ARRENDAMENTO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
REDUÇÃO DA RENDA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário

I – Em matéria de locação, mantendo-se o inquilino no gozo e fruição plena do locado, a exceção do não cumprimento do contrato resulta dificilmente aplicável.
II – A prossecução do princípio de proporcionalidade, na procura de um equilíbrio das prestações a cargo dos contratantes, aponta, em termos gerais, para a primazia da opção por uma redução da renda a pagar caso o locatário sofra de privação ou diminuição do gozo da coisa, nos termos do artigo 1040.º do Código Civil.
III - Na determinação do montante de redução da renda a pagar deve atender-se, em concreto, à efetiva e concreta restrição pelo locatário da utilização do arrendado de molde a garantir a proteção do princípio da boa-fé.

Texto Integral

Processo n.º 10990/18.1T8PRT.P1

Sumário
(artigo 663º, nº7 do CPC)
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Acórdão

I – Relatório
B…, Lda. intentou ação declarativa de despejo, contra C…, D… e E…, formulando os seguintes pedidos:
1) ser decretada a resolução do contrato de arrendamento objeto dos autos entre a A. e os RR com fundamento na falta de pagamento de rendas;
2) serem condenados os 1º e 2º RR no despejo do locado, entregando-o imediatamente à A. livre de pessoas e bens;
3) serem os RR condenados solidariamente a pagar à A. as rendas vencidas até à presente data e não pagas, no total de €12.000,00;
4) bem como as rendas vincendas até entrega efectiva do locado;
5) a que devem acrescer juros de mora à taxa legal desde o início da mora até integral pagamento.
Alega, em síntese breve, que arrendou ao 1º e 2ª RR o prédio identificado nos autos, com inicio em 1/2/2016, pelo período de 5 anos, pela renda mensal de €2400,00, a qual os RR deixaram de pagar desde Dezembro de 2017, totalizando as rendas em dívida até Maio de 2018 o valor de €12.000,00, o que motivou a resolução do contrato de arrendamento, sendo a 2ª e o 3º R. fiadores e principais pagadores das referidas rendas vencidas e não pagas.
Os Réus contestaram, alegando que a 2ª Ré não é arrendatária, não tendo subscrito o contrato de arrendamento em apreço nestes autos, tendo confirmado o não pagamento das rendas, alegando que invocaram perante a Autora a exceção de não cumprimento do contrato decorrente do facto de o imóvel sofrer de várias deficiências, comunicadas à senhoria, sem que nada fosse resolvido, estando assim justificada a falta de pagamento de rendas, mantendo-se em vigor o contrato até à resolução operada pelo 1º R. em 20/4/2018.
Foi proferido despacho a declarar extinta a instância relativamente aos pedidos 1 e 2 por inutilidade superveniente da lide, por ter sido entregue o locado na pendência desta ação.
Foi, ainda, exarado despacho de convite ao aperfeiçoamento da contestação para concretização das alegadas deficiências de que padecia o locado e em que medida impediam a utilização do mesmo. Após nova contestação aperfeiçoada, sobre a qual a Autora exerceu o principio do contraditório, foi proferido despacho saneador, com conhecimento da legitimidade da 2ª Ré, fixado o objeto do litígio, com a decorrente a audiência final após o que foi proferida a sentença, a qual se transcreve na respetiva parte dispositiva:
Julgo parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente:
Condeno, solidariamente, os RR a pagarem à Autora as rendas vencidas e não pagas até à entrega do arrendado, reduzidas para o valor de €10.800,00, por força da procedência parcial da excepção de não cumprimento do contrato, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Custas a cargo de Autora e Réus, na proporção do respectivo decaimento quanto aos pedidos 3 a 5, sem prejuízo da condenação já determinada na decisão de fls. 122 quanto aos pedidos 1 e 2.
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C…, D… e E…, réus nos autos, não se conformaram com o decidido e deduziram o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
1. Não se conformam os apelantes a apelante com duas ordens de questões decididas na sentença proferida a saber:
- Da procedência apenas parcial da exceção de não cumprimento do contrato e, em consequência,
- Da condenação dos RR no pagamento à Autora de rendas vencidas e não pagas até à entrega do arrendado no valor de € 10.800,00.
2. Não só foi erradamente apreciada a prova produzida quanto a factos dados como não provados que deveriam ter sido dados como provados bem como omitiu prognose sobre factualidade alegada e indispensável a boa decisão da causa;
3. Verifica-se também manifesta contradição entre os factos que o Tribunal considera como provados e não provados, a fundamentação da decisão e consequente aplicação do direito;
4. Concretamente são os seguintes os factos considerados não provados na douta sentença que, na opinião dos recorrentes deverão ser dados como provados (segundo a numeração aposta na douta sentença sub judice - factos não provados com os números 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 10):
5. Resulta inequivocamente destas declarações das testemunhas que:
. Os RR sempre interpelaram a Autora dos inúmeros problemas detetados no imóvel desde Fevereiro de 2016;
. Problemas que se foram agravando;
. Essas interpelações ocorriam quer por correio eletrónico com a funcionaria I…, quer por contacto pessoal com o escritório (na casa ao lado), quer verbal ou telefonicamente com os demais representantes da Autora;
. A Autora rececionou a comunicação dos RR de 26.12.2017 (facto provado sob o nº 32 na douta sentença) e não respondeu (veja-se as declarações do representante legal da Autora que negou ate, convenientemente, o conhecimento dessa comunicação );
. As testemunhas F… e Engenheiro G… (autor do relatório de fls 102 verso a 104 nos autos) confirmaram as patologias concretamente transmitidas pela comunicação dos RR de 26.12.2017 e coincidentes com o teor do relatório de fls 102 verso a 104 nos autos e junto com a contestação;
. Ficou demonstrado que os RR foram progressivamente deixando de poder utilizar partes do imóvel até ao limite que determinou o envio da comunicação em 26.12.2017;
. Concretamente no Piso menos 1 composto por garagem (sem acesso de veículos por não funcionamento do portão sem eletricidade) quarto (impossibilidade em virtude de ter grande vidro a toda a largura com rachadela) Wc (com problemas de sensores) e humidade e mofo generalizadamente em todo o Piso;
. No Piso zero composto por hall de entrada (com humidades e entrada de água pela claraboia, cozinha (sem pontos de eletricidade), Wc, e sala comum de estar e jantar (impossibilidade de usar a sala de estar em virtude de terem de manter distancia dos vidros rachados a toda a largura da sala), varanda (impossibilidade de aceder por não poderem abrir as portas de vidro por estarem rachados e na varanda encontrar-se vidro separador mal preso com perigo de partir)
. No Piso 1 e Piso 2 composto por quartos (com humidade nas paredes generalizada).
. Para além do inacreditável facto de inexistir campainha exterior que, embora de somenos é bem demonstrativa da falta de cumprimento da obrigação da Autora em colocar a disposição dos RR um imóvel em condições de ser habitado.
.Fica demonstrado que a Autora apenas efetuou pequenos arranjos mas nunca se disponibilizou para remover os problemas que efetivamente culminaram com o impedimento de utilização plena do imóvel.
