OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DECISÃO SURPRESA
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário

I - A apreciação da falta de título executivo, em sede de embargos, quando a embargante não fez qualquer referência ao facto do título não se mostrar completo, nem suscitou qualquer inexatidão quanto ao seu conteúdo ou valor em divida, surge como uma “decisão surpresa”, quando não precedida do contraditório, sendo parcialmente nula a sentença nos termos do art. 615º/1 d) CPC.
II - A decisão de julgar extinta a execução por falta de documentos que completam o título executivo, deve ser precedida do despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art. 726º/4/5 CPC.
III - Importa a anulação do julgamento, por omissão de factos relevantes para a apreciação do mérito relacionado com a constituição do aval, por constituir a garantia que justifica a demanda da executada.
IV - Assumindo-se os fiadores como principais pagadores não podem recusar o cumprimento das obrigações vencidas, mas não perdem o benefício do prazo em relação às prestações vincendas, estando obrigados a cumprir devido ao incumprimento do devedor, mas no prazo convencionado e por isso, não perdem o benefício do prazo.

Texto Integral

EmbExec-Nulidade-Fiança-1949/19.2T8MAI-A.P1

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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa que o B…, S.A., com sede na Avenida …, nº .., 11º, Lisboa, intentou contra C…, com domicílio indicado na Rua …, nº …, Maia (mas citado a fls. 520 na Rua …, …, 5 C, Maia) e D…, com domicílio na Rua …, nº …, Maia (mas citada a fls. 518 na Rua …, nº …, Maia), veio a executada D… deduzir os presentes embargos de executado, pedindo a final que a oposição fosse julgada totalmente procedente por provada e fosse declarada extinta nomeadamente por se encontrar prescrito o crédito da exequente nos termos do artigo 310º do C.C., e nenhuma interpelação e/ou comunicação ter sido feita à embargante por nenhuma das entidades.
A embargante invocou em primeiro lugar a inexigibilidade da obrigação exequenda. Para tal, alegou que nunca recebeu qualquer interpelação para pagamento dos créditos peticionados.
Invocou depois a prescrição dos créditos da exequente, nos termos do disposto no art. 310º, d) e e), do Código Civil[2]. Para tal, alegou que de acordo com o alegado pela exequente, o contrato de mútuo celebrado no dia 1 de Julho de 2008 foi incumprido no dia 2 de Fevereiro de 2012, e que o contrato de abertura de crédito celebrado no dia 6 de Agosto de 2009 foi incumprido no dia 7 de Agosto de 2012 e que não houve qualquer interpelação para pagamento.
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Proferiu-se despacho que recebeu os embargos de executado e determinou-se a notificação da exequente para contestar, querendo.
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A exequente contestou, defendendo-se por impugnação concluindo a final pela improcedência dos embargos de executado.
Alegou para o efeito que a executada foi interpelada pelo Banco para proceder ao pagamento das quantias em dívidas e foi notificada das cessões de créditos.
Alegou, ainda, que não se aplica à presente ação o disposto no art. 310º, do Código Civil, uma vez que não estamos perante prestações periódicas, mas sim perante um incumprimento definitivo, sendo aplicável o prazo de prescrição de vinte anos.
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A embargante impugnou os documentos juntos pela embargada.
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Elaborou-se o despacho saneador e proferiu-se despacho que identificou o objeto do processo e enunciou os temas da prova.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, que decorreu com observância do legal formalismo, conforme resulta da ata de 9 de Junho de 2020.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto:
- Julgo os presentes embargos de executado procedentes e em consequência, declaro extinta a execução.
Custas pela exequente, nos termos do disposto no art. 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”.
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A exequente-embargada veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com substituição pro outra que decida em conformidade com o preconizado nas alegações.
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A executada veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
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Termina por considerar que deve ser proferido acórdão que confirme a sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Dispensaram-se os vistos.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 d) CPC;
- omissão de despacho-convite para junção dos documentos em falta e sua consequência legal;
- anulação parcial da decisão, por omissão de factos essenciais para a decisão da causa;
- da inexigibilidade da obrigação exequenda.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
a) Por contrato de cessão de créditos outorgado no dia 27 de Dezembro de 2018, a E… cedeu a F… os créditos que detinha sobre os executados decorrentes das operações nºs …………………… e ……………………, bem como todas as garantias inerentes aos mesmos, conforme certidões digitalizadas de fls. 6 e segs., e 274 e segs., dos autos principais; (Resp. art. 1º Req. Exec.).
b) Por contrato de cessão de créditos outorgado no dia 12 de Abril de 2019, F… cedeu à exequente B…, S.A., os créditos que havia adquirido à E…, decorrentes das operações nºs …………………… e ……………………, bem como todas as garantias inerentes aos mesmos, conforme documento de fls., 157 e segs., e certidão de fls. 419 e segs., dos autos principais; (Resp. art. 2º Req. Exec.)
c) A E… na qualidade de primeiro outorgante, G…, Lda., na qualidade de segundo outorgante e parte devedora, representada pelo executado C… que outorgou por si e na qualidade de sócio gerente daquela, e a executada D… na qualidade de terceiro outorgante, celebraram através de documento particular o acordo denominado “Contrato”, datado de 1 de Julho de 2008, correspondente à operação nº ……………………, através do qual a E… mutuou a G…, Lda., a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), cuja cópia digitalizada se encontra a fls.243 e segs., dos autos principais; (Resp. art. 3º Req. Exec.)
d) A reembolsar em 180 (cento e oitenta) prestações mensais de capital e juros a contar da data da outorga; (Resp. art. 4º Req. Exec.)
e) E através do qual os executados se constituíram solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas por aquela sociedade no âmbito do referido contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia; (Resp. art. 5º Req. Exec.)
f) A mutuária G…, Lda., deixou de efetuar os pagamentos previstos no contrato; (Resp. art. 6º Req. Exec.)
g) A E… na qualidade de primeiro outorgante, G…, Lda., na qualidade de segundo outorgante e parte devedora, representada pelo executado C… que outorgou por si e na qualidade de sócio gerente daquela, e a executada D… na qualidade de terceiro outorgante, celebraram através de documento particular o acordo denominado “Contrato de abertura de crédito em conta corrente – E1…”, datado de 6 de Agosto de 2009, correspondente à operação nº ……………………, através do qual a E… se comprometeu a abrir um crédito em conta corrente a favor de G…, Lda., até ao montante de € 6.000,00 (seis mil euros), através de uma conta de depósitos à ordem, que esta se comprometeu a reembolsar, celebrado pelo prazo de seis meses, com início em 6 de Agosto de 2009 e termo em 2 de Fevereiro de 2010, renovável por iguais períodos salvo denúncia por qualquer das partes, cuja cópia digitalizada se encontra a fls. 259 e segs., dos autos principais; (Resp. art. 10º Req. Exec.)
h) Constando da cláusula 7ª que em caso de incumprimento a E… poderia substituir as obrigações da devedora mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, subscrita pela G…, Lda., e avalizada pelos executados, acordando os executados em prestar aval na referida livrança, dando consentimento ao preenchimento da mesma; (Resp. art. 13º Req. Exec.)
i) A G…, Lda., foi declarada insolvente em 11 de Outubro de 2013, no âmbito do processo nº 999/13.7TYVNG, que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, tendo o processo sido encerrado por insuficiência da massa em 14 de Maio de 2018, conforme documentos de fls. 265 e 266; (Resp. art. 18º Req. Exec.)
j) A embargante foi sócia gerente da G…, Lda., juntamente com o seu então marido, ora executado C…; (Resp. art. 1º p.i.)
l) A embargante tem consciência que existiram diversos contratos de crédito celebrados com a E…, S.A., quer relativamente à G…, Lda., como outros pessoais e de uma sociedade detida pelo executado C…; (Resp. art. 3º p.i.)
