CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO DESPORTIVA
INTERMEDIÁRIO DESPORTIVO
REGISTO NA FPF
NULIDADE FORMAL
ABUSO DE DIREITO
Sumário

1 - O contrato de intermediação desportiva tem como partes necessárias, por um lado, um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva, e por outro, um intermediário desportivo, tendo por finalidade específica que um dos dois primeiros solicite do segundo a prestação de serviços que consistem essencialmente na mediação tendente à celebração de contratos desportivos, nomeadamente contratos de trabalho desportivos ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações, o que pode ser realizado de forma gratuita ou remunerada, podendo eventualmente ser atribuídos poderes de representação ao intermediário desportivo.
2 - Por força do Art. 37.º n.º 3 da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho os contratos de intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo da autoridade federativa competente são nulos.
3 - Constando do contrato de intermediação desportiva que ambas as partes estão cientes que a parte outorgante como intermediário ainda estava «a organizar o seu processo de registo, na qualidade de intermediário, junto da Federação Portuguesa de Futebol» e assumindo a contraparte que não se opunha à celebração do contrato, renunciando ao direito de invocar esse vício para não cumprir a obrigação de pagamento a que ficaria vinculada, sendo que se verificou que se veio a concluir o respetivo processo de licenciamento e registo junto da F.P.F., sanou-se o vício inicialmente verificado.
4 - O princípio da boa-fé e a tutela da confiança impediriam que a contraparte, nestas condições, pudesse invocar a nulidade formal do contrato, sob pena de abuso de direito (Art. 334.º do C.C.).
5 - O estabelecimento no contrato do direito à remuneração “independentemente da existência de qualquer nexo causal entre a atividade desenvolvida pelo intermediário e a transferência do atleta”, conjugado com a fixação do regime de exclusividade na prestação de serviços de intermediação desportiva e a obrigação da contraparte (empresa empregadora desportiva) do dever dar conhecimento ao intermediário de qualquer proposta firma de transferência do atleta, deve ser entendida como o estabelecimento duma cláusula penal destinada a evitar que o negócio visado celebrar não se concretiza através do intermediário por causas exclusivamente imputáveis à contraparte. Não se permitindo assim que a empresa empregadora aja de modo a dispensar unilateralmente os serviços do intermediário, ou impeça que este possa cumprir a sua prestação, só para não pagar a remuneração que lhe seria devida.
6 - Tendo o Autor sido contratado para a prestação de serviços, na qualidade de “intermediário desportivo”, pelo período de vigência do contrato, que no caso era de 2 anos a contar de 3 de julho de 2018, deveria o mesmo durante todo esse período de tempo continuar registado nessa qualidade junto da F.P.F..
7 - O registo como intermediário desportivo junto da entidade federativa competente é condição necessária para o exercício regular dessa atividade económica (Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7).
8 - Não se encontrando o Autor licenciado para o exercício da atividade de intermediário desportivo para o segundo ano de vigência do contrato de intermediação dos autos, existe uma impossibilidade objetiva de cumprimento desse contrato pela sua parte (cfr. Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7), não podendo exigir, nessas condições, o cumprimento da correspetiva obrigação de exclusividade por parte do Réu, nem o pagamento duma remuneração a que só poderia ter direito caso fosse um intermediário desportivo registado.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A [ Flávio ..... ] intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra B [ .... – Futebol SAD ], pedindo que se declare a violação contratual, por parte do R., do contrato celebrado com o A. e, consequentemente, a sua condenação no pagamento da quantia equivalente a 30% do preço global que aquele tem direito a receber pela cedência do jogador C [ Bruno ..... ] para o clube Khor Fakkan Sports & Cultural Club, acrescida de juros.
Para tanto alega que, no âmbito da sua atividade, intermediou o contrato de trabalho celebrado entre o R. e o jogador C, tendo ficado acordado que o R. pagaria ao A. €20.000,00 e o pagamento em montante equivalente a 30% resultante de uma futura cedência, temporária ou definitiva, do jogador.
O R. pagou os €20.000,00 acordados, mas o A. nada mais recebeu, apesar de aquele ter transferido o jogador, sem nada lhe dizer, tendo o A. tido conhecimento de tal facto apenas pela comunicação social.
Citado, o R. contestou, alegando que a quantia peticionada apenas seria devida se o A. desenvolvesse contactos diretos e diligentes em vista desse resultado, o que nunca fez. Acresce que o A. incumpriu o contrato celebrado, uma vez que nunca informou da conclusão do seu processo de registo como intermediário, sendo que a cláusula segunda do contrato celebrado é uma disposição abusiva. Mais alegou que em 02/07/2020 resolveu, com efeitos retroativos, o contrato celebrado com o A., por motivos vários relacionados com incumprimentos e irregularidades assacadas àquele. Concluiu assim pela sua absolvição do pedido.
Findos os articulados, veio a ser realizada audiência prévia, na qual se proferiu despacho saneador, mais se identificando o objeto do litígio e enunciando os temas de prova.
Realizada a audiência final e finda a produção de prova, com discussão da causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação procedente por provada, declarando a violação contratual por parte do R. do contrato celebrado com o A. e, em consequência, condeno-o no pagamento da quantia equivalente a 30% do preço global que aquele recebeu, resultante da cedência do jogador C (cem mil dólares), acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
É dessa sentença que o R. vem interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é interposto da sentença que julgou a ação procedente e com fundamento em violação contratual por banda da Ré, condenou-a no “pagamento da quantia equivalente a 30% do preço global que esta recebeu pela cedência do jogador C” (cem mil dólares) acrescido dos juros moratórios.
B. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a aqui Recorrente não se pode conformar com tal entendimento, sendo que, e essa é a sua forte convicção, da prova produzida em julgamento (testemunhal e declarações de parte), e bem assim do teor e substância dos documentos juntos nos autos (e não impugnados pelo Autor), em face até das regras quanto à repartição do ónus probatório,
C. Resultou evidente que não se verificaram quaisquer dos pressupostos de efetivação da responsabilidade contratual da Ré (nem de facto nem de direito), sendo que foi o Autor – intermediário desportivo:
(i) quem não cumpriu com as impreteríveis obrigações legais a que estava subordinado no âmbito da aquisição e manutenção de tal estatuto e qualidade,
(ii) quem não cumpriu com as obrigações contratuais a que se vinculou, designadamente promovendo o jogador e recolhendo propostas com vista à negociação dos direitos desportivos do atleta,
(iii) e ademais nem sequer gozava mais do estatuto de intermediário do atleta (representante daquele) à data da transferência do jogador, dado que já havia ocorrido a resolução de tal contrato por banda do atleta (resolução que não foi impugnada pelo Autor).
D. Deste modo não se podendo acompanhar o sufrágio do Tribunal recorrido quando descartou completamente a factualidade acima exposta, a qual sempre teria que forçosamente conduzir a um desfecho distinto – no caso, a absolvição da Ré quanto aos pedidos formulados.
E. A decisão da matéria de facto pecou por ter dado (erradamente) como não provados factos absolutamente essenciais para a correta aplicação do Direito no caso sub iudicio, os quais sempre determinariam outro desfecho – a improcedência total da presente ação.
F. Em concreto a Recorrente insurge-se, desde logo, contra a circunstância do Tribunal recorrido não ter dado como provado o seguinte facto: “O Autor não se encontrava licenciado para o exercício da atividade de intermediação na época desportiva 2019/2020”.
G. Na verdade, o Tribunal entendeu no facto n.º 12 (matéria assente) dar como provado que o Autor se encontrava licenciado para o exercício da atividade de intermediação desportiva na época 2018/2019 (factualidade que não se nega), mas tal como suscitado em sede de contestação pela aqui Recorrente tal facto já não se verificou (objetiva e incontrovertidamente) no contexto e no âmbito da época desportiva seguinte - 2019/2020 – e tal factualidade foi totalmente negligenciada pela decisão recorrida.
H. Em rigor a declaração emitida pela F.P.F., datada de 27.03.2020 (junta como Doc. n.º 1 pelo Autor com a PI) evidencia isso mesmo – para mais atendendo à data da emissão da declaração – ou seja, que o referido sujeito se encontra registado para a época 2018/2019.
I. Por outras palavras, a F.P.F. não declarou que o intermediário em causa se encontrava registado como intermediário para a época 2019/2020, o que, inclusivamente, atendendo à data da produção da declaração podia (e devia – se fosse verdade) ter sido declarado.
J. Da leitura e análise dessa listagem de intermediários (documento oriundo da F.P.F.) facilmente se conclui que o Autor não se encontrava registado para a referida época 2019/2020 – tal foi oportunamente alegado pela Ré (alegação que não foi contrariada pelo Autor, nem em sede de pronúncia, no exercício do direito de contraditório, nem através de qualquer meio probatório produzido em julgamento).
K. Pelo que ao Tribunal se imporia (por se tratar de facto principal e relevante) fatalmente decidir, dando como facto provado, que o Autor não se encontrava licenciado/registado para a atividade de intermediário desportivo na época 2019/2020 (precisamente a época em que ocorre a dita transferência – facto provado n.º 10).
L. Aliás, a prova de tal facto, ao contrário do preconizado na fundamentação espraiada na decisão recorrida, apenas podia resultar de documento (e nunca se lograr demonstrar [mas como?] por conversações entre os intervenientes – via probatória totalmente imprestável para o apontado efeito).
M. Na verdade, e não há como desmentir tal asserção, apenas por fonte documental e proveniente da entidade acreditadora/licenciadora (F.P.F.) se podia demonstrar (ou não) que o Autor estava licenciado/registado para o exercício da atividade respetiva de intermediário desportivo na época 2019/2020,
N. Até porque se trata de um processo burocrático-administrativo em que a entidade licenciadora tem de verificar o cumprimento de certos requisitos, condições e pressupostos por banda do interessado/requerente, e até cobrar os correspondentes emolumentos/taxas devidas.
O. E de notar ainda que o não cumprimento da tal obrigação legal (para a época desportiva 2019/2020) apenas ao Autor pode ser imputada (sibi imputet), porque nenhuma ação ou responsabilidade da Ré pode haver (como é apodítico) quanto a facto próprio e pessoal da contraparte.