6.Teriam de ser dados, necessariamente, por provados os factos dados como não provados em 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 10 da douta sentença proferida;
"14. Tal factualidade “não impedia a utilização da casa, mas limitava a sua utilização plena";
22. No mês seguinte ao inicio do arrendamento a Ré solicitou em 22 de Fevereiro de 2016 (Cfr. Doc 1) por correio eletrónico à Autora, pequenos arranjos ainda pendentes que ficaram por concluir, concretamente:
. rectificar a maquina de lavar louça instalada para o tamanho normal;
.necessidade de chuveiro no quarto de banho do Piso -1;
.necessidade de colocação de pontos de água no jardim da entrada da casa para proceder a limpeza;
.colocação de campainha e intercomunicador;
.necessidade de colagem da claraboia da entrada pelo facto de pingar água para dentro de casa quando chove muito;
.arranjo da parede do "hall" de entrada da casa que tinha humidade;
.terminar as escadas de acesso ao jardim;
.levantar a pedra do chuveiro da casa de banho no Piso 2 pelo facto de a água não escoar bem;
23. A Autora, em 09.03.2016 respondeu aos RR, dando conta que tinha efectuado reparações e substituído a máquina de lavar louça, prometendo que a campainha seria instalada logo que o eletricista regressasse de S.Tomé;
24. A campainha não foi instalada até a entrega do arrendado;
25. No dia 10 de Março os RR reiteram à Autora que faltava arranjar a parede com humidade e a descascar no "hall" de entrada interior da casa, que continuava a pingar água pela claraboia e que o vidro da varanda exterior estava mal aparafusado ao corrimão e que com o vento corria o risco de partir;
26. Tal factualidade não impedia a utilização da casa;
27. No dia 10 de Março, por correio eletrónico, a Autora refere que a parede do hall só pode ser novamente intervencionada após algum tempo seguido de bom tempo, pois tem que estar bem seca;
28. No mesmo documento refere que a claraboia vai ser novamente verificada;
29. No dia 08 de Abril de 2016 (três meses após o inicio do contrato) a Ré informou a Autora do seguinte:
- mau contacto eléctrico na zona da bancada da cozinha e, anormal funcionamento do exaustor e do micro-ondas que deixavam de funcionar sem razão aparente;
- manutenção de humidade crescente no "hall" de entrada da casa e aparecimento de humidade nas paredes dos quartos do Piso 1
- Inexistência de campainha da porta da casa e de intercomunicador;
30. O arrendado é uma moradia composta por quatro pisos, sendo o piso "-1" composto por um aposento e um quarto de banho virado para poente/sul existindo também aí uma divisão destinada a arrumos/maquinas;
31. O "Piso 0", piso de entrada integra a cozinha, "hall" de entrada, escadas de acesso a pisos superior e inferior, quarto de banho e sala comum com uma das laterais virada a poente/sul toda em vidro (incluindo duas portas em vidro para acesso a varanda e as escadas para o jardim;
32. O Réu enviou à Autora carta registada datada de 26 de Dezembro de 2017, em que reiterou verificarem-se anomalias no arrendado, com o seguinte teor:
Piso 0
. Portão de entrada de automóveis de acesso a garagem nunca funcionou; ou seja, desde o início do arrendamento que nunca conseguimos aceder com veículo à garagem.
. Campainha da rua nunca foi montada/instalada, ou seja não existe.
. Continua por instalar ponto de água para uma mangueira na entrada que permita lavar essa zona exterior de acesso à casa e garagem e que permita também a rega das plantas desse local.
. Infiltrações cada vez mais visíveis/acentuada humidade na parede esquerda no corredor de entrada da casa.
. Entrada acentuada de água pela claraboia (deficiente vedação)- inutilização de áreas afetadas pela entrada de água.
. Duas janelas da sala- vidros completamente estalados sem qualquer causa evidente. De acordo com o V/ anterior responsável de manutenção, chamado a verificar o assunto (porque V. Exa não o fizeram), concluiu-se que a razão estará no irregular assentamento de todo o edifício e da especificidade dos caixilhos escolhidos. Já procuramos uma entidade que se proponha reparar o vidro (sem prejuízo da V/ responsabilidade pelos encargos) e não encontramos ninguém que assuma a responsabilidade de tal execução e manutenção. De referir que esta facto impede praticamente a utilização da sala de estar/sala de jantar.
. Na cozinha, uma vez que V.Exas não instalaram ligações eléctricas, encontram-se a funcionar instalações provisórias que, por questões de segurança urge regularizar.
. Na área da sala de estar- mas com reflexo em toda a casa- não existe qualquer isolamento (folga/falta de acabamento) ao nível dos rodapés o que provoca a entrada diária de insectos e outros pequenos animais especialmente formigas em número anormal.
. O wc de serviço deste piso tem o sensor da iluminação mal regulado e não permite uma utilização normal deste wc! V. Exas tentaram resolver este assunto mas sem qualquer sucesso.
. O vidro exterior da varanda da sala não está fixo, abana significativamente com o vento- com problemas evidentes de segurança- e bate com força emitindo ruído forte que, durante a noite, impede o descanso. Também isto sucede desde o início do arrendamento, como várias vezes foi comunicado.
Piso -1
. Fechadura de acesso interior à garagem não funciona;
. Vidro do único quarto estalado nas mesmas circunstâncias dos vidros da sala (sem razão aparente).
. O local de arrumos onde “eventualmente estariam” as máquinas de apoio de aquecimento e outros, tem inúmeros focos de humidade provocada por infiltrações o que determina a impossibilidade absoluta de utilização do compartimento existindo danos em bens que aí se encontravam armazenados.
. Estes bens estão deslocados para a garagem que passa assim a ter utilização distinta da que estaria destinado (embora como se referiu supra, não fosse de qualquer forma possível o acesso de veículos a garagem por o portão não abrir).
. No referido espaço caiu parte do revestimento do teto, que danificou o sistema eléctrico de todo o piso -1, impedindo a normal utilização de toda a área destepiso -1;
Piso 1
WCs
. A pressão de água não é constante. Nos bidés a água sai sem pressão e em muito pouca quantidade pelo que não é possível a sua utilização.
. Os microfones de todos os chuveiros não estão bem colocados e estão a uma altura que ninguém da casa os consegue alcançar sem escada. Acontece o mesmo no wc no piso 2.
. No quarto do piso 1 virado para as traseiras caiu a sanefa de madeira sem razão aparente. Como parece ser um problema estrutural entendemos não a repor por razões de segurança.
Num dos quartos virados a poente existem grandes manchas de humidade e correspondente empolamento da parede junto às janelas.
Piso 2
. Problemas nos WC idênticos aos mencionados no piso 1;
. Em dias de chuva a água entra pela claraboia impede a utilização do espaço de armários e o acesso ao WC. Tal situação impede a colocação de roupas e mobiliário para utilização.
. Todo esse piso não tem isolamento térmico normal e tem de ser anormalmente climatizado.
. Acresce que, em toda a casa, existem fios à vista cuja utilidade e afectação não é perceptível e que poderá envolver riscos, para além da notória falta de estética.
Não podemos também deixar de referir a questão suscitada com “Aguas do Porto” e que determinou, por clara deficiência da instalação, um encargo que mantenho não ser devido pelo inquilino; Refutamos em absoluto a argumentação de V. Exa quanto à tentativa de exonerar-se de responsabilidades relativas ao seu pagamento e que não deixarei de as reclamar.
Desnecessário seria referir que, os diversos e extensos pontos de humidade e entrada de água leva a que em toda a casa se sinta forte humidade, especialmente nesta altura do ano, que torna praticamente insustentável a utilização da habitação, para além do elevado risco para a saúde das minhas três filhas de cinco anos.
Como decorre da extensão e gravidade das situações descritas, dúvidas não podem subsistir quanto à limitada utilização do arrendado que, notoriamente, não está apto a ser utilizado nos termos contratualmente fixados e expectáveis.