m) A embargante foi notificada das cessões de créditos através das cartas datadas de 27 de Dezembro de 2018 e de 15 de Abril de 2019, cujas cópias digitalizadas se encontram a fls. 81, 83 e 85; (Resp. art. 9º contestação)
n) A ação executiva deu entrada em juízo no dia 23 de Maio de 2019 e a ora embargante foi citada para os termos da execução no dia 8 de Julho de 2019, conforme resulta de fls. 269 e 518, dos autos principais;
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B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou:
a) Que desde 2008 todas as decisões fossem tomadas pelo executado C…; (Resp. art. 2º p.i.)
b) Que à embargante nunca tivesse sido comunicada qualquer cessão de créditos; (Resp. art. 8º p.i.)
c) Que a embargante tivesse sido interpelada para proceder ao pagamento das quantias agora peticionadas pela exequente; (Resp. art. 6º contestação)
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Consignou-se, ainda:
- Não se provaram quaisquer outros factos que tivessem sido alegados pela embargante na petição inicial ou pela exequente na contestação, para além dos que constam do elenco dos provados, não se tendo dado resposta a alguns dos pontos dessas peças processuais por conterem apenas matéria conclusiva ou de direito, ou meras repetições da factualidade já dada como provada.
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3. O direito
- Nulidade da sentença -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 11, insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que apreciou a questão da falta de título executivo relativamente ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, por entender que tal decisão proferida sem prévio contraditório é nula, nos termos do art. 615º/1 d) CPC.
Na sentença apreciou-se da falta de título executivo, quanto a um fundamentos da causa de pedir do requerimento de execução, sem exercício do prévio contraditório e decidiu-se nos termos que se transcrevem:
“A ação executiva visa a implementação das providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que é devida e têm por base um título, pelo qual se determinam o seu fim e limites, conforme resulta do disposto no arts. 10º, nºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, na redação operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
De acordo com o disposto no art. 731º, do Código de Processo Civil, “Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.”
Nos termos do disposto no art. 342º, nº 1, do Código Civil, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
De acordo com o disposto no nº 2, da mesma disposição legal, “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àqueles contra quem a invocação é feita.”
Nos embargos de executado, o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente impende sobre o embargante executado.
Com efeito, “A circunstância de haver título executivo autoriza a formulação de um pedido executivo, sendo que, conforme usa dizer-se, o título faz presumir a existência da obrigação dele constante.” (Paulo Pimenta, in “Ações e Incidentes Declarativos na Dependência da Execução”, in “Themis – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa”, Ano V, nº 9, 2004, “A Reforma da Acção Executiva – Volume II”, Coimbra, 2004, pág. 73).
Assim, “Embora os embargos de executado revistam a natureza de uma ação declarativa de simples apreciação negativa, o ónus de prova, ao contrário do que naquelas acontece, impende sobre o autor (embargante executado).” (Acórdão do S.T.J., de 29 de Fevereiro de 1996, in C.J./S.T.J, 1996, Tomo I, pág. 102). Na verdade, “Dos embargos de executado dizia-se constituírem uma verdadeira ação declarativa que corria por apenso ao processo de execução. Esta autonomia estrutural mantém-se na atual oposição à execução, que continua a ter o carácter de uma contra-acção, tendente a obstar à produção dos efeitos do título e (ou) da ação executiva que nele se baseia (Anselmo de Castro, A Ação Executiva (…); um pouco diversamente, Castro Mendes, Ação Executiva (…): quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título executivo enquanto tal; quando tem fundamento processual veicula uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta de um pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da ação executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade (…).” (José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil – Anotado – Volume 3º”, 2003, pág. 323).
De acordo com o disposto no art. 46º, nº 1, c), do Código de Processo Civil, na redação anterior à revisão operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, constituíam títulos executivos “Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes (…).”
Ora, como requisito de fundo para que os documentos mencionados nesta alínea c) constituíssem título executivo, exigia-se que os mesmos formalizassem a constituição de uma obrigação, isto é, fossem fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconhece a existência de uma obrigação já anteriormente constituída (Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil – Anotado”, Volume 1º, Coimbra, 1999, pág. 92).
Assim, à execução podiam servir de base, entre outros, os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importassem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, conforme resulta do disposto no art. 46º, nº 1, c), do mesmo diploma.
Após a revisão do Código de Processo Civil, operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, foi restringido o âmbito dos títulos executivos, tendo os documentos particulares sido eliminados do elenco daqueles, face ao que preceitua atualmente o art. 703º.
Não obstante, os documentos particulares que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, emitidos antes da revisão do Código de Processo Civil, operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, continuam a constituir títulos executivos.
Com efeito, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015, de 23 de Setembro de 2015, publicado no Diário da República nº 201/2015, Série I de 14 de Outubro de 2015, declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.”
E por isso, “I – Os documentos particulares emitidos em data anterior a 01/09/2013, exequíveis por força do artº 46º, nº 1, al. c) do CPC de 1961, continuam a dever ser considerados como títulos executivos. II – Assim, por força do referido artº 46º, nº 1, al. c) do CPC de 1961, à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes...’. (…).” (Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Janeiro de 2019, proferido no processo nº 1923/13.2TBCLD-A.C1, in http://dgsi.pt/jtrc.nsf)
Assim, “Os documentos particulares emitidos antes da entrada em vigor do Cód. Proc. Civil de 2013 são títulos executivos, nos termos do Ac. do Tribunal Constitucional, de 23 de Setembro de 2015, publicado no D.R., I, n.º 201, de 14 de Outubro de 2015.” (Acórdão da Relação de Évora de 14 de Março de 2019, proferido no processo nº 1340/14.7TBSTR.E1, in http://dgsi.pt/jtre.nsf)
Na verdade, “IV. Sempre que o documento particular assinado pelos devedores que importa a constituição e reconhecimento de uma obrigação esteja datado antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil há que considerar que o Tribunal Constitucional declarou com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o art.º 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do art.º 46.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artºs. 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).” (Acórdão do S.T.J. de 17 de Outubro de 2019, proferido no processo nº 3153/17.5T8OER-A.L1.S1, in http://dgsi.pt/jstj.nsf)
Vejamos então se o contrato de abertura de crédito em conta corrente constitui título executivo.
A execução de que os presentes embargos de executado são apenso, para além do mais, baseia-se no documento particular denominado “Contrato de abertura de crédito em conta corrente – E1…”, outorgado no dia 6 de Agosto de 2009, cuja cópia digitalizada se encontra a fls. 259 e segs., dos autos principais.
Através desse contrato, a primitiva credora E… comprometeu-se a conceder crédito a G…, Lda., até ao montante de € 6.000,00 (seis mil euros), através de uma conta de depósitos à ordem, que esta deve reembolsar, tendo os executados acordado que em caso de incumprimento, a E… poderia substituir as obrigações da devedora mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, subscrita pela G…, Lda., e avalizada pelos executados, acordando os executados em prestar aval na referida livrança, dando consentimento ao preenchimento da mesma.
Sucede que a exequente não procedeu à junção aos autos de qualquer extrato bancário referente à aludida conta de depósitos à ordem.
Ora, “I. No contrato de abertura de crédito um estabelecimento bancário obriga-se a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias. II. No âmbito do CPC/95, face ao disposto no n.º 1 do artigo 46º, à execução podiam servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constante, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto; III. Não constitui título executivo, para efeito do disposto no preceito referido, um documento particular denominado “proposta/contrato de crédito em conta corrente” desacompanhado do extrato de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e eventuais pagamentos parcelares efetuados.”
