendimento que foi sufragado ao abrigo do já escalpelizado princípio da livre apreciação da aprova, ínsito no Artº 127do CPP.
Importa então trazer à colação o já afirmado em Acórdão deste Tribunal da Relação, em 03/05/07, proferido no processo n.º 80/07-3 disponível no sítio da internet www.dgsi.pt,
«O erro na apreciação das provas relevante para a alteração da decisão de facto pressupõe, pois, que estas (as provas) deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não uma decisão possivelmente diferente; se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior; a decisão proferida com base numa interpretação e valoração (ainda que discutíveis) fundamentadas nas provas produzidas contida no espaço definido pela livre apreciação das provas e pela convicção por elas criada no espírito do juiz, não pode ser alterada, a menos que contra ela se apresentem provas irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsideradas ou supervenientes.
Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas …
… A segunda instância em matéria de facto não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas tão só apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto tem suporte razoável …»
A decisão, nesta matéria, do tribunal recorrido, foi proferida com base numa interpretação e valoração que se mostra suficientemente fundamentada, quer nas provas produzidas, quer pela livre convicção por elas criada no espírito do julgador, só podendo ser alterada, se contra si se apresentassem meios de prova irrefutáveis, existentes nos autos e que tivessem sido desconsiderados, ou se a mesma se configurasse como totalmente irrazoável, contrária às mais elementares regras de experiência ou ao sentido das coisas.
Mas nenhuma destas condições é o caso sub júdice, em que o decidido pelo tribunal recorrido, se desenha com lógica e razoabilidade necessárias, de modo que se deve concluir como no aresto citado: «… se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior
Discordar, sem qualquer fundamento legal, leva simplesmente à sua improcedência, como já por este Tribunal foi afirmado em Acórdão de 23/03/01: «A divergência quanto à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente».
O presente tribunal só poderia assim alterar o decidido factualmente pela 1ª instância se existissem provas nos autos que impusessem decisão diferente e in casu, embora a prova produzida, eventualmente e no entender do recorrente, permitisse uma decisão de facto em sentido diverso, ela não impunha decisão distinta, pelo que o pretendido por aquele está destinado ao fracasso.
Inexistindo qualquer erro na avaliação da prova por banda do tribunal a quo, ou a violação de algum preceito legal, ter-se-á que finalizar pela improcedência do recurso, neste domínio.

B.6. Não preenchimento do crime de homicídio

Defende o recorrente a inexistência de um crime de homicídio tentado, por não se ter provado a intenção de matar, desde logo, por não se ter demonstrado qualquer irritação sua para com a vítima, pelo que, apenas poderá ser condenado, nesta sede, por um crime de ofensa à integridade física.
Neste domínio, escreveu-se na decisão sindicada (transcrição):

DO TIPO LEGAL DE CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO SOB A FORMA TENTADA:
Incorre na prática do crime de homicídio, quem matar outra pessoa – art. 131º CP.
A norma insere-se no capítulo dos crimes contra a vida.
Bem jurídico protegido é a vida humana.
O tipo objectivo consiste em matar outra pessoa, realizando-se o mesmo com a morte de outra pessoa “(…) isto é, com o causar a morte a pessoa diferente do agente.” – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Código Conimbricense, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, p.16.
No que concerne ao tipo subjectivo, trata-se de um tipo doloso, em qualquer das suas modalidades – dolo directo, necessário ou eventual (arts. 13º e 14º CP)
Quanto às formas especiais do crime, cumpre assinalar que, por força do disposto no art. 23º nº1 do CP e atenta a moldura penal do art. 131º CP (crime punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos), a tentativa (art. 22º CP) de cometimento de homicídio é sempre punível, aplicando-se a atenuação especial prevista no art. 72º CP, por remissão do nº2 do citado artigo 23º do mesmo diploma.
O crime previsto pela norma em apreço (art. 131º CP) refere-se ao tipo legal fundamental, estatuindo o código penal noutras normas para situações díspares, designadamente no que se refere à qualificação.
O legislador estatui no art. 132º CP o tipo legal de homicídio qualificado – forma agravada do homicídio simples -, utilizando aí a combinação de um critério generalizador de um especial tipo de culpa com a designada “técnica dos exemplos padrão”, o que vale por dizer que não basta que num caso concreto se verifique alguma das circunstâncias previstas nas várias als.do nº2 do art. 132º sendo ainda necessário que a morte seja produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade (associada à forma de realização do facto) ou perversidade (associada à personalidade) do agente.
As circunstâncias do nº2 não são, por isso, de funcionamento automático. Ou seja, não basta que se verifiquem no caso concreto para que possa dizer-se haver especial censurabilidade ou perversidade. Tudo depende de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial tipo de culpa que se deve ter em consideração nestes casos, imagem essa traçada por circunstâncias extraordinárias ou especiais que exprimam um grau de gravidade correspondente à dos exemplos padrão. Estas circunstâncias não fazendo, porém, parte do tipo objectivo de ilícito, devem ter-se por verificadas a partir da situação tal qual representada pelo agente, perguntando-se se corresponde a um exemplo padrão e se revela especial censurabilidade ou perversidade. – cfr. Ac. STJ de 10.07.2008, P.08P1785, in www.dgsi.pt.
No caso da al. d) do nº2 do art. 132º CP o exemplo padrão de empregar tortura ou acto de crueldade é entendido na interpretação feita por Jorge de Figueiredo Dias – in Comentário Conimbricense do Código penal Coimbra Editora, 1999, Tomo I, p.31 –como a circunstância de o agente “se servir de uma forma de actuação causadora da morte em que o sofrimento físico ou psíquico inflingido, pelo acto de matar ou pelos actos que antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela sua intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte (…); com a precisão, em todo o caso, de que o acto de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima: relação meio/fim.
Importa igualmente fazer aqui a análise acerca do que deve entender-se por motivo torpe ou fútil – al. e) do nº2 do art. 132º CP.
A propósito, refere-se a fls. 32 do Comentário Conimbricense do Código Penal que «O exemplo padrão constante da alínea d) é, diferentemente do que sucede com os anteriores, estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente. (…) Ser determinado a matar por qualquer motivo torpe ou fútil significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.
(…) Dado o carácter estritamente subjectivo das situações referenciadas, dir-se-ia que elas valem imediatamente como censurabilidade ou perversidade do agente e, por conseguinte, a sua natureza de exemplo-padrão se encontra extremamente (quando não completamente) esbatida. Mas não é exacto. Ainda aqui podem existir motivações não expressamente descritas que, pela sua estrutura valorativa correspondente a uma das descritas. Permitem a qualificação. Como pode, de outro lado, a situação ser uma tal que a motivação, se bem que expressa, não possa em definitivo valer como especial censurabilidade ou perversidade, maxime por se ligar a um estado de afecto particularmente intenso (v.g. o ciúme ligado à paixão)».
Acerca da qualificativa já se pronunciou igualmente Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 1996, vol. II, pág. 44, citado pelo Ac. STJ de 26.11.2008, P.08P3706,
in www.dgsi.pt, aí referindo que motivo fútil é o motivo de importância mínima, o motivo sem valor, insignificante para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do agente do crime. Será aquele motivo subjectivo que, pela sua insignificância ou frivolidade, é desproporcionado com a reacção homicida.
O mesmo acórdão STJ refere ainda “(…) VI - Como diz Nelson Hungria, «o motivo é fútil quando notavelmente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius, e em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau particular de perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até à insensibilidade moral».
VII - Fútil será, portanto, aquele motivo que se apresenta com razão subjectiva desproporcionada relativamente à gravidade da infracção penal ou «o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática do crime, na inteira desproporção entre o motivo e a reacção homicida» (cf. Ac. deste STJ de 15-12-2005, Proc. n.º 05P2978).”.
(…)
No caso concreto em apreço, não temos dúvidas que o arguido praticou ambos os crimes de que vem acusação, pois que a factualidade provada e que se refere à actuação do mesmo permite subsumir as suas condutas a ambos os tipos legais de crime.