Não é de menor relevância o facto de o valor da renda anual ser praticado para imóvel de categoria superior o que agrava a desadequação actual do arrendado ao fim a que se destina e foi contratado.
A situação descrita é insustentável.
A constante omissão por parte de V. Exa na resolução das situações descritas não deixa outra alternativa que não seja conceder o prazo de 10 dias para proceder à reparação integral das anomalias verificadas e colocar o arrendado nas condições de utilização e gozo em que V. Exa se comprometeu contratualmente.
Face à extensão das anomalias descritas e à impossibilidade actual de utilização do arrendado nos termos contratados, invocamos expressamente a exceção de não cumprimento do contrato, nos termos do disposto no art. 428º do Código Civil, até que se verifique o cumprimento da prestação a que V. Exa está adstrito, sem prejuízo do direito à resolução do contrato caso, de forma definitiva, não sejam sanados os vícios apontados;
33. A inexistência de campainha e intercomunicador, a verificação de humidades no hall de entrada no Piso 0, para além da entrada de água pela claraboia, tinham sido já objecto de reclamação desde Fevereiro de 2016;
34. Os RR deixaram de utilizar o aposento sito no Piso -1, dos arrumos aí situados, por queda de reboco do teto;
35. Na sala de estar no Piso 0, área social da casa, com toda uma parte em vidro (incluindo duas portas de acesso a varanda) em que cada vidro tem a altura chão teto, dois dos vidros estalaram;
36. Limitavam a utilização normal do locado:
No Piso -1:queda do paremento horizontal que compõe o revestimento da área no aposento que servia de arrumos, com dano no sistema elétrico;
No Piso 0: inexistência de campainha e respetivo mecanismo"
Ou seja
Reconhece-se na douta sentença que, mesmo em decurso apenas da factualidade dada como provada, que os RR se encontravam impossibilitados de faze uma utilização plena do arrendado.
A questão decidendi situa-se assim em saber-se se a exceção de não cumprimento invocada pelos RR deverá ou não proceder na integra.
Como bem decorre da douta decisão recorrida "nesta matéria rege o art. 428º do CCivil, que sobre a noção de Excepção de Não Cumprimento do Contrato refere:
“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo"
7.Ficou demonstrado que a Autora não proporcionou aos RR o prédio apto ao fim a que se destina.
8.A habitação do agregado familiar dos RR nas condições em que estes escolheram e se propuseram a pagar uma renda mensal de € 2.400,00;
9.Tinham pois os RR todo o direito de exigir que a Autora lhes proporcionasse o imóvel apto a tal fim;
10.O que resulta da douta sentença é que as patologias não impediram que os RR aí vivessem.
11.De tal forma que os RR continuaram a viver no local até a sua entrega em 15 de Maio de 2018.
12.Como bem resulta da comunicação datada de 26.12.2017, os RR comunicaram à Autora que não era possível continuar a habitar no arrendado caso aquela não resolvesse os problemas declarados.
13.Manifestaram inequivocamente a sua pretensão de resolver o contrato caso no prazo concedido para a remoção dos problemas (que se avolumavam desde Fevereiro de 2016);
14.O que fizeram pela comunicação datada de 20 de Abril de 2018 mais indicando dia e hora para entregar o imóvel a Autora (15 de Maio de 2018);
15.Ora, como a Autora não pretendia proceder as reparações que vinham sendo reclamadas, nada respondeu e aproveitando o decurso do vencimento do terceiro mês de renda apressou-se a proceder ela própria a resolução contratual;
16Não pode colher o argumento que tanto o imóvel era suscetível de ser habitado que os RR continuaram a habitar até a sua entrega em 15 de Maio de 2018;
17.O facto de os RR se manterem a habitar no imóvel até a sua entrega na data por eles próprios indicados prende-se obviamente com as dificuldades inerentes a encontrar uma habitação alternativa.
18.Manterem-se a viver transitoriamente em casa de quatro pisos, sem utilização do piso menos um, sem utilização de parte do piso zero (concretamente da sala de estar e acesso a varanda) e com utilização dos pisos 1 e 2 (quartos) com humidade e mofo, não é mero impedimento de utilização plena;
19.O facto de os RR manterem o imóvel ocupado não significa que o estejam a utilizar para o fim - habitação - a que se destina e/ou que estejam verificadas as condições para o fazer.
20.Trata-se isso sim de não ser efetuada a contra prestação por parte da Autora, ou seja colocar a disposição dos RR um imóvel em condições normais de utilização para habitação.
21.Facto que os RR comunicaram a Autora em 26.12.2017 e esta nem se dignou responder;
22.Pelo que se encontra violado o disposto no artº 428 do CCivil.
23.Refere-se na douta sentença que "A exceptio é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desequilíbrio, injustificado e contrário às regras da boa-fé, nas prestações a cargo das partes, configurando-se a exceptio como o meio de repor o dito equilíbrio contratual entre as prestações das partes.
24.O direito à redução do montante da renda ou à suspensão do respectivo pagamento, nos termos do art. 1040º nº 1 do Código Civil, depende da alegação e prova, pelo arrendatário, dos correspondentes factos para que possa operar, desde logo, a privação ou diminuição do gozo da coisa locada, por motivo que não lhe seja imputável.” (Ac RP de 12/5/2015, Proc. nº 1012/12.7TJPRT.P1, www.dgsi.pt).
25.Em particular no âmbito da locação, este mesmo Autor, depois de chamar a atenção para o facto de a ideia de proporcionalidade ou equilíbrio das prestações aflorar a propósito da redução da renda se o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa, conclui nos seguintes termos: “ O recurso do arrendatário a este instituto, se existe cumprimento defeituoso ou parcial pelo senhorio, apenas o dispensa de pagar a renda correspondente à falta verificada. A quantificação pode tornar-se mais ou menos difícil. Quando as partes não cheguem a acordo subsiste o remédio da consignação em depósito, mas o arrendatário corre o risco de o seu cálculo pecar por defeito, depositando uma renda menor do que é devida.” (Direito das Obrigações, p. 363 e RLJ, ano 119º (1986), pág. 144 e pág. 364).
26.Porém, no entanto, colocar a questão em termos de redução proporcional da renda, verificados os demais pressupostos do artigo 1040º do Cód. Civil.
27.A redução da renda, também consubstancia uma manifestação do instituto da excepção de não cumprimento no âmbito do contrato de locação, e é de admitir ao abrigo do preceituado no artigo 1040º, n.º 1, do Cód. Civil que preceitua que “ Se por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior
28.Conclui referindo-se na douta sentença que
29.Ponderando os factos apurados quanto à medida da limitação da utilização plena do locado, à luz do principio da adequação e proporcionalidade, considero admissível a redução da renda mensal de €2400,00 em cerca de 10%, concluindo que, pelo gozo do locado durante os meses de Janeiro de 2018 a Maio de 2018 é devida pelo 1ºR a correspondente contrapartida da renda, reduzida em cerca de 10%, no valor de €2160,00, o que perfaz a importância em dívida, a título de rendas, de €10.800,00.