(Acórdão da Relação de Lisboa, de 16 de Maio de 2019, proferido no processo nº 99/13.0TBVFX-B.L1-6, in http://dgsi.pt/jtrl.nsf)
Com efeito, “1.- O contrato de abertura de crédito é um contrato consensual por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias. Este contrato, só por si, não é título executivo, pois que os atos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efetuado. 3. - A obrigação de reembolso só nasce se e na medida da disponibilização/utilização efetiva do crédito, pelo que, para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação, tem de provar, não só o contrato de abertura de crédito, mas também as concretas disponibilizações/utilizações efetivas do crédito, através de prova documental.4.- Apesar de o título executivo não se confundir com o documento que o materializa, a função probatória do documento constitui pressuposto da sua função executiva. Assim, pois que o título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva duma obrigação ou duma declaração direta ou indiretamente probatória do facto constitutivo duma obrigação e é este seu valor probatório que leva a atribuir-lhe exequibilidade. 5.- O instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efetivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da ação executiva (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil – 703º NCPC).” (Acórdão da Relação de Coimbra de 4 de Julho de 2017, proferido no processo nº 8478/16.4T8CBR.C1, in http://dgsi.pt/jtrc.nsf)
Conforme resulta dos autos, a exequente não procedeu à junção aos autos de qualquer extrato de conta corrente, que demonstrasse a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital à mutuária e eventuais pagamentos parcelares efetuados. E por isso, o “Contrato de abertura de crédito em conta corrente – E1…”, outorgado no dia 6 de Agosto de 2009, não constitui título executivo válido, não dispondo por isso a exequente de título executivo relativamente às quantias de € 6.000,00 (seis mil euros) de capital e € 1.467,31 (mil e quatrocentos e sessenta e sete euros e trinta e um cêntimos) referentes a juros.
A falta ou insuficiência do título constitui matéria de conhecimento oficioso e sendo conhecida nesta fase processual, acarreta a extinção da execução, nos termos do disposto nos arts. 726º, nº 2, a) e 734ºs, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Deverá por isso extinguir-se a execução nessa parte”.
A apelante sem por em causa os fundamentos que sustentam a inexistência de título executivo, considera, que em sede de embargos de executado a decisão viola o princípio do contraditório.
Argumenta a apelante que a exceção não foi suscitada pela embargante e no despacho que define o objeto do litígio não resulta como questão a apreciar e o facto de ser de conhecimento oficioso não dispensa o prévio contraditório, como se prevê no art. 3º/3 CPC.
A questão que se coloca consiste, assim, em saber se estando em causa exceção de conhecimento oficioso e compreendida, ainda, na causa de pedir e no pedido formulado no processo executivo, contra o qual foram deduzidos os presentes embargos de executado, se mesmo assim, devia ser cumprido o contraditório.
Nos termos do art. 3º/3 CPC “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
Como observa LEBRE DE FREITAS[3] a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório, “[…]com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie[4].
Conforme resulta do regime legal o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.
Pretende-se, por esta via, evitar a formação de “decisões-surpresa”, ou seja, decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.
Dispensa-se a audição da parte contrária em casos de manifesta desnecessidade, o que pode ocorrer quando:
- “as partes embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;
- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou
- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”[5].
Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “[o] princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada (Ac. STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, www.dgsi.pt).
Por outro lado, considera-se que o cumprimento do contraditório não significa “[…] que o tribunal «discuta com as partes o que quer que seja» e que alivie as mesmas «de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão»”(Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1 www.dgsi.pt).
Considera-se, ainda, que: “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever” (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt).
LOPES DO REGO defende que “[…]na audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”[6].
O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
A apreciação da existência de título executivo, que constitui um dos pressupostos específicos da ação executiva, constitui matéria de conhecimento oficioso (art. 726º/2 a) conjugado com o art. 734º CPC). Mas no caso concreto, tal circunstância não dispensava o tribunal do exercício do prévio contraditório, ao abrigo do art.3º/3 CPC.
Conforme se prevê no art. 734º/1CPC “o juíz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam determinar, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
O nº 2 do mesmo preceito prevê:”[r]ejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.
De acordo com o disposto no art. 726º/2/a) CPC:[o] juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título”.
A exceção de falta de título executivo não foi apreciada no processo executivo, após entrada do requerimento executivo e em sede de despacho liminar (art. 726º/1CPC).
A embargante não suscitou a exceção na oposição que deduziu à execução.
Em sede de despacho saneador, ainda que tabelar, também não foi abordada tal matéria. Definiu-se o objeto do litígio como sendo a “Responsabilidade contratual da executada perante a exequente” e circunscreveram-se os temas de prova à seguinte questão: ”Comunicações efetuadas entre exequente e executada”. Estavam em causa as comunicações respeitantes ao contrato de cessão de posição contratual e interpelação para o cumprimento.
Não se promoveu a junção de documentos ou qualquer esclarecimento sobre os títulos executivos que constavam do processo de execução. No processo de execução apenas se solicitou junto da exequente a junção dos contratos de cessão de créditos, por se mostrarem ilegíveis os que se encontravam nos autos.
Não foi proferido despacho a convidar as partes a pronunciarem-se sobre a exceção da falta de título executivo.
A apreciação da exceção, apesar de constituir matéria de conhecimento oficioso, tal como se prevê no art. 3º/3 CPC não dispensa o prévio contraditório, por não se mostrar desnecessário.
A apreciação da exceção em sede de embargos constitui uma questão nova, pois a embargante não fez qualquer referência ao facto do título não se mostrar completo, nem suscitou qualquer inexatidão quanto ao seu conteúdo ou valor em divida e a decisão surge como uma “decisão surpresa”, por nada fazer supor que seria apreciada nesta sede, sendo certo que a sua apreciação contendia com a definição do direito, sendo desfavorável para uma das partes, o que necessariamente impunha a sua audição.
A omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[7].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia o Professor ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[8].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199º CPC.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, o Ac. STJ 02 de julho de 2015, Proc. 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa.
No sentido de interpretar o conceito o Professor ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações: “[o]s atos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“[9].
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que as partes foram notificadas da sentença.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
A nulidade processual é distinta da nulidade da sentença, uma vez que a nulidade por falta de pronúncia, a que alude o art. 615º/1 d) CPC está diretamente relacionada com o comando do art. 608º/2 do mesmo Código, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido[10].
Nos termos do art. 615º 1 / d) CPC a sentença é nula, quando “[o]o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento“.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ ordem de julgamento “ – art. 608º/2 CPC.
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras“.
Não ignoramos, contudo, que dentro de certa linha de entendimento[11] se tem considerado que a “omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório.
Esta interpretação revela-se coerente com a atual conceção do princípio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[12]. O direito de influir no êxito da ação, mais não será do que mais uma emanação do principio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º Constituição da República Portuguesa.
No caso presente verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito, suscitada oficiosamente e que ditou o fim (ainda que parcial) da execução, a sentença é nula, nos termos do art. 615º/1 d) CPC.
A nulidade afeta apenas parte da decisão e incide apenas sobre a verificação da existência de título executivo, quanto ao documento que consubstancia a operação nº …………………….
As circunstâncias que determinam a nulidade da sentença impedem que no caso o tribunal de recurso faça uso da regra da substituição, prevista no art. 665º CPC.
Declarando-se parcialmente nula a sentença devem os autos baixar ao tribunal de 1ª instância, para se cumprir o contraditório em relação à concreta questão da exceção por falta de título executivo, após o que será proferida nova sentença, sem embargo do que a seguir se vai decidir.
Procedem, desta forma, as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 11.
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- Omissão de despacho-convite para junção dos documentos em falta -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 12 a 19, insurge-se ainda a apelante contra a decisão que se pronunciou sobre a falta de título executivo, por entender que tal decisão não poderia ser proferida sem previamente se dirigir o convite ao exequente para juntar os documentos em falta, pois só depois de ser feito tal convite sem ter sido suprido o vício se justificava a extinção da execução.
