COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
PROCESSO DE INVENTÁRIO
TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES
Sumário

Os juízos de família e menores são materialmente competentes para tramitar e julgar os processos de inventário subsequentes a divórcio por mútuo consentimento decretado na Conservatória do Registo Civil, incluindo os que foram, inicialmente, instaurados no cartório notarial, mas vierem a ser remetidos ao tribunal ao abrigo do disposto no artigo 12.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.

Texto Integral

Processo n.º 171/20.0 T8ILH.P1
Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Ílhavo (J1)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Em 10.07.2018, B… instaurou no Cartório Notarial da Dra. C… processo de inventário ao abrigo do Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI) aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março.
O inventário visava a partilha de bens comuns do casal, dissolvido por divórcio decretado em 26.05.2014 no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento que, sob o n.º 8256/2014, correu termos na Conservatória do Registo Civil de Aveiro.
Em 29.01.2020, foi dirigido àquela Sra. Notária requerimento do seguinte teor:
«D… e B…, respectivamente Cabeça-de-Casal e Requerente nos autos à margem cotados e aí melhor identificados, vêm muito respeitosamente informar V. Exa. de que pretendem que os presentes autos sejam remetidos ao Tribunal, nos termos do art. 12.º, n.º2 b) da Lei n.º 117/2019, de 13/09, por os mesmos se encontraram parados há mais de 6 meses».
Sobre esse requerimento recaiu despacho da Sra. Notária, datado de 29.01.2020, do seguinte teor:
«Tendo a remessa do processo sido requerida por ambos os interessados, reconhecendo estar verificada a condição prevista no art.º 12º/2-b) da Lei n.º 117/2019, de 13/9, porque os autos estão sem qualquer andamento há mais de 6 meses, determino a sua remessa ao Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, Comarca de Aveiro».
Efectuada a remessa, já no referido Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, em 11.03.2020, foi proferido o seguinte despacho (reprodução integral):
«I – Os presentes autos têm origem na remessa ordenada pela Sra. Notária C…, por despacho datado de 29 de janeiro de 2020, na sequência de requerimento efetuado por ambos os interessados na partilha, por divórcio, nos termos do disposto 12.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 117/2009, de 13 de setembro.
II – Remetidos os autos a este tribunal, cumpre apreciar e conhecer da competência em razão da matéria.
A competência do tribunal constitui um pressuposto processual, devendo ser definida nos termos do disposto no artigo 59.º e seguintes do Código de Processo Civil.
O poder de julgar genericamente atribuído, pela Constituição da República Portuguesa, ao conjunto dos tribunais (cf. artigo 202º da CRP), mostra-se fracionado e repartido entre os diferentes tribunais, em função da matéria de que pode conhecer e da divisão do território (artigos 209º, 210º e 211º da CRP).
Donde que, e em consequência da divisão do poder jurisdicional entre os diferentes tribunais, a cada um deles cabe apenas um determinado âmbito material e territorial de ações, não estando sujeitos à escolha das partes, por respeito ao princípio do juiz natural (sem prejuízo do previsto no artigo 95.º do CPC).
A competência dos tribunais traduz-se na parcela de jurisdição pertencente a cada um dos órgãos jurisdicionais, determinada de harmonia com certos critérios, através dos quais se distribui a jurisdição entre os seus vários órgãos.
Preceitua o artigo 1083.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 112/2019, de 13 de setembro, determina que o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais: a) nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 2102.º do Código Civil; b) sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial; c) quando o inventário seja requerido pelo Ministério Público.
Por seu lado, o n.º 2 estatui que nos demais casos, o processo pode ser requerido, à escolha do interessado que o instaura ou mediante acordo entre todos os interessados, nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais.
Por seu lado, o artigo 12.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2019, de 13 de setembro, determina que, nas situações em que os processos inventário não devam ser oficiosamente remetidos para tribunal, os interessados diretos na partilha poderão requerê-lo sempre que a) Se encontrem suspensos ao abrigo do disposto 16.º do regime jurídico do processo de inventário há mais de um ano; b) Estejam parados, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses.
Dispondo o n.º 3 que a remessa do processo para o tribunal competente também pode ser requerida, em qualquer circunstância, por interessado ou interessados diretos que representem, isolada ou conjuntamente, mais de metade da herança.