30.Ainda que proceda a redução parcial do pagamento de renda sempre a mesma, em tal caso deveria apurar-se desde o início do contrato em Janeiro de 2016 na medida em ficou demonstrado que as reclamações do RR verificaram-se de forma crescente desde Fevereiro de 2016;
31.Por outro lado, a dimensão e gravidade do problema, a impossibilidade de poderem utilizar zonas essenciais da habitação - veja-se sala de estar, zona exterior (varanda) e zona de serviço - determinou que das quatro zonas por excelência de uma habitação - sala de estar, quartos de dormir, sala de alimentação (sala de jantar /cozinha) e zona de serviços (limpeza e arrumações), os RR estavam privados de duas delas;
32.Ainda que fosse possível considerar apto para habitação arrendado com as aludidas limitações sempre as mesmas não poderiam considerar-se inferiores a perda de utilização de mais de metade do arrendado;
33.De campainha, falta de acesso de carros a garagem, humidades nas paredes, entradas de água, falta de pressão de agua, falta de sensores de luz nos quartos de banho, falta de pontos de eletricidade na cozinha, etc. verificadas.
34.Sendo pois que, a aplicar-se o regime do artigo 1040 do Código Civil, encontra-se deficientemente aplicada a regra da proporcionalidade quanto a natureza e extensão do gozo da coisa locada;
35.Que no caso em apreço e em face da matéria dada como provada não poder ser inferior a 50% do valor das rendas correspondentes as rendas não pagas desde o envio da comunicação dos RR em 26.12.2017 até a entrega do arrendado em 15.05.2018 e concretamente correspondente aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2018 e metade do valor de renda de Maio de 2018;
36.Ainda em qualquer caso e como resulta do contrato de arrendamento (documento cujo teor dado como provado e não impugnado por qualquer das partes) junto aos autos com a petição inicial designadamente da clausula sexta numero dois
DOIS: Com a assinatura do presente contrato o segundo outorgante procede ao pagamento da renda respeitante ao mês de Fevereiro de 2016 bem assim ao pagamento adicional do valor de duas rendas a título de caução e a imputar aos dois últimos meses de renda de vigência do contrato, num total de €7.200,00 (sete mil e duzentos euros).
37. Que deve ser dado como provado.
38.Pelo que deve revogar-se a sentença proferida e considerar procedente a exceção de não cumprimento invocada pelos Réus nos termos e para os efeitos do disposto no artº 428º do Código Civil ou
39.Caso assim não se entenda considerar-se nos termos de para os efeitos do disposto no artº 1040º do Código Civil a redução proporcional a natureza e extensão da diminuição do locado deveria sempre, em face da matéria de facto dada como como provada em montante não inferior a 50% do valor de rendas correspondente a quatro meses e meio ( 1 de Janeiro a 15 de Maio de 2018).
Terminam os apelantes requerendo que o presente recurso seja julgado procedente, sendo revogada a sentença recorrida.
A autora contra-alegou, pugnando pela integral confirmação da sentença recorrida.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado, no essencial, pelas conclusões das alegações dos recorrentes. Assim, temos em causa nos autos, as seguintes questões a dirimir:
A) Da impugnação da matéria de facto;
B) Da verificação da exceção de não cumprimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 428º do Código Civil, a ponderar independentemente da alteração da factologia apurada;
C) Da redução do valor das rendas a pagar.

III -Fundamentação de facto
Pela primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Através de contrato de 29/01/2016, a A. arrendou ao 1º R., o prédio, urbano correspondente a uma habitação unifamiliar destinada a habitação, sita na …, nº .., ….-… Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, freguesia …, sob o nº 1556 e inscrito na respectiva matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo 5698;
2. O arrendamento em causa teve início em 01/02/2016 pelo período de cinco anos, renovando-se por períodos de três anos se não for denunciado, nos termos legais pelos aqui A. ou R;
3. Na cláusula sexta do contrato de arrendamento estipulou-se uma renda anual de 28.800,00€ (vinte e oito mil e oitocentos euros), paga em duodécimos de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) a serem pagos pelo R. no último dia do mês anterior àquele a disser respeito, através de depósito bancário outra transferência para a conta da A. indicada na cláusula sétima do contrato;
4. Sucede que o R., em 31/12/2017, não procedeu ao pagamento da renda de Janeiro de 2018, em 31/01/2018, não procedeu ao pagamento da renda de Fevereiro de 2018 e em 28/02/2018, não procedeu ao pagamento da renda de Março de 2018; em 31/03/2018, não procedeu ao pagamento da renda de Abril de 2018 e em 30/04/2018, não procedeu ao pagamento da renda de Maio de 2018, não obstante ter sido interpelado a fazê-lo, designadamente através de cartas de 02/03/2018;
5. O locado foi entregue pelos RR à Autora em 15/5/2018;
6. A Segunda e o Terceiro RR assinaram igualmente o contrato de arrendamento, na qualidade de fiadores e principais pagadores, pelo exacto cumprimento do contrato, com renúncia expressa ao benefício ou direito que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular a obrigação assumida pelo mesmo;
7. Através de notificação judicial avulsa de 29/03/2018, o A. declarou resolvido o contrato de arrendamento identificado em 1º da PI, mais notificando os RR. para. procederem à entrega imediata do arrendado, bem como ao pagamento das rendas vencidas e não pagas;
8. Os Réus tinham conhecimento da inexistência (à data do contrato) do Alvará de autorização de utilização – cláusula 8ª nºs 6,7 e 8 do contrato de arrendamento;
9. Nos termos daquele contrato (cfr. cláusula 9ª nº2), quaisquer obras ordinárias e/ou benfeitorias que viessem a ser realizadas no arrendado, pelo arrendatário e/ou a solicitação deste, seriam executadas sempre à sua custa (arrendatários);
10. Os Réus conheciam o estado do imóvel quando o arrendaram em 29 de Janeiro de 2016 e aceitaram-no; e eventuais obras e/ou benfeitorias a serem executadas, seria à custa dos 1º e 2ª RR..
11. Sendo que a A., fez alguns ajustes que teria de fazer para colmatar pequenas deficiências que existiram nesta obra;
12. Antes dos 1º e 2ª RR enviarem a carta de 20/04/2018 apresentada como doc. 8 na contestação (a resolver o contrato de arrendamento), já este estava resolvido pela A. através de notificação judicial avulsa de 29/03/2018;
13. Os 1º e 2ª RR. ali viveram e usufruíram do arrendado desde o dia 01/02/2016 até ao momento em que o entregaram em 15/05/2018, de forma ininterrupta;
14. Tal factualidade “não impedia a utilização da casa, mas limitava a sua utilização plena";
15. Os 1º e 2º Réus ali continuaram a habitar, assim como o respectivo agregado familiar, até à data da resolução do contrato por parte da Autora;
16. O “piso 1” é composto por três quartos, cada um com quarto de banho;
17. O “piso 2” é composto por um quarto, um quarto de banho, área aberta com clarabóia;
18. O Réu procedeu à resolução do contrato por carta registada com aviso de recepção remetida à Autora no dia 20 de Abril de 2018;
19. Comunicação, na qual, o 1º Réu indicou à Autora o dia 15/5/2018 para entrega do arrendado livre e devoluto de pessoas e bens;