A questão que se coloca consiste em saber se o conhecimento da exceção estava dependente do prévio convite a suprir o vício do título executivo.
É duvidoso que em sede de embargos de executado o juiz possa conhecer oficiosamente das questões que não tivesse conhecido no despacho liminar e não tivessem constituído fundamento dos embargos.
LEBRE DE FREITAS rejeita tal possibilidade, por entender “[…]que o objeto do processo de embargos é circunscrito pelo respetivo fundamento e os pressupostos dos embargos não coincidem com os pressupostos da ação executiva”. Refere o mesmo AUTOR:” […]só quando a situação em causa, embora revelada no processo de embargos, não tenha constituído fundamento destes é que o juiz dela deve conhecer no próprio processo executivo”[13].
Ainda que se admita tal conhecimento, isso não significa que se ignore a tramitação específica e própria prevista no processo de execução para a apreciação de exceções de conhecimento oficioso, como seja, a falta de título executivo, sendo certo que tal questão pode ser apreciada até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados.
Em sede de processo de execução, prevê o art. 726º/2/a) CPC:[o] juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título”.
Porém, prevê o art. 726º/4 CPC que”[f]ora dos casos previstos no nº 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº2 do art. 6º”.
Em conformidade com o nº 5 “[n]ão sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo”.
Conforme se prevê no art. 734º/1CPC “o juíz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam determinar, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
O nº 2 do mesmo preceito prevê:”[r]ejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.
Como refere LEBRE DE FREITAS em análise aos preceitos citados: “[o] Código privilegia claramente a providência de mérito, em preterição da decisão proferida em aplicação de normas processuais. Esta opção legislativa, conforme com as orientações processualísticas hoje correntes, traduz-se na ação executiva, designadamente, no realce dado ao aperfeiçoamento do requerimento inicial; quando haja despacho liminar, o juiz deve convidar o exequente a suprir a falta de pressupostos processuais e as outras irregularidades de que enferme o requerimento executivo, desde que sanáveis (art. 726º/4), e só no caso de não suprimento deve, num segundo despacho, indeferir o requerimento (art. 726º/5)”[14].
Considera o mesmo AUTOR, que o requerimento executivo desacompanhado do título não deve ser objeto de indeferimento liminar, por ser”[…]mais correta, porque respeita o princípio da economia processual, […]a solução do despacho de aperfeiçoamento”[15].
Apenas quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título tem lugar o despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo, o que significa que não sendo “manifesta” tal falta, o juiz deve convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta. Não sendo o vício suprido no prazo concedido deve ser indeferido o requerimento de execução.
RUI PINTO[16] ao abordar tal problemática, dá como exemplo de despacho de aperfeiçoamento, o convite para junção do documento complementar do título executivo, nos termos do art. 707º CPC.
Somos levados a considerar que confrontado o juiz no processo de embargos de executado, com a falta ou insuficiência do título, que não seja manifesta, não se pode ignorar todos os procedimentos descritos, devendo por isso, no processo de execução dirigir convite ao exequente para suprir o vício e só no caso de não ser regularizada a situação deve ser extinta a execução por falta de título executivo.
No caso concreto, o título executivo não estava completo.
No requerimento de execução a exequente juntou o documento que titula o contrato de abertura de crédito em conta corrente ao qual foi atribuído o nº ……... Não juntou o documento complementar que comprove que alguma prestação foi realizada, valores reembolsados e montante em divida, como bem se observa na sentença.
Tal circunstância não revela ser manifesta a falta de título executivo, pois o mesmo apresenta-se incompleto, sendo suprível tal insuficiência com a junta da nota justificativa do crédito que se reclama. Aliás, o requerimento inicial foi recebido, sem ter sido objeto de qualquer despacho de aperfeiçoamento, o que evidencia não ser “manifesta a falta de título”.
Em sede de embargos à execução, considerando o regime próprio do processo de execução e ainda, em obediência ao princípio da cooperação, impunha-se convidar o exequente a completar o título, diligência que não foi realizada.
Neste sentido se pronunciou o Ac. STJ 10 de abril de 2018, Proc. 18853/12.8YYLSB-A.L1.S1 (acessível em www.dgsi.pt), citado pela apelante, o qual versa sobre situação idêntica, que em sumário consigna:
“I. Pode definir-se a abertura de crédito como o contrato pelo qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte uma quantia pecuniária, que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de tempo ou por tempo indeterminado.
II. O banco não se constitui, desde logo, credor de uma prestação pecuniária, pois isso só vem a verificar-se com a posterior mobilização pelo creditado das importâncias disponibilizadas pelo banco.
III. No caso, o contrato de abertura de crédito é, com referência ao anterior art. 46º, nº 1, al. c), do CPC, um documento particular assinado pelos executados e importa a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente.
IV. Essa determinação deve ser feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respectivos montantes.
V. Não sendo apresentada documentação complementar suficiente, deve ser formulado convite para aperfeiçoamento do requerimento executivo; só no caso de a exequente não aceder a tal convite e não suprir o vício é que deverá ser decretada a extinção da execução”.
A omissão do despacho dirigido ao exequente no sentido de juntar os documentos em falta constitui uma irregularidade processual, sancionada pela sentença proferida, na medida em que se considerou inexistir título executivo e julgou-se extinta a execução, constituindo o recurso o meio próprio de reagir contra tal decisão.
Conclui-se, que a formulação do convite para o aperfeiçoamento do requerimento executivo é ainda possível para além da fase liminar da execução, como decorre do disposto no art. 734º do CPC e só no caso de tal convite não ter resposta adequada, não sendo aperfeiçoado o requerimento executivo e suprido o vício, é que deverá ser decretada a extinção da execução.
Em conformidade com o exposto revogando a sentença nesta parte, deve a exequente ser convidada na 1ª instância a apresentar novo requerimento executivo em que proceda a detalhada liquidação da quantia exequenda, juntando documentação complementar que comprove e justifique essa liquidação.
Procedem as conclusões de recurso sob os pontos 12 a 19.
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- Anulação parcial da decisão, por omissão de factos essenciais para a decisão da causa-
Analisados os autos e seus fundamentos ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito e mesmo que as anteriores questões merecessem resposta distinta, sempre seria de considerar, ainda, sobre o concreto título executivo “contrato de abertura de crédito em conta corrente” que se omitiram na discussão da causa factos indispensáveis para a apreciação do mérito, o que justifica a anulação da sentença, nesta parte, ao abrigo do art. 662º/2 c) CPC.
No requerimento executivo a exequente alegou:
“10. O Banco cedente (E…), no exercício da sua atividade bancária, celebrou, em 06 de Agosto de 2009, a pedido da sociedade G…, LDA., um Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, ao qual foi atribuído o n.º ………, e que corresponde à operação n.º ……………………, mediante o qual a E… disponibilizou um crédito em conta corrente até ao montante de €6.000,00 (seis mil euros), celebrado pelo prazo de 6 (seis) meses, com inicio em 06/08/2009 e termo em 06/02/2010, renovando-se automática e sucessivamente por iguais períodos, conforme contrato que aqui se junta como Documento n.º 4 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11. O crédito aberto foi utilizado mediante transferência bancária para a conta de depósitos à ordem n.º …-........-. aberta no balcão da E… na Maia.
12. O saldo devedor da conta-corrente venceu juros, tendo para o primeiro trimestre, a taxa nominal anual sido de 6,1414% com uma taxa anual efetiva de 8,0650% (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto).
13. Os ora executados declararam expressamente acordar na prestação de aval ao presente contrato de abertura de crédito em conta corrente, cfr. ponto 5. da Cláusula 7.ª do contrato junto como Documento n.º 4;
14. Sucede que, a sociedade G…, LDA. não logrou cumprir o Contrato de Abertura de Crédito em Conta-corrente, porquanto permanecem em dívida €6.000,00 decorrentes do não provisionamento da conta de depósitos à ordem para débito das obrigações assumidas, desde 2012-08-07.