Com efeito,
note-se que a propósito, desde logo, do crime de homicídio qualificado tentado, resultou provado que na noite de 21 para 22 de Dezembro de 2019, pelas 22H00, em Estremoz, (...) encontrou-se com (...). Depois de terem estado em alguns estabelecimentos de diversão nocturna, pela 01H00, (...) telefonou para (...) e pediu a este que se deslocasse a Estremoz e o transportasse a ele e a (...) para Évora. Então, (...) ao volante do veículo ligeiro de passageiros de marca “RENAULT”, modelo “CLIO”, de matrícula (...), deslocou-se a Estremoz, local onde (...) e (...) entraram para o referido veículo. Após, (...), (...) e (...) dirigiram-se para Évora. Já em Évora, (...) imobilizou o mencionado veículo junto da Travessa das (...). Após, apeados, (...), (...) e (...) dirigiram-se para o estabelecimento de diversão nocturna (…), sito no Páteo do (…), em Évora, onde entraram às 03H15 e permaneceram até às 06H49. Depois de saírem do referido estabelecimento, (...) e (...) travaram uma discussão verbal, pois o arguido pretendia conduzir o veículo de matrícula (...) até Estremoz. Nas imediações da Travessa das (...), o arguido disse ao (...) “nós vamos só ali cheirar”. Chegados à Travessa das (...), estando o arguido irritado por (...) não o deixar conduzir o mencionado veículo de matrícula (...) no caminho de regresso para Estremoz, por modo não concretamente apurado (...) caiu ao chão. De imediato, (...) aproximou-se de (...) e, exercendo força muscular, desferiu diversos pontapés na cabeça e cara do mesmo, que também pisou repetidamente.
Então, (...) disse, em voz alta, “Preto pára, o que é que estás a fazer? Vais matar o rapaz”.
Depois de verificar que (...) se encontrava inanimado e a sangrar da cara (...) parou de desferir pontapés e de pisar a cara e a cabeça do mesmo e começou a caminhar na direcção do veículo de matrícula (...), tendo dito a (...) “anda se não acontece-te o mesmo”.
Após, (...) aproximou-se de (...), que permanecia prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue.
Acto contínuo, exercendo força muscular, (...) pisou, por duas vezes, a cara e cabeça de (...).
Então, (...) disse a (...) “pára já preto”.
De seguida, (...) dirigiu-se para o veículo de matrícula (...).
Mais se provou que em consequência directa e necessária da descrita conduta de (...), (...) sofreu de traumatismo crânio-encefálico occipital e parietal bilateral com afundamento de estruturas ósseas, traumatismo maxilofacial com assimetrias da parede orbitária, sobretudo direita, ferida supraciliar direita e do pavilhão auricular direito, suturadas, fracturas dos ossos próprios do nariz, múltiplos focos de contusão torácicos e abdominais, tendo sido assistido de urgência no Hospital do Espírito Santo, em Évora, e helitransportado para o Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, onde ficou internado com má evolução neurológica na Unidade de Cuidados Intensivos com entubação e ventilação invasiva, com traqueostomia, de dores físicas e de mal-estar psicológico, lesões que determinaram 177 dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho em geral e para o trabalho profissional. Mais sofreu de cicatrizes supraciliar direita e do pavilhão auricular direito, estado pós traumatismo crânio-encefálico com alteração do controlo motor global de predomínio direito com movimentos activos contra gravidade, vencendo parcialmente a resistência, com perturbação neuro cognitiva major por lesão cerebral traumática com perturbação do comportamento e perturbação neurolinguística, lesões de carácter permanente, que limitam a capacidade para o trabalho, a capacidade intelectual e de linguagem.
Provou-se ainda que ao actuar do modo descrito, irritado por não o deixarem conduzir um veículo, exercendo força muscular e desferindo diversos pontapés na cabeça e cara de (...), que também pisou por diversas vezes, (...) agiu com o propósito de retirar a vida ao mesmo e de lhe causar grande sofrimento físico e psíquico enquanto o fazia, o que não logrou alcançar por motivos alheios à sua vontade.
Provou-se ainda que (...) agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
Não há dúvida de que as agressões desferidas por (...) em (...), considerando a localização das mesmas (cabeça - zona nobre do corpo humano, sendo o crânio, que inclui o occipital e os parietais, entre outros ossos, uma das zonas mais coesas e resistentes, pela sua função de protecção dos componentes do sistema nervoso central, nariz, torax e abdómen) e a violência com que foram desferidas (o que facilmente se afere pelas consequências das mesmas para a vítima, seja imediatas, no que se refere traumatismos causados, sendo o impacto de tal modo acentuado que provocou o afundamento das estruturas ósseas já mencionadas occipital e parietal bilateral, traumatismo maxilofacial com assimetrias da parede orbitária, fracturas dos ossos do nariz, dores físicas, mal estar psicológico, sejam as consequências produzidas e que resultam provadas e que determinaram 177 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional) se dirigiram e eram aptas a tirar a vida de (...), causando-lhe a morte, o que apenas não ocorreu por motivo alheio à vontade do arguido.
O arguido com a sua conduta praticou na pessoa de (...) actos de execução idóneos a produzir o resultado típico morte, não fosse a assistência médica de que (...) veio a beneficiar, obstando assim a que o crime que o arguido decidiu cometer se consumasse.
Podemos ainda dizer, face às zonas atingidas e consequências da actuação, bem assim face à circunstância de ter resultado provado que o arguido agiu com o propósito de retirar a vida de (...), de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas, que o arguido agiu com dolo directo, representado o facto que preenche o tipo legal de crime de homicídio e actuando com intenção de o realizar, o que, como já apontado, apenas não se consumou por motivo alheio à sua vontade.
Temos, pois, para nós que se mostram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime de homicídio, sob a forma especial de tentativa.
Importa agora aferir da especial censurabilidade ou perversidade do agente prevista no n.º1 do art. 131.º CP por referência aos exemplos padrão previstos nas als. d) e e) do n.º2 da mesma norma.
Ora, como já referido supra, é susceptível de indiciar especial censurabilidade ou perversidade do agente o facto de empregar crueldade para aumentar o sofrimento da vítima e ser determinado por motivo fútil.
Todavia, tais circunstâncias não importam de modo automático a qualificação do crime nos termos e para os efeitos previstos no art. 145.º n.º1 CP, por efeito da remissão feita pelo n.º2.
De facto, importa atentar nas circunstâncias concretas do caso sub judice de molde a aferir se das mesmas resulta ou não especial censurabilidade ou perversidade do arguido.
Ora,
considerando o facto de o motivo da discussão se prender com a pretensão do arguido em conduzir o veículo da vítima até Estremoz – de onde havia sido conduzido pela mesma na sua viatura até Évora -, o facto de o arguido ter atraído (...) até uma Travessa, lugar, por isso, de pouca ou nenhuma passagem (pois que o próprio nome indica tratar-se de via secundária, não sendo rua principal) aliciando-o a irem cheirar algo (indiciando, como é das regras da experiência, consumo de estupefaciente, tal como já tinha ocorrido naquela noite relativamente a (...), como resulta da factualidade provada), temos para nós que o modo de actuação do arguido e o motivo pelo qual agiu revela especial perversidade e censurabilidade.
Na verdade, agir nas circunstâncias em que agiu, por causa apenas de uma discussão relacionada com a condução da viatura de (...) até Estremoz, revela que o arguido foi determinado por motivo fútil, no sentido de que o motivo é absolutamente desvalioso, insignificante para, mesmo dentro do razoável, aceitar-se a actuação do arguido, que revela absoluta frivolidade, sendo absolutamente desproporcionada com a actuação homicida do arguido.
Por outro lado, considerando a factualidade dada por provada, entende-se, bem assim, que o arguido agiu de forma cruel por modo a aumentar o sofrimento de (...), pois que, passado um primeiro momento, em que após as agressões de (...) a (...) este se encontrava inanimado e a sangrar da cara, tendo (...), ao apelo de (...), caminhado em direcção ao veículo, (...) aproximou-se (novamente) de (...), que permanecia prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue e exercendo força muscular, (...) pisou, por (mais) duas vezes, a cara e cabeça de (...).
Ora, tal actuação do arguido ao pisar por mais duas vezes a cara e a cabeça de (...), quando o mesmo já se encontrava inanimado e a esvair-se em sangue é sem margem para dúvida reveladora de especial censurabilidade e perversidade do agente. Trata-se, com efeito, de acto baixo, gratuito, repugnante e revelador de absoluto desprezo pela vida humana, o qual apenas teve lugar para aumentar o sofrimento de (...), já inanimado e a esvair-se em sangue, ultrapassando, por isso, a medida do necessário para causar a morte.
De onde se conclui que a actuação do arguido preenche o disposto nas als. d) e e) do n.º2 e nº1 do art. 132.º do CPenal, e bem assim o disposto no art. 131.º do mesmo diploma, na forma tentada – cfr. art. 22.º CP.

Sempre com o devido respeito por opinião contrária, a verdade é que a alegação do recorrente não só não encontra o mínimo de apoio na factualidade apurada, como contraria todas as regras da lógica e da normalidade da vida.
Conforme bem refere a douta decisão recorrida, “Não há dúvida de que as agressões desferidas por (...) em (...), considerando a localização das mesmas (cabeça - zona nobre do corpo humano, sendo o crânio, que inclui o occipital e os parietais, entre outros ossos, uma das zonas mais coesas e resistentes, pela sua função de protecção dos componentes do sistema nervoso central, nariz, torax e abdómen) e a violência com que foram desferidas (o que facilmente se afere pelas consequências das mesmas para a vitima, seja imediatas, no que se refere aos traumatismos causados, sendo o impacto de tal modo acentuado que provocou o afundamento das estruturas ósseas já mencionadas occipital e parietal bilateral, traumatismo maxilofacial com assimetrias da parede orbitária, fracturas dos ossos do nariz, dores físicas, mal estar psicológico, sejam as consequências produzidas e que resultam provadas e que determinaram 177 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional) se dirigiram e eram aptas a tirar a vida de (...), causando-lhe a morte, o que apenas não ocorreu por motivo alheio à vontade do arguido.”
Diz-nos o Artº 131 do C. Penal que:
Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.
Neste comando legal estabelece-se o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida, sendo a partir dele que se fixam, nos Artsº seguintes, os homicídios cuja culpa do agente é particularmente agravada, como no caso do homicídio qualificado do Artº 132, ou aqueles em que a mesma é sensivelmente diminuída, como no homicídio privilegiado do Artº 133.
O tipo objectivo de ilícito do crime de homicídio é, assim, causar a morte a outra pessoa e como crime material ou de resultado, exige-se, naturalmente, um nexo de causalidade entre o comportamento do agente e a morte, isto é, nos termos do Artº 10 do C. Penal, uma causalidade adequada para poder imputar objectivamente determinado resultado a uma concreta conduta delitiva, sendo inúmeros os meios de actuação possíveis que podem levar ao cometimento de um crime de homicídio.
Se a imputação objectiva se resolve pela via da causalidade adequada, no que toca aos elementos subjectivos do tipo, o crime de homicídio é, evidentemente, um crime doloso, que pode revestir qualquer uma das modalidades mencionadas no Artº 14 do C. Penal.
Apurou-se que o arguido desferiu diversos pontapés na cabeça e na cara de (...), que também pisou repetidamente, sendo que, depois de verificar que este se encontrava inanimado e a sangrar da cara, o ora recorrente parou de desferir pontapés e de pisar a cara e a cabeça do mesmo, começando a caminhar em direcção ao veículo, voltando, contudo, para trás e apesar de (...) se encontrar prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue, o arguido ainda pisou, por duas vezes, a cara e cabeça deste.
É, assim, evidente e manifesto, que o arguido, com a sua conduta, praticou na pessoa de (...) actos de execução idóneos a produzir o resultado típico morte, não fosse a assistência médica que àquele foi prestado, dando-se aqui por reproduzidas as considerações já anteriormente expostas sobre o dolo do arguido
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Por outro lado, discorda ainda o recorrente da qualificação do crime de homicídio efectuada pela instância recorrida, por não se ter provado a discussão/dissenso entre ambos, inexistindo motivo para a intenção de matar.
Como se sabe, o crime de homicídio simples cede relativamente à sua qualificação agravativa como homicídio qualificado, ou à sua qualificação atenuativa, como homicídio privilegiado.
Um homicídio qualificado não é mais do que uma forma agravada de homicídio e um homicídio privilegiado traduz-se, no fundo, num homicídio atenuado.
Quer a agravação resultante do Artº 132, quer a atenuação decorrente do Artº 133, ambos do C. Penal, têm a ver com a medida da culpa do agente, no primeiro caso, plasmada na sua especial censurabilidade ou perversidade e no segundo, estando sensivelmente diminuída.
In casu, importa cotejar a possibilidade de enquadramento legal da matéria de facto apurada no comando do Artº 132 do C. Penal, seja na als. d) e e ) do seu nº2, que são aquelas pelas quais o arguido vem acusado, seja em quaisquer outras, até porque, como se sabe, os exemplos-padrão ali plasmados são meramente exemplificativos.
Como se ensina amplamente na Doutrina e Jurisprudência, o nº2 do Artº 132 do C. Penal enumera várias circunstâncias que consubstanciam elementos da culpa e não do tipo, o que quer dizer, não só que as mesmas não são de funcionamento automático, como também, que outros factores, ali não enumerados, podem, em concreto, revelar que o agente, no cometimento do crime, revelou uma especial censurabilidade ou perversidade, justificadoras da punição agravada da norma.
Nessa medida, o que importa aferir é se a factualidade da dinâmica criminosa permite concluir por uma atitude mais desvaliosa do agente, por uma personalidade delituosa particularmente negativa, em suma, por um especial juízo de censura.
"Sendo a enumeração meramente exemplificativa, sempre poderão existir outras circunstâncias não descritas no tipo penal, mas reveladoras da apontada situação, dando origem, assim, aos chamados casos de homicídio qualificado atípico. O que é fundamental é que se trate de um homicídio qualificado em circunstâncias que possam desencadear o efeito de indício de uma maior culpa" (Ac. do STJ de 4/7/96, in CJ, Ac. STJ, ano IV, Tº2, pág. 222. Cfr. Teresa Serra, "Homicídio Qualificado - Tipo de culpa e Medida da Pena", pág. 70 a 75).
As circunstâncias do nº2 do Artº 132, enquanto elementos de culpa, exigem que, na análise do caso concreto, se demonstre uma especial censurabilidade ou perversidade (Ac. do STJ de 12/07/89, in BMJ 389, pág. 310).
Pode dizer-se, como Teresa Serra, que existe especial censurabilidade quando "as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal com os valores"; por seu turno, a especial perversidade supõe "uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade" (ob. cit, pág. 63 e 64).
Subjacente, então, à especial censurabilidade e perversidade está um acrescido desvalor ético - jurídico traduzindo culpa agravada e que tem a ver com "a maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta querida ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples" (cfr. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 29 , C.J., ano XII, Tº4, pág. 52 e "Liberdade, Culpa e Direito Penal", Coimbra Ed., 3ª edição, 1995, págs. 183-185).
Os factos relevantes para tal apreciação correspondem a todas as circunstâncias da conduta, quer na acção externa (instrumento utilizado, tipo e número das lesões, dinâmica do evento, etc), quer nos aspectos relacionados com os motivos e objectivos que presidiram à acção (factos psíquicos), o que não se confunde com o dolo (sobre a distinção e em geral sobre a valoração jurídico - penal do móbil do crime vide, por todos, o Ac. do STJ de 9/11/94, in BMJ 441, pág. 36-52).
Dos autos resulta, inequivocamente, o preenchimento das als. d) e e) do nº2 do Artº 132 do C. Penal, na medida em que o arguido praticou os factos após uma discussão com o ofendido, por este não lhe deixar conduzir o carro, o que, seguramente, lhe provocou irritabilidade, tendo em conta a circunstância de ambos se encontrarem alcoolizados, o que o levou a actuar algo insidiosamente, na medida em que atraiu a vitima para uma travessa com o engodo de irem consumir estupefacientes – como o ofendido já tinha feito naquela noite – para aí, a coberto da noite, da hora tardia e do lugar necessariamente mais escondido, ou, pelo menos, com menor probabilidade de ser observado, agredir barbaramente o ofendido na cabeça, com o propósito de lhe tirar a vida.
Como em assinalou a decisão recorrida, “agir nas circunstâncias em que agiu, por causa apenas de uma discussão relacionada com a condução da viatura de (...) até Estremoz, revela que o arguido foi determinado por motivo fútil, no sentido de que o motivo é absolutamente desvalioso, insignificante para, mesmo dentro do razoável, aceitar-se a actuação do arguido, que revela absoluta frivolidade, sendo absolutamente desproporcionada com a actuação homicida do arguido.”
Por outro lado, a violência com que pautou a sua conduta é reveladora de uma assinalável crueldade, desenhando uma intenção de aumentar o sofrimento da vítima, na medida em que após um primeiro momento em que dela se afastou, depois de a ter agredido violentamente, deixando-a inanimada no chão e a esvair-se em sangue, dela se voltou a aproximar, para que, não satisfeito com a dimensão da agressão por si cometida, voltar a pisar, por mais duas vezes a cara e a cabeça de (...).
Esta postura do ora recorrente, profundamente reprovável, é, sem margem para qualquer dúvida, bem reveladora de um intenso desprezo pela vida do ofendido e, nesse sentido, cristalizadora de uma especial censurabilidade e perversidade.
Recorde-se o que se escreveu no acórdão condenatório, com pleno acerto:
“Trata-se, com efeito, de acto baixo, gratuito, repugnante e revelador de absoluto desprezo pela vida humana, o qual apenas teve lugar para aumentar o sofrimento de (...), já inanimado e a esvair-se em sangue, ultrapassando, por isso, a medida do necessário para causar a morte”.
Em suma, a razão, fútil e vã que levou à prática dos factos, o modo como o arguido induziu o ofendido a dirigir-se para a travessa onde estes vieram a ter lugar e a inaudita violência com que aquele actuou sobre a vítima, repetindo as agressões, sobre a cabeça desta quando a mesma já não dava acordo de si, são circunstâncias que, apreciadas em conjunto, merecem uma censura especial, largamente superior à reportada ao homicídio simples, manifestamente enquadrável nas als. d) e d) do nº2 do Artº 132 do C. Penal, assim qualificando, sem qualquer dúvida, o homicídio tentado perpetrado pelo arguido na pessoa do ofendido
Esta conclusão em nada é afectada pelo facto de o arguido ter actuado com dolo eventual, na medida em que, como é ensinado pela melhor doutrina e largamente consagrado pela jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, qualquer forma de dolo pode concorrer com o crime qualificado ainda que na forma tentada (Cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal, I, págs. 13 e 51 e, entre outros, Acs. do STJ de 14/06/00, in CJ Ano VIII, Tomo II, pág. 211 e de 23/11/06, no chamado “caso Joana”).
Assim sendo, bem andou o tribunal a quo, ao qualificar o crime de homicídio praticado pelo arguido, soçobrando desse modo e inelutavelmente, o recurso, nesta parte.


B.7. Não preenchimento do crime de furto qualificado

Nesta parte, considera o recorrente que a factualidade provada, é, quando muito, integrável num crime de furto de uso veículo, pois o arguido não agiu com intenção de se apropriar do veículo automóvel e do cartão multibanco pertencentes ao ofendido.
Sobre esta matéria, escreveu-se no acórdão recorrido (transcrição):

DO TIPO LEGAL DE CRIME DE FURTO QUALIFICADO:
Estatui o art. 203º do CP que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”.
Inserido no capítulo dos crimes contra o património, acompanhamos o Prof. Jorge de Figueiredo Dias no seu entendimento com respeito ao bem jurídico tutelado pela norma. De acordo com o professor “(…) no furto protege-se a propriedade, mas protege-se também e simultaneamente a incolumidade da posse ou detenção de uma coisa móvel, o que oferece, em definitivo, um carácter complexo ao objecto da tutela (…)” - DIAS, Jorge de Figueiredo – “Comentário Conimbricense do Código Penal”, T.II, Coimbra Editora, 1999, p.94 e ss..
Como refere Figueiredo Dias “Em qualquer tipo de ilícito objectivo é possível identificar os seguintes conjuntos de elementos: os que dizem respeito ao autor; os relativos à conduta; e os relativos ao bem jurídico. Com efeito, todos os tipos incriminadores devem, na sua revelação objectiva, precisar quem pode ser o autor do respectivo tipo de crime (…)
Elemento constitutivo de todo o tipo objectivo de ilícito nos delitos dolosos de acção é (…) o autor da acção.”, o qual pode ser, em regra, qualquer pessoa.
São elementos do tipo objectivo:
a) autor
b) subtracção
c) de coisa
d) móvel
e) alheia.
Subtrair implica levar a cabo uma conduta “(…) que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa.” – COSTA, José de Faria – “Comentário Conimbricense do Código Penal”, T.II, Coimbra Editora, 1999, p.43 e ss..
Coisa móvel, para efeitos penais e de crime de furto, é toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um qualquer valor, desde que juridicamente relevante, não sendo assim classificado o objecto sem valor venal, desde que a coisa não tenha valor efectivo para o seu possuidor (cfr. António Barreiros, Faria Costa, Costa Andrade, Paulo Matta e Maia Gonçalves, apud Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário Código Penal”, p. 552).
Para efeitos do art. 203º do CP “É alheia (…) toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção.” - – COSTA, José de Faria – “Comentário Conimbricense do Código Penal”, T.II, Coimbra Editora, 1999, p.41.
Quanto ao tipo subjectivo, além do dolo genérico em qualquer das suas modalidades (dolo directo, necessário ou eventual – arts. 13º e 14º CP) - que implica que se verifique que o agente agiu com conhecimento e vontade relativamente à conduta de que vem acusado -, mais se exige a verificação de um dolo específico, traduzido na ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa.
Por sua vez, resulta para o que importa, do disposto no art. 204.º do mesmo diploma:
“1 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
d) explorando situação de especial debilidade da vítima (…)
(…)
é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
na seda do defendido por José Faria Costa em anotação à alínea em apreço (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, fls. 64) não basta uma qualquer debilidade da vítima, tem de tratar-se de uma especial debilidade, que pode prender-se com questões de fragilidade de entendimento/compreensão da vítima, mas também ligada à acentuada diminuição dos níveis normais de mobilidade. Sendo ademais necessário que o agente explore tal situação, não bastando para a qualificação que a situação exista de per si, é necessário, pois que, o agente actue levando a cabo “a maximização dos benefícios e a minimização dos riscos (…) a partir do conhecimento de uma determinada situação – a especial debilidade da vítima.”.
Trata-se de situações em que a vítima vê os seus bens menos protegidos, sendo essa situação de fragilidade que aproveitada pelo agente justifica a qualificação.
No caso concreto em apreço, não temos dúvidas que o arguido praticou ambos os crimes de que vem acusação, pois que a factualidade provada e que se refere à actuação do mesmo permite subsumir as suas condutas a ambos os tipos legais de crime.
(…)
Bem assim se entende que se mostram preenchidos os elementos objetivo e subjectivo do tipo legal de crime de furto qualificado - previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.
Com efeito, ademais do que resulta provado, bem assim se provou que o arguido, nas circunstâncias já apontadas, aproveitando-se do facto de (...) se encontrar prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue, decidiu fazer seus o referido veículo de matrícula (...) e o cartão multibanco de que aquele era dono. Na concretização do plano que delineou, (...) aproximou-se de (...), que permanecia prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue, e retirou de um dos bolsos do casaco do mesmo as chaves do veículo de matrícula (...) e o cartão multibanco, objectos que fez seus. De seguida, (...) dirigiu-se para o veículo de matrícula (...) e abandonou o local, fazendo-se transportar no mesmo.
Ora,
não há duvida de que se mostram preenchidos objectivos do tipo legal de crime de furto, bem assim a qualificativa da al. d) do n.º1 do art. 204.º do CP, pois que, o arguido aproveitou-se claramente da situação de especial debilidade de (...) - prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue – para lhe retirar a chave do veículo e multibanco, que fez seus, abandonando o local na viatura, na qual se fez transportar.
Mais se provou que (...) agiu com o propósito concretizado de fazer seus o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) e o cartão multibanco de que (...) era dono, aproveitando-se de o mesmo se encontrar prostrado no chão, inanimado e a esvair-se em sangue e que agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas, tendo o arguido agido com dolo directo, bem assim podendo concluir-se, face à factualidade dada por provada, que o arguido agiu sempre, relativamente a estes factos, com ilegítima intenção de apropriação, verificando-se o dolo específico.

Como se vê, o sucesso do recurso, nesta parte, estava dependente da alteração factual que o arguido pretendia, no sentido de não se dar por provado que tenha decidido fazer seus o veículo e o cartão multibanco do ofendido e que assim tenha agido aproveitando-se da situação de especial debilidade da vítima.
Trata-se de matéria que já foi analisada em segmento anterior, no qual se explicitou que o tribunal recorrido, com acerto, considerou essa matéria como demonstrada, tendo em conta a forma explícita e convicta como a testemunha (...) relatou a intenção de o recorrente de deixar o veículo do ofendido em Estremoz para o utilizar mais tarde, de onde se retira, manifestamente, a sua intenção de dele se apropriar.
Não se tendo provado o desígnio, por parte do recorrente, de apenas utilizar o carro de (...), mas, ao invés, de o imobilizar num sítio específico para o utilizar mais tarde, quando bem o entendesse, torna-se evidente o propósito de apropriação, assim se consubstanciando, objectiva e subjectivamente, o crime de furto, qualificado nos termos da al. d) do nº1 do Artº 204 do C. Penal, tendo em conta que o arguido se aproveitou, claramente, da circunstância de o ofendido estar inconsciente e inanimado no chão, para, desse modo, lhe retirar o cartão multibanco e a chave da identificada viatura, fazendo seus os aludidos bens.
Assim sendo, não merece qualquer censura a qualificação jurídica efectuada pelo tribunal recorrido, já que é evidente o cometimento, pelo arguido, de um crime de furto qualificado, nos termos combinados dos Artsº 203 nº1 e 204 nº1 al. d), ambos do C. Penal.
Pelo que, também aqui, improcede o recurso.

8) Aplicação do REJD e uma pena única substancialmente inferior

Sustenta o recorrente que deve beneficiar do Regime Penal aplicável a Jovens Delinquentes na medida em que não tem antecedentes criminais e está integrado familiar e socialmente, sendo certo que os factos dados como provados sob os nsº80/83 não devem ser considerados para tal análise, tendo em conta que se reportam a um processo tutelar educativo que acabou arquivado.

A este propósito, afirmou-se na decisão sindicada (transcrição):
B.2) DA ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
1. Na escolha da pena a aplicar, confrontando-se uma pena privativa e outra não privativa da liberdade, o Tribunal dará preferência à segunda sempre que a mesma assegure de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.70ºCP). Apela-se aqui à tutela dos bens jurídicos e ainda às finalidades de prevenção especial, que se prendem com a reintegração do sujeito para uma vida conforme ao direito. (art.40º CP).
A norma consagra igualmente uma ideia de proporcionalidade, ínsita no art.18º da CRP, sendo certo que as medidas privativas da liberdade devem ser aplicadas como ultima ratio, apenas e só quando as não privativas não forem bastantes para assegurar as finalidades supra referidas.
De acordo com o critério geral de escolha da pena previsto no aludido art.70º CP, a opção por pena privativa da liberdade só deverá ser tomada por razões de “prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência, e/ou por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico, ou à “defesa” da ordem jurídica, no sentido do patamar mínimo das exigências de prevenção geral positiva ou de integração.” – cfr.: DIAS, Jorge de Figueiredo – Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pag.333.
No caso concreto em apreço, no que respeita ao crime de homicídio qualificado tentado, uma vez que se mostra apenas prevista a cominação com pena de prisão – cfr. art. 131.º, 132.º n.º1 e 2, 73.º CP -, fica prejudicada, em concreto, a operação de escolha da pena, que não pode deixar de ser de prisão, face à ausência de alternativa de condenação em multa.
A questão apenas se coloca, por isso, em relação ao crime de furto qualificado – p.p. art. 203.º n.º1 e 204.º n.º1 al. d) CP, que prevê em alternativa pena de prisão ou de multa.
A este propósito,
há que considerar as elevadas exigências de prevenção geral, atenta a grande frequência com que o tipo de crime em causa é praticado. Por outro lado, no que respeita às razões de prevenção especial, não se vê que as mesmas se bastem no caso concreto com a mera aplicação de pena de multa.
Com efeito, não obstante o arguido à data da prática dos factos não registar ilícitos criminais e se encontrar familiar e profissionalmente inserido, tal não impediu o arguido de praticar o crime em apreço, o que é revelador de que as necessidades de prevenção especial exigem medida mais exigente que pena de multa.
Com efeito, a pena de multa não se mostra no caso concreto de todo suficiente para proteger os fins a que alude o artigo 40º CP no que toca ao crime de furto qualificado, mostrando-se inapta não só à protecção dos bens jurídicos em causa e mas também às necessidades de socialização do arguido, não se mostrando, por isso, capaz de assegurar os fins da prevenção especial, pelo que o Tribunal opta, pela pena de prisão, não obstante ter presente o efeito criminógeno das penas de prisão.
2. Uma vez escolhida a pena a aplicar (quanto ao crime de furto qualificado, pois quanto ao homicídio qualificado tentado a mesma já se encontrava ab initio escolhida pelo legislador), impõe-se agora determinar a medida concreta das penas de prisão a aplicar.
2.1 – Da aplicação do regime especial para jovens – D.L. 401/82 de 23 de Setembro.
Antes de mais, considerando a circunstância de os factos respeitantes terem ocorrido em Dezembro de 2019 e o arguido ter nascido a 14.06.1999, tendo por isso à data apenas 20 anos, impõe-se a ponderação de aplicação do regime especial para jovens, aplicável a todos os que à data da prática do crime tiverem completado 16 anos sem ainda ter atingido os 21 (art. 1º).
O art. 4º do referido diploma estatui que “Se for aplicável a prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos arts. 73º e 74º do Código Penal, quando tiver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”.
Resulta do artigo acabado de citar que a aplicação do regime especial para jovens não é uma mera faculdade do Juiz, mas antes um poder - dever vinculado. Ou seja, o Juiz deve sempre ponderar, oficiosamente, a aplicação do regime em causa, recolhendo-se para o efeito os elementos que forem necessários, constituindo nulidade a sua não apreciação.
Todavia, cumpre desde já salientar que o referido poder - dever de apreciação não se traduz sem mais na obrigatoriedade de aplicação desse mesmo regime.
Com efeito, a aplicação do mesmo importa a verificação de dois requisitos cumulativos:
- um formal: a idade do delinquente (compreendida entre os 16 e os 21 anos);
- outro material: a existência, em concreto, de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Se o primeiro requisito é facilmente objectivável, o mesmo não ocorre com o segundo.
Com efeito, esta “avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem delinquente tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido e não perante considerações vagas e abstractas desligadas da realidade” – cfr. Ac’s. do STJ de 5.3.2008, proferido no P. 08P114 e de 31.10.2007, P. 07P3484, ambos citados pelo Ac. TRP de 21.04.2010, P. 2887/06.4TDPRT.P2, todos in www.dgsi.pt.
Através da aplicação deste instituto o legislador procurou obviar ao fenómeno da delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta - fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvida -, procurando respostas e reacções que melhor possam adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, visando combater um ciclo de vida numa fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório, evitando que uma reacção penal severa possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, numa fase de desenvolvimento e maturação da sua personalidade – neste sentido o referido Ac. TRP de 21.04.2010.
Todavia, o Tribunal deve igualmente atender ao pensamento do legislador expresso no ponto 7. do preâmbulo do D.L. 401/82: “As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos.”.
Vejamos pois o caso concreto.
Resulta dos autos que:
- o arguido tinha 20 anos à data da prática dos factos;
- o arguido já havia sido sancionado disciplinarmente em contexto escolar, por mais que uma vez, por agressões a colegas, em dias consecutivos, importando inclusive assistência médica, com violência desmesurada, não revelando aí arrependimento, com suspensão de actividade lectivas, não tendo cumprido uma das vezes a sanção imposta;
- o arguido foi visado em processo tutelar educativo, não descurando, porém, o Tribunal o arquivamento do mesmo em fase de inquérito, por se considerar à data – em que o arguido, em sede de processo de promoção e protecção, beneficiava de medida de apoio junto da mãe – que as necessidades de educação para o direito foram colmatadas pela integração social, escolar e familiar, o que, claramente, se tratou de mera situação pontual, como vêm a revelar os factos praticados pelo arguido apreciados nestes autos;
- o arguido não mostrou arrependimento relativamente aos factos em apreço nos autos, imputando a terceiros os factos por si praticados, mantendo assim postura já assumida anteriormente em contexto escolar, o que significa que o acompanhamento psiquiátrico de que beneficiou no contexto de promoção e protecção e tutelar educativo não surtiu efeito no sentido de conduzir o jovem para uma vida conforme ao Direito;
- o arguido, admitiu ter mentido ao Juiz de Instrução, em sede de primeiro interrogatório judicial, relativamente à versão dos factos por si apresentada, antes de ser confrontado com as imagens de videovigilência;
- o arguido praticou os factos com dolo directo;
- em seu abono, o apoio familiar, o facto de ter actividade desportiva, incluindo incursões na selecção nacional, o facto de desempenhar actividade profissional, com perspectiva de regressar à mesma, o facto de se ocupar no EP, o facto de não ter antecedentes criminais;
- o crime de homicídio qualificado tentado tem por limite mínimo de moldura abstracta de pena de prisão 2 anos 4 meses e 24 dias - cfr. art. 22.º, 23.º n.º1 e 2 e 73.º n.º 1 al.s a) e b), 131.º e 132.º n.º1 CP -, o que permite apelar ao argumento consignado no ponto 7. do preâmbulo do D.L. 401/82.