20. Com a comunicação datada de 20 de Abril de 2018 o 1º Réu remeteu o relatório junto como doc. 9.
21.No inicio da execução do contrato os 1º Réus solicitaram à Autora alguns arranjos, retificações e acabamentos que foram detetando ser necessário no prédio dado de arrendamento;
22. No mês seguinte ao inicio do arrendamento a Ré solicitou em 22 de Fevereiro de 2016 por correio eletrónico à Autora, pequenos arranjos ainda pendentes que ficaram por concluir, concretamente:
. rectificar a maquina de lavar louça instalada para o tamanho normal;
.necessidade de chuveiro no quarto de banho do Piso -1;
.necessidade de colocação de pontos de água no jardim da entrada da casa para proceder a limpeza;
.colocação de campainha e intercomunicador;
.necessidade de colagem da claraboia da entrada pelo facto de pingar água para dentro de casa quando chove muito;
.arranjo da parede do "hall" de entrada da casa que tinha humidade;
.terminar as escadas de acesso ao jardim;
.levantar a pedra do chuveiro da casa de banho no Piso 2 pelo facto de a água não escoar bem;
23. A Autora, em 09.03.2016 respondeu aos RR, dando conta que tinha efectuado reparações e substituído a máquina de lavar louça, prometendo que a campainha seria instalada logo que o eletricista regressasse de S. Tomé;
24. A campainha não foi instalada até a entrega do arrendado;
25. No dia 10 de Março os RR reiteram à Autora que faltava arranjar a parede com humidade e a descascar no "hall" de entrada interior da casa, que continuava a pingar agua pela claraboia e que o vidro da varanda exterior estava mal aparafusado ao corrimão e que com o vento corria o risco de partir;
26. Tal factualidade não impedia a utilização da casa;
27. No dia 10 de Março, por correio eletrónico, a Autora refere que a parede do hall só pode ser novamente intervencionada após algum tempo seguido de bom tempo, pois tem que estar bem seca;
28. No mesmo documento refere que a claraboia vai ser novamente verificada;
29. No dia 08 de Abril de 2016 (três meses após o inicio do contrato) a Ré informou a Autora do seguinte:
- mau contacto eléctrico na zona da bancada da cozinha e, anormal funcionamento do exaustor e do microondas que deixavam de funcionar sem razão aparente;
- manutenção de humidade crescente no "hall" de entrada da casa e aparecimento de humidade nas paredes dos quartos do Piso 1
- Inexistência de campainha da porta da casa e de intercomunicador.
30. O arrendado é uma moradia composta por quatro pisos, sendo o piso "-1" composto por um aposento e um quarto de banho virado para poente/sul existindo também aí uma divisão destinada a arrumos/maquinas;
31. O "Piso 0", piso de entrada integra a cozinha, "hall" de entrada, escadas de acesso a pisos superior e inferior, quarto de banho e sala comum com uma das laterais virada a poente/sul toda em vidro (incluindo duas portas em vidro para acesso a varanda e as escadas para o jardim;
32. O Réu enviou à Autora carta registada datada de 26 de Dezembro de 2017, em que reiterou verificarem-se anomalias no arrendado, com o seguinte teor:
Piso 0
. Portão de entrada de automóveis de acesso a garagem nunca funcionou; ou seja, desde o início do arrendamento que nunca conseguimos aceder com veículo à garagem.
. Campainha da rua nunca foi montada/instalada, ou seja não existe.
. Continua por instalar ponto de água para uma mangueira na entrada que permita lavar essa zona exterior de acesso à casa e garagem e que permita também a rega das plantas desse local.
. Infiltrações cada vez mais visíveis/acentuada humidade na parede esquerda no corredor de entrada da casa.
. Entrada acentuada de água pela claraboia ( deficiente vedação)- inutilização de áreas afetadas pela entrada de água.
. Duas janelas da sala- vidros completamente estalados sem qualquer causa evidente. De acordo com o V/ anterior responsável de manutenção, chamado a verificar o assunto (porque V. Exa não o fizeram), concluiu-se que a razão estará no irregular assentamento de todo o edifício e da especificidade dos caixilhos escolhidos. Já procuramos uma entidade que se proponha reparar o vidro (sem prejuízo da V/ responsabilidade pelos encargos) e não encontramos ninguém que assuma a responsabilidade de tal execução e manutenção. De referir que este facto impede praticamente a utilização da sala de estar/sala de jantar.
. Na cozinha, uma vez que V.Exas não instalaram ligações eléctricas, encontram-se a funcionar instalações provisórias que, por questões de segurança urge regularizar.
. Na área da sala de estar- mas com reflexo em toda a casa- não existe qualquer isolamento (folga/falta de acabamento) ao nível dos rodapés o que provoca a entrada diária de insectos e outros pequenos animais especialmente formigas em número anormal.
. O wc de serviço deste piso tem o sensor da iluminação mal regulado e não permite uma utilização normal deste wc! V. Exas tentaram resolver este assunto mas sem qualquer sucesso.
. O vidro exterior da varanda da sala não está fixo, abana significativamente com o vento- com problemas evidentes de segurança- e bate com força emitindo ruído forte que, durante a noite, impede o descanso. Também isto sucede desde o início do arrendamento, como várias vezes foi comunicado.
Piso -1
. Fechadura de acesso interior à garagem não funciona;
. Vidro do único quarto estalado nas mesmas circunstâncias dos vidros da sala (sem razão aparente).
. O local de arrumos onde “eventualmente estariam” as máquinas de apoio de aquecimento e outros, tem inúmeros focos de humidade provocada por infiltrações o que determina a impossibilidade absoluta de utilização do compartimento existindo danos em bens que aí se encontravam armazenados.
. Estes bens estão deslocados para a garagem que passa assim a ter utilização distinta do que estaria destinado (embora como se referiu supra, não fosse de qualquer forma possível o acesso de veículos a garagem por o portão não abrir).
. No referido espaço caiu parte do revestimento do teto, que danificou o sistema eléctrico de todo o piso -1, impedindo a normal utilização de toda a área deste piso -1;
Piso 1
WCs
. A pressão de água não é constante. Nos bidés a água sai sem pressão e em muito pouca quantidade pelo que não é possível a sua utilização.
. Os microfones de todos os chuveiros não estão bem colocados e estão a uma altura que ninguém da casa os consegue alcançar sem escada. Acontece o mesmo no wc no piso 2.
. No quarto do piso 1 virado para as traseiras caiu a sanefa de madeira sem razão aparente. Como parece ser um problema estrutural entendemos não a repor por razões de segurança.
Num dos quartos virados a poente existem grandes manchas de humidade e correspondente empolamento da parede junto às janelas.
Piso 2
. Problemas nos WC idênticos aos mencionados no piso 1;
. Em dias de chuva a água entra pela claraboia impede a utilização do espaço de armários e o acesso ao WC. Tal situação impede a colocação de roupas e mobiliário para utilização.
. Todo esse piso não tem isolamento térmico normal e tem de ser anormalmente climatizado.
. Acresce que, em toda a casa, existem fios à vista cuja utilidade e afectação não é perceptível e que poderá envolver riscos, para além da notória falta de estética.
Não podemos também deixar de referir a questão suscitada com “H…” e que determinou, por clara deficiência da instalação, um encargo que mantenho não ser devido pelo inquilino; Refutamos em absoluto a argumentação de V. Exa quanto à tentativa de exonerar-se de responsabilidades relativas ao seu pagamento e que não deixarei de as reclamar.
Desnecessário seria referir que, os diversos e extensos pontos de humidade e entrada de água leva a que em toda a casa se sinta forte humidade, especialmente nesta altura do ano, que torna praticamente insustentável a utilização da habitação, para além do elevado risco para a saúde das minhas três filhas de cinco anos.
Como decorre da extensão e gravidade das situações descritas, dúvidas não podem subsistir quanto à limitada utilização do arrendado que , notoriamente, não está apto a ser utilizado nos termos contratualmente fixados e expectáveis.
Não é de menor relevância o facto de o valor da renda anual ser praticado para imóvel de categoria superior o que agrava a desadequação actual do arrendado ao fim a que se destina e foi contratado.