15. Na verdade e pese embora as diversas interpelações para o pagamento das quantias em dívida, nem a sociedade G…, LDA.., nem os avalistas, ora Executados, liquidaram qualquer valor relativamente às quantias ora peticionadas.
16. Destarte, são os Executados responsáveis pelo pagamento, junto do Requerente, da quantia de €6.000,00, a título de capital, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4%, desde a data do incumprimento, isto é, desde 2012-08-07 até à presente data, no valor de €1.467,31 (mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e trinta e um cêntimos)”.
Na sentença julgou-se provado:
g) A E… na qualidade de primeiro outorgante, G…, Lda., na qualidade de segundo outorgante e parte devedora, representada pelo executado C… que outorgou por si e na qualidade de sócio gerente daquela, e a executada D… na qualidade de terceiro outorgante, celebraram através de documento particular o acordo denominado “Contrato de abertura de crédito em conta corrente – E1…”, datado de 6 de Agosto de 2009, correspondente à operação nº ……………………, através do qual a E… se comprometeu a abrir um crédito em conta corrente a favor de G…, Lda., até ao montante de € 6.000,00 (seis mil euros), através de uma conta de depósitos à ordem, que esta se comprometeu a reembolsar, celebrado pelo prazo de seis meses, com início em 6 de Agosto de 2009 e termo em 2 de Fevereiro de 2010, renovável por iguais períodos salvo denúncia por qualquer das partes, cuja cópia digitalizada se encontra a fls. 259 e segs., dos autos principais; (Resp. art. 10º Req. Exec.)
h) Constando da cláusula 7ª que em caso de incumprimento a E… poderia substituir as obrigações da devedora mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, subscrita pela G…, Lda., e avalizada pelos executados, acordando os executados em prestar aval na referida livrança, dando consentimento ao preenchimento da mesma; (Resp. art. 13º Req. Exec.)
A embargada-apelante demandou a embargante na qualidade de avalista.
Porém, na enunciação dos factos provados e não provados, não se faz qualquer referência à aludida constituição do aval, sendo certo que dos documentos que instruem o presente processo não se mostra junta cópia da livrança, que comprova a garantia cambiária. A exequente também não faz qualquer alusão a tal documento no requerimento de execução.
Funcionando no domínio dos títulos de crédito o princípio da literalidade, o direito incorporado no título é definido nos precisos termos que dele constam.
A obrigação do avalista é uma obrigação autónoma.
Conforme decorre do art. 30º da LULL, o aval constitui a garantia típica dos títulos de crédito.
Nos termos do art. 32º da LULL: “[o] O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”.
Deste preceito extrai-se que o avalista responde perante as mesmas pessoas e na mesma medida por que o avalizado responderia. A obrigação do avalizado dá apenas a medida objetiva da obrigação do avalista, mas é independente da deste.
Isso significa que o avalista fica na situação de devedor cambiário perante aqueles subscritores em face dos quais o avalizado é responsável e na mesma medida em que ele o seja[17].
A sentença mostra-se omissa sobre a concreta questão de facto: se a embargante se constituiu avalista e título que subscreveu. A prova destes factos é feita por documento, mas não constando tal documento dos autos não pode o tribunal de recurso suprir tal insuficiência da matéria de facto (art. 662º/c) CPC).
Só com o apuramento de tais factos se poderá aferir da responsabilidade da embargante-executada pelo cumprimento da obrigação exequenda e não constando do processo os elementos de prova que permitam apurar tal facto, anula-se nesta parte a sentença.
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- Inexigibilidade da obrigação exequenda -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 20 a 26, insurge-se a apelante contra o segmento da sentença que considerou inexigível a obrigação exequenda, quanto ao crédito reclamado pela exequente que tem por base a operação nº ……………………, contrato de mútuo no qual a embargante figura como fiadora.
Na sentença apreciando os fundamentos dos embargos decidiu-se somo se passa a transcrever:
“A executada invocou ainda a inexigibilidade da obrigação exequenda, alegando, para tal e em síntese, que nunca recebeu qualquer interpelação para pagamento dos créditos peticionados.
Por seu turno, a exequente alegou que a executada foi interpelada pelo Banco para proceder ao pagamento das quantias em dívidas, conforme documentos nºs 2 e 3 que protestou juntar (mas que nunca juntou e por isso inexistem nos autos), e que foi notificada das cessões de créditos.
Cumpre apreciar e decidir.
Sob a epígrafe “Requisitos da obrigação exequenda”, preceitua o art. 713º, do Código de Processo Civil, que “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título.”
Assim, “Se a obrigação é de prestação indeterminada, a determinação terá de ocorrer até ao momento do cumprimento, seja ele voluntário ou compulsivo, e, daí, que o exequente na fase preliminar da acção executiva tenha de adoptar os procedimentos necessários a tornar a obrigação certa – quando ela é de prestação indeterminada –, exigível – quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro – e líquida – sempre que for ilíquida a quantia em dívida ou a obrigação tiver por objecto imediato uma universalidade.” (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil – Anotado”, 19º Edição, Actualizada, Lisboa, 2007, pág. 1116)
Vejamos então se a obrigação exequenda é exigível.
Sob a epígrafe “Momento da constituição em mora”, preceitua o art. 805º, nº 1, do Código Civil, que “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”
Da matéria de facto apurada resulta que a embargante, na qualidade de fiadora, assumiu a obrigação de principal pagador, renunciando ao benefício da excussão prévia.
A fiança consiste no vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor, constituindo por isso uma garantia especial das obrigações.
De acordo com o disposto no art. 627º, nº 1, do Código Civil, “O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.”
Por outro lado, segundo o nº 2, da mesma disposição legal, “A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.”, daqui resultando a acessoriedade como uma das características da fiança, no sentido de ficar subordinada e acompanhar a obrigação afiançada.
Como requisitos de forma da fiança, estabelece o art. 628º, nº 1, do Código Civil, que “A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.”
De acordo com o disposto no art. 634º, do mesmo diploma, “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.”
Sob a epígrafe “Benefício da excussão”, preceitua o art. 638º, nº 1, do mesmo diploma, que “Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.”
Preceitua ainda o art. 640º, nº 1, do mesmo diploma, sob a epígrafe “Exclusão dos benefícios anteriores”, que “O fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores: a) Se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador.”
Assim sendo, “A obrigação assumida pelos fiadores que renunciam ao benefício da excussão deixa de ser subsidiária, equiparando-se a devedores solidários.” (Acórdão da Relação do Porto, de 25 de Janeiro de 1999, proferido no processo nº 9830951, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf)
Assim, ao assumir a posição de fiador e principal pagador, a embargante sabia que poderia vir a ter que cumprir perante a exequente, pagando-lhe inclusivamente a totalidade das quantias que haviam sido mutuadas, os respetivos juros, o montante estipulado a título de cláusula penal e as despesas.
E a fiança cobre todas as consequências legais e contratuais da mora ou culpa dos devedores mutuários, atento o disposto naquele art. 634º, do Código Civil.
Vejamos agora em que termos.
No requerimento executivo, a exequente alegou que em 2 de Fevereiro de 2012 a sociedade mutuária deixou de efectuar os pagamentos a que estava obrigada, tendo ficado em dívida a quantia de € 20.156,46 (vinte mil e cento e cinquenta e seis euros e quarenta e seis cêntimos) a título de capital, a que acrescem os juros vencidos e vincendos.
Discutida a causa, não foi alegado nem comprovado pela embargante que a mutuária ou que os próprios executados tivessem procedido ao pagamento de quaisquer das quantias devidas pelo contrato, cuja falta de pagamento vem invocada pela exequente.
Sob a epígrafe “Dívida liquidável em prestações”, preceitua o art. 781º, do Código Civil, que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vendimento de todas.”
Não obstante, sob a epígrafe “Perda do benefício do prazo em relação aos coobrigados e terceiros”, preceitua depois o art. 782º, do mesmo Código, que “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.”
Vejamos então se a perda do benefício do prazo se estendeu à executada embargante, ou seja, à fiadora.
Ora, “I – A doutrina tem maioritariamente entendido que, no caso de dívida fracionada em prestações, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma das prestações, nos termos do artigo 781.º C.C., constitui um benefício que a lei concede ao credor e que deve ser exercido mediante interpelação do devedor. II – Este artigo tem natureza supletiva, podendo ser afastado por vontade das partes. III – Nos termos do artigo 782.º CC, a perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações não se estende ao fiador. IV – Só assim não será se as partes tiverem convencionado o afastamento do regime constante do artigo 782.º CC, pois se trata de norma supletiva. V – A cláusula contratual que estabelece que a falta de pagamento importa a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades não é idónea para traduzir a renúncia ao benefício do prazo por parte do fiador. VI – Para a eventualidade de se ter convencionado o afastamento da regra constante do artigo 782.º CC, o fiador teria de ser interpelado para pôr termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações, não podendo tal interpelação ser substituída pela citação, já que esta não seria idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor. VII – Não tendo o regime do artigo 782.º CC sido afastado pelas partes (ou tendo-o sido, faltar a interpelação do fiador), o credor terá direito apenas às prestações vencidas e não pagas até à data da instauração da execução, acrescida de juros, sem prejuízo da cumulação sucessiva de execuções (artigo 711.º CPC).” (Acórdão da Relação do Porto, de 23 de Junho de 2015, proferido no processo nº 6559/13.5TBVNG-A.P1, in Assim, “I – Salvo estipulação contratual em sentido diverso, a perda do benefício do prazo, instituída no art. 781º do C. Civil, não se estende aos coobrigados do devedor, entre os quais se inclui o seu fiador – art. 782º do CC -, pelo que, querendo agir contra estes, o credor terá de aguardar o momento em que a obrigação normalmente se venceria. II – A renúncia ao benefício de excussão não importa renúncia ao benefício do prazo. III – Assumindo-se como principais pagadores, os fiadores não podem recusar o cumprimento pelo facto de não estarem esgotados os meios de pagamento no património do devedor. Estão obrigados a cumprir devido ao incumprimento do devedor, mas no prazo convencionado e por isso, não perdem o benefício do prazo.” (Acórdão da Relação do Porto, de 29 de Junho de 2015, proferido no processo nº 1453/12.0TBGDM-B.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf)
Com efeito, “A perda do benefício do prazo também não afeta terceiros que tenham garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor ou uma consignação de rendimentos. Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria. (…).” (Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado – Volume II”, 4ª Edição, Revista e Atualizada, Coimbra, 1997, pág. 33).
Ora, do contrato dado à execução não consta que a embargante tivesse renunciado ao benefício do prazo.
Por outro lado, discutida a causa, a exequente não logrou provar que tivesse procedido à interpelação da embargante para proceder ao pagamento dos valores que ficaram em dívida pela mutuária após a declaração de insolvência da mesma, designadamente concedendo à embargante qualquer prazo para efetuar tal pagamento.
E tal interpelação não resulta das notificações das cessões de créditos.
Deste modo, é de concluir que a embargante não foi devidamente interpelada para por termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações devidas no âmbito do contrato onde interveio como fiadora.
E tal não pode resultar da citação para os termos da ação executiva, conforme se referiu.
Deste modo, a obrigação exequenda não é exigível em relação à embargante.
Deverão por isso, sem necessidade de mais considerandos, proceder os embargos de executado nesta parte, declarando-se extinta a execução face à inexigibilidade da obrigação exequenda”.
A apelante não se insurge contra os fundamentos de direito que presidiram à decisão, quanto à interpretação dos art. 781º e 782º CC, mas considera que o fiador responde pelas prestações vencidas à data da instauração da execução, independentemente de interpelação e que no caso correspondem a 132 prestações.
A questão que se coloca consiste em apurar se não tendo ocorrido a interpelação do fiador para o pagamento da quantia reclamada e em divida respeitante ao mútuo celebrado em 01 de julho de 2008 pode a exequente reclamar e fazer prosseguir a execução para pagamento das prestações vencidas à data da instauração da execução (132 prestações).
A embargante veio suscitar a inexigibilidade da obrigação, respeitante ao contrato que corresponde à operação nº …………………….
Provou-se com relevo para apreciar a questão suscitada:
c) A E… na qualidade de primeiro outorgante, G…, Lda., na qualidade de segundo outorgante e parte devedora, representada pelo executado C… que outorgou por si e na qualidade de sócio gerente daquela, e a executada D… na qualidade de terceiro outorgante, celebraram através de documento particular o acordo denominado “Contrato”, datado de 1 de Julho de 2008, correspondente à operação nº ……………………, através do qual a E… mutuou a G…, Lda., a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), cuja cópia digitalizada se encontra a fls.243 e segs., dos autos principais; (Resp. art. 3º Req. Exec.)
d) A reembolsar em 180 (cento e oitenta) prestações mensais de capital e juros a contar da data da outorga; (Resp. art. 4º Req. Exec.)
e) E através do qual os executados se constituíram solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas por aquela sociedade no âmbito do referido contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia; (Resp. art. 5º Req. Exec.)
f) A mutuária G…, Lda., deixou de efetuar os pagamentos previstos no contrato; (Resp. art. 6º Req. Exec.)
i) A G…, Lda., foi declarada insolvente em 11 de Outubro de 2013, no âmbito do processo nº 999/13.7TYVNG, que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, tendo o processo sido encerrado por insuficiência da massa em 14 de Maio de 2018, conforme documentos de fls. 265 e 266; (Resp. art. 18º Req. Exec.)
j) A embargante foi sócia gerente da G…, Lda., juntamente com o seu então marido, ora executado C…; (Resp. art. 1º p.i.)
l) A embargante tem consciência que existiram diversos contratos de crédito celebrados com a E…, S.A., quer relativamente à G…, Lda., como outros pessoais e de uma sociedade detida pelo executado C…; (Resp. art. 3º p.i.)
m) A embargante foi notificada das cessões de créditos através das cartas datadas de 27 de Dezembro de 2018 e de 15 de Abril de 2019, cujas cópias digitalizadas se encontram a fls. 81, 83 e 85; (Resp. art. 9º contestação)
Nestas circunstâncias somos levados a concluir que o exequente-credor não procedeu à resolução dos contratos de mútuo e perante a situação de incumprimento optou pela realização coativa da prestação através da perda do benefício do prazo.
Nos termos do art. 798º CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. A principal sanção decorrente da mora consiste pois no dever de indemnizar.
O credor poderá porém resolver o contrato, nomeadamente no caso de a prestação se tornar impossível, perder o interesse na prestação, em consequência da mora do devedor, ou este não cumprir dentro de prazo, para o efeito concedido (art. 801 nº 1 e 2 e 808 CC).
A resolução é uma forma de extinção dos contratos, podendo resultar diretamente da lei, ou de convenção (art. 432, 433, 434 CC) e pode operar por mera declaração à outra parte. Quando resultante de convenção, consta por via de regra, no contrato.
No caso presente o credor-exequente perante a situação de incumprimento do devedor, por falta de pagamento das prestações convencionadas, considerou vencidas todas as prestações, operando-se a perda do benefício do prazo, sendo nestes termos formulado o pedido no requerimento de execução.
Com efeito, só o incumprimento definitivo faculta a resolução do contrato. Para que se verifique o incumprimento definitivo, resultante do decurso de prazo razoável para cumprir, concedido ao devedor faltoso, é necessário que o credor faça a “notificação admonitória”, e que além disso, comunique ao devedor a decisão de resolução. Só com a comunicação de resolução é que esta opera, não bastando a situação de incumprimento definitivo. Esta comunicação deve ser feita em termos precisos, para que o devedor tenha consciência do efeito pretendido.
Dos factos apurados não decorre que essa foi a intenção do credor-exequente.
Desta forma, atento o teor do pedido formulado em sede de execução o credor-exequente optou pelo vencimento antecipado de todas as prestações por perda por parte do devedor, do benefício do prazo, sendo nesse âmbito que se deve situar a responsabilidade da fiadora-embargante.
Cumpre ter presente o regime da fiança.
Nos termos do art. 627º CC o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
A fiança implica que haja um segundo património, o património de um terceiro (fiador), que vai, cumulativamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida. Deste modo, acresce à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor uma outra garantia patrimonial sobre os bens do fiador; o credor passa a ter como garantia de cumprimento dois patrimónios: o do devedor e o do fiador[18].
A este respeito é de salientar que constitui nota típica do regime da fiança, nas relações credor-fiador, o “fiador só intervir com a sua responsabilidade depois de verificado o não cumprimento da obrigação, ou para responder perante o credor pelo equivalente patrimonial da realização específica da prestação”[19].
A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor ( art. 627º/2 CC) e subsidiaria, o que significa que o fiador só responde pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para saldar a obrigação por este contraída. Esta característica pode ser afastada por vontade das partes, o que acontece se o fiador renunciar ao benefício da excussão ou se tiver assumido a obrigação de principal pagador - art. 640 CC.
Nestas circunstâncias na relação credor-fiador a responsabilidade do fiador, será solidária.
ROMANO MARTINEZ e FUZETA DA PONTE referem a este respeito: “[s]empre que assim aconteça, o fiador, ao lado do devedor, apresenta-se como principal pagador; ou seja, o fiador e o devedor tornam-se responsáveis solidários pelo pagamento da dívida. Deste modo, o credor pode exigir a totalidade da dívida ao fiador ou ao devedor”[20].
Neste sentido se tem pronunciado também a generalidade da jurisprudência, posição que também adotamos, citando-se entre outros: Ac STJ de 12.10.2006, Proc. nº 06B3353, Ac. Rel. Lisboa Proc. 16 de maio de 2013, Proc. 426-B/2001.L1 -8, Ac. STJ 06 de dezembro de 2018, Proc. 4739/16.0T8LOU-A.P1.S1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Resulta do exposto que no confronto com o credor, o fiador que renunciou ao benefício da excussão e se constituiu como principal pagador, responde em termos solidários com o devedor, sendo a responsabilidade deste, a medida da responsabilidade daquele (art. 640º/1 a) CC).
Como se observa no Ac. Rel. Lisboa de 11.02.2014[21]: “[o] facto de se terem constituído principais pagadores de todas as obrigações que para os mutuários emergiram dos contratos de mútuo, com renúncia ao benefício da excussão prévia, significa tão só que assumiram “a vinculação fidejussória sem esse benefício”, afastando, por convenção, aquilo que é uma característica natural da fiança.
Ao invés de poderem recusar o cumprimento da obrigação, enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem ter obtido a satisfação do seu crédito – nisto consistindo, nos termos do art. 638º, nº 1, o benefício da excussão -, os fiadores opoentes, porque renunciaram a tal benefício, respondem, em solidariedade com o devedor, pelo cumprimento das obrigações deste último.
A sua responsabilidade que, em princípio e por via daquele benefício, seria subsidiária relativamente à do devedor principal, passou a ser, com a dita renúncia, solidária com a deste último, podendo o credor exigir de qualquer um deles a totalidade da dívida – cfr. o art. 640º, alínea a)”.
Mas daqui não decorre sem mais que o fiador perdeu o benefício do prazo.
Assumindo-se como principais pagadores, os fiadores não podem recusar o cumprimento pelo facto de não estarem esgotados os meios de pagamento no património do devedor. Estão obrigados a cumprir devido ao incumprimento do devedor, mas no prazo convencionado.
Questão diferente consiste em apurar se a perda de benefício do prazo por parte do devedor é oponível ao fiador, sendo exigível o cumprimento integral da obrigação.
Em sede de regime geral, nos contratos em que se convenciona a liquidação fracionada da obrigação, prevê o art. 781º C. Civil, que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importará o vencimento de todas”.
Este regime visa proteger o interesse do credor que, perante a falta de pagamento de uma das frações da dívida, pode ter razões para a perda de confiança na pessoa do devedor, confiança em que se apoia o plano de pagamento. Concede-se, ao credor o benefício de não se manter sujeito aos prazos escalonadamente estabelecidos de vencimento das prestações, perdendo o devedor o benefício desses prazos.
Quando tal suceda, o credor goza do direito de exigir o pagamento, não só da prestação em falta, mas ainda de todas as restantes, não vencidas, não se operando o vencimento destas ex vi legis, mas mediante interpelação do credor, nos termos gerais.
Observava o Prof. A. VARELA[22] “[o] vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor.
A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui”.
Contudo, a figura da perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor na dívida liquidável em prestações, exclui os coobrigados do devedor, entre os quais se inclui o fiador.
Como determina o art. 782ºCC “a perda do benefício do prazo não se estende aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”.
Deste regime decorre que ocorrendo a perda do benefício do prazo, a sanção aplicável ao devedor diretamente em causa não se estende aos outros coobrigados.
Nas palavras do Prof. A. VARELA[23] “[t]ratando-se[…]do fiador, ou do terceiro que constituiu o penhor ou a hipoteca, o credor terá que aguardar o momento em que a obrigação normalmente se venceria para poder agir contra eles. E como se não distingue entre garantias reais e garantias pessoais, igual regime será aplicável ao terceiro (fiador) que tenha afiançado a divida”.
Quanto ao fiador, não vale, pois, a exigibilidade antecipada da obrigação que é determinada pela perda do benefício do prazo com que é sancionada a falta de satisfação de uma das prestações da obrigação que é fracionada.
Neste sentido também se tem pronunciado a jurisprudência dos tribunais superiores, com argumentos que fazemos nossos, citando-se, entre outros, Ac. STJ 10 de maio de 2007, Proc. 07B841, Ac. Rel. Lisboa 11 fevereiro 2014, Proc. 12878/09.8T2SNT-A.L1-7, Ac. Rel. Lisboa 16 de maio de 2013, Proc. 426-B/2001.L1 -8, Ac. Rel. Lisboa 17.novembro de 2011, Proc. 1156/09.2TBCLD-D.L1-2, Ac. Rel. Lisboa 19 de novembro de 2009, 701/06.0YXLSB.L1-6, todos disponível em www.dgsi.pt.
Na jurisprudência[24] tem-se entendido que o regime assim previsto reveste natureza supletiva e por isso, nada obstará a que o seu regime seja derrogado por estipulação contratual das partes em sentido diverso (art. 405º CC).
Contudo, nessa hipótese, de derrogação do regime legal, mostra-se necessário proceder à interpelação, dirigida pelo credor ao devedor/fiador, no sentido de este satisfazer imediatamente a totalidade das prestações em divida, para obstar à realização coativa da prestação, através da perda do benefício do prazo ou da sua resolução, por incumprimento definitivo.
Nada sendo convencionado em contrário à regra do art. 782ºCC, o fiador continua a gozar do benefício do prazo, só está obrigado a satisfazer as prestações, nos termos e de acordo com o escalonamento temporal pré-estabelecido[25].
Como se refere no Ac. STJ 06 de dezembro de 2018, Proc. 4739/16.0T8LOU-A.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt): “[s]ignifica isto, no que aqui releva, que a perda do benefício do prazo por parte do devedor principal não importa, sem mais, idêntica perda para os respetivos fiadores, sejam eles subsidiários ou solidários, que se mantêm, por isso, apenas vinculados ao pagamento das prestações vencidas e não pagas no decurso do prazo que fora estabelecido”.
No caso concreto, não resulta dos termos do contrato que as partes afastaram a aplicação do regime previsto no art. 782º CC, mais propriamente, que a embargante-fiadora renunciou ao benefício do prazo.
Apurou-se que a embargante na qualidade de fiadora renunciou ao benefício da excussão e assumiu-se como principal pagadora – alínea e) dos factos provados.
Porém, nada se convencionou a respeito da renúncia ao regime do art. 782º CC. Desta forma, está apenas obrigada ao pagamento das prestações vencidas à data da instauração do processo de execução, por beneficiar do prazo em relação às prestações futuras e que se forem vencendo.
A citação para a execução funciona como interpelação quanto ao valor das prestações vencidas e não pagas e acréscimos convencionados no contrato de mútuo, nos termos do art. 805º CC.
Na execução por seguir a forma de processo comum, a citação realizou-se antes de se promover as diligências de penhora e desta forma se operou a interpelação da executada-fiadora. Com a interpelação tornou-se exigível a obrigação quanto às prestações vencidas.
Contudo, tal interpelação para cumprimento não se mostra idónea para afastar a regra do art. 782º e fazer funcionar o regime do art. 781º, com vencimento da totalidade das prestações, pois não está em causa a resolução do contrato, mas apenas obter o cumprimento da obrigação.
Neste contexto não pode reconhecer-se a pretensão da embargante de julgar procedentes os embargos, com o arquivamento da execução, pois de acordo com o art. 782º CC ao fiador, que renunciou ao benefício da excussão e se constituiu como principal pagador, são exigíveis as prestações já vencidas, e não pagas, à data da propositura da execução e respetivos juros que se vencem a partir da data em que ocorreu a citação, independentemente da prévia liquidação dos bens do devedor.
Entendemos que a declaração de insolvência do devedor, importa apenas a perda do benefício do prazo para o devedor, nos termos do art. 91º do CIRE. Neste pondo seguimos a posição do Ac. Rel. Porto 23 de outubro de 2020, Proc. 7137/16.2T8PRT-C.P1 (acessível em www.dgsi.pt)[26].
A apelante considera vencidas 132 (cento e trinta e duas) prestações. Porém, tais factos não foram oportunamente alegados no requerimento executivo, nem na contestação aos embargos.
Importará, por isso, proceder à necessária liquidação no processo de execução, a qual depende de simples cálculo aritmético, podendo ainda o exequente, se for caso disso, requerer, ulteriormente, a cumulação sucessiva de execuções ou a renovação da execução quanto ao fiador, relativamente às prestações que, quanto a ele, se vencerem posteriormente – arts. 711º, nº 1 e 850º do CPC[27].
Nestes termos, procedem em parte as conclusões de recurso, sob os pontos 20 a 26.
-
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas:
- na 1ª instância pela embargante e embargada, na proporção do decaimento que se fixa em 4/5 e 1/5, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à embargante;
- na apelação pela parte vencida a final.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, em parte, a sentença e nessa conformidade:
- anular, em parte, a sentença e determinar a ampliação da decisão de facto, quanto à questão do aval prestado pela embargante, nos termos que constam da fundamentação; e ainda,
- determinar o cumprimento do contraditório, quanto à exceção de falta de título executivo e ordenar a notificação do exequente para, no processo de execução, apresentar novo requerimento executivo e proceder à junção dos documentos complementares do título executivo “contrato de abertura de crédito em conta corrente – operação nº ……………………”, indicando de forma discriminada os valores depositados na conta à ordem, pagos e em divida, por efeito da abertura de conta;
- determinar que a execução prossiga quanto à embargante, relativamente às prestações vencidas até à data de entrada do requerimento executivo e respetivos juros de mora, a partir da citação, em valor a liquidar no processo de execução, por simples cálculo aritmético.
-
Custas:
- na 1ª instância pela embargante e embargada, na proporção do decaimento que se fixa em 4/5 e 1/5, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à embargante;
- na apelação pela parte vencida a final.
*
Porto, 24 de maio de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes [com declaração de voto:
"Não daria provimento recurso nesse segmento por entender que a nulidade por falta do exercício do contraditório não configura nulidade da decisão por omissão de pronúncia nos termos preceituados no artigo 615.º, nº 1 al. d) do CPCivil, tratando-se antes de uma nulidade processual com regime de arguição e decisão próprios que nada tem que ver com a estatuição da citada norma sempre reportada à decisão em si".]
Miguel Baldaia de Morais
__________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] No texto escreveu-se art.301º CC, o que resulta de um lapso de escrita que decorre do contexto.
[3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, Outubro de 2013, pag. 124
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pag. 133
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS. ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 10
[6] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, pag.25
[7] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156
[8] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357
[9] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pag. 486
[10] Neste sentido Ac. STJ 30.09.2010 – Proc. 3860/05.5 TBPTM.E1.S1 – www.dgsi.pt.
[11] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pág. 21 a 23
[12] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pag. 125
[13] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, Fevereiro de 2014, pag. 189, nota (11)
[14] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- à luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 186
[15] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- à luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 93
[16] RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, 1ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, Agosto de 2013, pag. 374
[17] FERRER CORREIA Lições de Direito Comercial, vol. III, pag. 215 e OLIVEIRA ASCENSÃO Direito Comercial, vol. III, ed. 1992, pag. 170
[18] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE Garantias de Cumprimento, 5ª edição, Coimbra, Almedina, 2006, pag. 87.
[19] PAULO CUNHA, Da garantia nas Obrigações, Tomo II, 1938-1939, pag. 51
[20] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE Garantias de Cumprimento, ob. cit., pag. 89
[21] Ac. Rel. Lisboa 11.02.2014, Proc. 12878/09.8T2SNT-A.L1-7, www.dgsi.pt
[22] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA Das Obrigações em Geral, VOL. II, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1980, pag. 53; no mesmo sentido, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, Vol II, Lisboa, AAFDL, 1994, pag. 195, nota 55; Ac. STJ 06.02.2007-Proc. 06A4524, acessível em www.dgsi.pt
[23] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA Das Obrigações em Geral ob. cit., pag. 55
[24] Cfr. Ac. STJ 10 de maio de 2007, Proc. 07B841, Ac. Rel. Lisboa 11 fevereiro 2014, Proc. 12878/09.8T2SNT-A.L1-7, Ac. Rel. Lisboa 16 de maio de 2013, Proc. 426-B/2001.L1 -8, Ac. Rel. Lisboa 17.novembro de 2011, Proc. 1156/09.2TBCLD-D.L1-2, Ac. Rel. Lisboa 19 de novembro de 2009, 701/06.0YXLSB.L1-6, todos disponível em www.dgsi.pt.
[25] Cfr. Ac. Rel. Lisboa 11 de fevereiro de 2014, Proc. 12878/09.8T2SNT-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt
[26] Contudo, não se ignora que a jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a adotar posição diferente, como se dá nota no Ac. STJ 11 de março de 2021, Proc. 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1 e Ac. STJ 14 de janeiro de 2021, Proc. 1366/18.1T8AGD-A.P1.S1, ambos em www.dgsi.pt)
[27] Cfr. neste sentido Ac. Rel. Lisboa 17 de novembro de 2011, Proc. 1156/09.2TBCLD-D.L1-2 e Ac. Rel. Lisboa 11 de fevereiro de 2014, Proc. 12878/09.8, T2SNT-A.L1-7 (ambos acessíveis em www.dgsi.pt)