Os antecedentes disciplinares do arguido e as razões pelas quais as sanções foram aplicadas, o facto de ter agido com dolo directo, continuando a assumir uma absoluta atitude de desresponsabilização, procurando inclusive ludibriar o Tribunal com versão que assumiu ser falsa - assunção que apenas teve lugar porque confrontado com as imagens de videovigilância, crendo-se que manteria tal versão, caso não fosse confrontado com a prova), criando obstáculos à descoberta da verdade, atitude que manteve em julgamento, imputando a terceiros a responsabilidade pelos factos, o facto de não revelar arrependimento, são reveladores de uma tendência para a criminalidade, não permitindo assim que se faça um juízo de prognose no sentido de que da aplicação do instituto resultem vantagens para a reinserção social do arguido.
Por outro lado, nem tão pouco a inserção familiar e profissional do arguido e o anterior acompanhamento psiquiátrico obstaram a que o mesmo praticasse os factos em causa e não se vê, por isso, que, mantendo-se as mesmas circunstâncias de futuro, haja qualquer “plus” que permita perspectivar uma alteração relevante do comportamento do arguido.
Pelo que, os factores revelados em concreto obstam à aplicação do regime especial para jovens no caso do arguido, já que não é possível, como referido, face aos mesmos fazer um juízo de prognose favorável no sentido de que a atenuação especial traria vantagens para a sua reinserção.
2.2 – No caso do crime de homicídio qualificado, o art. 132.º n.º1 do CP prevê a punição com prisão entre o mínimo de doze anos e o máximo de vinte e cinco anos.
O arguido praticou, porém, o crime na modalidade de crime tentado – cfr. art. 22.º CP – o que importa, em consequência, aplicação das normas de atenuação especial da pena – cfr. art. 23.º n.º1 e 2 e 73.º CP -, o que significa que, por aplicação do disposto na al. a) do n.º1 do art. 73.º o limite máximo da pena de prisão é deduzido de um terço e, por força da al. b) o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto.
De modo que, por força da atenuação especial, a moldura do crime de homicídio qualificado tentado situa-se entre um mínimo de 2 anos, 4 meses e 24 dias e um máximo de 16 anos e 8 meses.
Já quanto ao crime de furto qualificado (arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. d), do CP), o limite máximo da moldura abstracta da pena de prisão fixa-se até aos 5 anos, fixando-se o limite mínimo da moldura abstracta em 1 mês, ex vi art.41º nº1 CP.
A lei (art.71º CP) consagrou nesta matéria o chamado “modelo da prevenção geral”, apelando na determinação da medida da pena à culpa e às finalidades de prevenção geral e especial. De acordo com este modelo importa primeiro determinar a moldura da prevenção geral dentro da qual será determinada a pena atendendo as exigências de prevenção especial, sendo certo que a pena nunca poderá ultrapassar a medida da culpa. As exigências de prevenção constituem pressupostos de medida da pena. A culpa é seu pressuposto e limite. Concebe-se culpa sem pena. Mas jamais pena sem culpa.
De acordo com o modelo da moldura da prevenção geral há um ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e um limiar mínimo abaixo do qual já não é possível assegurar a confiança da comunidade na norma jurídica violada. É dentro da moldura assim definida que irá determinar-se a medida da pena, considerando as exigências de prevenção especial que no caso se façam sentir. Se tais exigências forem mínimas, a pena será fixada perto do limiar mínimo de tutela dos bens jurídicos. Se as exigências de prevenção especial forem de monta então a pena fixar-se-á junto do ponto óptimo de tutela. Há que atender, no entanto, à culpa imputada ao agente que serve de limite a medida da pena. Esta não pode, como já referido supra, ser superior à medida da culpa.
Seguimos de perto, quanto à determinação da medida concreta da pena, o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias. - Jorge de Figueiredo Dias – “As consequências jurídicas do crime”, pág. 229.
Aqui chegados, o Tribunal tem de considerar designadamente as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as previstas no art. 71º nº2 CP, mais concretamente, o grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o agente à prática do crime.
No caso concreto,
Desde logo se aponta serem prementes as exigências de prevenção geral, atento o facto de continuarem a ser praticados com frequência crimes como o de furto qualificado, de cuja prática o arguido vem acusado, impondo-se assim reforçar e reafirmar a vigência e validade das normas violadas.
Bem assim se entende que são elevadas as exigências de prevenção geral no que respeita ao crime de homicídio qualificado, considerando a natureza do bem jurídico protegido - o mais relevante penalmente e o que encabeça, por isso, mesmo a parte especial do Código Penal: a vida, não sendo, por isso, nunca demasiadas as vezes em que se chama à atenção para a necessidade de protecção daquilo que cada ser humano tem de mais preciso e único e que define a existência de cada um.
Em desfavor do arguido, em ambos os casos, o dolo que é directo, e que assume, por isso, a modalidade mais acentuada de dolo, pois em ambos os casos o arguido representou os factos que preenchem ambos os tipos legais de crime e agiu com o propósito de realizar ambos.
Por outro lado, a ilicitude situa-se no entender do Tribunal em grau médio/baixo no que respeita ao crime de furto qualificado, considerando as consequências da sua conduta neste particular, desde logo atendendo ao facto de os bens se resumirem a um cartão multibanco e a um veículo automóvel que já em 2018 foi adquirido por €800,00, não tendo por isso significativo valor venal.
O grau de ilicitude já se mostra assaz elevado quanto às consequências da conduta no que respeita ao crime de homicídio qualificado tentado, atenta a factualidade dada por provada e que aqui para o que importa se dá por reproduzida, sem prejuízo de se atentar que, em consequência directa e necessária da descrita conduta de (...), (...) sofreu de traumatismo crânio-encefálico occipital e parietal bilateral com afundamento de estruturas ósseas, traumatismo maxilofacial com assimetrias da parede orbitária, sobretudo direita, ferida supraciliar direita e do pavilhão auricular direito, suturadas, fracturas dos ossos próprios do nariz, múltiplos focos de contusão torácicos e abdominais, tendo sido assistido de urgência no Hospital do Espírito Santo, em Évora, e helitransportado para o Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, onde ficou internado com má evolução neurológica na Unidade de Cuidados Intensivos com entubação e ventilação invasiva, com traqueostomia, de dores físicas e de mal-estar psicológico, lesões que determinaram 177 dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho em geral e para o trabalho profissional. Mais sofreu de cicatrizes supraciliar direita e do pavilhão auricular direito, estado pós traumatismo crânio-encefálico com alteração do controlo motor global de predomínio direito com movimentos activos contra gravidade, vencendo parcialmente a resistência, com perturbação neuro cognitiva major por lesão cerebral traumática com perturbação do comportamento e perturbação neurolinguística, lesões de carácter permanente, que limitam a capacidade para o trabalho, a capacidade intelectual e de linguagem. (...) tem perturbações neurocognitivas por lesão cerebral traumática com perturbação do comportamento (status emocional), o que torna o seu comportamento tendencialmente apático e lentificado. (...) apresenta perturbação neurolinguística com características de afasia e disartria com alteração da prosódia de grau 4. Devido às limitações a nível de coordenação motora e de memória, (...) necessita de supervisão, até para efectuar as tarefas diárias de higiene pessoal, estando dependente dos cuidados de terceiros.
No Centro Hospitalar foi feito treino relativo à actividade laboral de (...) (empregado de mesa), tendo o mesmo revelado devido às suas limitações a nível de coordenação motora e de memória, não ser capaz de desenvolver esta actividade. (...) necessita de tomar medicação auxiliar à sua cognição e ao seu comportamento/humor. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido (...) sofreu dores, devido à agressão e posteriormente
devido aos tratamentos a que foi sujeito e dos quais dependiam a sua vida, tendo sido entubado, algaliado, alimentado por sonda, o que se verificou até pelo menos 19.02.2020.
Desde 09.01.2020 e pelo menos durante quatro meses o demandante usou fraldas. Até 19.02.2020 (...) teve infecções urinárias, tendo sentido desconforto incómodo e dores. Até 19.02.2020 (...) esteve acamado sofrendo dores. (...) apresentou score de 6 na escala de Coma de Glasgow (GCS) no local dos factos, oscilando entre 6-8 aquando do internamento Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital São Francisco Xavier.
Em desfavor do arguido não pode ainda deixar-se de atentar no facto de já ter sofrido sanções disciplinares em contexto escolar por actos igualmente relacionados com violência física, sendo que, face à factualidade em apreço, não se vê que tenha surtido efeito a medida de apoio junto da mãe a que alude o processo tutelar educativo ou mesmo o acompanhamento psiquiátrico de que o arguido beneficiou.
Em desfavor do arguido concorre ainda o facto de ter obstaculizado a descoberta da verdade, mentindo o Juiz de Instrução e bem assim em sede de julgamento, imputando a terceiro os factos por si praticados.
Em seu favor, o lapso de tempo decorrido desde a data da prática dos factos e a presente data, ainda que não muito relevante – cerca de um ano – e o facto de não ter registados quaisquer antecedentes criminais.
Importa ainda considerar as condições económicas e pessoais do arguido – filho de pais separados, tendo concluído o 12.º ano de escolaridade e realizado curso de segurança, actividade que chegou a desempenhar, trabalhando também como trabalhador rural, cuja actividade poderá retomar findo o processo em causa, desportista, incluindo com incursões na selecção nacional, beneficiando antes de após os factos do apoio familiar, mostrando-se, por isso, familiar, social e laboralmente inserido, tendo bem assim perspectivas de ocupação no meio prisional onde actualmente se encontra.
Sem prejuízo, não pode deixar de atentar-se que o facto de se mostrar inserido nos termos expostos, não obstou a que praticasse os factos em apreço, pelo que se mostram de relevo, no entender do Tribunal, também as necessidades de prevenção especial, pois que o arguido,não obstante tal enquadramento, ainda não assimilou devidamente os deveres jurídico penais e a necessidade de conduzir uma vida em sociedade conforme ao Direito.
Considerando tudo isto e bem assim o mais constante do relatório social que constam da factualidade provada, tudo visto e ponderado, entende-se justo aplicar, em concreto a pena de 11 anos de prisão quanto ao crime de homicídio qualificado tentado e 2 anos e 6 meses quanto ao crime de furto qualificado.

B.4) CONCURSO DE CRIMES – CÚMULO JURÍDICO
Como já referido supra, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. – art. 30º nº1 CP.
Verifica-se no caso que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificado tentado e um crime de furto qualificado nos termos e com o enquadramento expendido supra.
Caso o arguido tenha praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, na qual se consideram em conjunto os factos e a personalidade do agente. – art. 77º nº1 CP.
A propósito entende Cláudia Santos (Apud Ac. STJ de 14.10.2009, proc. 328/07.9GFVFX.L1.S1, in www.dgsi.pt) que “ao admitir uma só pena para um caso que não se identifica com o ilícito simples, o sistema confessa que essa massa de ilícito, não sendo indiferenciada, ostenta uma peculiar unidade. Querendo que, na determinação da pena concreta do concurso, se tenham em conta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente, este modelo admite que a relação dos factos entre si e com a personalidade do seu autor cria ou reclama para cada grupo de crimes concorrentes um específico desvalor final – quer de ilícito, quer de culpa. Ou seja: a unidade própria do concurso efectivo de infracções apresenta-se como uma unidade de relação.
Pode porventura falar-se, neste sentido, de um ilícito - típico próprio do concurso verdadeiro de infracções e de uma culpa própria desse concurso também. O ilícito que se torna global – não homogéneo, mas uma espécie de ilícito de ilícitos -, com os contornos fixados pela moldura do concurso, para que a ele se possa referir a censura objectiva a dirigir ao agente. A culpa que se liberta também dos anteriores juízos parciais e é autonomamente avaliada (tal como a perigosidade e as necessidades de prevenção) no interior da moldura. Mal se compreenderia uma culpa desfasada do ilícito que a sustenta.”.

A fim de determinar a moldura do concurso somam-se as penas concretamente aplicadas, de onde resulta o limite máximo – o qual não pode exceder os 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias no caso da pena de multa -, sendo o limite mínimo a maior das penas concretas. – art. 77º nº2 CP.
No caso, o limite máximo é de 13 anos e 6 meses de prisão e o limite mínimo de 11 anos de prisão.
Do caso, resulta que os factos praticados pelo arguido revelam-se dirigidos à prática de factos contra o património e contra a vida de (...).
Todavia, há que atender, contudo, que os factos foram praticados no mesmo contexto espácio temporal, visando a mesma vítima, o que nos leva a concluir por uma diminuição da culpa – única e exclusivamente para este efeito e sem prejuízo do que já foi dito supra -, a qual, no nosso entender e tudo ponderado para efeitos de concurso nos leva a fixar a culpa, para este efeito, em grau que se situa perto da mediania.
Importa ainda mencionar que, como já se disse, se mostram elevadas as finalidades de prevenção geral relativamente a ambos os tipos legais de crime, de relevo as de prevenção especial, pois que, não obstante o arguido se encontrar inserido familiar, social e laboralmente, e ter beneficiado anteriormente de acompanhamento psiquiátrico, tal não obstou a que praticasse os factos graves em causa nos autos, revelando, inclusive, a sua postura em juízo – mentindo ao Juiz de Instrução e não assumindo a responsabilidade dos seus actos, que imputa a terceiro – uma desconsideração pelas normas jurídico penais, impondo-se a aprendizagem do arguido no sentido de uma vivência em conformidade com as normas jurídico penais.
Assim, considerando a moldura penal abstracta do concurso, e considerando tudo o que ficou dito quanto à visão conjunta dos factos e da personalidade do agente, entendemos adequada a condenação do arguido na pena única 12 (doze) anos de prisão.

Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime, não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs:
«As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo comando).
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena»
Importa ainda ter em conta que:
«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade» (Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182 e Ac. do STJ de 4-10-07, Proc. nº 2692/07.
Com a previsão do Artº 131 do C. Penal, protege-se o bem jurídico vida, como fundamento primeiro da culpa criminal, o seu principal valor axiológico, aquele que, a nível individual, se tem por mais sagrado, por natureza irreversível.
Na verdade, é o livre arbítrio que define a condição humana, na capacidade de – melhor ou pior, mais ou menos livremente, mais ou menos condicionadamente – decidir o seu próprio destino, em cada momento, na possibilidade de escolher entre o certo e o errado, com todas as consequências daí inerentes, para si e para os seus semelhantes.
Matar é, assim, o mais grave acto concebível numa sociedade humana, vedado até – no que Portugal se pode orgulhar em ser um dos primeiros países do Mundo a abolir, espera-se que em definitivo, a pena de morte - ao ius puniendi do Estado, aquele que não deixa possibilidade de regresso, a única conduta verdadeiramente irreparável, a criação do vazio, da ausência, do nada.
Esta poderia ter sido - que apenas não se concretizou, pelo socorro que, atempadamente, foi prestado ao ofendido - a consequência para a vítima do comportamento do arguido.
A morte, o nada, o fim de uma vida, de projectos, a ausência de um futuro, bom ou mau, que o arguido, sem qualquer direito, quis destruir.
O arguido agiu com o intuito de tirar a vida ao ofendido, não o tendo conseguido, mas causando-lhe lesões graves e permanentes.
O modo de execução é altamente reprovável, pela violência com que actuou, pela forma desleal como agiu, atraindo o ofendido para uma travessa deserta, alta madrugada, e pelo modo como o atingiu, pontapeando-o na cabeça, repetidamente, quando este se encontrava no chão, e mesmo depois de já não dar acordo de si, estendido na rua, inanimado, a esvair-se em sangue.
O juízo de censura é, assim, elevadíssimo, o desvalor social da acção enorme, e a ilicitude muito intensa, na aferição de uma conduta gratuitamente violenta.
A frequência preocupante com que, nos últimos tempos, vêm ocorrendo crimes de homicídio voluntário (consumado ou tentado), tornam prementes as exigências de prevenção e repressão desses ilícitos.
A apreciação do tribunal recorrido, que supra se transcreveu é, neste domínio, exemplar, não merecendo qualquer censura ou reparo, seja na não aplicação ao arguido do Regime Especial para Jovens Delinquentes, seja na determinação das penas unitárias, seja, por fim, na fixação da pena única de prisão com que condenou o arguido.
Nessa medida, pouco mais haveria a acrescentar, tal a justeza do decidido, alinhavando-se apenas duas ou três notas em reforço do que ali se disse.
O arguido recorrente tinha 19 anos à data dos factos, enquadrando-se, por isso, sem qualquer dúvida, no âmbito de aplicado daquele regime jurídico, previsto no D.L. 401/82, de 23/09, que parte do pressuposto que o jovem deve merecer um tratamento penal especializado, atenta a sua capacidade de ressocialização tendo em conta que ainda se encontra no limiar da sua maturidade.
Assim sendo, dispõe o Artº 4 do citado diploma legal, que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Este regime, todavia, como é assaz sabido, não é de aplicação automática nem obrigatória, ainda que a jovens, como o recorrente, que tenham 19 anos à data da prática dos factos, só devendo funcionar quando da factualidade apurada resultar, inequivocamente, que a atenuação especial da pena dele resultante irá contribuir para que o jovem condenado se afaste do crime, daí decorrendo a conclusão exigida pelo preceito legal, no sentido de se adquirirem vantagens para a almejada reinserção social.
Nessa medida, ter-se-á de atender à natureza do crime, gravidade dos factos, personalidade do arguido, situação familiar, condições de vida e quaisquer outras circunstâncias que permitam desenhar um cenário que não seja impeditivo de uma prognose favorável no que toca à possibilidade de, no futuro, a conduta do arguido se conformar com os padrões comunitários.
Ora, mau grado a juventude do arguido, cremos que a decisão recorrida, como se disse, não merece a mais leve crítica.
Ao contrário do que afirma o recorrente, nada impede que a matéria descrita nos Artsº 88/90 da factualidade apurada seja tida em conta nesta aferição, na medida em que a mesma traça um quadro da personalidade do arguido, expressa em episódios do seu passado, sem prejuízo de se ter em conta que o processo tutelar educativo foi objecto de arquivamento, não por os factos em causa se tenham considerado como não provados, mas apenas, por via da integração social, escolar e familiar que, então, envolveu o ora recorrente.
De todo o modo, a matéria plasmada no referido processo educativo desenha o cenário de uma personalidade conflituosa, com níveis de violência significativos, apesar de no dito processo lhe terem sido facultadas todas as oportunidades e ajudas, desde a promoção e proteção, ao acompanhamento psiquiátrico.
Da factualidade apurada no que respeita ao percurso individual do arguido resulta alguma tendência para a prática de comportamentos disruptivos, manifestações de agressividade e insolência em contexto escolar e a assunção de atitudes antissociais, traduzidas no desrespeito generalizado a figuras de autoridade.
Por outro lado, como bem nota o MP na sua resposta, “Está em causa um individuo que agrediu violentamente alguém que já se encontrava deitado no chão, sem possibilidade de defesa. O arguido pisou, por diversas vezes, a cabeça de (...) com extrema violência e com intenção de lhe provocar a morte! O arguido cessou com as agressões para se apoderar dos pertences que (...) trazia consigo, mas, após retirar os mesmos, voltou a pisar a face e cabeça de (...) por duas vezes com intenção de lhe provocar a morte.
Não podemos ignorar que estamos perante um ato de violência extrema, exercida de forma gratuita contra alguém com intenção de lhe retirar a vida.
Quando pensamos que tal comportamento é inadmissível para o comum dos seres humanos, mais em choque ficamos quando percebemos, pelas imagens do sistema de segurança do café (...), que o recorrente, após atentar contra a vida de (...), interage com as pessoas presentes e conhecidas como se estivesse tudo bem, como se tivesse acabado simplesmente de sair de uma festa!
Note-se que em momento algum o recorrente demonstrou remorsos pela sua atitude, seja logo após praticar os factos, seja no decurso do inquérito, seja na audiência de julgamento!
Na verdade, o recorrente nunca procurou saber como (...) tinha ficado, se o mesmo recebeu assistência hospitalar ou sequer se o mesmo se encontrava com vida!
O recorrente teve a capacidade de assistir de forma serena, através das redes sociais, aos apelos desesperados dos familiares de (...) por informações relativas ao seu paradeiro (minuto 29:40 aos 30:02, das declarações de (...) na de audiência de julgamento do dia 12/11/2020 às 15: 10:25) sem nada fazer.
Durante todo o processo o recorrente construiu e apresentou diversos cenários quanto aos acontecimentos da noite de 21 para 22 de Dezembro de 2019, sempre com o objetivo de não ser criminalmente responsabilizado pelos seus atos bárbaros.”
Apesar da integração familiar do arguido, da ausência de antecedentes criminais - facto pouco relevante tendo em conta a sua idade - e da circunstância de ter tido um percurso positivo a nível desportivo, com frequência pelas seleções nacionais na modalidade em que praticava, a verdade é que esses factores não constituíram qualquer entrave para o cometimento dos factos dos autos, dos quais o arguido nunca demonstrou qualquer arrependimento, ou deu um sinal, que fosse, de interiorização do profundo desvalor social que deles decorre.
A este nível, a sua actuação sempre foi a oposta, pretendendo eximir-se à responsabilidade, mentindo ao tribunal – como por si foi confessado – dando várias versões do acontecido, à medida que ia sendo confrontado com a ausência de sentido de cada uma delas perante as provas que iam sendo obtidas.
O arguido não demonstra qualquer empatia, ainda que superficial, com a vítima, que, recorde-se, sofreu com a sua conduta graves e permanentes lesões, já que nem sequer a reconhece como tal, o que demanda que a pena a aplicar reflita o elevado grau da ilicitude, a dimensão de culpa, e a exigência punitiva.
Sendo um jovem com um percurso de vida algo problemático, notando-se alguma desestruturação pessoal e comunitária, é evidente a forte possibilidade de recair na via da marginalização, o que acentua as exigências de prevenção especial e a carência de reforçar, no espírito do arguido, a necessidade de pautar, no futuro, as suas condutas, pela correspondência com os comandos legais.
Se assim é, e estas parecem asserções indiscutíveis tendo em conta a factualidade apurada, torna-se evidente a impossibilidade de concluir que da aplicação da atenuação especial decorrente do Regime Especial para Jovens Delinquentes resultem sérias vantagens para a sua reinserção social, pelo que, bem andou o tribunal a quo ao afastar a aplicação deste regime.
O mesmo se diga, em concreto, sobre as penas aplicadas ao arguido - parcelares e única - já que não se pode olvidar as fortíssimas exigências de prevenção geral que o tipo de ilícito de homicídio demanda, pela sua extrema gravidade, pela sensação de insegurança que gera no tecido social, aliada à sua profunda censura ética, reforçada pela concreta conduta do recorrente, muitíssimo desvaliosa, a merecer uma profunda reprovação devidamente espelhada na pena a aplicar.
O cenário dos autos é revelador de uma particular violência, ainda mais preocupante se atendermos à juventude do arguido, o que pode representar uma inquietante anomia em relação aos valores comunitários, que urge reprimir com severidade.
Assim sendo, de modo algum as penas fixadas pelo tribunal recorrido, se mostram excessivas para com a gravidade dos factos, desadequadas à dimensão da ilicitude, ou desproporcionais ao juízo de censura susceptível de ser formulado sobre o arguido.
De igual modo, no que respeita à pena única, que, pelos motivos expostos, se revela consentânea com a gravidade dos factos e a personalidade do arguido, apreciadas de forma concatenada, de modo a poder-se concluir que mesma em caso algum ultrapassa a medida da culpa do ora recorrente.
Dos factos apurados, torna-se claro que essa pena se mostra justificada pelo circunstancialismo dos crimes, pela sua relevância comunitária, pelo desvalor social que deles emana, e pelo intenso juízo de censura susceptível de ser assacado ao arguido, mostrando-se perfeitamente adequada às finalidades punitivas, e às elevadas exigências de prevenção, quer geral, pelo sentimento de insegurança que comportamentos deste tipo provocam na comunidade em geral, quer especial, pela necessidade de interiorização da gravidade da conduta no ora recorrente.
Inexistindo qualquer razão para alterar a pena única fixada pelo tribunal a quo, conclui-se pela improcedência do recurso, na totalidade.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, o acórdão recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 4 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.
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Évora, 08 de Junho de 2021
Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
(Assinaturas digitais)