O n.º 4 do mesmo preceito legal estatui que a remessa pode ser requerida quer para o tribunal territorialmente competente, nos termos do artigo 72.º-A do Código de Processo Civil, quer para qualquer tribunal que, atendendo à conveniência dos interessados, estes venham a escolher.
Porém, o artigo 65.º do Código de Processo Civil estabelece que remete para as leis de organização judiciária a delimitação das causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e dos juízos dotados de competência especializada.
Ora, o artigo 122.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.
Concatenando as diversas disposições legais acima elencadas, importa concluir que, salvo nos casos em que a própria lei o imponha, os interessados na partilha podem decidir submeter aos Tribunais judiciais o conhecimento dos inventários instaurados na sequência de divórcio, bem como podem, correndo aquele em Cartório Notarial, requerer a sua remessa para qualquer Tribunal.
Por outro lado, do artigo 122.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto resulta que são competentes os Juízos de Família e Menores para conhecer e tramitar os processos de inventário que, por determinação legal ou escolha das partes, devam correr em Tribunal.
Todavia, a possibilidade de os interessados na partilha poderem remeter para qualquer Tribunal da conveniência dos interessados, que estes venham a escolher não importa qualquer derrogação das regras imperativas da distribuição da competência dos Tribunais, nomeadamente, em razão da matéria.
Da compulsa dos autos, em particular do requerimento de inventário junto a fls. 2 a 3/verso, constata-se que o mesmo se destina à partilha por separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento dos interessados.
Assim, atento ao sobredito, conclui-se que este tribunal não é o materialmente competente para conhecer do inventário sub judice, sendo-o, outrossim, o Juízo de Família e Menores de Aveiro – cf. artigos 122.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e 68.º, n.º 1, al. h), do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março e respetivo Mapa III anexo.
A violação dos preceitos referentes à definição da competência material implica a incompetência absoluta do tribunal e constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar ao indeferimento liminar, tudo ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 96.º, al. a), 97.º, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil.

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Por terem ficado absolutamente vencidos nesta ação, as custas processuais deverão ficar a cargo dos interessados – cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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III – Em face do exposto, decido:
a) julgar verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo de Competência Genérica de Ílhavo para conhecer do pedido formulado pelos interessados B… e D…, por ser competente a jurisdição de família e menores;
b) consequentemente, indeferir liminarmente o requerido.
Custas a cargo dos interessados.
Registe e notifique a Sra. Notária e os interessados, também para os efeitos do disposto no artigo 99.º, n.º 2, do CPC.»
Na sequência do assim decidido e a requerimento da cabeça-de-casal, foram os autos remetidos ao Juízo de Família e Menores de Aveiro (J1) que, em 19.06.2020, proferiu o seguinte despacho[1]:
«Nos termos do disposto no artigo 1083.º do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.
De outro modo, fora dos casos de competência exclusiva dos tribunais judiciais o processo pode ser requerido, à escolha do interessado que o instaura ou mediante acordo entre todos os interessados nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais.
Assim, nos casos em que não existe processo judicial de que o proposto inventário seja dependência, nomeadamente quando o divórcio foi decretado em Conservatória do registo Civil, trata-se de inventário que de modo meramente facultativo pode ser proposto em tribunal judicial.
A Lei de Organização do Sistema Judiciário não fixa qual o Juízo de Família e Menores territorialmente competente. Tal competência resulta, quanto aos inventários ainda tramitados nos cartórios notariais, do disposto no artigo 3º nº7 do Regime Jurídico do Processo de Inventário. Pelo contrário quanto aos inventários instaurados após a revogação daquele Regime (operada pelo artigo 10º da Lei 117/2019) não existe qualquer norma que fixe a competência territorial dos Juízos de Família e Menores.
De outro modo, a competência territorial dos tribunais com a competência material para os restantes inventários – visando a partilha de heranças – foi prevista na lei que estabelece no artigo 72º-A (redacção da referida Lei 117/2019) que é competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão e critérios subsidiários e ainda no nº4 do artigo 12º da mesma Lei.
Conclui-se, assim, que atenta a revogação do RJPI, não existe norma que fixe a competência territorial entre os Juízos de Família e Menores para a tramitação dos processos de inventários subsequentes a divórcio decretado nas CRCivil.
A competência material dos Juízo de Família e Menores é a que resulta do elenco taxativo previsto no art. 122º da LOSJ. Relativamente aos processos de inventário, prevê o nº2 apenas que os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.
O referido artigo 122º não foi objecto de qualquer alteração, sendo que as competências a que se refere o artigo 122º nº2 – competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência da separação de bens ou divórcio - eram apenas as competências residuais excepcionalmente atribuídas ao Juiz no Regime Jurídico do Processo de Inventário (entretanto, como se disse, revogado relativamente a processos novos) e não a competência para a tramitação de todo o inventário.
Em síntese:
- não tendo a Lei 117/2019 atribuído expressamente competência material aos Juízos de Família e Menores para a tramitação dos processos de inventário subsequentes a divórcio decretado nas Conservatórias do Registo Civil e,
- não tendo a referida Lei fixado o tribunal territorialmente competente para esses processos e não tendo, finalmente, o artigo 122º nº2 da LOSJ sido objecto de qualquer alteração – assim mantendo a referência apenas às competências previstas no Regime Jurídico do Processo de Inventário entretanto revogado, o referido artigo 122º nº2 deve, também, considerar-se tacitamente revogado pela Lei 117/2020 nos exactos termos em que a mesma lei revogou o Regime Jurídico do Processo de Inventários, isto é, mantendo apenas aplicável o regime (e por consequência o nº2 do art.122º) relativamente aos processos de inventário ainda pendentes nos Notários.
Em suma, fora dos casos de competência exclusiva dos tribunais para os processos de inventário – inventário dependente de outro processo judicial – em que a competência dos Juízos de Família e Menores resulta, por conexão, da competência material para os autos principais, os Juízos de Família e Menores não têm competência material para os processos de inventário, nomeadamente para os subsequentes a divórcio ou separação realizados nas Conservatórias do Registo Civil. Relativamente a estes inventários não tendo a lei (seja a Lei 117/2019 seja a LOSJ) atribuído competência aos tribunais de Família e Menores existe um regime imperativo de competência dos cartórios notariais, devendo o artigo 1083º nº2 do CPC (na redacção da referida Lei) ser restritivamente interpretado, apenas se aplicando aos inventários para partilha de herança, como, de resto, resulta ainda do ali disposto no nº3 quanto ao critério para remessa dos autos ao tribunal em caso de divergência - «interessados que representem mais de metade da herança» - critério absolutamente inviável quanto aos inventários para partilha de bens comuns decorrente de divórcio ou separação.
O despacho do tribunal de Ílhavo, de 11-3-2020 julgando-se incompetente em razão da matéria, não é vinculativo para este tribunal de Família quanto à sua própria competência material, sendo certo que também não se vislumbra qualquer conflito de competência com aquele tribunal que (concorda-se) não é (como este de Família e Menores) a instância competente para o presente processo de inventário.
Atento o exposto, nos termos do disposto nos indicados artigos 122º da LOSJ (a contrário), e dos artigos 1083º nº1, 2 e 3 e 96º, 97 e 99º nº1 do CPC julga-se este Juízo de Família e Menores materialmente incompetente para a tramitação dos presentes autos.
Custas pelo interessado cabeça de casal atento o requerimento por si apresentado a 27-3-2020 solicitando a remessa dos autos a este Juízo.
Registe e notifique.».
Inconformada, a requerida (e cabeça-de-casal) D… recorre desta decisão, sintetizando assim os fundamentos da apelação (reprodução parcial):
«(…)
J – Salvo o devido respeito, o que se verifica nestes autos é um verdadeiro “jogo do empurra” em que a ora Recorrente fica, afinal, sem saber quem tem competência para apreciar o seu processo de Inventário…parece que nenhum Tribunal é competente…ou parece que ninguém quer decidir sobre este Inventário…
L – O processo já não se encontra no Cartório Notarial da Dra. C… pois foi remetido ao Juízo de Competência Genérica de Ílhavo e além do mais, a aqui Patrona já não tem acesso ao mesmo pela Plataforma dos Inventários.pt. No Juízo de Competência Genérica – Juiz 1 de Ílhavo, os autos já estão findos, porquanto a Sentença proferida já transitou em julgado pois não foi objecto de recurso. E vem agora o Juízo de Família e Menores de Aveiro julgar-se incompetente em razão da matéria e a ora Recorrente fica com um processo perdido…
M – A Sentença a quo proferida pelo Juízo de Família e Menores violou os arts. 11.º, n.º 1; 12.º, n.º2 b) e n.º4 e 13.º da Lei 117/2019, de 13 de Setembro; fez uma errada interpretação do art. 1083.º n.º1, b) e n.º 2 do CPC e violou o disposto neste artigo; violou também o art. 122.º, n.º2 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto.
N – O Juízo de Família e Menores de Aveiro é o Tribunal competente em razão da matéria para apreciar e decidir sobre o processo de Inventário porque Requerente e Requerida assim o escolheram; assim também foi determinado pelo Juízo de Competência Genérica de Ílhavo na Sentença proferida em Março de 2020 e porque a lei assim o prevê e atribui a competência aos Juízos de Família e Menores – cfr. arts. 11.º, n.º1, 12.º, n.º2, alínea b) e n.º4 e art. 13, todos da Lei 117/2019, de 13 de Setembro; art. 1083.º, n.º2 do CPC; art. 122.º, n.º2 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto e arts. 72.ºA n.º3 a) ou 80.º, n.º1 do CPC.
O – A Lei n.º 117/2019 foi criada com o propósito de libertar os Cartórios/Notários dos processos de Inventário e voltar a atribuir aos Tribunais a competência para deles decidir ou seja, retirou-se a competência aos Tribunais, mas, voltou-se a atribuir.
P – É a própria Lei nova que faculta a remessa do processo que esteja a decorrer no Cartório para o Tribunal (desde que verificados os requisitos dos arts. 11.º a 13.º).
Q – Se o Legislador permite às partes escolher continuar no cartório ou pedir a remessa ao Tribunal, não entende a aqui Recorrente o porquê de o Juízo de Família e Menores se considerar incompetente para apreciar estes autos e dizer que o cartório é quem tem a competência exclusiva.
R – Se a vontade do Legislador fosse a de manter nos Cartórios os Inventários, então teria de estipular uma norma de aplicação no tempo ou norma transitória que prescrevesse que os Inventários que já estejam aí pendentes, obrigatoriamente aí devem continuar a sua tramitação. E teria apenas estipulado que a Lei n.º 117/2019 só se aplica aos processos iniciados após a data de entrada em vigor. Ou simplesmente não criava o artigo 12.º da remessa aos Tribunais.
S – Conforme já supra se alegou, dúvidas não há de que estava preenchido o âmbito de aplicação da alínea b) do n.º2 do art. 12.º da Lei citada: os autos estiveram completamente parados, no Cartório, sem qualquer diligência, sem qualquer movimentação, sem ter sido proferido qualquer despacho, sem ter sido expedida qualquer notificação, sem ter sido junto qualquer requerimento…desde 08-07-2019 até 29-01-2020 e por isso, por mais de 6 meses.
T – Estipula o art. 122.º, n.º2 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto que (LOSJ): “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.”
U – Este n.º2 do art. 122.º da LOSJ não diferencia se o divórcio decorreu no Tribunal (divórcio sem consentimento do outro cônjuge) ou se decorreu na Conservatória (divórcio por mútuo consentimento), porque o Legislador não quis diferenciar! Assim como o art. 1083.º n.º2 do CPC não diferencia quais são os “demais casos” e nem quis o Legislador excluir daqui os divórcios que decorreram na Conservatória.
V - Seguindo este entendimento do Meritíssimo Dr. Juiz do Tribunal a quo então conclui-se que os arts. 12.º e 13.º da Lei n.º 117/2019 não têm qualquer utilidade, porque admite que os inventários (e no caso, subsequentes a divórcio) possam sair dos Cartórios mas depois não há Tribunais (de Família) competentes para deles decidir!
X – A Sentença a quo reconhece a aplicação do art. 122.º n.º2 da LOSJ aos inventários decorrentes de divórcio mas depois através de uma interpretação completamente inovadora, salvo o devido respeito, conclui que afinal não se aplica ao caso concreto.
Z – Apesar de o art. 72.º-A do CPC ter como título “matéria sucessória” nada impede que se aplique (pela via analógica e com as devidas adaptações) aos inventários decorrentes de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil; caso contrário, estes processos, então, nunca poderão sair dos Cartórios Notariais…por não existir Tribunal com competência para tal.
AA – Ou aplicando-se até o disposto no art. 80.º do CPC que constitui a regra geral: “Em todos os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais é competente para a ação o tribunal do domicílio do réu.”
BB – O Inventário destes autos foi apresentado no Cartório do Município de Ílhavo (localidade da casa de morada de família e único imóvel a entrar na relação de bens, pela via do art. 72.º-A, n.º3 a) do CPC e morada do Requerente), o Tribunal competente só poderia ser o Juízo de Família e Menores de Aveiro (que abrange o município de Ílhavo). E ainda que assim não fosse, determina o art. 12.º, n.º4 da Lei 117/2019 que as Partes podem escolher qualquer tribunal de acordo com a sua conveniência (e claro, desde que materialmente competente), ou ainda, que se aplicasse a regra geral do art. 80.º, n.º1 do CPC, sendo o domicílio da Requerida sito em Aveiro, sempre seria competente o também Juízo de Família e Menores de Aveiro.
CC – Sobre a competência dos Juízos de Família e Menores, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa: Processo n.º 6088/12.4TCLRS.L1-1, datado de 25-06-2013 e disponível em www.dgsi.pt (apesar de ser de 2013, analogicamente pode ser aplicável in casu): “O Tribunal de Família é competente em razão da matéria para preparar e julgar inventários requeridos na sequência de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na competente Conservatória do Registo Civil (Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro), por força do disposto no artigo 81º, alínea c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).” Processo n.º 10523/19.2T8LSB.L1-2, datado de 24-10-2019 e disponível em www.dgsi.pt: “O Juízo de Família e Menores é o tribunal competente para um procedimento cautelar de arrolamento que é dependência de processo de inventário subsequente ao divórcio, que corre termos no notário com vista à partilha dos bens comuns do casal, sendo requerido o arrolamento de um bem que naquele processo foi indicado como bem comum a partilhar, que a Requerente invoca ser bem comum.”
DD – “Será, porventura, relevante, fazer referência aos tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, uma vez que a solução quanto ao tribunal competente dependerá do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC; já o inventário subsequente a divórcio decretado em Conservatória do Registo Civil deverá ser tramitado no Juízo de Família e Menores da residência do requerido, por ser esta a atribuição que resulta do n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro e da aplicação da regra de competência territorial enunciada que no n.º 1 do artigo 80.º do CPC” - in Formação Contínua do Centro de Estudos Judiciários, Inventário: o Novo Regime, Jurisdição Civil, Processual Civil e Comercial, Maio de 2020, pág. 31 – nossos negrito e sublinhado.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo) por despacho de 08.01.2021.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Como se evidencia pelas conclusões da motivação do recurso, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber qual o órgão jurisdicional competente em razão da matéria para tramitar o processo de inventário que corria pelo aludido Cartório Notarial e foi remetido, a título definitivo, para o tribunal.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Os factos e vicissitudes processuais relevantes para a decisão são os que constam do antecedente relatório.

2. Fundamentos de direito
Antes de mais, justifica-se um esclarecimento motivado pela afirmação da recorrente contida na conclusão L) da motivação do recurso: remetido o processo para o Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, que se declarou materialmente incompetente e a decisão transitou em julgado, tendo, de seguida, o Juízo de Família e Menores de Aveiro proferido idêntica declaração, teria a recorrente ficado “com um processo perdido…».
É claro que o processo não está “perdido”, mesmo que aqui seja confirmada a decisão do Juízo de Família e Menores de Aveiro.
Não há, ainda, um conflito (negativo) de competência porque esta última decisão não transitou em julgado, uma vez que dela foi interposto este recurso (cfr. o artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Se vier a ser confirmada a decisão do Juízo de Família e Menores de Aveiro, então sim, teremos dois Juízos a declinar a competência para tramitar o processo e o conflito terá de ser resolvido nos termos previstos nos artigos 110.º e segs. do CPC.
Foquemo-nos na questão essencial de saber se é ao Juízo de Família e Menores de Aveiro que compete levar este processo de inventário a bom porto, decidindo as questões nele suscitadas.
Como é bem sabido, a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, pôs termo à total desjudicialização do processo de inventário, encetada em 2013 com a Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, repristinando a competência dos tribunais judiciais para a realização de partilhas litigiosas de bens.
Como, normalmente, acontece quando se altera todo um regime jurídico de um importante instrumento processual, há que definir um regime transitório e, para o caso, interessam as normas transitórias dos artigos 11.º a 13.º da Lei n.º 117/2019.
O n.º 1 do artigo 11.º estabelece a regra de que o novo regime se aplica, apenas, aos processos iniciados a partir da sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2020.
Quanto aos inventários pendentes, nessa data, nos cartórios notariais, há que distinguir: os que aí prossigam a respectiva tramitação e os que, oficiosamente ou a requerimento, sejam remetidos ao tribunal competente.
Aos primeiros, continuará a aplicar-se o regime jurídico anexo à Lei n.º 23/2013, de 5/3.
Aos que são remetidos para o tribunal (i)os inventários em que sejam interessados directos menores, maiores acompanhados ou ausentes, que são, oficiosamente, remetidos pelo notário; ii)aqueles em que qualquer dos interessados, verificada que seja alguma das condições previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 12.º do citado diploma legal, nomeadamente estarem parados há mais de seis meses, sem realização de qualquer diligência, como acontecia neste caso; iii)os inventários em que um ou vários interessados directos, que representem, isolada ou conjuntamente, mais de metade da herança, requeira a remessa) passa a aplicar-se o regime jurídico estabelecido no Código de Processo Civil.
As referidas normas do regime transitório referem que a remessa é feita para o tribunal competente. Não determinam qual é o tribunal competente[2], nem tinham que o fazer, pois essa determinação há-de resultar das pertinentes normas do Código de Processo Civil e das leis de organização judiciária.
Como decorre do antecedente relatório, são divergentes entre si as três posições tomadas sobre o assunto: a Sra. Notária, embora não o dizendo expressamente, entendeu que competente para a tramitação subsequente do inventário era o Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, pois para aí ordenou a remessa do processo; a Sra. Juiz deste Juízo de Competência Genérica declinou essa competência, atribuindo-a ao Juízo de Família e Menores de Aveiro, nos termos previstos no artigo 122.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ); por seu turno, o Sr. Juiz do Juízo de Família e Menores de Aveiro, além de afastar a competência territorial, entendeu que, também este, não era competente em razão da matéria, com o fundamento de que o artigo 122.º da LOSJ não foi alterado e as competências que o seu n.º 2 confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de divórcio são (eram) «apenas as competências residuais excepcionalmente atribuídas ao Juiz no Regime Jurídico do Processo de Inventário (entretanto (…) revogado relativamente a processos novos) e não a competência para a tramitação de todo o inventário», mas acrescenta que o Juízo de Competência Genérica de Ílhavo (também) não é «a instância competente para o presente processo de inventário».
Em termos simples, pode dizer-se que a competência de um tribunal é a parcela do poder de julgar, a parcela de jurisdição que, nos termos da lei, lhe cabe.
A distribuição desse poder de julgar pelos diferentes órgãos judiciários faz-se em função de determinadas regras.
Assim, pressuposta a competência internacional, o fraccionamento do poder jurisdicional pelos diferentes tribunais portugueses faz-se em razão da matéria, da hierarquia, do território, da forma de processo e do valor.
Pelo presente recurso, o que se pretende desta Relação é que aprecie e decida se o Juízo de Família e Menores de Aveiro é o competente em razão da matéria para tramitar processo de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio por mútuo consentimento, cujo processo correu termos na Conservatória do Registo Civil de Aveiro.
Importa lembrar que a competência das conservatórias do registo civil para decretar o divórcio por mútuo consentimento foi instituída pelo Dec. Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, e só em 2013 foi deferida aos cartórios notariais competência geral e exclusiva para o processamento dos actos e termos do processo de inventário (artigo 3.º do RJPI).
Nesse período intermédio, havia controvérsia na jurisprudência, que se dividia entre aqueles que defendiam que materialmente competente para preparar e julgar esses processos de inventário era o Tribunal de Família e os que propugnavam que a competência era do tribunal de competência genérica, sem que se pudesse falar em claro predomínio de uma orientação sobre a outra.
Vigorava, então, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ - Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) que no seu artigo 81.º dispunha:
«Compete aos tribunais de família preparar e julgar:
a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b) Acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1773º do Código Civil;
c) Inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados;
Argumentava-se a favor da primeira solução[3]:
- ao contrário do estabelecido na al. b), na alínea c), o legislador não excepcionou, de forma expressa, os casos em que as acções de separação de pessoas e bens e de divórcio correram os seus termos na Conservatória do Registo Civil;
- após a atribuição de competência exclusiva ao Conservador do Registo Civil para dissolução do casamento por mútuo consentimento operada pelo Dec. Lei n.º 272/2001 de 13/1, o legislador não introduziu alterações na LOTJ em matéria de competência para a preparação e julgamento do inventário subsequente ao decretamento do divórcio;
- a expressão “inventários requeridos na sequência de acções” de divórcio utilizada pelo legislador no art. 81º, al. c) da LOFTJ, deve ter um significado idêntico ao empregue em outros lugares paralelos, nomeadamente no artigo 1404º, n.º 1, do CPC, onde tem o sentido de inventários requeridos após o decretamento do divórcio;
- desde a Lei nº 38/87, de 23/12, nunca foi dada uma interpretação à norma sobre competência do Tribunal de Família de modo a ligar a acção de divórcio ao inventário subsequente para partilha de bens do casal que não fosse o de uma ligação sequencial;
- o artigo 81.º, al. c) da LOFTJ constitui uma norma de competência (material) e não de conexão;
- as questões de conexão ou dependência apenas relevam em sede do estatuído no n.º 3 do art. 1404.º do CPC (aí estabelece-se que o inventário corre por apenso ao processo de divórcio);
- é razoável supor que o legislador não pretendeu excluir dos tribunais de família a competência para conhecer dos processos de inventário instauradas na sequência do divórcio decretado pela Conservatória do Registo Civil, pois nenhuma distinção relevante se vislumbra entre o divórcio por mútuo consentimento decretado pelo Tribunal de Família por via de conversão da acção de divórcio litigioso e o divórcio por mútuo consentimento decretado pelo Conservador do Registo Civil, que possa justificar uma duplicidade de regimes no tocante ao subsequente inventário para partilha de bens.

Em defesa da segunda solução (competente para tramitar esse tipo de processos era o tribunal de competência genérica e não o tribunal de família) aduziam-se os seguintes argumentos:
- incluindo a LOFTJ na competência especializada dos tribunais de família o poder de preparar e julgar “as acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1773.º do Código Civil” (excepção que contempla as separações e divórcios por mútuo acordo, da competência do Conservador do Registo Civil), só os inventários conexionados com essas acções judiciais de separação ou de divórcio ali (nos tribunais de família) devem ser requeridos, correndo por apenso nos termos previstos no artigo 1404.º, n.º 3, do CPC;
- a competência material dos tribunais de família para os inventários é, assim, uma competência por conexão, dependendo de aí ter ou não sido decretada a separação de pessoas e bens ou o divórcio dos requerentes do inventário;
- só assim logrará compreensão a própria terminologia usada pelo legislador, quando emprega a expressão “Inventários requeridos na sequência de acções ...”, pois que uma sequência não deixa de ser, no sentido comum, um seguimento, ou um prosseguimento do que havia sido encetado, uma continuação;
- a razão pela qual o legislador estabeleceu essa conexão assenta na perspectiva de uma economia de tempo e de meios, e por em relação à realidade conjugal já haver documentação no tribunal de família, só faltando o processo de partilha (a apensar), faltando essa conexão, no caso de a separação e o divórcio haverem sido declarados através do procedimento instituído pelo Dec. Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, diploma que nada estatuiu quanto à competência para preparar e decidir os inventários sequentes à separação e ao divórcio decretados por Conservadores;
- não parece que pelo facto de o legislador ter omitido pronúncia em relação a estes processos de inventário (a instaurar com base na dissolução do casamento decretado pelos Conservadores do Registo Civil), os continue a supor incluídos na competência especializada dos tribunais de família;
- nenhuma razão de especialização e preparação para decidir tais inventários justifica essa inclusão em tribunal de competência especializada, tal como o não justifica a decisão dos processos que atribuiu aos Conservadores.
Com a entrada em vigor do RJPI, a controvérsia deixou de ter sentido e, pouco tempo depois, foi aprovada e entrou em vigor a Lei de Organização do Sistemas de Justiça (LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) que no seu artigo 122.º estatui:
«1 — Compete às secções de família e menores preparar e julgar:
a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;
c) Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio;
d) Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
e) Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966;
f) Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges;
g) Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.

2 — As secções de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos
Com a entrada em vigor da LOSJ ficou bem claro que os tribunais de família deixaram de ter competência para a tramitação e julgamento dos processos de inventário subsequentes a divórcio.
Com efeito, apesar de não se ter consumado o propósito inicial de total desjudicialização do processo de inventário, o RJPI atribui ao notário o papel principal na tramitação e decisão deste processo. A intervenção do juiz é pontual, competindo-lhe a prática de actos materialmente jurisdici0nais, mormente a homologação da partilha.
Mas também é bom de ver que com o novo regime resultante da Lei n.º 117/2019, de 13 de Julho, voltou a ser legítimo questionar qual o órgão jurisdicional materialmente competente para a tramitação e julgamento dos processos de inventário instaurados na sequência do divórcio decretado na Conservatória do Registo Civil: se os juízos de família e menores, se os juízos cíveis.
Sob a epígrafe «Repartição de competências», o artigo 1083.º do CPC faz uma clara demarcação: nas três alíneas do n.º 1, define quais os processos de inventário cuja competência é reservada aos tribunais judiciais; nos demais casos, é conferida aos interessados a faculdade de optarem por requerê-lo nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais (n.º 2 do mesmo artigo).
Um dos casos de competência exclusiva dos tribunais judiciais é aquele em que o inventário constitui dependência de outro processo judicial («conceito associado a situações em que a instauração do inventário para partilha de bens é desencadeada pelo que emerge de outro processo judicial»[4]).
Assim acontece, entre outras, nas situações de inventários subsequentes a sentenças judiciais de divórcio ou de separação sem consentimento do outro cônjuge (que só o tribunal pode decretar), bem como as de dissolução do casamento por divórcio por mútuo consentimento requerido no tribunal ou que para aí foi remetido depois de se iniciar na conservatória do registo civil.
Sendo os juízos de família e menores materialmente competentes para preparar e julgar essas acções, compreende-se que sejam, também, competentes para tramitar os inventários subsequentes, nos termos previstos no artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ.
Como atrás referimos, na decisão recorrida faz-se notar que essa disposição legal não foi alterada, o que constituiria argumento a favor da exclusão da competência material dos juízos de família e menores para prosseguir com a tramitação deste processo de inventário.
É certo que o n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ se manteve inalterado e, porventura, justificava-se a alteração para ficar com uma formulação semelhante à do artigo 81.º, al. c), da anterior LOFTJ.
Não é essa a solução preconizada por A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta (in Código de Processo Civil Anotado, II vol., Almedina, pág. 629), que defendem uma “adaptação” do conteúdo normativo daquela disposição:
«Considerando o novo quadro normativo relacionado com a distribuição de competências relativamente aos processos de inventário, nos termos do art. 1083.º, que alterou profundamente o regime de exclusividade que estava assegurado pela Lei n.º 23/13 relativamente aos cartórios notariais, deve ser devidamente adaptado o que está previsto no n.º 2 do art. 122.º da LOSJ, nos termos do qual “os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.».
Para as situações como aquela que aqui se nos apresenta, os mesmos autores comentam (ob. cit., 630):
«Regime diverso está estabelecido para os inventários que sejam decorrência de decisão de divórcio ou separação proferida no âmbito de processo instaurado na conservatória do registo civil. Neste caso, embora o inventário ainda encontre nessa decisão a sua motivação, o cônjuge requerente pode optar entre o cartório notarial (art. 1083.º, n.º 2) ou o juízo de família e menores que for territorialmente competente em função do critério definido pelo art. 80.º».
Uma vez que foram ambos os interessados a requerer, nos termos e com o fundamento já supra referido, a remessa ao tribunal do processo de inventário instaurado no Cartório Notarial da Dra. C… na sequência de divórcio decretado, em 26.05.2014, na Conservatória do Registo Civil de Aveiro, competente para prosseguir a sua tramitação e julgamento seria o Juízo de Família e Menores de Aveiro.
É uma solução que se aceita, essencialmente porque não se vislumbra nenhuma razão válida e relevante para seguir caminho diverso se o inventário se segue à dissolução do casamento por divórcio por mútuo consentimento (nomeadamente por conversão da acção de “divórcio litigioso”) decretada por sentença ou se o inventário é instaurado na sequência de divórcio decretado pela conservatória do registo civil.
Concluindo, o processo de inventário deve prosseguir seus termos no Juízo de Família e Menores da Comarca de Aveiro, pelo que não pode manter-se a decisão recorrida.

III - Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação interposta por D… e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo o supra identificado processo de inventário prosseguir seus termos no Juízo de Família e Menores da Comarca de Aveiro.
Sem tributação.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 24.05.2021
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
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[1] Notificado às partes por expediente electrónico elaborado em 01.07.2020.
[2] O n.º 4 do artigo 11.º contém, no entanto, uma norma sobre competência territorial.
[3] Cfr. o acórdão da Relação de Lisboa de 25.06.2013 (processo n.º 6088/12.4TCLRS.L1-1) que, neste ponto, vamos seguir de perto.
[4] A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 527.