A situação descrita é insustentável.
A constante omissão por parte de V. Exa na resolução das situações descritas não deixa outra alternativa que não seja conceder o prazo de 10 dias para proceder à reparação integral das anomalias verificadas e colocar o arrendado nas condições de utilização e gozo em que V. Exa se comprometeu contratualmente.
Face à extensão das anomalias descritas e à impossibilidade actual de utilização do arrendado nos termos contratados, invocamos expressamente a exceção de não cumprimento do contrato, nos termos do disposto no art. 428º do Código Civil, até que se verifique o cumprimento da prestação a que V. Exa está adstrito, sem prejuízo do direito à resolução do contrato caso, de forma definitiva, não sejam sanados os vícios apontados;
33. A inexistência de campainha e intercomunicador, a verificação de humidades no hall de entrada no Piso 0, para além da entrada de agua pela claraboia, tinham sido já objecto de reclamação desde Fevereiro de 2016;
34. Os RR deixaram de utilizar o aposento sito no Piso -1, dos arrumos aí situados, por queda de reboco do teto;
35. Na sala de estar no Piso 0, área social da casa, com toda uma parte em vidro (incluindo duas portas de acesso a varanda) em que cada vidro tem a altura chão teto, dois dos vidros estalaram;
36. Limitavam a utilização normal do locado:
No Piso -1:queda do paremento horizontal que compõe o revestimento da área no aposento que servia de arrumos, com dano no sistema elétrico;
No Piso 0: inexistência de campainha e respetivo mecanismo.
*
O mesmo tribunal entendeu igualmente dar como não provado que:
1. O 1º Reu interpelava verbalmente ou telefonicamente os representantes da Autora no sentido de irem resolvendo os problemas que surgiam, problemas que eram inúmeros e consecutivos;
2. As reclamações apresentadas nunca o 1º Réu conseguiu obter qualquer solução por parte da Autora;
3. Uma ou outra vez os representantes da Autora deslocaram-se ao arrendado, mas, de uma forma geral, não só não resolviam os problemas, como sequer os reconheciam como tal;
4. Apesar das sucessivas reclamações, nunca a Autora resolveu os problemas detetados no arrendado, que se foram agravando de tal forma que, o Réu outra alternativa não teve que interpelar, em 26.12.2017, por carta registada com aviso de receção a Autora para esta, em prazo determinado proceder as reparações necessárias no arrendado;
5. A verificação de humidades nos quartos do Piso 1 e nos arrumos do Piso -1 (que determinou a queda do reboco do teto) e de um quarto no Piso 1, tinham sido já objecto de reclamação desde Fevereiro de 2016;
6. De acordo com o responsável de manutenção, da Autora chamado a verificar o assunto dos vidros da sala estalados, a razão estava no irregular assentamento de todo o edifício e da especificidade dos caixilhos escolhidos;
7. A partir dessa altura os RR deixaram de poder utilizar a sala de estar atento o risco de os vidros partirem definitivamente com gravíssimas consequências;
8. A esta comunicação a Autora sequer respondeu;
9. Para além de os RR deixarem de utilizar a sala de estar no Piso 0 (especialmente impedindo o acesso das suas filhas menores) deixaram de utilizar o Piso - 1 na sua totalidade;
10. Impedia a utilização normal do locado: Piso – 1 .Quarto - Existência de um vidro estalado; . dano no sistema elétrico, que gerou impossibilidade de utilização de todas as divisões do Piso – 1; Piso 0 - Existência de dois vidros estalados que tem como causa a inexistência de folgas na caixilharia de alumínio que com a ação do calor, a dilatação provoca a compressão no vidro que a compõe e da qual resulta o dano; Vidro exterior da varanda mal apertado e com perigo de quebra; Humidade hall de entrada - Que gerou impossibilidade de utilização da sala de estar e varanda; Piso 1 - Verificação de humidade nos quartos poente /sul - Que impossibilitou de colocar as filhas menores do R.; Piso 2 - Entrada de agua pela Claraboia que impediu a utilização da área afecta.

IV – Fundamentação de Direito
A) Os apelantes cumpriram suficientemente o ónus imposto pelo artigo 640º do CPC impondo-se, como tal, proceder à reapreciação da matéria de facto relativamente aos segmentos impugnados.
Cumpre, portanto, analisar os factos em litígio, ou seja, os factos não provados nºs. 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 10 que os recorrentes entendem estar demonstrados.
Explicitemos o teor de cada um deles.
3. Uma ou outra vez os representantes da Autora deslocaram-se ao arrendado, mas, de uma forma geral, não só não resolviam os problemas, como sequer os reconheciam como tal;
4. Apesar das sucessivas reclamações, nunca a Autora resolveu os problemas detetados no arrendado, que se foram agravando de tal forma que, o Réu outra alternativa não teve que interpelar, em 26.12.2017, por carta registada com aviso de receção a Autora para esta, em prazo determinado proceder as reparações necessárias no arrendado;
5. A verificação de humidades nos quartos do Piso 1 e nos arrumos do Piso -1 (que determinou a queda do reboco do teto) e de um quarto no Piso 1, tinham sido já objeto de reclamação desde Fevereiro de 2016;
6. De acordo com o responsável de manutenção, da Autora chamado a verificar o assunto dos vidros da sala estalados, a razão estava no irregular assentamento de todo o edifício e da especificidade dos caixilhos escolhidos;
7. A partir dessa altura os RR deixaram de poder utilizar a sala de estar atento o risco de os vidros partirem definitivamente com gravíssimas consequências;
8. A esta comunicação a Autora sequer respondeu;
9. Para além de os RR deixarem de utilizar a sala de estar no Piso 0 (especialmente impedindo o acesso das suas filhas menores) deixaram de utilizar o Piso - 1 na sua totalidade;
10. Impedia a utilização normal do locado: Piso – 1 .Quarto - Existência de um vidro estalado; dano no sistema elétrico, que gerou impossibilidade de utilização de todas as divisões do Piso – 1; Piso 0 - Existência de dois vidros estalados que tem como causa a inexistência de folgas na caixilharia de alumínio que com a ação do calor, a dilatação provoca a compressão no vidro que a compõe e da qual resulta o dano; Vidro exterior da varanda mal apertado e com perigo de quebra; Humidade hall de entrada - Que gerou impossibilidade de utilização da sala de estar e varanda; Piso 1 - Verificação de humidade nos quartos poente /sul - Que impossibilitou de colocar as filhas menores do R.; Piso 2 - Entrada de agua pela Claraboia que impediu a utilização da área afecta.
Surge ainda aludida uma contradição entre os factos provados e os não provados a qual, contudo, não surge concretizada e não vislumbramos existir. Na verdade, ficou apurado na sentença que apenas duas situações limitavam a utilização normal do locado, a saber: no piso -1 a queda do paremento horizontal que compõe o revestimento da área no aposento que servia de arrumos, com dano no sistema elétrico e no piso 0 a inexistência de campainha e respetivo mecanismo. As demais situações resultaram indemonstradas, ou inócuas, relativamente ao uso e fruição do arrendado pelos locatários.
No que concerne à factologia impugnada a mesma reporta-se, essencialmente, a três segmentos que importará apreciar. Em sede de relacionamento entre as partes, o eventual facto de a autor não resolver os problemas denunciados pelos inquilinos, ignorando-os e, por isso, agravando-os, mesmo após denúncia escrita; depois, quanto à utilização do locado, a limitação da mesma designadamente por força dos vidros estalados, mal apertados ou assentes ou com folgas na caixalharia e das humidades existentes em algumas divisões.
Por sua vez, a sentença recorrida entendeu diferentemente que a A. chegou inclusivamente a fazer alguns ajustes para colmatar pequenas deficiências (vide facto provado 11).
Por outro lado, resulta da prova documental junta aos autos que a autora respondeu, por escrito, às queixas apresentadas, por carta datada de 2 de Março de 2018, junta aos autos como documento nº4 da petição inicial. Nessa carta, para além de se reivindicar o pagamento de rendas em atraso e se estranhar a não entrega do mesmo, afirma-se que tais anomalias, a existir, deveriam ser reparadas pelo inquilino nos termos do contrato de arrendamento e da responsabilidade assumida, nesse âmbito, pelo inquilino.
De todo modo, em ordem a melhor dirimir o conflito descrito, procedemos à análise de toda a prova junta aos autos de modo a alcançar uma conclusão que sistematize, pondere e valore os diferentes elementos probatórios, numa estrutura harmónica e coerente. E - aventemos desde já - uma vez reapreciado todo o acervo probatório, concluímos não existirem motivos para alterar a decisão recorrida em termos de enquadramento fáctico.
Mas detalhemos a análise dos factos impugnados, ponto por ponto.
A não prova dos factos 3 e 4, segundo a sentença, decorreram das próprias declarações do Réu C… o qual afirmou que a autora até terá retificado “na maioria dos casos” os problemas surgidos, como, por exemplo, na cozinha; daí que tenha sido como provado o já transcrito facto 11 que corresponde à assentada das declarações deste réu e consta da respetiva ata. O reconhecimento em causa foi igualmente assumido pela ré D….
Assim, temos que ambos confessaram o que segue: “Artigos 23: ºO 1º Réu conhecia o estado do imóvel quando o arrendaram em 29 de Janeiro de 2016 e aceitaram-no; e eventuais obras e/ou benfeitorias a serem executadas, seriam à custa dos 1º e 2ª RR.. Sendo que a A., fez alguns ajustes que teria de fazer para colmatar pequenas deficiências que existiram nesta obra.” Donde, num contexto em que os réus admitem, em ata do julgamento, que lhes cabia a eles efetuar quaisquer obras, não se vislumbra outra solução senão a não demonstração destes factos 3 e 4, tidos como prejudicados.
Os factos 5 a 10 têm a ver com a não utilização plena do locado. Assim, a humidade e os vidros com defeito teriam implicado uma impossibilidade de uso e fruição de partes do imóvel para além do que ficou assente na sentença impugnada.
Neste conspecto, a sentença detalha fundamentadamente os motivos porque entendeu dar toda esta factologia como não apurada. Lê-se na decisão recorrida que “nenhuma prova corroborou aquelas declarações dos RR, sendo que a testemunha I… (que o Tribunal considerou isenta e credível) afirmou que um funcionário da Autora deslocou-se ao locado para verificar a razão dos vidros da sala terem estalado, o qual lhe terá relatado que estaria relacionado com as pancadas de bolas pelos filhos dos RR, que jogavam habitualmente á bola na sala, sendo que apenas o responsável pela elaboração do relatório de fls. 103 a 104, testemunha C…, deu parecer no sentido da escolha dos caixilhos e respectivo assentamento ter de algum modo determinado as estaladelas dos vidros, estaladelas que admitiu serem apenas numa das folhas dos vidros (que tinham duas) e na virada à parte exterior, permanecendo por apurar com suficiente rigor a que se deveram essas estaladelas dos vidros (que não terão ocorrido nas demais moradias construídas ao lado pelo mesmo construtor),sendo seguro, pelo depoimento da testemunha J…, que nunca deixaram de utilizar a sala por esse ou qualquer outro motivo, não estando eminente cair qualquer vidro como admitiu a Ré, não tendo sido produzida prova também de que o vidro estalado no quarto do piso - 1 tivesse impedido a sua utilização (não era utilizado como quarto como referiu a testemunha J…) ou sobre terem deixado de utilizar a totalidade do piso -1 (...) testemunha C… quando lá se deslocou para elaborar o referido relatório, o qual acabou mesmo por concluir que nenhum dos problemas relatado no seu relatório impedia a utilização da casa, causava era incómodos e mal à saúde.” Para concluir, a seguir, que “nenhuma prova foi produzida de que as filhas dos RR tenham deixado de dormir nos quartos (que apenas tinham cantos escuros com alguma humidade como afirmou a testemunha F…), não tendo a referida testemunha F… sequer qualquer memória de entrada de água pela claraboia, muito menos de molde a impedir a utilização de qualquer área da casa.
O escrutínio feito agora por este Tribunal não permite pôr em causa a bondade da opção assumida pelo tribunal recorrido. Foi sublinhado, nomeadamente, pela testemunha I… o desleixo da parte traseira da casa, nomeadamente do jardim: “a relva não era tratada” “estava ali ao monte. Prontos, estavam lá coisas pousadas e não era usado como jardim.” E reitera-se que, como enquadramento desta relação contratual, foram os próprios réus a assumir, por escrito, a responsabilidade pela reparação de defeitos da casa arrendada, circunstância que não poderá ser escamoteada.
Numa síntese breve dos depoimentos prestados, apenas os tidos como minimamente relevantes, temos que C…, réu nos autos, confessou os factos constantes da assentada, ditada com acordo das partes as quais expressamente afirmaram não ter reparos a fazer. Disse ter estado na casa desde Fevereiro de 2016 até Maio de 2018, sempre nela habitando. D…, para além de declarar o que consta da contestação, igualmente admitiu um conjunto de factos constantes da assentada, os quais confirmou. Após E…, fiador dos réus, K…, sócio da autora, disse ter muitas casas no mercado e que os problemas foram sendo resolvidos; manteve o alegado no petitório, dizendo-se vítima de um logro já que as rendas deixaram de ser pagas e uma promessa de compra de imóvel no futuro pelos inquilinos nunca se concretizou; os factos confessados foram igualmente alvo de assentada. I…, tida como testemunha isenta e credível pelo tribunal “a quo”, confirmou a existência de reclamações que disse terem sido resolvidas (por exemplo, a troca da máquina de lavar louça, infiltração de água numa claraboia), a não resolução do problema da campainha e os problemas decorrentes da ausência de licença de habitabilidade, facto conhecido e aceite pelos réus. No mais, depôs conforme referenciado e já transcrito na sentença apelada, designadamente quanto ao facto de não haver manutenção do jardim e aos barulhos de crianças brincando nos quartos e na sala. Disse que os réus usaram o imóvel normalmente, nele habitando, e que as queixas foram sendo tratadas e resolvidas no essencial, embora só no início é que as mesmas ocorreram em maior número (exceto quanto à questão dos vidros estalados cuja reparação caberia aos inquilinos). G… elaborou o relatório constante dos autos, solicitado e pago pelos réus, e explicou que o problema dos vidros estalados não seria decorrente de pancada (“teria que ser bastante forte, não estou a ver”) mas da exposição ao sol e diferenças térmicas, quanto à possível queda de vidros entendeu não ser a mesma provável (salvo eventualmente num varandim); no essencial, descreveu o que consta do relatório por si elaborado. Perguntado pelo tribunal se algum defeito impossibilitava a habitação na casa disse que não; a queda do gesso foi numa “área técnica”, não habitada pelos residentes. F…, ama dos filhos dos réus, descreveu os defeitos detetados por si e aludiu, nomeadamente, à questão dos vidros estalados ou com defeito como fatores dissuasores da utilização, sobretudo, pelas crianças de algumas zonas da casa. Aceitou que os vidros, mesmo os estalados, eram limpos regularmente, sem problemas de maior, embora por outra senhora que não a depoente.
Em síntese conclusiva, entendemos inexistirem motivos para alterar a factologia apurada e não demonstrada que corresponde, face ao escrutínio realizado, a uma opção decisória adequada e fiel ao acerbo probatório.
Manter-se-á, portanto, incólume a decisão sobre a matéria de facto.
B) Entendem os apelantes, independentemente da alteração da factologia apurada, dever descortinar-se de uma eventual verificação da exceção de não cumprimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 428º do Código Civil.
Preceitua o artigo em causa: “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”
A sentença apelada fundamenta a ausência de tal faculdade de recusa por parte dos locatários pela circunstância de estes não terem ficado impedidos de usufruir totalmente do locado.
Apenas não puderam “utilizar um aposento que servia de arrumos no Piso -1, sofreram constrangimentos por não ter campainha e intercomunicador, suportaram algumas humidades que nunca os impediram do total uso desses aposentos e mesmo os vidros de janelas estalados nunca os impediram de usar a sala, consubstanciando, na sua generalidade, incómodos que não se reflectiram no essencial num pleno uso e fruição de uma moradia com 4 pisos e jardim, tendo deixado de pagar a renda durante mais de 5 meses, quando a limitação de fruição do locado, mesmo de acordo com o alegado por eles na carta de 26/12 (em grande parte não provado), se reduziria a muito pouco, o que desde logo, conduz a uma ilegitimidade de invocação da excepção de não cumprimento do contrato por não terem motivos válidos e suficientemente graves para deixarem, pura e simplesmente, de pagar a renda.
Deste modo, o tribunal “a quo” descartou a possibilidade de verificação da dita exceção de não cumprimento do contrato à luz das exigências decorrentes dos princípios de adequação e proporcionalidade. Esta valoração decorre da consagração de um valor estruturante do Direito: a boa-fé. Deste modo, para que a invocação da “exceptio” não seja julgada como contrária à boa-fé, João José Abrantes (em “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, 3ª ed., págs. 110/112), adaptando a doutrina italiana, entende que deve haver uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do excipiente: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra. Por força da aludida relação de sucessão, não pode recusar a sua prestação, invocando a “exceptio”, o contraente que foi o primeiro a cair numa situação de incumprimento. A relação de causalidade impõe que haja uma interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação do excipiente. E, finalmente, temos o referenciado princípio da equivalência ou proporcionalidade o qual determina que a recusa do excipiente deve ser equivalente ou proporcionada à inexecução da contraparte que reclama o cumprimento; uma falta leve torna ilegítima a pretendida exceção (na jurisprudência, no mesmo sentido, leia-se Acórdão desta Relação e desta secção de 11.04.2019, processo nº2334/16.3T8PRT.P1).
Acresce que, no âmbito do contrato de arrendamento, tem-se entendido, em particular na jurisprudência (Ac. do STJ de 9.12.2008, processo 08A3302, todos disponíveis em dgsi.pt), que esta exceção possui “um limitado campo de aplicação”. O motivo essencial, sinalizado neste aresto, invoca Aragão Seia (Arrendamento Urbano, 7ª edição, pág. 412), “uma vez entregue ao locatário a coisa locada, o sinalagma em grande medida se desfaz. Certo, o locador continua obrigado a proporcionar o gozo da coisa ao locatário; mas esta é uma obrigação sem prazo ou dia certo para o seu cumprimento, ao passo que é a termo a do pagamento da renda”.
O caso concreto não suscitará dúvidas sobre o continuado e quase pleno gozo da coisa pelo locatário.
A limitação de fruição do locado reduziu-se, nos termos do facto provado 36, no piso -1 à não utilização de uma zona de arrumos e no Piso 0 à inexistência de campainha e respetivo mecanismo, falha que, naturalmente, se transmite a toda a casa. Ou seja, uma restrição que, por si só, se revelaria sempre desproporcional em ordem a obstar ao pagamento da renda; situação que, a nosso ver e secundando a sentença apelada, igualmente se verificaria ainda que se validassem todos os constrangimentos relatados na carta de 26 de Dezembro.
Concluímos, portanto, pela inexistência da pretendida exceção.
C) Finalmente, temos a questão da redução proporcional da renda.
Contextualizando, temos que o artigo 1040º do Código Civil (CC) estatui que “se por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior (a qual discrimina um conjunto de obrigações que cabem ao locatário).”
Perante a permanência do inquilino no locado, ocupando-o no período de arrendamento, retirando qualquer possibilidade de fruição ao senhorio, entende-se perfeitamente que não se deva desencadear, em termos gerais, a “exceptio” de incumprimento contratual com a decorrente recusa, legítima, do pagamento de renda.
A procura de uma proporcionalidade e equilíbrio das prestações aponta, ao invés, para uma propensão pela opção de redução da renda, caso o locatário sofra privação ou diminuição do gozo da coisa, conforme decorre do já referido artigo 1040.º do CC.
A decisão sob recurso entendeu, precisamente, reduzir a renda mensal de €2400,00 em cerca de 10%, “concluindo que, pelo gozo do locado durante os meses de Janeiro de 2018 a Maio de 2018 é devida pelo 1ºR a correspondente contrapartida da renda, reduzida em cerca de 10%, no valor de €2160,00, o que perfaz a importância em dívida, a título de rendas, de €10.800,00.”
Os apelantes alegam, ainda assim, que, caso não se conclua pela exceção de não cumprimento, sempre tal redução não poderia ser inferior a 50% do valor das rendas desde o envio da comunicação dos RR em 26.12.2017 até a entrega do arrendado em 15.05.2018 e concretamente correspondente aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2018 e metade do valor de renda de Maio de 2018.
Como resulta abundantemente dos factos provados, das considerações acima aduzidas, da constatação da adequada utilização do imóvel arrendado por esta família, salvo a reduzida restrição materializada no facto provado 36, e considerando ainda o teor inequívoco da cláusula contratual 9ª, nº 2 do contrato de arrendamento, subscrita pelas partes, na qual se determinou que “quaisquer obras ordinárias e/ou benfeitorias que viessem a ser realizadas no arrendado, pelo arrendatário e/ou a solicitação deste, seriam executadas sempre à sua custa (arrendatários)”, julgamos não dever fixar uma redução superior à fixada pelo tribunal apelado, a qual se tem como adequada.
Deve manter-se, portanto, a condenação fixada, a ser paga pelos réus, devendo as partes, naturalmente, ponderar a imputação deste pagamento ao valor da caução já prestada, nos moldes contratualmente aceites.
Nas doutas alegações surgem ainda articulados alguns considerandos segundo os quais “não podendo os promitente compradores considerar-se como consumidores finais, não pode ser reconhecido o direito de retenção sobres as frações autónomas com prevalência sobre a hipoteca anteriormente registada a favor da recorrente pelo que a presente sentença viola o disposto nos artigos 755, nº 1 f e 759 do CC em decorrência do AUJ de 20.03.2014 com a interpretação do conceito de consumidor em sentido estrito.” Tais argumentos não se reportarão ao caso em apreço e, certamente, decorrem de mero lapso.
Em síntese conclusiva, haverá que confirmar a sentença recorrida.

V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso deduzido, mantendo-se integralmente a sentença em apreço.
Custas pelos recorrentes.

Porto, 25 de Maio de 2021
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues