ACÇÃO DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
MEDIDAS DE ACOMPANHAMENTO
BENEFICIÁRIO
CITAÇÃO
DIREITO A SER OUVIDO
Sumário

- Em ação de acompanhamento de maior interposta por parente sucessível, com cumulação do pedido de suprimento da autorização, o beneficiário deve ser citado, nos termos do disposto no artº 895º do CPC – preceito que no nº 1 apenas exclui a citação daquele nos casos em que seja requerente – uma vez que a requerente, sua mãe, não o representa na ação, visando com o suprimento da autorização adquirir legitimidade para a causa.
- E dado que o processo de acompanhamento de maior se destina primordialmente à aplicação de medidas de acompanhamento, o visado com tais medidas – o beneficiário –, não sendo requerente, deve ser ouvido no processo, mediante a respetiva citação.
- Ao beneficiário assiste o direito de se pronunciar, o direito de resposta a que alude o artº 896º do CPC, por si ou através do M.P., só assim sendo possível atingir os objetivos da alteração legislativa introduzida pela Lei 49/2018, de 28/08.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

MARIA instaurou ação especial de acompanhamento de maior, contra o Beneficiário João.
Concluiu nos seguintes termos:
“A) Ser suprida a autorização do beneficiário, nos termos do disposto no artigo 141.º, n.ºs 2 e 3 do CC, devido ao traumatismo crânio-encefálico grave sofrido pelo Beneficiário que ficou com graves limitações na capacidade percetivo-cognitivo, cf. relatórios médicos juntos;
B) Ser aplicado, ao Beneficiário o regime jurídico de maior acompanhado, aplicando-se as necessárias medidas de acompanhamento previstas pelo artigo 145.º, n.º2, nomeadamente, poderes gerais de representação, administração total de bens e representação legal do beneficiário, atribuição da responsabilidade de tomar decisões de saúde respeitante ao beneficiário e dispensa da constituição do conselho de família.
C) Ser nomeada a requerente, nos termos do disposto no artigo 139.º, n.º 2 e 143.º n.º 2, do CC, como acompanhante provisória do Beneficiário, com competência para representar o Beneficiário em Juízo no Processo Judicial que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de…, 2ª Secção do DIAP de …, sob o nº YYY, e na providência cautelar a instaurar contra a seguradora.
Em 23/10/2019 foi proferida decisão de suprimento da autorização do beneficiário João, consentindo-se a requerente (sua mãe) a requerer quanto ao mesmo e no seu interesse medidas de acompanhamento.
Mais foi determinada a publicidade da ação e “conhecimento ao MP (art. 325º do CPC)”
Por notificação elaborada no sistema citius em 24/10/2019 e assinada via citius em 26/11/2019 foi a magistrada do Ministério Público notificada “relativamente ao processo supra identificado, do despacho que antecede, bem como da petição inicial, nos termos e para os efeitos do artº 325º do C.P.C.”.
Em 04/11/2019 foi proferida decisão com o seguinte teor:
“(…) Pelo exposto e atento o disposto no art. 891º nº 2 do CPC, nomeio Maria como representante especial de João no processo nº YYY, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, DIAP, 2ª Secção do DIAP de … bem como na providência cautelar a instaurar contra a seguradora, dessa forma suprindo a incapacidade judiciária do requerido para exercer, por si, os direitos processuais que lhe assistem nas mencionadas acções.
Notifique e, após, conclua de imediato.”
Por despacho de 05/11/2019 foi ordenada a realização de perícia ao requerido.
Por ofício de 11/11/2019 a O.A. comunicou ao Tribunal que em substituição da Srª Drª A. foi nomeado patrono ao beneficiário João, o Sr. Dr. N.
Em 17/02/2020 a requerente, em representação do beneficiário, outorgou procuração forense a favor do Sr. Dr. O..
Em 14/01/2020 foi junto aos autos relatório pericial, do qual consta, além do mais que “à data da avaliação pericial a extensão da incapacidade era muito significativa do ponto de vista motor, mas aparentemente ligeira, do ponto de vista cognitivo. Quer isto dizer que a incapacidade de o mesmo governar a sua pessoa e bens será predominantemente devida às limitações motoras e não tanto devido à incapacidade cognitiva, pelo que as consequências das patologias de que está afecto, do ponto de vista médico são predominantemente motoras, e não parecem traduzir-se num prejuízo grave das competências cognitivas e volitivas, apesar do significativo impacto na linguagem. (…)
Por fim, e apesar das limitações motoras e na linguagem, o examinado não apresenta contra-indicação formal, do ponto de vista médico, para ser ouvido em audição no âmbito do presente processo. acresce que consideramos que deverá ser questionado directamente se aceita (ou não) a presente acção e, em caso afirmativo, ser o próprio a escolher quem pretende vir a exercer o cargo de acompanhante para os actos que o tribunal venha a decretar. (…)”  
Em 10/02/2020 a requerente apresentou reclamação contra o relatório pericial, requerendo  realização de 2ª perícia.
Em 24/02/2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“M. veio, nos termos do art.º 891.º e ss. do CPC (na redacção que lhe é dado pelo Decreto-lei 49/2018 de 14 de Agosto), no interesse de seu filho, João, requerer medidas de acompanhamento do maior, previstas no art.º 138.º e ss. do CC (na redacção que lhe é dado pelo Decreto-lei 49/2018 de 14 de Agosto).
Fê-lo patrocinada judiciariamente pela Drª A., nomeada pela Ordem na sequência de pedido de apoio judiciário.
Por despacho de 23/10/2019 e por se entender que o requerido está física e mentalmente impossibilitado de autorizar terceiro a intentar a presente acção, e suprindo-se a autorização do beneficiário João, consentiu-se a requerente (sua mãe) a requerer quanto ao mesmo e no seu interesse medidas de acompanhamento.
Por despacho de 4/11/2019, foi decidido nomear a requerente Maria como representante especial de João no processo nº YYY, bem como na providência cautelar a instaurar contra a seguradora, dessa forma suprindo a incapacidade judiciária do requerido para exercer, por si, os direitos processuais que lhe assistem nas mencionadas acções.
Após o despacho de 5/11/2019, que determinou a realização de perícia médico legal ao requerido, constatamos que:
1. No dia 30 de setembro de 2019, a Dra. A. foi nomeada patrona da Requerente e também do Requerido.
2. Por entender que não podia representar as duas partes, a patrona nomeada requereu escusa relativamente ao patrocínio do requerido, J..
3. Tendo sido nomeado o Dr. N., em sua substituição.
4. Em 17 de Fevereiro de 2020, Maria, na qualidade de representante especial de João outorgou procuração em favor do Dr. O..
Cumpre apreciar:
Como supra referimos, MARIA foi nomeada como representante especial do seu filho apenas para intervir no âmbito do processo nº YYY, bem como na providência cautelar a instaurar contra a seguradora, não estando a requerente, ainda, nomeada como acompanhante do requerido carece a mesma de poderes para o representar fora daquele âmbito, a menos que seja autorizada por este Tribunal nos termos do disposto no art. 891º nº 2 do CPC.
Assim, deverá a requerente no prazo de dez dias, justificar porque entende que JOÃO deve estar patrocinado por advogado na presente acção e requerer autorização judicial para o efeito.
***
Por outro lado, a requerente atravessou nos autos um extenso requerimento lavrado pelo seu próprio punho, datado de 6/2/2020.
Considerando que a requerente está patrocinada por advogada, no futuro deverá a requerente abster-se de formular tal tipo de requerimentos competindo exclusivamente à sua advogada fazê-lo, nos termos do disposto no art. 40º nº 2 do CPC (a contrario).
***
Notifique.
Ao MP, a fim de pronunciar-se sobre a realização da 2ª perícia.”
Em 28/02/2020 o M.P. promoveu “Sou de parecer que neste momento deve ser ouvido o requerido beneficiário.”
Em 29/04/2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Após o despacho de 5/11/2019, constatamos que:
1. No dia 30 de setembro de 2019, a Dra. A. foi nomeada patrona da Requerente e também do Requerido.
2. Por entender que não podia representar as duas partes, a patrona nomeada requereu escusa relativamente ao patrocínio do requerido, João.
3. Tendo sido nomeado o Dr. N., em sua substituição.
4. Em 17 de Fevereiro de 2020, MARIA, na qualidade de representante especial de JOÃO outorgou procuração em favor do Dr. O..
Cumpre apreciar:
Por despacho de 23/10/2019 e por se entender que o requerido está física e mentalmente impossibilitado de autorizar terceiro a intentar a presente acção, e suprindo-se a autorização do beneficiário JOÃO, consentiu-se a requerente (sua mãe) a requerer quanto ao mesmo e no seu interesse medidas de acompanhamento, contudo, não estando a requerente, ainda, nomeada como acompanhante do requerido carece a mesma de poderes para o representar fora daquele âmbito, a menos que seja autorizada por este Tribunal nos termos do disposto no art. 891º nº 2 do CPC.
Por requerimento de 11/3/2020, a requerente informa que “Atendendo às vicissitudes ocorridas com o patrocínio do João, decidiu a requerente não requerer autorização judicial para que o filho seja patrocinado por advogado, devendo por isso o Ministério Público intervir acessoriamente nos presentes autos”.
Sem que existam razões ponderosas para o patrocínio do beneficiário, atento o disposto no art. 268º nº 1 do CC, não se ratifica o acto praticado pela requerente e, consequentemente, não se considera o Exmº Sr. Dr. O. como mandatário do beneficiário.
***
A fim de avaliar a regularidade formal do patrocínio do Exmº Sr. Dr. N., enquanto patrono oficioso do beneficiário, deverá a requerente, no prazo de cinco dias, juntar aos autos cópia do requerimento de apoio judiciário que esteve na base da nomeação da Exmª Srª Dra. A. como patrona da Requerente e também do Requerido.
***
Pretende a requerente autorização judicial para representar o beneficiário em determinadas situações.
Embora já conste dos autos relatório pericial, que está posto em crise pela requerente, é entendimento deste Tribunal que, processualmente, se mantém a situação que deu azo à prolação do despacho de 4/11/2019.
Pelo exposto e atento o disposto no art. 891º nº 2 do CPC, nomeio MARIA como representante especial de João:
a) no processo de acidente de trabalho que corre no Ministério Público da Procuradoria do Juízo de Trabalho do …. sob o nº XXX, cf. Doc. 1 que se junta;
b) junto dos CTT, com poderes para levantar qualquer correspondência simples ou registada e encomendas, podendo assinar e praticar tudo o que se torne necessário aos fins indicados. (…)”
Em 11/05/2020 a patrona oficiosa da requerente juntou aos autos requerimento a que anexou os pedidos de apoio judiciário, além do mais, na modalidade de nomeação de patrono, em nome da requerente (com data de 20/08/2019) e em nome do beneficiário (com data de 30/07/20219), ambos destinados a instauração de ação “regime do maior acompanhado” e ofícios da O.A. de nomeação de patrono à requerente e ao beneficiário, datados de 30/09/2019, da Srª Drª A..
Em 11/05/2020 foi junto aos autos ofício da O.A. comunicando o arquivamento do processo de nomeação de patrono relativamente ao Sr. Dr. N.
Em 13/05/2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“(…) Em face do relatório médico junto aos autos em 11/5/2020, é entendimento deste Tribunal que, processualmente, se mantém a situação que deu azo à prolação do despacho de 4/11/2019.
Pelo exposto e atento o disposto no art. 891º nº 2 do CPC, nomeio MARIA como representante especial de João na acção civil a intentar contra a seguradora A. por virtude do acidente de viação por aquele sofrido.
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Atendendo a que o requerido neste momento não se encontra patrocinado por advogado, torna-se inútil dar contraditório sobre a realização da 2ª perícia.
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Considerando que existem discrepâncias sensíveis entre o relatório pericial que consta dos autos e os relatórios emanados da instituição onde se encontra internado o requerido, sobre a extensão da incapacidade cognitiva daquele, entende-se por bem realizar uma 2ª perícia nos termos do art. 487º do CPC.
Pelo exposto, e com indicação do local onde o requerido se encontra internado, solicite ao INML a indicação de perito para proceder à 2ª perícia, o qual não pode coincidir com o perito que já interveio nos autos na 1ª perícia.”
Em 07/07/2020 foi proferida a seguinte decisão:
“Em face do relatório médico junto aos autos em 11/5/2020, é entendimento deste Tribunal que, processualmente, se mantém a situação que deu azo à prolação do despacho de 4/11/2019.
Pelo exposto, e atento o disposto no art. 891º nº 2 do CPC, nomeio MARIA para representar provisoriamente o filho João junto da Companhia de Seguros A., com poderes gerais de representação junto daquela entidade.”
Em 19/10/2020 foi proferida a seguinte decisão:
“Em face do relatório médico junto aos autos em 11/5/2020, continua a ser entendimento deste Tribunal que, processualmente, se mantém a situação que deu azo à prolação do despacho de 4/11/2019.
Pelo exposto, e atento o disposto no art. 891º nº 2 do CPC, nomeio MARIA para representar provisoriamente o filho João:
- junto das Forças Armadas, Segurança Social/Caixa Geral de Aposentações e Autoridade Tributária;
Bem como se autoriza MARIA, provisoriamente:
- a administrar os bens do requerido;
E, ainda:
- atribui-se-lhe a responsabilidade de decidir sobre a unidade hospitalar mais adequada às necessidades do filho (nacional ou estrangeira).
Notifique.”
Em 01/02/2021 foi proferida a seguinte decisão:
“Respeitam os presentes autos a processo de acompanhamento de maior relativos a JOÃO..
Decorre do art. 139º nº 2 do COC que, em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido.
Em face do relatório médico junto aos autos em 11/5/2020, continua a ser entendimento deste Tribunal que, processualmente, se mantém a situação que deu azo à prolação do despacho de 4/11/2019.
Atendendo que o beneficiário está fisicamente e mentalmente incapacitado, impõe-se, com urgência, a nomeação de um representante que possa em juízo representar o João.
Pelo exposto e atento o disposto no art. 891º nº 2 do CPC, nomeio MARIA como representante especial de João no processo de injunção WWW, que corre termos no Balcão Nacional de Injunções.
Notifique.
Comunique ao Balcão Nacional de Injunções (processo de injunção WWW) a pendência deste processo de acompanhamento de maior respeitante ao requerido.”
Em 10/03/2021 o Ministério Público apresentou requerimento com o seguinte teor:
“1. O suprimento da autorização do beneficiário para a acção foi judicialmente concedido.
2. Despacho judicial de 13-05-2020, refere mesmo que "Considerando que existem discrepâncias sensíveis entre o relatório pericial que consta dos autos e os relatórios emanados da instituição onde se encontra internado o requerido, sobre a extensão da incapacidade cognitiva daquele, entende-se por bem realizar uma 2ª perícia nos termos do art. 487º do CPC".
3. Uma vez requerida segunda perícia atentos os fundamentos para tal invocados, entendo poder estar ultrapassado o “incidente” de suprimento de autorização do requerido.
4. Despacho judicial de 07-07-2020, de 19-10-2020, de 01-02-2021 manteve mesmo a decisão já tomada a 04-11-2019.
5. Acontece que, neste momento mais avançado do processo, constatamos que, apesar do arguido estar tetraplégico, não é claro que não consiga transmitir a sua vontade.
6. Ou seja, não é claro que o requerido não tenha capacidade de decisão.
7. Nota de alta do Polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas, de 05-04-2018, já referia que o requerido, com 35 anos de idade, “desde então houve uma evolução favorável… tenta cumprir ordens, responde coerentemente com os olhos (sim/não). A referi que pelo transmitido pela equipa de enfermagem já respondeu oralmente com sim / não. Muito disperto, dirige sempre o olhar, já mantém cabeça elevada com o levante”.
8. Tendo em conta a protecção da dignidade humana, o art. 141º do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 49/2018 restringiu a legitimidade ativa para a instauração da ação especial de maior acompanhado: a) ao próprio visado; e apenas b) ao cônjuge ou unido de facto deste ou a qualquer seu sucessível, desde que autorizado por aquele ou desde que esta seja suprida pelo tribunal no qual é requerido o decretamento da medida de acompanhamento para as situações em que visado não disponha de capacidade e discernimento para prestar a sua autorização para a propositura da ação e para avaliar plenamente o significado e as consequências do seu ato de recusa, “ou quando para tal considere existir um fundamento atendível” (arts. 141º, n.º 2 do CC e 892º, n.º 2 do CPC).; e c) ao Ministério Público, independentemente dessa autorização.
9. Também a audição do requerido visado é obrigatória (arts. 139º nº 1 do CC e 897º do CPC), para conhecimento efetivo da real situação em que o mesmo se encontra, não podendo, sem mais, pois o Tribunal, uma vez requerido o acompanhamento, nessa mesma avaliação, mais tarde, sequer, cingir-se aos relatórios periciais e à prova testemunhal.
10. Nesse sentido veja-se o Acórdão do TRC, Regime jurídico do maior acompanhado. Interdição. Inabilitação. Legitimidade ativa, APELAÇÃO Nº 7779/18.1T8CBR.C1, Relator: ISAÍAS PÁDUA, Data do Acordão: 10-12-2019, com o seguinte Sumário: "…Essa Lei veio introduzir uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto das pessoas portadoras de incapacidade, o qual passou a centrar-se exclusivamente na defesa dos interesses das mesmas, quer ao nível pessoal, quer ao nível patrimonial, reduzindo a intervenção ao mínimo possível, isto é, ao necessário e suficiente de molde a garantir, sempre que possível, a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior incapacitada."
11. Assim,
12. Requer a citação pessoal do requerido para a acção através de oficial de justiça, nos termos dos artigos 895º nº 1, 896º do CPC.
13. Requer, logo que esta se revele impossível ou, possível mas não seguida de Resposta, ao abrigo dos artigos 895, 896º e 21º CPC, a citação do Ministério Público.
14. Mais requeiro seja efectivamente realizada neste caso a obrigatória audição pessoal e directa do beneficiário (art. 891º, 897º nº 1 e 2, 898º, 899º do CPC), o mais breve possível e de preferência em acto concomitante à perícia com vista a aproveitar a intervenção especializada dos profissionais presentes e mais aptos a aconselhar aos procedimentos necessários a conseguir a comunicação, não prescindindo da mesma.
15. Assim requeiro porquanto da primeira perícia realizada resulta claro que “apesar das limitações motoras e da linguagem, e Examinando não apresenta contra-indicação formal, do ponto de vista médico, para ser ouvido em audição no âmbito do presente processo. Acresce que consideramos que deverá ser questionado directamente se aceita (ou não) a presente acção e, em caso afirmativo, ser o próprio a escolher quem pretende vir a exercer o cargo de acompanhante para os actos que o tribunal venha a decretar”.
16. A celeridade na audição do mesmo com os meios aptos à sua comunicação é tanto mais importante quanto já foi designado representante especial para vários actos.
17. Mais requer se dê conhecimento ao Exmo. Sr. Perito médico deste requerimento e decisão que sobre o mesmo vier a recair, bem como de Resposta que venha oportunamente a ser junta aos autos (art. 896º CPC).”
Em 15/03/2021 foi proferido despacho com o seguinte teor:
"Do requerimento do Ministério Público de 10/03/2021:
Requer o Ministério Público a citação pessoal do requerido para a acção através de oficial de justiça, nos termos dos artigos 895º n.º 1, 896º do CPC. Mais requer, logo que esta se revele impossível ou, possível mas não seguida de Resposta, ao abrigo dos artigos 895, 896º e 21º CPC, a citação do Ministério Público.
Temos sufragado o entendimento que nos casos, como o dos autos, em que o suprimento da autorização do beneficiário para a acção foi judicialmente concedido, não se procede à citação do requerido e a intervenção do Ministério Público é acessória, nos termos do disposto no art.º 325.º do CPC, pelo que não há que proceder às requeridas citações.
Pelo exposto, indefiro nesta parte o requerimento em causa. (...) "
*
O Ministério Público interpôs recurso deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“a) Versando sobre matéria de direito vem o presente recurso interposto do despacho judicial de 15-03-2021, com a Ref.ª 403634623, o qual tem o seguinte conteúdo: (…)
b) Entende o recorrente que o despacho ora posto em crise violou o disposto nos art.ºs 21.º, 895.º, 896.ºdo CPC bem como os artigos 4°, n.°1, alínea b) e i), e 9. °, n.°1, alínea c) e d), do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público.
 c) Os presentes autos consistem num processo de Acompanhamento de Maior, tendo o requerimento inicial sido apresentado por Maria, em representação do seu filho, aqui Beneficiário, João. 
d) Pela mesma foi também requerido que fosse suprida a autorização do beneficiário, nos termos do artigo 141.º do CC, alegando que o seu filho se encontrava totalmente impossibilitado de prestar autorização à aqui Requerente, em virtude de um acidente de viação que o deixou tetraplégico e com pouca capacidade de verbalização, tendo o tribunal suprido tal autorização.
e) Após ter sido ordenada a realização de perícia médico-legal ao Requerido, veio a mesma a concluir que, entre o mais que o Beneficiário apresenta um "défice cognitivo ligeiro", bem como " à data da avaliação pericial a extensão da incapacidade era muito significativa do ponto de vista motor, mas aparentemente ligeira, do ponto de vista cognitivo. Quer isto dizer que a incapacidade de o mesmo governar a sua pessoa e bens será predominantemente devida às limitações motoras e não tanto devido à incapacidade cognitiva, pelo que as consequências das patologias de que está afecto, do ponto de vista médico são predominantemente motoras, e não parecem traduzir-se num prejuízo grave das competências cognitivas e volitivas, apesar do significativo impacto na linguagem." (destaques nossos).
 f) A Requerente, no decurso do processo, deu entrada de vários requerimentos nos autos insurgindo-se, entre outras questões, quanto às conclusões a que a perícia chegou juntando documentação clínica com informações aparentemente contraditórias com as anteriormente apuradas.
g) Igualmente a família recusou uma intervenção cirúrgica ao Requerido, após ponderar os prós e os contras, porquanto entende que o Requerido não tem noção das implicações das várias hipóteses de tratamento, tendo requerido uma segunda perícia por perito diferente.
h) O Requerido não se encontra patrocinado por Advogado, entendendo o Tribunal que “Atendendo a que o requerido neste momento não se encontra patrocinado por advogado, torna-se inútil dar contraditório sobre a realização da 2.ª perícia. (…)”
i) Foi neste contexto, que o Ministério Público apresentou o requerimento que deu origem ao despacho de que ora se recorre, requerendo, para além do mais, o seguinte:
- a citação pessoal do requerido para a acção através de oficial de justiça, nos termos dos artigos 895° n° 1, 896° do CPC;
- logo que esta se revele impossível ou, possível mas não seguida de Resposta, ao abrigo dos artigos 895, 896° e 21° CPC, a citação do Ministério Público.
 j)  Não poderemos descurar a informação dos responsáveis pela realização da eventual segunda perícia, datada de 29-03-2021, quando aduzem os seguintes argumentos: “ (…)- Neste caso concreto, médico-legalmente a nossa preocupação é – mais do que a realização de um segundo independente e igualmente idóneo exame pericial – sobretudo a garantia dos direitos fundamentais do requerido (nos termos dos seus melhores desejos e preferências), porquanto, tanto quanto seja do nosso conhecimento, não tendo ainda sido realizada a prévia audição pessoal directa e obrigatória “em qualquer caso” (n.º2 do art.º 897.º CPC) foram já sendo concedidos (…) plenos, legais e legítimos poderes, não de assistência, mas de substituição e representação, de alcance significativo para cuidados de saúde (…) Por último e relevando mais uma vez para a garantia dos direitos fundamentais do requerido, até à presente data desconhece-se se houve oportunidade de igualdade de armas de defesa legal do requerido, uma vez que não terá havido lugar até à nomeação de defensor ou oportunidade de intervenção do Ministério Público em representação do alegado incapaz, ou contacto direto de representante com o mesmo. (…) Efectivamente, perante os presentes factos e circunstância supervenientes com eventual adiamento para salvaguardar sofrimento do beneficiário e regras de confinamento, estamos em crer que – pelo menos médico-legalmente – fará sentido a aplicação, como previsto no art.º 891.º do CPC, do “disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério do julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias superveniente”, no caso, ponderando Douta Decisão relativa às medidas de acompanhamento à luz da perícia oficial competente e idónea já realizada e ainda, equacionando porventura, se assim for entendido, ponderar a actualidade das decisões provisórias que por força de factos supervenientes se estendem no tempo.”
 k) A legitimidade activa foi definida pela decisão de 23/10/2019, nos termos do art.º 141.º n.º2, com base nos documentos que instruíram a p.i. e sem ter sido realizada a perícia, a qual veio a considerar que “Quer isto dizer que a incapacidade de o mesmo governar a sua pessoa e bens será predominantemente devida às limitações motoras e não tanto devido à incapacidade cognitiva. (…)”. Bem como, “  (…) Por fim, e apesar das limitações motoras e na linguagem, o examinado não apresenta contra-indicação formal, do ponto de vista médico, para ser ouvido em audição no âmbito do presente processo. acresce que consideramos que deverá ser questionado directamente se aceita (ou não) a presente acção e, em caso afirmativo, ser o próprio a escolher quem pretende vir a exercer o cargo de acompanhante para os actos que o tribunal venha a decretar. (…)”  
 l) Tudo indica que o requerido não está impedido de transmitir a sua vontade, tomando posição sobre todas as questões que digam respeito à sua pessoa de forma livre e consciente, nomeadamente quanto ao presente processo.
m)  O presente processo reveste um conteúdo delicado porquanto têm sido atribuídos poderes de representação à Requerente – a qual refere que o grau de consciência do seu filho é mínimo - quando, de acordo com perícia médica, o Requerido terá capacidade de transmitir a sua vontade de forma livre, espontânea e ponderada, de acordo com os seus melhores desejos e preferências, ainda que com as limitações inerentes à sua condição física, nomeadamente de verbalização.
 n) Acreditando que a Requerente actuará no sentido daquilo que pensa ser o melhor para o seu filho, tal não significa, necessariamente, que corresponda ao que o próprio Requerido entenda que lhe seja mais benéfico.
 o) E a citação, neste tipo de processo, assume ainda mais relevância, por referência ao disposto no art.º 895 do CPC.
 p) Cfr. referido por ANA LUÍSA SANTOS PINTO, in O Regime Processual de Acompanhamento de Maior, Revista Julgar, Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Maio-Agosto de 2020, pág. 151 e segs. : “ (…) No que concerne à legitimidade processual passiva, cumpre distinguir quatro hipóteses: a) quando a ação é proposta pelo beneficiário, deve figurar do lado passivo o Ministério Público, pelo que este deve ser citado para apresentar resposta; b) quando a ação é proposta pelo cônjuge, unido de facto ou parente sucessível do beneficiário, com autorização do beneficiário, deve por idênticas razões ser citado o Ministério Público, intervindo o mesmo a título principal do lado passivo; c) quando a ação é proposta pelo cônjuge, unido de facto ou parente sucessível do beneficiário, sem autorização do beneficiário (ou seja, com pedido de suprimento dessa autorização), entendo que do lado passivo deve figurar o beneficiário do acompanhamento, devendo o mesmo ser citado para deduzir contestação (cf. o n.° 1 do artigo 895.° do C.P.C.) ( NOTA 17); d) finalmente, quando a ação é proposta pelo Ministério Público, do lado passivo também figura o beneficiário do acompanhamento, que vai ser citado para deduzir contestação (cf. o n.° 1 do artigo 895.° do C.P.C.)” (destaques nossos).
 q) E foi essa a configuração da acção - a referida na alínea c) - que o tribunal admitiu em juízo, ou seja, do lado activo os pais do beneficiário e do lado passivo o próprio beneficiário do acompanhamento.
 r) Também pela sua pertinência e adequação ao caso dos presentes autos, destacamos a nota de rodapé n.º 17, in op. Cit. Pág. 151., na qual ANA LUÍSA DOS SANTOS PINTO, na sequência do anteriormente aduzido, refere quanto à solução por ela propugnada que:  “(…) Essa solução tem apoio expresso no n.°1 do artigo 895.° do C.P.C. e o entendimento contrário permite que um familiar do beneficiário possa instaurar a ação de acompanhamento, alegando que o beneficiário não está em condições de dar autorização para o efeito, e o processo corra à revelia do beneficiário, sem que este dele tenha conhecimento ou possa nele intervir, mormente contestando a sua incapacidade para autorizar a propositura da ação e a necessidade de aplicação de medidas de acompanhamento, até que seja ouvido pelo tribunal, já na fase de instrução (cf. o n.°2 do artigo 897° e o artigo 898.° do C.P.C.). Assim, entendo que só na hipótese de não se conseguir proceder à citação do beneficiário ou na hipótese de este não responder à petição inicial, apesar de citado, se procede à citação do Ministério Público para o mesmo efeito [cf. o n.°2 do artigo 895.° e o n.º 2 do artigo 896.° do Código, bem como os artigos 3.°, n.°1, alínea a), e 5.°, n.°1, alínea c), do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público)."
 s) Assim e partilhando em absoluto a abordagem desta autora - até porque mais protectora dos interesses legalmente protegidos do Beneficiário- entendemos que o tribunal recorrido ao não ordenar a citação nos termos requeridos pelo Ministério Público, violou as normas ínsitas nos art.ºs 21.º, 895.º, 896.ºdo CPC bem como os artigos 4°, n.°1, alínea b) e i), e 9.°, n.°1, alínea c) e d),  do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público.
 t) Igualmente não se pode aceitar o vertido no despacho recorrido na parte onde se refere que "a intervenção do Ministério Público é acessória nos termos do art.º 325.º do CPC."
 u) É que, cfr. refere a supra citada Autora, na sua nota 19, "Essa intervenção verifica-se no caso de a ação ser proposta pelo cônjuge, unido de facto ou parente sucessível do beneficiário, com pedido do suprimento da autorização deste, e, citado o beneficiário, o mesmo apresente resposta. Quando tal suceda, o Ministério Público intervém na ação, nos termos previstos no artigo 325.° do C.P.C."
v) Similar posição defende MARGARIDA PAZ, in O papel do Ministério Público no processo do maior acompanhado, Cadernos de Direito Privado 66, Cejur – Centro de estudos Jurídicos do Minho, Abril Junho 2019, p. 28: “… Caso o beneficiário autorize a propositura da ação, ou a autorização seja suprida pelo tribunal, nos termos do n.º 2 do art. 141.º do Código Civil, estamos perante uma situação de substituição processual. No entanto, parece-nos que ainda assim o beneficiário deve ser citado para, querendo, contestar. Esta é, de igual modo, a única forma de aplicar, na íntegra, a remissão para o art. 21.° (agora o n.º1), pois só neste caso o Ministério Público representa, a título principal, o acompanhado. [negrito nosso] Consideramos, assim, que, nos casos em que a ação seja instaurada pelo próprio beneficiário ou por algum dos familiares indicados no art. 141.°, n.° 1, do Código Civil, mediante autorização daquele ou por via do suprimento judicial, o Ministério Público não deve ser citado, como parte passiva do processo…. A resposta do beneficiário encontra-se prevista no art. 896.° do CPC. Podendo o beneficiário responder ao requerimento inicial no prazo de 10 dias (n.° 1), a falta de resposta gera a aplicação do estabelecido no art. 21.° do CPC (n.° 2), em moldes semelhantes ao previsto no art. 895.°. A intervenção acessória do Ministério Público, que estava expressamente prevista no n.° 2 do art. 894.° da versão originária do CPC, resulta do art. 10.º, n.° 1, alínea a), e n.º 2 e 3, ambos do novo Estatuto do Ministério Público, pelo que naturalmente se mantém, nos parâmetros fixados no art. 325.° do CPC.”
w) No despacho recorrido, o tribunal apenas manifestou a sua posição, não se conseguindo perceber o concreto raciocínio lógico-jurídico inerente à mesma.
x) Não concordando por isso que a lei preveja nestes casos sequer uma substituição processual directa “pura” do beneficiário das medidas obrigando-o a vestir as vestes de Autor / Requerente, sem possibilidade de defesa, pois como é também inevitavelmente Requerido / visado / beneficiário de medidas, também poderá ser alvo de restrições à sua liberdade e eventual dignidade.
y) Não podemos dizer que exista substituição processual “pura” e muito menos “voluntária”.
z) Tal seria contrário aos fins do próprio regime, pois a protecção do beneficiário tanto ocorre com a aplicação das medidas necessárias como com a recusa da aplicação das medidas “efectivamente” desnecessárias ao seu bem estar, o que inclui, a hipótese extrema da recusa de aplicação de quaisquer medidas, hipóteses que têm de ter voz no processo.
aa) Quem melhor poderá defender a sua eventual desnecessidade do que o beneficiário, ou na ausência de resposta deste, o MP?, aliás nos termos da letra da lei, como supra se defendeu?
bb) Mesmo na tese defendida por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais, O novo regime do maior acompanhado, CEJ, 2019, p. 48 e 49, que é aquela tese que impõe mais restrições à citação do beneficiário das medidas / visado, ainda assim defende que o Ministério Público “deve ser chamado a intervir no processo como parte principal” na hipótese configurada nos autos, fazendo recurso à menção da figura da “substituição processual voluntária” e não “representação” para o justificar (ao que entendemos).
cc) Não defendemos esta última tese, contudo bem entendemos a necessidade de que o visado maior ou os seus interesses, enquanto sujeito de impossibilidades, esteja representado na acção, ou seja, a colocação do MP do lado do requerido / legitimidade passiva.
dd) Veja-se ANA CRISTINA DA SILVA FAEGAS PEREIRA, in Um contributo na compreensão do regime processual do maior acompanhado, tese de mestrado apresentada à FDUC, 2019, p. 187: “Nas palavras de TEIXEIRA DE SOUSA, “o beneficiário não é citado nem quando a ação for proposta pelo próprio beneficiário (...), nem quando essa ação for instaurada pelo cônjuge ou unido de facto ou por um parente sucessível em substituição desse beneficiário (...)”213. Discordando do Autor, consideramos que o beneficiário apenas não será citado quando seja ele próprio o requerente, isto é, a citação do beneficiário ocorre quando o processo de acompanhamento for iniciado quer pelo Ministério Público, quer por qualquer dos legitimados mediante a autorização, pois, como veremos no ponto à frente, esta autorização pode ser alvo de resposta, invocando-se, por exemplo, a falsidade do documento autorizativo”.
ee) De uma ou outra forma, não pode é a acção deixar o beneficiário sem voz traduzida numa verdadeira legitimidade passiva, de características interventivas, mais fortes, sob pena de se frustrarem os objectivos e princípios fundamentais do regime do acompanhamento de maior.
ff) Mais  indico, a seguir, peças processuais relevantes – art. 637º nº 2 CPC.
 Termos em que deve o presente recurso ser declarado procedente e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que defira o requerido pelo Ministério Público e ordene a citação nos termos requeridos pelo Ministério Público, e que reconheça a intervenção do mesmo. Assim se fazendo a acostumada, JUSTIÇA!”
Não foram apresentadas contra-alegações.
A factualidade a atender é a que consta do relatório antecedente.
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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, a única questão a decidir consiste em apurar se na presente ação deve ser determinada a citação do beneficiário e se, na sua impossibilidade ou falta de resposta, deve ser citado o M.P., nos termos do disposto nos artºs 895º, 896º e 21º do CPC.
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O presente recurso tem por objeto decisão proferida em ação especial de acompanhamento de maior, previsto nos artºs 891º e ss. do CPC, o qual é regulado pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns (artº 546º, nº 1 do CPC), sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (artº 891º, nº 1).
Estabelece o artº 141º do C.C. que:
“1. O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público.
2. O tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível.
3. O pedido de suprimento da autorização do beneficiário pode ser cumulado com o pedido de acompanhamento.”
Dispõe o artº 895º do CPC que:
1 - O juiz determina, quando o processo deva prosseguir e o requerente da medida não seja o beneficiário, a sua imediata citação pelo meio que, em função das circunstâncias, entender mais eficaz.
2 - Se a citação não produzir efeitos, nomeadamente em virtude de o beneficiário se encontrar impossibilitado de a receber, aplica-se o disposto no artigo 21.º
E o artº 896º preceitua que:
1 - Ao requerimento inicial segue-se a resposta do beneficiário, no prazo de 10 dias.
2 - Na falta de resposta, aplica-se o estabelecido no artigo 21.º
A presente ação foi interposta pela mãe do beneficiário que, cumulativamente, requereu o suprimento judicial da autorização daquele.
Trata-se da figura processual de substituição – e não de representação. “O beneficiário é a parte substituída e o cônjuge, unido de facto ou o parente sucessível a parte substituta” [1]
 “A concessão de legitimidade ao terceiro (substituto processual) pode ser exclusiva ou concorrente com a legitimidade do titular da situação jurídica. (…)
Só a lei pode definir as situações em que pode ser reconhecida legitimidade a um terceiro ou em que ela pode ser retirada ao titular (ou alegado titular) da situação jurídica; também só a lei pode determinar as hipóteses em que a legitimidade pode ser concedida a um terceiro através de um ato voluntário ou negocial (…).” [2]
“A substituição processual distingue-se da representação na medida em que o representante “exerce o direito de ação em nome e por conta do representado, e não é, portanto, parte na causa; o substituto processual, diferentemente, actua em nome próprio, pois, embora segundo as regras gerais, o direito de acção caiba a outrem, o seu exercício é-lhe conferido directamente em garantia do seu direito contra o substituído.” [3]
A questão da citação do beneficiário tem merecido posições díspares, como referido pelo recorrente, destacando-se as seguintes:
 “Quando a acção for proposta pelo beneficiário ou por alguém em sua substituição, coloca-se o problema de saber quem deve ser o requerido nessa acção. A resposta só pode ser uma: o Ministério Público, como órgão a quem incumbe representar os incapazes (art.º 3.º, n.º 1, al. a), EMP), deve ser chamado a intervir no processo como parte principal (art.º 5.º, n.º 1, al. c), EMP).  (…)
Se o beneficiário for o requerido (cf. art.º 141.º, n.º 1, CC) – isto é, se a acção for proposta contra o beneficiário –, incumbe ao tribunal determinar o meio pelo qual se vai realizar a citação desse beneficiário (art.º 895.º, n.º 1). Se o beneficiário não estiver em condições de receber a citação e se o tribunal não tiver escolhido outra pessoa para a receber, aplica-se – estabelece o art.º 895.º, n.º 2 – o disposto no art.º 21.º.
 Sobre este aspecto importa considerar, no entanto, o seguinte: 
 ─ O beneficiário não é citado nem quando a acção for proposta pelo próprio beneficiário (art.º 141.º, n.º 1, CC), nem quando essa acção for instaurada pelo cônjuge ou unido de facto ou por um parente sucessível em substituição desse beneficiário (art.º 141.º, n.º 1, CC);
 ─ Sendo assim, o beneficiário só pode ser requerido quando a acção seja proposta pelo Ministério Público;
 ─ Logo, a remissão que se encontra no art.º 895.º, n.º 2, tem de ser entendida como feita apenas para o art.º 21.º, n.º 2, ou seja, para a situação em que, porque o autor é o Ministério Público, a parte demandada – in casu, o beneficiário – tem de ser representada por um defensor oficioso.“ [4]
“Se o requerente deduz o pedido de suprimento e alega, de forma bastante, os factos que o fundamentam, deverá:
 1) Citar-se o beneficiário para se pronunciar, querendo, em 10 dias, por ora, apenas quanto ao pedido de suprimento da autorização (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil); (…)
E quando se trate de acção proposta pelo próprio beneficiário ou pelo cônjuge, unido de facto ou parente sucessível deste mediante autorização do beneficiário? Há citação? E, na afirmativa, de quem?
Esta situação deverá ser entendida como de “apresentação para acompanhamento”. Neste caso, afigura-se que não há lugar a citação, sequer do Ministério Púbico que deve apenas ser notificado nos termos do artigo 325.º do Código de Processo Civil e que terá intervenção acessória, com todos os poderes e deveres que, nessa qualidade, lhe assistem.” [5]
“E em caso de suprimento da autorização do beneficiário, nos termos do n.º 2 do artigo 141.º do CC?
Não olvidamos que, em termos jurídico-processuais, estamos perante a figura da substituição processual. No entanto, parece-nos que ainda assim o beneficiário deve ser citado para, querendo, contestar, não só o suprimento da autorização como a própria ação, em caso de cumulação de pedidos (n.º 3 do artigo 141.º do CC). Esta é, de igual modo, a única forma de aplicar, na íntegra, a remissão para o artigo 21.º (agora o n.º 1), pois só neste caso o Ministério Público representa, a título principal, o acompanhado.” [6]
“ (…) No que concerne à legitimidade processual passiva, cumpre distinguir quatro hipóteses: a) quando a ação é proposta pelo beneficiário, deve figurar do lado passivo o Ministério Público, pelo que este deve ser citado para apresentar resposta; b) quando a ação é proposta pelo cônjuge, unido de facto ou parente sucessível do beneficiário, com autorização do beneficiário, deve por idênticas razões ser citado o Ministério Público, intervindo o mesmo a título principal do lado passivo; c) quando a ação é proposta pelo cônjuge, unido de facto ou parente sucessível do beneficiário, sem autorização do beneficiário (ou seja, com pedido de suprimento dessa autorização), entendo que do lado passivo deve figurar o beneficiário do acompanhamento, devendo o mesmo ser citado para deduzir contestação (cf. o n.° 1 do artigo 895.° do C.P.C.); d) finalmente, quando a ação é proposta pelo Ministério Público, do lado passivo também figura o beneficiário do acompanhamento, que vai ser citado para deduzir contestação (cf. o n.° 1 do artigo 895.° do C.P.C.)” [7]
Interpretando os normativos em questão e, considerando que a ação foi interposta por parente sucessível, tendo sido cumulado pedido de suprimento da autorização, entendemos que o beneficiário deve ser citado, nos termos do disposto no artº 895º do CPC – preceito que no nº 1 apenas exclui a citação daquele nos casos em que seja requerente – uma vez que a sua mãe não o representa na ação, visando com o suprimento da autorização adquirir legitimidade para a causa.
E dado que o processo de acompanhamento de maior se destina primordialmente à aplicação de medidas de acompanhamento, o visado com tais medidas – o beneficiário –, não sendo requerente, deve ser ouvido no processo, mediante a respetiva citação.
Ao beneficiário assiste o direito de se pronunciar, o direito de resposta a que alude o artº 896º do CPC, por si ou através do M.P., só assim sendo possível atingir os objetivos da alteração legislativa introduzida pela Lei 49/2018, de 28/08, como resulta da exposição de motivos da respetiva proposta de lei: 
“Os fundamentos finais da alteração das denominadas incapacidades  dos  maiores (…) são, em síntese, os seguintes: a primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível; a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade,  só  admissíveis  quando  o  problema  não  possa ser  ultrapassado comrecurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns, próprios de qualquer situação  familiar;
a flexibilização da interdição/inabilitação, dentro da ideia de  singularidade da situação; a manutenção de um controlo jurisdicional eficaz sobre qualquer constrangimento imposto ao visado; o primado dos seus interesses pessoais e patrimoniais; a agilização dos procedimentos, no respeito pelos pontos anteriores; a intervenção do Ministério Público em defesa e, quando necessário, em representação do visado.
Para prosseguir estes objetivos, opta-se, por um lado, por um modelo monista – em claro detrimento de um modelo de dupla via ou múltiplo – por se considerar ser o dotado de maior flexibilidade e de amplitude suficiente, por compreender  todas  as  situações  possíveis,  e  por  outro,  por  um  modelo  de  acompanhamento  e  não  de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade. Por comparação com o regime atual, é radical a mudança de paradigma. Este modelo é o que melhor traduz o respeito pela dignidade da pessoa visada, que é tratada não como mero objeto das decisões de outrem, mas como pessoa inteira, com direito à solidariedade, ao apoio e proteção especial reclamadas pela sua situação de vulnerabilidade.”
Salienta-se que a requerente instaurou a ação contra o beneficiário, que na p.i. figura como requerido.
O facto de ter ocorrido nomeação de patrono ao beneficiário não releva para efeitos da sua citação. Com efeito, tal pedido foi formulado pela própria requerente em data prévia à instauração da ação e o processo foi arquivado pela O.A., desconhecendo-se o fundamento. O tribunal anunciou a sua intenção de avaliar a regularidade formal do patrocínio dessa nomeação (cfr. despacho de 29/04/2020), não o tendo feito por ter sido arquivado aquele processo pela Ordem dos Advogados. É manifesto que a nomeação de patrono ao beneficiário, efetuada para propor a presente ação, quando esta veio a ser instaurada pela requerente, tendo aquele pedido sido efetuado pela requerente, sem ter poderes de representação para o efeito, não é válida para efeitos de representação judiciária do beneficiário, que nem sequer assume posição processual ativa.
De igual modo, é irrelevante a constituição de mandatário ao beneficiário, pela própria requerente, ato que não foi ratificado pelo tribunal recorrido (cfr. despacho de 29/04/2020).
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência, decide-se revogar o despacho recorrido e, em sua substituição, determina-se a citação do beneficiário, através de oficial de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 895º e 896º do CPC.
Sem custas.

Lisboa, 9 de junho de 2021                                 
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
António Valente

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[1] Teixeira de Sousa, O regime de acompanhamento de maiores: alguns aspetos processuais, e-book CEJ “O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado”, pág. 47
[2] Teixeira de Sousa, Apreciação de Alguns Aspectos da Revisão do Processo Civil – Projeto, portal.oa.pt.,
[3] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 198
[4] Teixeira de Sousa, O regime de acompanhamento de maiores, citado, pág. 48-49
[5] Cláudia Alves, O acompanhamento das pessoas com deficiência - questões práticas do novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, e-book CEJ, pág. 15, 19
[6] Margarida Paz, O Ministério Público e o Novo Regime do Maior Acompanhado”, e-book CEJ “O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado”, pág. 130.
[7] Ana Luísa S. Pinto, O Regime Processual de Acompanhamento de Maior, Revista Julgar, nº 41, pág. 151.