P. O Tribunal recorrido considerou (erradamente) ainda que:
“13. O Autor promoveu a atividade do jogador ao serviço da Ré junto de outros clubes, tendo apresentado propostas para a cedência daquele”.
“14. A Ré recusou sempre as propostas apresentadas pelo Autor para a cedência do jogador”.
Q. Sucede que tal factualidade nunca podia ter sido dada como provada dado que o Autor nunca logrou apresentar qualquer proposta de cedência do referido atleta, da mesma forma que não tendo ocorrido a apresentação de qualquer concreta proposta também não poderia esta ter sido recusada pela aqui Recorrente.
R. Para o efeito procurou a decisão recorrida escudar-se nas conversações privadas entre o Autor e um dos legais representantes da Ré, mas na verdade o excerto reproduzido de tais conversações não demonstra (de forma alguma) que tenha havido a concreta apresentação, pela parte do Autor, de uma proposta de qualquer clube, ou até que este tivesse concretamente desenvolvido ação palpável e tangível de promoção.
S. Note-se que do excerto de tais conversações informais não resulta minimamente provado que tivesse existido efetivamente qualquer proposta formulada por qualquer clube interessado, devidamente assinada e vinculando tal clube, com a manifestação clara do interesse no dito atleta – mas apenas meras palavras do Autor – sem qualquer lastro probatório ou verosimilhança real.
T. Ainda a este propósito não deixa de ser sintomático e significativo que o Autor não tenha junto nos autos um único e singelo contacto havido entre si e algum clube interessado, um email que fosse, uma única comunicação escrita que fosse! Absolutamente nada!
U. Finalmente, também resulta evidente do teor das declarações de parte do próprio Autor (nesta parte em articulação com a restante prova trazida nos autos – ou falta dela), do teor do depoimento de parte do legal representante da Ré, assim como do teor das declarações da testemunha C (o atleta em causa) que nenhuma proposta foi apresentada ao escrutínio/análise dos interessados (clube e/ou jogador).
V. Note-se neste prisma que o Autor não aportou aos autos qualquer resquício probatório documental das referidas ações de promoção e conhecimento dos méritos desportivos do jogador.
W. E quanto ao clube verdadeiramente interessado no atleta depreende-se que foi o próprio clube (A Recorrente) quem encetou as negociações, sendo que depois foi dado pelo clube conhecimento dessa situação ao intermediário desportivo – que nada sabia, pelo que não podia ter sido dele o impulso do contacto e/ou das negociações (como pretende fazer crer).
X. Entende assim a Recorrente que o Tribunal incorreu em erro de julgamento quanto às referidas matérias factuais centrais, e em face da prova produzida em julgamento deviam ter sido dados como provados os seguintes factos:
“O Autor não se encontrava licenciado para o exercício da atividade de intermediação financeira na época desportiva 2019/2020” (cf. documento n.º 1 junto com a PI e documento n.º 1 junto com a Contestação);
“O Autor não apresentou à Ré e/ou ao atleta qualquer proposta concreta ou manifestação de interesse, de forma escrita ou outra, para a cedência daquele, por parte de qualquer clube” (cf. declarações de parte da Ré e depoimento do jogador, em articulação com a total ausência probatória documental de tal facto);
Em face do facto prova supra, “a Ré não recusou nenhuma proposta concreta formulada por qualquer clube interessado e que lhe tivesse sido apresentada pelo Autor” (cf. declarações de parte da Ré e depoimento do jogador, em articulação com a total ausência probatória documental de tal facto);
Y. Da mesma forma consigna-se que devia ter sido aditada à matéria assente (porquanto relevante) a seguinte factualidade (com fundamento no depoimento da testemunha acima reproduzido):
“O Autor não contestou a resolução do contrato de representação operada por C,
“A partir desse momento deixou o Autor de exercer a correspondente representação desportiva do atleta, i.e., deixou de ser seu intermediário desportivo” (cf. depoimento do jogador em articulação com a total ausência probatória documental por parte do Autor).
Z. Pelo que, em função da defendida alteração à matéria de facto, sempre a presente ação teria que improceder dado que não existiu por banda do Autor qualquer atividade concreta prosseguida e a que contratualmente se havia vinculado,
AA. Atividade concreta essa que era naturalmente o pressuposto da remuneração acordada a título de success fee como aquele bem confessou na PI, confissão essa que foi aceite de forma irretratável em sede de oposição para não mais ser retirada nos autos.
BB. igualmente, não é pela circunstância de as partes terem celebrado o contrato de 03.07.2018 no regime de exclusividade que daí resultava que o Autor sempre estaria protegido pela atribuição (automática) de uma remuneração (independentemente de nada fazer – cláusula que sempre seria ilícita).
CC. O que a exclusividade garantia, do lado do Autor, como é bom de ver, e tal obrigação foi fielmente cumprida pela aqui Recorrente, é que estaria esta proibida de contratar outro intermediário desportivo para agenciar a cedência dos direitos desportivos do atleta em causa (o que fez),
DD. Mas sem que tal exclusividade vedasse a possibilidade, como é lógico, do próprio clube de futebol (o que efetivamente veio a suceder) negociar diretamente a transferência do jogador, assim recebesse algum contacto/manifestação de interesse/proposta concretos e diretamente.
EE. E neste conspecto não é enfático reforçar-se a ideia que a renumeração percentual convencionada pelas partes o foi a título de success fee – foi o próprio Autor quem o confessou na PI.
FF. Aliás, a prova que nenhuma intervenção teve o Autor em tal negócio concretizado veio a ser o especial reconhecimento feito pelo próprio (cf. artigo 28.º da PI) quando explicou que apenas teve conhecimento daquele após a sua consumação (tal é sintomático do seu total alheamento/repatriamento causal).
GG. Note-se desde logo que a própria lei não abdica nem possibilita que a remuneração do intermediário desportivo não decorra de uma contrapartida pelo trabalho (efetivamente) prestado, até porque na sua génese se trata de contrato de mandato.
HH. Em súmula, a lei, não apenas expressamente inculca a obrigação do intermediário prestar serviços (efetivos e reais, entenda-se), ou seja, a remuneração é a contrapartida pela atividade desenvolvida, como determina a nulidade de todas as disposições contratuais que prevejam um fim contrário ao por si preconizado.
II. Desde logo convém recordar que o contrato cuja interpretação vem disputada nos presentes autos (celebrado em 03.07.2018) é um contrato de intermediação desportiva, o qual obedece a disciplina normativa especial.
JJ. Acresce que a Ré e o Autor o celebraram no pressuposto deste último ser titular das respetivas competências, acreditação e autorização administrativas necessárias, ou seja, de obter o prévio e subjacente licenciamento desportivo habilitante, conditio sine qua non para o exercício da atividade (fortemente regulamentada).
KK. E nesta conformidade é mister concluir-se, sem resquício de dúvida (atenta a indiscutibilidade documental probatória vertida nos autos), que o Autor apenas se registou/licenciou para o exercício da atividade de intermediário desportivo para a época 2018/2019.
LL. Mas já não o fez para a época 2019/2020, e por culpa exclusiva própria, donde já não poderia ter exercido as correspondentes funções profissionais de intermediário desportivo nesse interregno temporal (por não estar licenciado/registado para tal), e neste prisma a sentença recorrida laborou totalmente em erro.
MM. Destarte, importa inferir que o mencionado contrato de 03.07.2018 se mostra nulo, ou pelo menos é evidente a sua nulidade a partir do início da época desportiva 2019/2020, isto porquanto o Autor não esteve (e não está) devidamente credenciado/licenciado junto da F.P.F. para, nessa conformidade legal, poder atuar como intermediário, assim reclamando tal qualidade e estatuto – ao menos a partir dessa data.
NN. Na verdade, e ao contrário do entendimento perfilhado na sentença recorrida, ao intermediário desportivo não basta registar-se numa única e singela época desportiva,
OO. Mas antes proceder à renovação do registo que é feito com periodicidade anual, a qual (renovação da inscrição) é pressuposta do necessário licenciamento/autorização para o exercício da atividade para o correspondente ínterim.
PP. Com efeito, não basta o mero registo feito uma única vez junto da F.P.F. (no caso com efeitos circunscritos à época desportiva 2018/2019), em ordem a ficar habilitado/autorizado a exercer as correspetivas funções e beneficiar do correspondente estatuto e qualidade ad eternum.
QQ. Tal como surge impressivamente estatuído no artigo 36.º da Lei n.º 54/2017:
“1 - Só podem exercer atividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou coletivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes.
RR. E prossegue o legislador no artigo 37.º, quanto ao cumprimento das obrigações privativas destes profissionais:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar -se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado.
2 - O registo a que se refere o número anterior é constituído por um modelo de identificação do empresário, cujas características serão definidas por regulamento federativo.
3 - São nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo”.
SS. Em síntese, e a lei não podia ser mais meridiana, o contrato é nulo se o intermediário não se apresentar devidamente inscrito e registado para exercer tal função e ser-lhe reconhecido tal estatuto.
TT. E se é verdade que o Autor estava autorizado a exercer as funções de intermediário para a época 2018/2019, o mesmo já não sucedeu para a época 2019/2020, sendo que é anual a licença/autorização a conceder pela F.P.F., desde logo porquanto anualmente procede à indagação e verificação dos respetivos pressupostos,
UU. Sintonizado com tal corpo e escopo legal, também no Regulamento de Intermediários da F.P.F. (cf. Comunicado Oficial n.º 310, de 01.04.2015, da Direção da F.P.F.) se disciplina da mesma forma.
VV. Ou seja, e a fonte normativa é assaz impressiva quanto a tal ponto (cf. artigo 7.º do Regulamento de Intermediários), a lei trata de igual forma o pedido de registo inicial e a renovação do registo, e bem se compreende porque o licenciamento/autorização é concedido temporariamente, dado que com essa periodicidade deve ser aferido o cumprimento dos pressupostos, assim como pagos os emolumentos.
WW. Ora, os alegados direitos de remuneração contratual em disputa emergem de cedência ocorrida na época desportiva 2019/2020, sendo que nesse momento já o aqui Recorrido não dispunha da competência e prévia acreditação/autorização para exercer as funções de intermediário (logo, já não estava registado na F.P.F. – pressuposto, segundo a lei, do reconhecimento de tal estatuto.
XX. Pelo que, segundo o taxativamente imposto no n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 54/2017 tal contrato (na vigência da época 2019/2020) se mostrava ferido de violação de lei, logo nulo – sanção cominada pelo legislador (e por razões unicamente respeitantes ao intermediário desportivo que não cuidou do seu licenciamento/habilitação).
YY. Sobre esta mesma questão já se debruçou, de forma coerente e uniforme, o douto sufrágio dos nossos tribunais superiores que é firme e categórico quanto ao regime privativo estabelecido pela legislação desportiva na ordenação da disciplina exclusiva para reger a matéria respeitante a este contrato de mandato, por um lado,
ZZ. E por outro lado, para concluir que a falta de licenciamento/registo/autorização administrativa junto da F.P.F. determina a invalidade do exercício das funções e a inoponibilidade das disposições desse contrato celebrado com intermediário desportivo.
AAA. Em 18.01.2020, já o atleta em causa havia resolvido, com fundamento em justa causa (resolução não impugnada ou contestada), o contrato de representação entre aquele celebrado e o aqui Recorrido.
BBB. Contrato esse que é pressuposto lógico, e está na génese (ôntica) do contrato celebrado entre o Autor e o clube de futebol, em 03.07.2018, e donde emergem os putativos direitos de que aquele se arroga titular nos presentes autos.
CCC. Com efeito, (pelo menos) desde essa data, que cessaram todas e quaisquer funções de intermediário daquele jogador, sendo que a lei também não poderia ser mais clara quanto à falta de validade de tal instrumento contratual, pois em face do plasmado no n.º 3 do artigo 38.º da Lei n.º 54/2017, “(…) o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor”.
DDD. Necessariamente que se o contrato subjacente de representação do atleta pelo intermediário também já não se encontra em vigor, também este último contrato entre aquele celebrado e o clube ficou privado ou destituído/carecido de objeto legal, sendo também por isso nulo – cf. n.º 1 do artigo 280.º do CC.
EEE. Conforme supra se analisou, em consonância prática com o plasmado no artigo 4.º do Regulamento de Intermediários, o intermediário é a pessoa singular ou coletiva que representa o jogador em negociações, pelo que não existindo já tal vínculo contratual, não podia o Autor apresentar-se como intermediário, donde falece o pedido indemnizatório também por esta via.
FFF. Dos normativos citados resulta inequívoco que para a legislação desportiva que regula privativamente tal matéria, os contratos de intermediação, para granjearem validade legal, devem ser realizados unicamente com intermediários registados e apenas estes dispõem dos devidos poderes e faculdades de exercício reconhecidos.
GGG. Acresce ainda que a dita cláusula remuneratória (parte final do n.º 1 da cláusula 2.ª) ofende direta e materialmente o conteúdo do artigo 18bis (Third-party influence on clubs – conhecido por TPO) do Regulamento F.I.F.A. sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores.
HHH. Note-se que tal disposição está em vigor desde 01.05.2015, sendo inequívoco que a regulamentação FIFA é fonte normativa, sendo que através de tal disposição proíbe-se qualquer terceiro interveniente (intermediário, por exemplo) de participar no negócio influenciando as condições de transação/negociação dos jogadores, o que sucede se o Autor tivesse efetivamente direito a 30% do valor da cedência e/ou transferência sem ter realizado qualquer atividade ou ter prestado serviço efetivo (constituiria uma proibida associação de terceiro ao negócio).
III. Além de tal argumento um outro se perfila que aponta para a abusividade/ilegalidade dessa condição remuneratória, dado que tal cláusula inserida no clausulado unilateral apresentado pelo aqui Recorrido à ora Recorrente viola o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.
JJJ. Na verdade, a referida cláusula, ao postular para o intermediário desportivo o direito ao recebimento de uma remuneração por um serviço não prestado, ou seja, abstraindo-se totalmente do concurso da sua ação causadora, viola dos ditames da boa-fé (cfr. artigo 15.º) e, mesmo por respeito a relações entre profissionais, afronta o disposto no artigo 19.º, alínea d), ao estabelecer como desnecessário e irrelevante qualquer existência de nexo causalidade,
KKK. Como se fosse legítimo estabelecer uma remuneração pela prestação de um serviço não efetuado, ou sem qualquer contributo ou valiosidade/responsabilidade para a causação do resultado de que depende a remuneração.
LLL. Neste sentido, e também por apelo ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º de tal regime, tal cláusula deve merecer o sentido interpretativo que é mais consentâneo com a proporcionalidade e justiça que um contratante indeterminado normal lhe atribuiria – ou seja, existe lugar à remuneração pelos serviços se estes foram de molde a atingir/proporcionar o resultado contratualizado.
MMM. E note-se que tal negócio volta a ser nulo (por força de tal cláusula) também por força do albergado no n.º 2 do artigo 280.º do CC.
NNN. Em suma, a decisão recorrida violou, inter alia, o disposto nos artigos 36.º, n.º 1, 37.º, 38.º, n.ºs 2 e 3 e 42.º da Lei n.º 54/2017, nos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, n.º 2, 10.º e 11.º, n.º 5, do Regulamento de Intermediários da F.P.F., o artigo 18bis do Regulamento F.I.F.A. sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores, os artigos 11.º, n.ºs 1 e 2, 15.º e 19.º, alínea d), do Regime das Cláusulas Contatuais Gerais e o artigo 280.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
OOO. Por fim deve notar-se que mesmo que não fosse dado provimento ao presente recurso, sempre devia ser reformada a sentença quanto a custas, uma vez que imputou exclusivamente à aqui Recorrente a responsabilidade total pelo seu pagamento, o que não traduz nem uma situação de justiça nem corresponde ao decaimento das partes.
PPP. Com efeito, deve notar-se que o Autor, no decurso da ação, ampliou o seu pedido, cumulando (sucessivamente) o pedido inicial formulado na PI com um novo pedido autónomo indemnizatório – calculado sobre a segunda transferência do atleta (o qual veio a ser julgado improcedente – por sinal até em montante indemnizatório superior ao valor do pedido atendido).
QQQ. Neste sentido dúvidas não podem existir que se tal pedido tivesse sido formulado logo na PI (cumulação inicial), o decaimento do Autor era evidente quanto àquela parcela indemnizatória, pelo que a responsabilidade tributária projetaria tal improcedência.
RRR. Ora, segundo um juízo equitativo, não é a circunstância de tal pedido ter sido formulado na pendência da ação que, uma vez desatendido, deve evitar a aplicação do regime de responsabilidade em função do respetivo decaimento de cada uma das partes sobre todos os pedidos formulados e apreciados pelo Tribunal, donde se imporá a reforma quanto a custas, o que se requer.
Pede assim que seja dado integral provimento ao recurso, com a consequente absolvição da R. de todos os pedidos contra si formulados, com todas as legais consequências.
O A. respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
A) Em nossa modesta opinião, a decisão aqui em crise não merece qualquer reparo, apreciando exemplarmente a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como aplicando corretamente o direito à matéria de facto considerada provada e não provada.
(…) C) A Recorrente alega que, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento e toda a documentação carreada nos autos, foram considerados como provados factos que não o deveriam ter sido, mas também não foram considerados provados factos que deveriam ter sido considerado como tal.
D) Limitando-se a indicar umas meras transcrições de partes de um depoimento para entender que tal depoimento implica obrigatoriamente uma resposta diferente aos “quesitos” sem fazer referência ao depoimento na sua totalidade ou as declarações prestadas a instâncias da outra parte.
E) Os depoimentos ou meios de prova devem ser sempre analisados global, crítica e conjuntamente, face às regras da experiência comum.
F) E no caso em apreço, o Tribunal efetuou essa análise livre, crítica e conjuntamente de forma cabal, conforme facilmente se retira da fundamentação da sentença que explica todo o processo cognitivo do julgador, designadamente por que motivo decidiu de uma forma em detrimento de outra.
G) E os meios probatórios indicados pela Recorrente no seu recurso como fundamento para decisão diversa, foram devidamente analisados e apreciados pelo Tribunal, que entendeu decidir como decidiu.
H) A Recorrente apenas não se conforma com a versão dos factos (ou melhor, com a aplicação do direito) que o tribunal acolheu e pretende agora sindicar essa apreciação livre e global da prova.
I) Limita-se a retirar essa conclusão de pequenos excertos e transcrições, sem analisar globalmente e criticamente a prova, nomeadamente a documental e negocial... e contrapondo os depoimentos com os documentos.
J) O objeto do litígio é de relativa simplicidade, designadamente apreciar se a Recorrente incumpriu o contrato celebrado com o Recorrido ou se tal contrato padece de nulidade.
K) Sendo que o que está aqui em causa é o facto das partes em litígio terem acordado celebrar, em 03.07.2018, um contrato de intermediação, em regime de exclusividade, pelo período de dois anos.
L) Em contrapartida, nos termos daquele contrato, a Recorrente obrigou-se então a pagar ao Intermediário - aqui Recorrido - ou a quem este viesse indicar o montante equivalente a 30% (trinta por cento) do preço, acrescido de IVA calculado à taxa legal em vigor, que a Recorrente tivesse direito a receber no caso de concretização duma cedência, temporária ou definitiva, daquele jogador, nos termos da cláusula segunda, número um, do contrato celebrado e aqui em crise.
M) O caráter de exclusividade impunha que o Recorrido teria sempre direito à remuneração, independentemente da existência ou prova de qualquer nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e a transferência do jogador.
N) Tal cláusula foi acordada como condição essencial da celebração do negócio pelo facto deste contrato ter sido celebrado na sequência da prestação de serviços de intermediação - prestada pelo Recorrido à Recorrente em 08.06.2018 - culminando na celebração do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o jogador e a Recorrente (celebrado em 29.06.2018, junto aos autos com a petição inicial).
O) Ou, por outras palavras, o que as partes quiseram, no fundo, garantir, foi que, pelo serviço de intermediação do contrato de trabalho desportivo prestado à Recorrente, esta pagasse ao Recorrido o preço global fixo de:
I - € 20.000,00 (vinte mil euros); e,
II - 30% do preço duma futura transferência, temporária ou definitiva;
P) Assim celebrou o contrato aqui em crise (datado de 03.07.2018) no qual se obrigou a pagar o preço correspondente a 30%, resultante duma futura transferência.
Q) E esta é razão pela qual as partes consignaram que o Recorrente teria sempre direito à remuneração, independentemente da existência ou prova de qualquer nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e a transferência do jogador.
R) Isso, apesar de, como ficou claramente demonstrado, o Recorrido ter cumprido a sua obrigação em promover o jogador.
S) O Recorrente insurgir-se contra a circunstância do Tribunal a quo não ter dado como provado o facto do Recorrido não se encontrar licenciado para o exercício da atividade de intermediação na época desportiva 2019/2020.
T) A Recorrente não fez qualquer prova de que o Recorrido não estivesse registado na Federação Portuguesa de Futebol na época 2019/2020.
U) Ademais, tal facto não tem relevo para a decisão da causa.
V) Ainda que tal fosse considerado como provado, não produz qualquer efeito jurídico contrário à condenação determinada pelo Tribunal a quo.
W) Ao caso aplica-se a Lei n.º 54/2017 de 14 de julho, que estabelece o regime jurídico dos denominados empresários desportivos, remetendo este normativo para a Federação Portuguesa de Futebol que introduziu, em 2015, o sistema de licenciamento da atividade dos intermediários (termo introduzido por esta lei) na modalidade de futebol.
X) Realçamos o artigo 37.º da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho que refere: “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar -se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado.”
AA) Tribunal a quo dá como provado que o Recorrido se encontrava registado como intermediário na época desportiva 2018/2019, resultante de declaração oficial, em folha timbrada e assinada, emitida pelo Federação Portuguesa de Futebol, junta aos autos pelo Autor.
BB) Nos termos dos artigos 397.º e 398.º do código civil, é nessa condição e momento que o vínculo jurídico nasce efetivamente, gerando um direito de crédito a favor do Recorrido.
CC) No momento em que o Recorrido prestou a sua prestação - intermediação do contrato de trabalho desportivo – estava legalmente habilitado à prática daquele ato, sendo que não é legalmente exigível que, no momento da contraprestação – pagamento do preço – este ainda mantivesse essa habilitação.
DD) Pelo que, entendemos que é irrelevante para a decisão da causa o facto de o Recorrido, como alegado e não provado, não se encontrar registado como intermediário à data da transferência do jogador (vencimento do pagamento) ou do momento do pagamento do preço.
EE) O que importa é a data do cumprimento da sua prestação (celebração do contrato com a Recorrente, por força da intermediação) que origina e faz nascer a obrigação de cumprimento da contraprestação (pagamento do preço).
FF) Ainda que o momento da prestação da obrigação por parte da Recorrente - in casu, vencimento e consequente pagamento do preço acordado - só se tenha verificado posteriormente.
GG) No caso em concreto, a obrigação da contraprestação (pagamento do preço) nasce com a assinatura do contrato de trabalho desportivo pelo jogador com a Ré (prestação da A.), mas apenas é exigível (na parte em que se refere a 30% do valor de uma transferência futura), e se vence, quando se efetiva a transferência futura do jogador, ou seja, na data da transferência do jogador C para o clube Khor Fakkam Sports & Cultural Club.
HH) Sendo desprovido de qualquer fundamento legal ou ético a teoria “peregrina” da Recorrente de que o A. teria de manter o seu Registo como intermediário até o momento do pagamento!!!
II) Nem a Lei 54/2017 de 14 de julho, nem o Regulamento de intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, nem qualquer outra lei em Portugal, dispõe ou obriga a que os intermediários se encontrem registados após o cumprimento da sua prestação até ao momento do cumprimento da contraprestação da obrigação (neste caso, pagamento).
JJ) Razão pela qual entendemos que, ainda que se entendesse dar como provado que o Recorrido não se encontrava licenciado para o exercício da atividade de intermediário na época desportiva 2019/2020, o contrato celebrado pelas partes continuaria a ser válido.
KK) Todavia, tal questão nem se coloca, uma vez que o Tribunal e bem, não considerou provado por não ser essencial à boa decisão da causa que o Recorrido não se encontrava registado na época 2019/2020, porquanto nada foi aportado aos autos nesse sentido.
LL) Quanto ao facto da Recorrente alegar que o Tribunal a quo errou ao considerar como provado que o Autor promoveu a atividade do jogador.
MM) Resulta da prova junta aos autos (em específico, das conversas tidas pelo sistema de comunicação” Whatsapp” entre o Autor e o representante legal da Recorrente – Diogo ..... – e respetivas declarações) que este foi abordado pelo Recorrido no sentido de apresentar propostas para a transferência do jogador.
NN) A título de exemplo, nomeia-se a – flagrante – declaração em inglês junta aos autos pelo Recorrido (traduzida) na petição inicial, datada de 22.07.2019, emitida pela Recorrente em folha timbrada e carimbada, na sequência da proposta apresentada pelo Recorrido para a transferência do jogador e comunicada a Diogo ....., na qualidade de legal representante da Recorrente – dirigida ao clube “Qabarag”.
OO) Naquela, a Recorrente declara que “irá aceitar a oferta do clube Qabarag FK” de 800.000 USD por 90% dos direitos económicos relativos ao jogador C, pagamento efetuado numa só prestação.”
PP) Pensamos que fica – cabalmente - demonstrado que o Recorrido promoveu o jogador.
QQ) Não só promoveu, como obteve interessados na transferência (cedência definitiva) do jogador e iniciou negociações com vista à concretização dessa transferência.
RR) Veja-se ainda nesse sentido a transcrição da conversa, via Whatsapp, datada de 18 de julho de 2019, junta aos autos, em que o Recorrido cumprimenta o representante da Recorrente e refere que está em negociações com o Diretor do clube “AL RAED”.
SS) Mais informa que aquele clube está interessado na contratação do jogador C, através de cedência temporária (empréstimo), com opção de compra, sendo €100.000,00 de ónus pelo empréstimo e €900.000,00 pela compra.
TT) Ao que a Recorrente (pelo seu Diretor Diogo) questiona se a opção de compra de €900.000,00 é obrigatória.
UU) O Recorrido responde, afirmando que não, mas pode tentar colocar isso como “check mate”.
VV) E passados 20 minutos responde afirmado que não garantem que a compra seria como opção.
WW) Tendo a Ré respondido com “Esquece então amigo.”
XX) Ora, da conversa claramente se concluiu, que o Recorrido promoveu, obteve interessados e encetou negociações com vista a uma eventual transferência do jogador.
YY) Mais, que essa promoção e negociações foram do conhecimento da Recorrente que, aliás, acompanhou e comunicou os seus termos para concretização do negócio.
ZZ) Pelo que se estranha, e é revelador da mais despudorada má fé a alegação e pretensão de que o Recorrido não promoveu uma eventual transferência do jogador.
AAA) Baseando-se unicamente em declarações duvidosas e hesitantes do jogador, que, ou não tem conhecimento, ou que acha ou não sabe, que são claramente e categoricamente contraditas com os demais elementos probatórios, designadamente os documentais: contratos e conversas do Whatsapp.
BBB) Pelo que, não pode restar qualquer dúvida de que, mais uma vez, o Recorrente carece de razão neste ponto da alegação, não merecendo a sentença proferida qualquer reparo.
CCC) Quanto ao facto da Recorrente alegar que devia ser aditada à matéria assente o facto do Autor não ter contestado a resolução do contrato de representação celebrado com o jogador como condição para o incumprimento do contrato aqui em crise.
DDD) Não existe qualquer relação, substancial ou formal, entre o contrato de representação que o jogador mantinha com o Autor (entretanto resolvido por aquele) e o cumprimento da obrigação de pagamento por parte da Recorrente.
EEE) As partes e o objeto não são os mesmos, nem existe qualquer cláusula no contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido que faça depender a sua validade da do contrato de representação mantido com o jogador.
FFF) Nem, tão pouco, tal facto foi alguma vez comunicado pela Recorrente ao Recorrido como sendo essencial para o cumprimento da obrigação durante a execução do contrato aqui em crise.
GGG) Quanto ao facto da Recorrente alegar que houve erros de julgamento ou incorreta subsunção jurídica.
HHH) Por uma questão de economia processual, dá-se por integralmente reproduzido o supra alegado e para a clara e simples fundamentação da sentença.
III) Na sequência, mais uma vez se refere que a obrigatoriedade do registo como intermediário que a lei define não tem paridade com o tempo da prestação da obrigação.
JJJ) O que é exigido – e considerado como assente pelo Tribunal a quo em função da prova produzida – é que o intermediário esteja licenciado para o exercício da sua atividade ao tempo em que a exerce.
KKK) Quanto ao mais alegado, em específico, sobre o facto da regulamentação FIFA “ofender” a cláusula remuneratória (parte final do n.º 1 da cláusula 2.ª).
LLL) Tal facto é absolutamente inócuo aos efeitos do contrato celebrado na esfera jurídica do Recorrido, porquanto as partes não invocaram qualquer facto no contrato com relação ao alegado, nem tão pouco a Recorrente o invocou ao Recorrido como condição necessária para o cumprimento da obrigação, durante a execução do contrato.
MMM) As partes acordaram e celebraram os contratos de forma esclarecida e os mesmos reproduzem a vontade negocial das partes, sempre de boa fé e conscientes das obrigações que cada uma dela assumia com a outra parte.
NNN) Pretendendo agora a Recorrente desvincular-se das obrigações que conscientemente e livremente assumiu com o Recorrido, sendo que essas obrigações não são contrárias à ordem pública, ou ofensivas dos bons costumes, nem violam quaisquer normais imperativas.
OOO) Numa atuação igualmente de má fé, com o intuito exclusivo de obstar ao trânsito em julgado da presente ação.
PPP) Veja-se o teor da douta Sentença recorrida, quando, muito bem, refere que: “Na situação em análise, foi celebrado um contrato de intermediação desportiva, na qual as partes, livremente e de acordo com a sua vontade, fixaram a remuneração devida ao Autor, não se afigurando que o mesmo seja contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes ou que sequer viole normas imperativas (art. 295.º do Código Civil).”
QQQ) E concluiu ainda que: “Sendo certo que, querer aproveitar-se agora, depois de retirados todos os proveitos da atividade do Autor, de uma resolução com efeitos retractivos, comunicada após a instauração da presente ação, para não pagar o que sempre soube dever. Roça os limites da má-fé.”
RRR) Quanto ao mais alegado, em específico, sobre o a responsabilidade tributária, andou bem o Tribunal a quo porquanto a Recorrente foi, efetivamente, parte vencida visto ter sido condenada no exato pedido peticionado pelo Recorrido.
SSS) O pedido do A. sempre foi o da condenação da Ré a pagar ao A., o valor correspondente a 30% do valor da transferência do jogador, não tendo efetuado qualquer cálculo aritmético ou indicado um valor específico, pelo facto de desconhecer concretamente e com certeza o valor da transferência.
TTT) Pelo que, tendo-se apurado esse valor nos autos, a condenação proferida na Sentença corresponde 100% à totalidade do pedido (perdoem o pleonasmo) do Recorrido.
UUU) Assim, sendo a Recorrente condenada na totalidade do pedido, tal condenação terá as devidas e normais consequências na Conta de Custas, e na condenação do mesmo na totalidade das custas processuais e de parte.
VVV) Forçoso será concluir que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo a mesma ser confirmada in totum, com as demais consequências legais.
Pede assim que seja negado provimento ao recurso e, consequentemente, que seja confirmada a sentença.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A impugnação da matéria de facto;
b) A obrigação de pagamento do “success fee” no quadro do contrato de intermediação desportiva em regime de exclusividade;
c) A invalidade do contrato de intermediação desportiva em função da superveniente inexistência de registo do intermediário na F.P.F. à data em que se constituiu a obrigação de pagamento da remuneração;
d) A invalidade da cláusula remuneratória em face do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e do Regulamento FIFA sobre transferência de jogadores;
e) A eficácia do contrato em função da resolução do contrato de representação celebrado com o jogador; e
f) A responsabilidade por custas.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A R. é uma sociedade anónima desportiva promotora da atividade desportiva que compete atualmente no primeiro escalão das competições profissionais, também denominado por “primeira liga”.
2. Considerando o interesse na contratação do jogador C, a R. contactou o A. em 04/06/2018, solicitando-lhe que prestasse o serviço de intermediação à R. e, assim, garantisse que aquele jogador viesse efetivamente a celebrar um contrato de trabalho com a R..
3. Em resultado do serviço prestado pelo A. à R., o jogador C celebrou com a R. um contrato de trabalho desportivo em 28/06/2018, válido para as épocas desportivas 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021.
4. A. e R. celebraram um contrato em 03/07/2018.
5. Consta do considerando b) de tal contrato que, após a concretização do registo na Federação Portuguesa de Futebol, o intermediário informará a SAD, por correio eletrónico, o número da sua licença.
6. Consigna a cláusula primeira de tal contrato o seguinte: «pelo presente, a SAD pretende contratar os serviços do intermediário, em regime de exclusividade, relacionados com a promoção e atividade desportiva daquele jogador, com vista à celebração de um contrato de cedência onerosa, temporária ou definitiva, dos direitos de inscrição e à venda dos económico-desportivos daquele».
7. Ficou também consignado que o A. se obrigava a promover a carreira do jogador C junto da sua rede de contactos, com vista à cedência, temporária ou definitiva, dos direitos federativos e/ou alienação dos direitos económicos relativos ao atleta.
8. Em contrapartida, a R. obrigou-se então a pagar ao Intermediário ou a quem este viesse indicar o montante equivalente a 30% (trinta por cento) do preço, acrescido de IVA calculado à taxa legal em vigor, que a R. tivesse direito a receber no caso de concretização duma cedência, temporária ou definitiva, daquele jogador, nos termos da cláusula segunda, número um do contrato.
9. Tendo ficado também definido no ponto dois da cláusula segunda que considera-se preço da transferência como todas e quaisquer receitas que venham a resultar da cedência a terceiros, de parte ou da totalidade, dos direitos económicos relativos ao atleta, da rescisão unilateral do contrato por parte do atleta ou de uma transferência, temporária ou definitiva do atleta (incluindo transferência definitiva através de permuta do atleta), abatida das importâncias que a SAD tenha de entregar a outrem por força dos mecanismos de solidariedade e de compensação por formação previstos no Regulamento relativo ao estatuto e transferência de jogadores da FIFA, acrescido de IVA à taxa legal, sobre o valor da transferência.
10. Em janeiro de 2020, o jogador foi cedido pela R. ao clube de futebol “Khorfakkan Sports & Cultural Club” dos Emirados Árabes Unidos.
11. A R. não informou o A. de qualquer facto relacionado com esta transferência.
12. O A. encontrava- se licenciado para o exercício da atividade de intermediação na época desportiva 2018/2019 – compreendida entre os dias 01.07.2018 e 30.06.2019 - pela Federação Portuguesa de Futebol, o que comunicou à R..
13. O A. promoveu a atividade do jogador ao serviço da R. junto de outros clubes, tendo apresentado propostas para a cedência daquele.
14. A R. recusou sempre as propostas apresentadas pelo A. para a cedência do jogador.
15. A 18/01/2020, C resolveu o contrato de representação celebrado com o A..
16. A 02/07/2020, a R. resolveu o contrato celebrado com o A..
17. Pela cedência referida em 10. foi pago à R. 100.000,00$ (cem mil USD).
18. A 20 de julho de 2020, o jogador foi novamente emprestado ao Khorfakkan Sports & Cultural Club por 150.000,00$ (cento e cinquenta mil USD).
19. Consta da cláusula quarta, número 1, do contrato celebrado entre A. e R. o seguinte: «o presente contrato entra em vigor no dia 3 de julho de 2018 e caducará uma vez decorridos 02 (dois) anos sobre essa data, exceto se renovado nos termos do número seguinte».
*
A sentença deixou ainda consignado que: «com relevo para a decisão da causa, não ficou por provar qualquer facto».
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas que estão as questões de que cumpre tomar conhecimento, iremos então apreciar as mesmas pela sua ordem de precedência lógica, começando pela impugnação da matéria de facto.
1. Da impugnação da matéria de facto.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
No caso, o Recorrente pretende pôr em causa o julgamento da matéria de facto provada relativamente aos ponto 13 e 14, tendo por base os depoimentos de parte do legal representante da R. e da testemunha C que transcreveu, pretendendo que fosse ainda dado por provado que o A. não se encontrava licenciado para a atividade de intermediário desportivo para a época desportiva 2019/2020, uma vez que não foi feita prova desse facto, e, bem assim, que o A. não contestou a resolução do contrato de representação do jogador C e que assim deixou de o representar desde então, isto tendo em consideração que não foi posta em causa esta matéria.
Dito isto, em termos sucintos, foram cumpridos os ónus estabelecidos no Art. 640.º do C.P.C., pelo que deveremos apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativamente a cada um dos factos concretamente postos em causa, tendo em atenção o julgamento diverso que se pretende sobre essa factualidade.
Vejamos então do bem fundado da impugnação apresentada, seguindo-se a sequência de factos tal como apresentada pelo Recorrente.
1.1. Do facto relativo ao licenciamento do A. para a época desportiva de 2019/2020.
O Recorrente veio expressar o entendimento que o Tribunal a quo julgou incorretamente os factos provados quando deu por assente que o A. se encontrava licenciado para o exercício de intermediação na época desportiva 2018/2019 na F.P.F., negligenciando completamente o facto alegado pelo R. de que o A. não estava licenciado para o exercício da mesma atividade relativamente à época desportiva de 2019/2020, tal como consta da lista oficial da F.P.F. junta pelo R. com a sua contestação, a qual não foi oportunamente impugnada pelo A..
O Recorrido limita-se a contrapor a irrelevância desse facto, porque a validade do contrato de intermediação desportiva celebrado com o R. estava apenas dependente do licenciamento da atividade à data da outorga desse contrato e não era condição necessária para receber as quantias a que tem direito, na altura em que as mesmas se tornariam exigíveis.
Apreciando, independentemente das considerações jurídicas em que assentam os posicionamentos das partes, sobre as quais oportunamente nos iremos debruçar, não poderemos dizer que, em face da defesa apresentada pelo R. e segundo as várias soluções admissíveis em direito, de acordo com um padrão de razoabilidade, fosse completamente irrelevante o A. estar ou não registado na F.P.F., como intermediário licenciado, para determinada época desportiva, durante a qual ocorreu o facto que obrigaria ao pagamento da remuneração acordada.
De facto, nos termos do Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho, só podem exercer a atividade de empresário as pessoas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais e internacionais, competentes. Sendo que, nos termos do Art. 37.º n.º 1 do mesmo diploma legal, impõe-se aos empresários desportivos o ónus de se registarem junto da respetiva federação desportiva, que para o efeito deve dispor de um registo organizado. Por seu turno, o Art. 6.º n.º 1 e n.º 2 do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, dispõem que só podem exercer a atividade de intermediário desportivo as pessoas registadas na F.P.F. (n.º 1 do Art. 6.º), devendo o intermediário requerer o seu registo sempre que participe numa transação (n.º 2 do mesmo preceito). Daqui decorre que a F.P.F. é o organismo competente para o licenciamento dessa atividade de intermediário desportivo e para certificar a existência do correspondente registo.
Dito isto, é indiscutível que foi devidamente dado por provado, no ponto 12 da sentença recorrida, que o A. se encontrava registado como intermediário na Federação Portuguesa de Futebol para a época 2018/19, pois isso resultada claramente do documento de fls 12, junto pelo A. com a sua petição inicial, que é uma declaração da F.P.F. que atesta precisamente esse facto.
No entanto, de igual modo, também é claro, do documento de fls 62 a 65, que é constituído pela lista completa dos nomes dos intermediários registados na F.P.F. para a época de 2019/20, atualizada à data de 27 de maio de 2020, que o nome do A. aí não consta. Ora, o R. alegou explicitamente no artigo 27.º da sua contestação que: «(…) o Autor não se registou para a época desportiva 2019/2020», sendo que o documento de fls 62 a 65 foi junto com a contestação e, efetivamente, não se mostra impugnado nos autos. Aliás, o A., aqui Recorrido, continua a não por em causa esse facto, apesar de defender a sua irrelevância, com argumentação estritamente jurídica.
Assim sendo, julgamos que se justifica aditar aos factos provados um ponto 12-A. com a seguinte redação:
«12-A. O A. não consta da lista de intermediários registados na Federação Portuguesa de Futebol como estando licenciado para o exercício da atividade de intermediação relativamente à época desportiva 2019/2020, lista essa atualizada à data de 27 de maio de 2020 (cfr. doc. de fls 62 a 65)».
1.2. Dos factos provados em 13. e 14. da sentença recorrida.
De seguida, o Recorrente põe em causa o julgamento dos factos constantes dos pontos 13. e 14. da sentença recorrida, relativos à circunstância de o A. ter promovido a atividade do jogador junto doutros clubes, tendo apresentado uma proposta de cedência (facto 13.) e a R. ter sempre recusado as propostas apresentadas para a cedência (facto 14.).
Expressa o entendimento de que não se fez prova desses factos, desde logo porque não foi junta prova documental dessa atividade, nem da recusa da R., considerando que as conversações juntas ao processo seriam um mero artifício para ludibriar o tribunal.
O Recorrente transcreveu ainda várias passagens do depoimento de parte do A., onde o mesmo tentou justificar as diligências que fez e a recusa que recebeu do representante do clube. Por outro lado, das declarações de parte do legal representante do R., Diogo ....., transcreveu passagens em que o mesmo negava ter recebido qualquer proposta dum clube da Arábia Saudita, mencionando que houve um agente brasileiro que estava interessado na aquisição duma participação do jogador, mas não deu em nada. Também referiu não se recordar da conversação via “WhatsApp” documentada nos autos, com a qual foi confrontado, tendo mencionado que o negócio da transferência acabou por ocorrer sem intervenção do A., que não tinha apresentado qualquer proposta. Também realçou que o jogador, C, ouvido como testemunha, para além de confirmar a resolução do contrato de representação que celebrou com o A., queixou-se que não tinha recebido qualquer proposta da parte do A..
O Recorrido, por seu turno, realça as conversações por “WhatsApp” documentadas nos autos e a declaração assinada pelo R. a dizer que iria aceitar uma oferta do clube “Qabarag FK” de 800.000 USD por 90% dos direitos económicos do jogador C, na sequência de proposta do A.. Portanto, este promoveu o jogador, obteve interessados na sua transferência e iniciou negociações nesse sentido, tendo a R. recusado a proposta do clube “Al Raed” para uma cedência temporária, com opção de compra, por €100.000,00 de ónus pelo empréstimo e €900.000,00 pela compra, tendo o representante da R. respondido: “Esquece amigo”, tal como documentado nos autos.
A sentença recorrida fundamentou a resposta a estes pontos da matéria de facto provada, nos seguintes termos: «Os factos 13º e 14º resultaram das declarações de parte do Autor, pois, pese embora o legal representante da Ré (Diogo ....) tenha desvalorizado a atividade daquele, (…) as conversas de whatsapp não deixam quaisquer dúvidas de que o Autor desenvolveu diligências no sentido de transferência do jogador e que as comunicou à Ré (cfr. mensagem de 28/05/2019 18:19:18, mensagem de 18/07/2019 05:25:34 e seguintes).  Aliás, tal resulta ainda claramente da própria declaração emitida pela B a 22/07/2019».
Apreciando, julgamos que a sentença recorrida fez uma correta apreciação da prova produzida em julgamento, valorizando, e bem, o teor da prova documental de fls 12 verso a 32 e 38 a 42, que nos parece clara, apesar do legal representante da R. alegar, inexplicavelmente, o seu desconhecimento.
Não temos elementos para concluir que essa prova tenha sido fabricada para enganar o tribunal. Pelo contrário, trata-se de comunicações produzidas de forma aparentemente espontânea, perfeitamente plausíveis no contexto do relacionamento comercial e pessoal entre o A. e o representante da R.. Delas resulta claro que o A. desenvolveu ativamente diligências para promoção do jogador junto doutros clubes e interessados nos direitos económicos do jogador e, pelo menos, num caso concreto, houve efetiva recusa relativamente a um interessado na sua cedência do jogador a título de empréstimo. Nessa medida, julgamos que não existe fundamento para alterar a matéria de facto ora em consideração.
1.3. Dos factos omissos na sentença recorrida relativos à cessação do contrato de representação celebrado entre o jogador e o A.
O Recorrente pretende ainda que sejam aditados aos factos provados que o A. não contestou a resolução do contrato de representação operada pelo julgador C e que, a partir desse momento, deixou de exercer a representação desportiva desse atleta.
Quanto a estes factos, temos de concordar com o exposto nas contra-alegações do Recorrido: esses factos são completamente irrelevantes.
Relembre-se que, no ponto 15. dos factos provados da sentença recorrida, já consta por assente que em 18/7/2020, o jogador em causa resolveu o contrato de representação que celebrou com o A.. O que se nos afigura mais que suficiente para sustentar a defesa apresentada pelo R..
Em todo o caso, julgamos que, uma coisa é o contrato de intermediação desportiva celebrado entre A. e R., junto aos autos de fls 35 a 37, e, outra coisa, completamente distinta, é o contrato de representação desportiva do jogador, celebrado entre este último e o A., que não se mostra sequer junto aos autos.
É que do contrato de representação desportiva do jogador não poderiam resultar obrigações para o R., que nele não é parte (cfr. Art. 406.º n.º 2 do C.C.). Mas, mais importante que este último argumento, ainda que de natureza eminentemente jurídica, é a circunstância de do contrato de intermediação desportiva, junto a fls 35 a 37, não constar nenhuma cláusula que faça depender o pagamento de qualquer remuneração devida pelo R. do facto de o A. representar desportivamente o jogador. Portanto, afigura-se-nos inúteis todas as questões relacionadas com outros contratos que não têm qualquer conexão com a relação creditícia em que assenta a presente ação.
Só nos resta assim não acolher nesta parte a impugnação da decisão da matéria de facto por alegada omissão dos factos provados.
Em suma, procede a impugnação apenas relativamente ao ponto 12. dos factos provados da sentença recorrida, no sentido de dever ser aditado aos mesmos um facto 12-A., com a redação que estabelecemos no ponto 1.1. do presente acórdão. Quanto ao mais improcede a impugnação e as conclusões que sustentam o contrário do exposto.
2. Da obrigação de pagamento do “success fee” no quadro do contrato de intermediação desportiva em regime de exclusividade.
Fixados os factos provados, cumpre então apreciar o mérito da causa, relembrando que o A. instaurou a presente ação com o propósito de obter a condenação do R. no pagamento da quantia equivalente a 30% do preço devido pela cedência do jogador C para o clube Khor Fakkan Sports & Cultural Club, acrescida de juros.
Esta pretensão fundava-se na celebração de um contrato de intermediação desportiva entre o R. e o A., nos termos do qual este último se obrigava a promover a cedência, temporária ou definitiva, dos direitos federativos ou a alienação dos direitos económicos relativos ao atleta, jogador de futebol, C, mediante o pagamento correspondente a 30% do preço de uma futura cedência, temporária ou definitiva, desse jogador.
A sentença recorrida julgou a ação procedente, reconhecendo o incumprimento do contrato pelo R. e condenando-o ao pagamento ao A. da quantia equivalente a 30% do preço de cedência do jogador, num total de cem mil dólares, acrescido de juros de mora a contar da citação.
Assim, antes de mais, cumpre reconhecer que o contrato com base no qual assenta a pretensão creditória do A. é um “contrato de intermediação desportiva”.
O contrato de intermediação desportiva está sujeito fundamentalmente ao regime jurídico aprovado pela Lei n.º 54/2017 de 14 de julho, que revogou a Lei n.º 28/98 de 26 de junho (cfr. Art. 43.º do primeiro dos citados diplomas legais) e estabeleceu o regime ainda hoje vigente para os empresários desportivos (v.g. Art. 1.º), que são definidos no Art. 2.º al. c) como: «a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, na celebração de contratos desportivos».
Nos termos do Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho: «1- Só podem exercer atividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou coletivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes».
Em conformidade com esta norma, dispõe o Art. 37.º n.º 1 que: «(…) os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar -se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado».
No mesmo contexto, a Federação Portuguesa de Futebol aprovou um Regulamento para o exercício da atividade de intermediário desportivo no quadro da atividade desportiva federada por si organizada, definindo, no seu Artigo 4.º, intermediário como: «a pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência». Sendo que no Art. 6.º sujeita essa atividade à obrigação de registo na F.P.F..
Efetivamente, decorre explicitado desse Art. 6.º que: «1. Só podem exercer a atividade de Intermediário as pessoas singulares ou coletivas registadas na FPF. 2. O Intermediário deve requerer previamente o seu registo sempre que participe numa transação. 3. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o registo de Intermediário pode ser requerido para uma época desportiva, sendo emitido o respetivo documento comprovativo
Nessa sequência, o Art. 7.º do mesmo Regulamento da F.P.F. estabelece os requisitos do registo de um intermediário financeiro, o que obriga à apresentação da documentação aí mencionada, de que se sobreleva: a identificação civil e fiscal; o registo criminal atualizado; a apólice de seguro de responsabilidade civil adequado ao exercício da atividade, cobrindo responsabilidade por danos até ao montante de €50.000,00; a declaração de inexistência de situação de insolvência; e a certidão comprovativa de ter a situação contributiva regularizada. O n.º 5 do mesmo preceito refere ainda que: «5. Pelo registo ou renovação de registo como Intermediário é devida uma taxa de 1.000 (mil) euros».
Importa ainda ter em consideração que, por força do Art. 37.º n.º 3 da Lei n.º 54/2017: «São nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo».
Acresce que o Art. 38.º n.º 2 da mesma lei obriga a que o contrato de representação ou intermediação fique sujeito à forma escrita, nele devendo ser estabelecidos de forma clara o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe seja devida e as condições de pagamento. O n.º 4 do mesmo preceito obriga também a que o contrato tenha uma duração determinada e limita essa duração ao máximo de 2 anos.
Cumpre ainda realçar, deste regime jurídico, que o intermediário desportivo não tem necessariamente de ter poderes de representação relativamente à entidade empregadora desportiva (clube) ou ao praticante desportivo com quem contrata.
Efetivamente, nos termos do Artigo 5º desse Regulamento da F.P.F.: «1. O jogador e o clube podem contratar os serviços de um Intermediário quando negoceiem e celebrem contratos de trabalho desportivo ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações. 2. No processo de seleção e de contratação, o jogador e o clube devem agir com o devido cuidado, devendo, nomeadamente, antes do início da prestação dos serviços, certificar que o Intermediário está registado na FPF e assinar um contrato de representação, conforme o disposto neste Regulamento. 3. O Intermediário apenas pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual. 4. O Intermediário não pode agir em nome e por conta de praticantes desportivos menores de idade. 5. O clube, o jogador ou o Intermediário estão proibidos de propor, direta ou indiretamente, a qualquer outra parte envolvida numa transação, que esta dependa ou fique condicionada ao acordo do jogador com um determinado Intermediário. (…)»
Caso do contrato resulte serem conferidos poderes de representação, fica então o mesmo sujeito às formalidades previstas no Art. 9.º do Regulamento da F.P.F..
Cumpre ainda referir que o Art. 11.º do mesmo Regulamento da F.P.F. estabelece ainda algumas limitações relativamente aos pagamentos de remunerações a intermediários. Assim, no n.º 2 desse artigo é dito que: «2. O clube que contrate os serviços de um Intermediário deve acordar a remuneração antes da realização da transação, podendo o pagamento ser efetuado de uma só vez ou em prestações. Por seu turno o n.º 3 al.s b) e c) do mesmo artigo existem limites máximos fixados para a remuneração do intermediário, embora se admita acordo em contrário. Dispõe essa norma que: «3. Salvo acordo em contrário, que deve constar de cláusula escrita no contrato inicial, o montante total de remuneração por transação devido ao Intermediário não pode exceder: (…) b) Quanto ao Intermediário que tenha sido contratado para agir em nome de um clube, para fins de celebração de um contrato de trabalho com um jogador, 5% do rendimento bruto do jogador correspondente ao período de duração do contrato de trabalho; c) Quanto ao Intermediário que tenha sido contratado para agir em nome de um clube, para fins de celebração de um contrato de transferência com um jogador, 5% do eventual prémio de transferência pago em relação à transferência do jogador, sendo ainda possível a remuneração sujeita a condições futuras».
Este contrato tem assim como partes necessárias, por um lado, um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva, e por outro, um intermediário desportivo. O acordo terá por finalidade específica que um dos primeiros solicite do segundo a prestação de serviços que consistem essencialmente na mediação tendente à celebração de contratos desportivos, nomeadamente contratos de trabalho desportivos ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações, o que pode ser realizado de forma gratuita ou remunerada, podendo eventualmente ser atribuídos poderes de representação ao intermediário desportivo.
Trata-se, portanto, de um contrato de prestação de serviços relativo ao exercício duma atividade económica muito particular, sujeita a um regime jurídico especial, mas ao qual se podem ainda aplicar as disposições legais estabelecidas no Código Civil para o contrato de mandato, em tudo o que não esteve especificamente regulado no diploma legal e Regulamento da F.P.F. que já fomos mencionando, tendo em atenção os Art.s 1154.º, 1156.º e 1157.º e ss do C.C..
No caso dos autos importa ter em consideração que o mesmo foi celebrado por escrito, assinado por ambas as partes, mostrando-se datado de 3 de julho de 2018 (cfr. doc. de fls 35 a 37 verso).
Relevam desde logo os “considerandos” desse contrato, pois aí se refere que, à data da outorga do mesmo, o A., aí designado por “intermediário”, ainda estava «a organizar o seu processo de registo, na qualidade de intermediário, junto da Federação Portuguesa de Futebol, prevendo-se o seu registo definitivo num prazo muito breve» (cfr. considerando a) do contrato a fls 35), tendo-se o A. comprometido a informar o R. do número da sua licença, após a concretização do registo (cfr. considerando b) do contrato a fls 35), sendo que a SAD logo declarou ter conhecimento desse facto e que, apesar disso, não se opunha à celebração do contrato, renunciando ao direito de invocar o mesmo como motivo para o não cumprimento da obrigação de pagamento a que ficaria vinculada por esse contrato (cfr. considerando c) do contrato a fls 35).
E, de facto, o A. veio a lograr concluir o seu processo de registo como intermediário desportivo junto da Federação Portuguesa de Futebol para a época desportiva de 2018/19 (cfr. doc. de fls. 12), o que comunicou à R. (cfr. facto provado 12).
Portanto, em face dos termos deste acordo, a nulidade do contrato decorrente da ausência do registo do licenciamento para o exercício da atividade de intermediário desportivo por parte do A., tal como decorreria do disposto no Art. 37.º n.º 3 da Lei n.º 54/2017, ficou sanada.
Aliás, por força das regras da boa-fé e da tutela da confiança, a invocação da nulidade formal originária desse contrato constituiria o exercício ilegítimo de um direito por parte do R. (cfr. Art. 334.º do C.C.), por haver no caso um evidente abuso de direito, na vertente das inalegabilidades formais (vide: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Português”, I parte Geral, Tomo I, 2.ª Ed., pág.s 255 a 258), pois ambas as partes estavam perfeitamente cientes do processo de regularização do registo do A., tendo o R. expressamente assumido o compromisso de não invocar esse vício.
Quanto às obrigações principais do contrato dos autos, temos de revelar ainda o que consta dos seus “considerandos”. Assim, na alínea d) consta que: «A SAD admite a possibilidade de proceder à cedência onerosa, temporária ou definitiva, dos direitos de inscrição desportiva e federativos do jogador profissional de futebol C (…), bem como à alienação dos seus direitos económico-desportivos». Na alínea e) ficou escrito que: «a SAD pretende contratar os serviços do intermediário, em regime de exclusividade, relacionados com a promoção e atividade desportiva daquele jogador, com vista à celebração de um contrato de cedência onerosa, temporária ou definitiva, dos direitos de inscrição e à venda dos [direitos] económico-desportivos daquele». Finalmente, nas alíneas f) e g) consignou-se que: «f) Os serviços a serem prestados pelo intermediário à SAD estão especificados na cláusula primeira do presente contrato»; e «g) Como contrapartida pelos serviços a serem prestados pelo intermediário à SAD, esta acorda pagar àquele as quantias determinadas na cláusula segunda do presente contrato».
Em conformidade com esses “considerandos”, na cláusula primeira ficou estabelecido que: «1. Conforme definido nos considerandos, a SAD contrata o intermediário para que este promova o atleta supra identificado, junto da sua rede de contactos, nos termos por este julgado conveniente, tendo em vista a cedência, temporária ou definitiva, dos direitos federativos e/ou a alineação dos direitos económicos relativos ao atleta (a “transferência”). 2. As partes acordam que a prestação de serviços pelo intermediário terá caráter de exclusividade, obrigando-se a SAD a não recorrer aos serviços de outra entidade para a prestação dos serviços objeto do presente contrato. 3. O intermediário não assume qualquer obrigação de resultado, designadamente de que a transferência efetivamente ocorrerá». (cfr. cit. doc. a fls 35 verso).
Já na cláusula segunda n.º 1 ficou convencionado que: «1. Em contrapartida, a SAD obriga-se a pagar ao intermediário ou a quem este vier a indicar à data, a título de remuneração pelos seus serviços, um montante correspondente a 30% (trinta por cento) do preço (…), acrescido de IVA (…) que venha a ser recebido pela SAD no caso de concretização da transferência, independentemente do valor pelo qual a transferência se venha a concretizar e independentemente da existência ou prova de qualquer nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo intermediário e a transferência». (cfr. cit. doc. a fls 35 verso e fls 36).
Cumpre ainda realçar que, na cláusula terceira, ficou estabelecido que cada uma das partes deveria dar conhecimento imediato à outra do recebimento de quaisquer propostas firmes para a transferência do atleta. E, na cláusula quarta, que o contrato vigoraria desde 3 de julho de 2018 e caducaria decorridos 2 anos sobre essa data (cfr. cit. doc. a fls 36 verso), respeitando assim o limite legal estabelecido pelo Art. 38.º n.º 2 da Lei n.º 45/2017.
Portanto, em termos genéricos, este contrato é formal e substancialmente válido e eficaz, sendo irrelevante o vício original, entretanto sanado, da falta de registo do A. como intermediário desportivo junto da F.P.F.. Isto sem prejuízo de eventuais vícios de alguma cláusula específica, como adiante será apreciado em especial se nisso houver utilidade.
Por outro lado, constata-se que não foram atribuídos poderes de representação ao A., sendo certo que o contrato de prestação de serviços especial de intermediação desportiva acordado é oneroso, tendo o A. direito a uma remuneração correspondente a 30% do valor de transferência ou cedência do atleta.
Suscita-se, no entanto, em particular a questão do sentido material do regime de exclusividade efetivamente convencionado entre as partes.
Entende o Recorrente que a exclusividade acordada se restringiria à possibilidade do R. recorrer a outros intermediários desportivos na promoção da atividade desportiva do jogador em causa, com vista à cedência onerosa, temporária ou definitiva, dos direitos de inscrição e à venda dos direitos económico-desportivos daquele. Excluída estava assim a possibilidade de o A. poder receber remuneração no caso do próprio R., diretamente, conseguir uma proposta de cedência ou transferência do jogador.
Evidentemente que não foi esse o entendimento seguido pela sentença recorrida, sendo que o Recorrido também concorda com esse posicionamento.
De facto, o estabelecimento da cláusula de exclusividade, tal como consta do considerando e) do contrato (cfr. doc. a fls 35 verso), que supra já reproduzimos, visará certamente impedir que o R. não pudesse recorrer aos serviços doutros intermediários desportivos, mas o regime de exclusividade visa igualmente garantir que o intermediário não possa ser privado de forma ilícita da remuneração devida pelos serviços para que foi contratado e que se obrigou a realizar, em caso de transferência ou cedência.
São esse tipo de razões que justificam a obrigação, que também impende sobre o R., de dar conhecimento imediato do recebimento de qualquer proposta firme para a transferência do atleta, tal como estabelecido na cláusula terceira do contrato dos autos (cfr. cit. doc. a fls 36 verso). Assim, como são essas razões que justificam que na cláusula segunda n.º 1 “in fine” se estabelece que o intermediário tem direito à remuneração «independentemente da existência ou prova de qualquer nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo intermediário e a transferência».
O propósito deste conjunto de cláusulas é claramente o de obrigar o R., durante a pendência do contrato, a recorrer sempre aos serviços para que contratou o A., em regime de exclusividade, empenhando-o pessoalmente a cumprir as suas obrigações, porque no final será sempre obrigado ao pagamento da remuneração devida. Não se toleraria assim a possibilidade de o R., por qualquer modo ínvio, lograr obter a cedência ou transferência do atleta, sem pagar a retribuição convencionada, em violação da regra da exclusividade.
Este tipo de penalização não é estranha no nosso direito, pois existe pelo menos um outro contrato de intermediação em que essa sanção é permitida pelas mesmas razões. É o que sucede, nomeadamente com o contrato de mediação imobiliária, regulado pela Lei n.º 15/2013 de 8 de fevereiro, que no seu Art. 19.º estabelece que: «1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel».
Portanto, o sentido normal do estabelecimento do regime de exclusividade neste tipo de contratos de mediação ou intermediação é evitar que o negócio visado celebrar não se concretize, através do mediador ou intermediário, por causas exclusivamente imputáveis à outra parte. Ou seja, o R. não poderia agir de modo a dispensar, unilateralmente, os serviços do A., nem impedir que o mesmo pudesse cumprir a sua prestação, só para não ter de pagar a remuneração que lhe seria devida.
Assim, fixado o regime de exclusividade e verificando-se o resultado que era pretendido com a prestação dos serviços acordados, ainda no âmbito de vigência do contrato, a remuneração deveria ser devida, mesmo que o negócio concretamente alcançado não resultasse diretamente dos serviços de promoção do jogador e de mediação entre as partes da iniciativa concreta do intermediário. É que o R. estava obrigado a dar conhecimento dessa concreta proposta ao A., por força do regime de exclusividade e da cláusula terceira do contrato, com vista a que o intermediário pudesse cumprir a sua prestação.
Improcedem assim as conclusões que sustentam o contrário do exposto.
3. Da invalidade do contrato por superveniente inexistência do registo do intermediário desportivo à data em que se constituiu a obrigação de pagamento da remuneração.
O Recorrente veio ainda sustentar que a circunstância de o A. não se encontrar licenciado para o exercício da atividade de intermediário desportivo na época desportiva de 2019/2020, dado não constar da lista oficial da F.P.F. como estando aí registado, determinaria que não poderia ser devida a remuneração convencionada, porque o contrato de intermediação seria formalmente inválido.
O Recorrido, por seu turno, entende que o contrato de intermediação desportiva era válido, porque à data da sua celebração, encontrava registado nessa qualidade na F.P.F., não sendo obrigatório ter de continuar registado à data em que a transferência do jogador ocorreu, ou no momento do pagamento do preço. Isto, porque a obrigação de pagamento nasce com a celebração do contrato de trabalho desportivo entre o jogador e o R., mas só é exigível quando ocorre a transferência ou cedência do atleta. Por isso, defendeu a irrelevância do facto de não se encontrar licenciado para a atividade de intermediário desportivo para a época desportiva de 2019/2020.
Com o devido respeito, não concordamos com o posicionamento do Recorrido.
O contrato de intermediação desportiva, para mais em regime de exclusividade e pelo prazo de 2 anos, é um contrato que comporta prestações cuja execução se protela no tempo, tendo a duração da relação creditória influência decisiva na conformação global da prestação do devedor dos serviços acordados e, bem assim, do devedor da remuneração.
O A. foi contratado para exercer as funções de intermediário desportivo durante o período de vigência do contrato (2 anos a contar de 3 de julho de 2018, cfr. cláusula quarta n.º 1 do contrato), sabendo ambas as partes que para o exercício dessa atividade é necessário o registo do intermediário desportivo na F.P.F..
O registo não é só condição de validade do contrato de intermediação desportiva (cfr. Art. 37.º n.º 3 da Lei n.º 54/2017 de 14/7) – questão sobre a qual já nos pronunciámos no ponto 2. do presente acórdão –, é igualmente, e fundamentalmente, condição necessária para o exercício regular dessa atividade (cfr. Art. 36.º n.º 1 do mesmo diploma legal).
Sem o licenciamento administrativo pela autoridade competente para o efeito, não é permitido ao intermediário desportivo, exercer essa atividade económica. É isso que decorre explicitamente do disposto no Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7.
A partir do momento em que o A. já não está registado como licenciado para o exercício da atividade de intermediário desportivo, não pode exercer essas funções por imperativo legal. Logo, objetivamente, está em incumprimento do contrato de intermediação desportiva que celebrou com o R., por não ser possível a sua prestação, por causa a si exclusivamente imputável (Art. 801.º n.º 1 do C.C.).
Mais, não só o A. não pode prestar os serviços incluídos nas funções de intermediário desportivo, como não pode exigir da contraparte que esta cumpra a obrigação de exclusividade, na estrita medida em que a subsistência desta depende necessariamente da possibilidade do A. poder cumprir regularmente a sua prestação. O R. não pode estar obrigado pelo regime de exclusividade relativamente a uma pessoa que objetivamente não pode garantir o cumprimento dos serviços que lhe foram solicitados.
 Ora, em janeiro de 2020, quando o jogador C foi cedido pelo R. para um clube dos Emiratos Árabes Unidos (cfr. facto provado 10.), o A. não constava da lista de intermediários registados na F.P.F. (cfr. facto provado 12-A. – aditado no ponto 1.1 do presente acórdão).
O problema não é, como sustentado pelo Recorrente, de invalidade do contrato de intermediação desportiva. O problema é de impossibilidade objetiva de cumprimento desse contrato por parte do A., no que se refere à realização regular da sua prestação (Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7); de inexigibilidade, nessas condições, do cumprimento da correspetiva obrigação de exclusividade por parte do R.; e, consequentemente, de impossibilidade do A. poder exigir do R. o pagamento duma remuneração a que só poderia ter direito caso fosse um intermediário desportivo registado, no âmbito de contrato em regime de exclusividade efetiva, tendo em conta a data em que ocorreu o facto que obrigava ao pagamento.
Ao contrário do que é sustentado pelo Recorrido, a obrigação de pagamento da remuneração equivalente a 30% do preço da transferência do jogador, devida ao A. por força da cláusula segunda n.º 1 do contrato de intermediação desportiva, não se constituiu com a celebração do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o R. e o jogador C. Isso só era assim para a obrigação de pagamento de €20.000,00, a que o A. se refere no artigo 9.º da petição inicial (remetendo para o doc. n.º 5) e que não está em causa nesta ação.
A obrigação de pagamento da remuneração equivalente a 30% do preço de transferência ou empréstimo do jogador só se constituiu com a conclusão da cedência desse atleta em janeiro de 2020 (cfr. facto provado 10.).
A verificação da consumação dessa cedência onerosa não era apenas uma condição de exigência da obrigação de pagamento da remuneração, era essencialmente o facto constitutivo da obrigação, sem a verificação do qual a questão da sua exigibilidade nem sequer se colocava. Acresce que, por força do contrato celebrado entre o A. e o R., esse facto, de verificação futura e incerta, estaria, em princípio, dependente da atividade de promoção do jogador e intermediação junto de potenciais interessados que o A. ainda iria realizar, depois de ter celebrado o contrato com o R.. O que torna evidente que, nessa data, ainda não se poderia ter já constituído a obrigação de pagamento da remuneração de 30% prevista na cláusula segunda do contrato dos autos.
Por força do exposto, incumbia ao A. manter o licenciamento da sua atividade de intermediário desportivo durante toda a vigência do contrato de intermediação que celebrou com o R.. Não o tendo feito, sibi imputet.
Nestas condições, não só estava impedido de cumprir as suas obrigações como “intermediário desportivo” (Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017), como não poderia, na mesma medida, reclamar o pagamento de remuneração apenas exigível por quem tivesse a qualidade legal de “intermediário desportivo”.
Poderia ainda assim admitir-se que o A. pudesse reclamar o direito à remuneração no quadro do enriquecimento sem causa (Art. 473.º e ss. do C.C.), mas tal teria que pressupor, no mínimo, que o R. enriqueceu à custa da atividade do A.. Mas não é isso que resulta dos autos.
Dito isto, inevitável é a conclusão de que o R. deveria ser absolvido do pedido, devendo a sentença ser revogada em conformidade, sendo nestes termos que procede a apelação apresentada pelo Recorrente e as conclusões que sustentam a revogação da sentença.
4. Das demais questões.
Por força do exposto no ponto anterior, inevitável é a conclusão de que a apreciação das demais questões suscitas na presente apelação se mostram prejudicadas, pois mostra-se consolidada a solução de que a apelação deve proceder e o R. deve ser absolvido do pedido (Art. 608.º n.º 2 “ex vi”  Art. 663.º n.º 2 do C.P.C.).
Sem prejuízo, quanto à questão da invalidade da cláusula remuneratória em face do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e do Regulamento FIFA sobre transferência de jogadores, por força do princípio de que não poderia a cláusula segunda n.º 1 do contrato subsistir, por violar o princípio retributivo, sempre diremos que a interpretação que fizemos da cláusula de exclusividade constante do ponto 2. do presente acórdão e a sua conformidade com o direito, conduziria à conclusão oposta da proposta pelo Recorrente.
O mesmo se diga relativamente à questão da insubsistência do contrato de intermediário desportivo por força da resolução do contrato de representação celebrado entre o A. e o jogador, pois aqui prevaleceriam as razões que deixámos consignadas no ponto 1.3 do presente acórdão.
Finalmente, quanto à responsabilidade por custas, a questão também perde utilidade, considerando que a sentença deverá ser revogada e substituída a parte dispositiva pela absolvição do R. do pedido, o que arrasta consigo a revogação da condenação do R. em custas, pois passará o A. a responder por toda a obrigação tributária, nos termos do Art. 527.º n.º 1 do C.P.C..
*
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente por provada, ainda que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto só na medida do decidido no ponto 1.1 do presente acórdão, revogando-se a sentença recorrida, que assim é substituída pela decisão de absolver o R. do pedido contra si formulado.
- Custas pelo apelado (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 8 de junho de 2021
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva