NEGÓCIO JURÍDICO CONDICIONAL
IMPEDIMENTO DA VERIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
PRAZO DA PRESTAÇÃO
ESSENCIALIDADE
Sumário


I- A condição é uma cláusula acessória típica por virtude da qual os efeitos jurídicos de um negócio são postos na dependência dum acontecimento futuro e incerto, de forma que só verificado esse acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva).
II- Determinado o acontecimento condicionante verificar-se-á, em regra, a condição se o mesmo tiver lugar.
III- O legislador estabelece, contudo, uma limitação a esta regra geral, nos chamados casos de “sabotagem” da verificação ou não do evento condicionante; isto é, quando a parte a quem a condição prejudicaria impede a sua verificação contra as regras da boa-fé ou quando a parte a quem ela beneficiaria a faz produzir contra as referidas regras, caso em que a condição se tem, respetivamente, por verificada ou como não verificada (artigo 275º n.º 2 do Código Civil).
IV- Será contrária à boa-fé, qualquer atuação das partes que venha a interferir, direta ou indiretamente, com as características essenciais da condição ou com a sua verificação de modo que contrarie a confiança criada e depositada, legitimamente, na contraparte.
V- A cláusula de um contrato-promessa em que se prevê que era condição imprescindível para a celebração do negócio a aprovação da construção do edifício e, caso não viesse a ser aprovado, os Réus, promitentes vendedores, devolveriam as quantias recebidas, não podendo pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização, é uma condição resolutiva do contrato-promessa.
VI- Não se pauta pelas regras da boa-fé a conduta da Autora, promitente compradora e quem beneficiaria com a condição, se nem sequer apresenta um qualquer projeto para ser aprovado, provocando dessa forma a verificação da condição.
VII- Termo é a “clausula acessória típica pela qual a existência ou a exercitabilidade dos efeitos de um negócio são postas na dependência de um acontecimento futuro, mas certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se tornam exercitáveis a partir de certo momento (termo suspensivo ou inicial ou começam desde logo, mas cessam a partir de certo momento (termo resolutivo ou final)”.
VIII- Por regra, os prazos das prestações não são essenciais, mas a essencialidade dos mesmos pode decorrer da própria natureza ou do fim da prestação (estará em causa um prazo essencial objetivo, em que a ultrapassagem do prazo é tida como incumprimento definitivo, havendo uma imediata perda de interesse) ou do acordo das partes (prazo essencial subjetivo).
IX- O prazo essencial subjetivo pode ser absoluto se a sua ultrapassagem implicar a caducidade do contrato (tendo o mesmo efeito que o prazo essencial objetivo), ou relativo se apenas concede a faculdade de resolver o contrato ou exigir o cumprimento.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

M. L. intentou ação declarativa em processo comum contra M. G. e C. M., peticionando a condenação dos mesmos a restituírem-lhe a quantia recebida a título de sinal e pagamento, no valor de €6.000 (seis mil euros), acrescida de juros legais, desde 16 de janeiro de 2020 até efetivo e integral pagamento.
Alega para tanto e em síntese que celebrou com os Réus um contrato promessa de compra e venda, prometendo comprar um prédio de que os mesmos eram proprietários, tendo pago €6.000,00 de sinal.
Alega ainda que de acordo com cláusula celebrada entre as partes, ficou fixada como condição imprescindível para a celebração do negócio a aprovação da construção dum Lar Sénior no prédio objeto do mesmo, sendo que se a mesma não viesse a ser aprovada ou fosse ultrapassada a data de janeiro de 2020, os Réus teriam de devolver as quantias recebidas até essa data.
Mais alega que não conseguiu obter a aprovação da construção do edifício, por razões alheias à sua vontade pois a não aprovação da construção não se deveu à vontade da Autora, sendo uma decisão de terceiras entidades, razão pela qual pediu a devolução da quantia de €6.000,00 paga a 16 de janeiro de 2020 e que os Réus negaram-se a tal restituição, pese embora também não tenham procedido ao destaque da parcela necessária para a celebração do negócio prometido, pelo que também por aí incumprem o contrato promessa celebrado.
Regularmente citados os Réus contestaram defendendo que a Autora não lhes fez comprovação da submissão de qualquer projecto para aprovação e financiamento do “Lar Sénior”, que desse origem a qualquer decisão de não aprovação e consequente denegação do financiamento e que a Autora ou se desinteressou do local ou da construção do “Lar Sénior”, não se verificando assim a condição imprescindível em que lhe seria devolvido o sinal pois que ao informar que não obteve a aprovação e consequente financiamento, tal informação teria que ser o corolário necessário da submissão de um projecto a aprovação, para financiamento.
Mais alegam que não tendo submetido qualquer projecto, a Autora devia saber que não podia accionar a condição, tendo que cumprir o contrato o consubstanciará, inclusive, litigância de má-fé, tendo assim os Réus direito a reterem o sinal nos termos do artigo 442º n.º 2 do Código Civil.
Mais referem que não procederam ao destaque da parcela a vender em virtude de tal operação apenas se impor após aprovação da construção e financiamento do Lar.
Foi proferido despacho saneador e despacho destinado à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Nestes termos, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência condeno os Réus ao pagamento da quantia de € 6.000,00 à Autora, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados sobre a referida quantia desde 31 de janeiro de 2020, até efetivo e integral pagamento.
Custas por Autora e Réus na proporção do decaimento – cfr. art. 527º do CPC. Registe e notifique.”

Inconformados, apelaram os Réus da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“I. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência condenou os réus, aqui recorrentes, ao pagamento da quantia de € 6.000,00 à autora, acrescida de juros de mora, contados sobre a referida quantia, desde 31 de Janeiro de 2020 até efectivo e integral pagamento;
II. O inconformismo dos réus relativamente à sentença recorrida prende-se com a existência de erro de julgamento da matéria de facto; e verificação ou não da condição resolutiva de que as partes fizeram depender a celebração do contrato definitivo, consequências em relação ao negócio condicionado, e erro na aplicação do direito;
III. Pelos fundamentos de facto melhor expressos no corpo das alegações, a factualidade do ponto 10 dos factos provados deverá ser eliminada, pois trata-se de uma conclusão que decorre da prova dos factos constantes dos pontos 14 e 15 e não propriamente da prova fundamentada de que a não aprovação da construção e financiamento ocorreram pelo indeferimento do projecto de construção e ou pela não aprovação do financiamento projectado para a construção do edifício;
IV. E, se assim não se entender, também pelos fundamentos constantes do corpo das alegações, deve a factualidade do ponto10 dos factos provados transitar para os factos não provados;
V. Pelos fundamentos melhor expressos no corpo das alegações e pela análise dos documentos juntos aos autos na petição inicial e contestação, deve ser aditada aos factos provados a seguinte factualidade: A autora, por carta registada comunicou, no dia 16 de Janeiro de 2020, aos réus que não obteve aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício, e por isso informou os réus que o contrato promessa de compra e venda ficaria sem qualquer efeito; Os réus, em resposta à carta enviada pela autora e referida no ponto 11, por carta registada datada de 4 de Fevereiro de 2020, interpelaram a autora para comprovar a submissão do projecto que diz não ter tido aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, carta que a mesma recebeu;
VI. De igual modo, pelos fundamentos melhor expressos no corpo das alegações, deve ser considerado como provado que “a autora se desinteressou da construção do “Lar Sénior” após a celebração do contrato promessa, e dando-se tal factualidade como provada deve parte da al. b) dos factos não provados passar para o elenco dos factos provados, o que se impõe e requer ao abrigo dos poderes atribuídos a esta Relação pelo número 1 do artigo 662º do C. P. Civil;
VII. Analisados os temas de prova propostos pelo tribunal a quo no despacho saneador, facilmente se conclui que, numa primeira fase, a preocupação do tribunal a quo seria de verificar se a aprovação ocorreu ou não, como efectivamente verificou, e numa segunda fase, seria de verificar a razão pela qual a mesma não se verificou, o que incompreensivelmente não fez;
VIII. Considerando os temas de prova enunciados no despacho saneador e a factualidade dada como provada e não provada, parece-nos que o tribunal a quo, aquando da prolação da sentença, desviou-se do caminho previamente traçado, ao considerar como verificada a condição prevista no contrato promessa e ao condenar os réus a devolver as quantias entregues a título de sinal;
IX. Pois resulta claro que a autora não praticou qualquer acto no sentido de viabilizar a autorização e financiamento da construção do Lar Sénior;
X. Foi a inércia da autora que levou a que não tivesse obtido qualquer autorização de construção, que nem sequer sujeitou a apreciação;
XI. Foi a autora quem abandonou o projecto de aprovação e construção do Lar Sénior, conforme supra articulado, pelo que a não celebração do contrato prometido a ela exclusivamente se deve;
XII. Nos termos do art. 270º do Código Civil. “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”;
XIII. No caso concreto estando previsto que a escritura pública deveria ser realizada até ao final de Janeiro de 2020, data acordada como limite para a autora obter a aprovação da construção do Lar Sénior, sobre a promitente compradora impendia a obrigação de demonstrar o facto-condição, ou seja, devia dentro daquele prazo diligenciar pela obtenção da autorização da construção e, caso não conseguisse, deveria, como se impunha, comunicar aos promitentes vendedores essa impossibilidade, cessando assim o contrato os seus efeitos, por verificação da condição resolutiva;
XIV. É inquestionável que o ónus da prova de verificação da cláusula recaía sobre a autora, promitente compradora, nos termos do art. 342º, nº1, do Código Civil;
XV. Ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem entendido que “a questão da prova da verificação do facto despoletador da condição resolutiva, o facto-condição, constitui ónus probatório da autora – art. 342º, nº1, do Código Civil, e como se trata, pela aposição da condição de um negócio jurídico subordinado cuja eficácia está umbilicalmente ligada ao negócio jurídico contrato de compra e venda, há que ponderar a utilidade económica dos contratos prometidos, as regras da boa fé, do agir diligente, probo e a actuação que harmonicamente salvaguarde os interesses dos contraentes; não devemos proceder hermeneuticamente como se a cláusula resolutiva tivesse estanquicidade tal, que deva ser interpretada desligadamente do contrato subordinado”. (Vide Ac. STJ de 13-01-201, publicado in www.dgsi.pt;
XVI. Como resulta do corpo das alegações a autora não agiu com boa fé negocial e não se comportou como um bonus pater familias, pois, não preparou qualquer projecto de construção, não diligenciou pelo seu licenciamento e nem sequer pela aprovação ou informação prévia junto das entidades administrativas;
XVII. A autora incumpriu o contrato nos termos do n.º 1 e 2 artigo 762.º do Código Civil;
XVIII. A comunicação da autora aos réus (dar sem efeito o contrato) feita antes mesmo de terminar o prazo para se verificar ou não o evento, autorização da construção, é a manifestação clara do seu incumprimento, pois, com a comunicação dirigida aos réus, confirmou que não iria celebrar o contrato definitivo e que pretendia a devolução do sinal entregue, o que acarreta incumprimento definitivo do contrato nos termos e para os efeitos do 790.º, n.º 2 do Código Civil;
XIX. O comportamento da autora, que, pela sua gravidade e relevância, é gerador da verificação da condição, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 275º do Código Civil, e leva a concluir que a mesma não se verificou, o que doutamente é defendido pelos professores Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Volume I, 4.ª Edição, em anotação ao referido artigo 275.º, n.º 2 do Código Civil, “A doutrina do n.º 2, é uma consequência da regra geral expressa no artigo 272.º do Código Civil. A boa fé tem aqui um sentido ético, semelhante ao que tem o artigo 227.º. A disposição revela que, com a celebração do negócio condicional, nascem deveres secundários ou acessórios, especiais de conduta para uma das partes ou para ambas. A solução consagrada no n.º 2 representa, por outro lado, um corolário da ideia de que a ninguém deve ser lícito tirar proveito dos actos que pratica violando as regras da boa fé”;
XX. Para que tivesse lugar a restituição do sinal em singelo, como pede a autora na acção, necessário seria que se tivesse verificado a condição prevista no contrato promessa e que a verificação da mesma lhe não fosse imputável, o que não logrou provar, pois, pelas regras vindas de citar, a mesma não se verificou e, mesmo que se tivesse verificado, sempre a sua conduta terá de se considerar manifestamente culposa;
XXI. Tendo a autora deixado de cumprir a sua obrigação no contrato promessa, por causa que lhe é imputável, nos termos do artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil deverá a mesma perder a quantia que entregou a título de sinal e princípio de pagamento, devendo consequentemente os réus ser absolvidos dos pedidos formulados;
XXII. Assim, o tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu, violou a sentença recorrida as disposições legais supra citadas, designadamente, arts. 270º, 275.º, n.º 2, 342º, nº1, 442.º, n.º 2, 762.º e 790.º, todos do Código Civil e o art. 607º, nºs 4 e 5 do Código de Processo Civil.”
Pugnam os Recorrentes pela procedência do recurso e consequentemente pela revogação da sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a acção.
A Recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida, e requerendo a condenação dos Réus em multa por atuarem com má-fé ao interporem recurso nos moldes em que o fizeram.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:
1 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
2 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos;
3 – Saber se os Réus devem ser condenados como litigantes de má-fé.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1) A Autora celebrou com os Réus, em - de junho de 2019, um contrato promessa de compra e venda, junto como doc. 1 à petição inicial, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Através de tal contrato-promessa a Autora prometeu comprar aos Réus, e estes prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos, uma parcela de terreno, sita na Rua ..., da freguesia de ... do concelho de Fafe, com área de três mil metros quadrados, medindo cinquenta metros nos lados norte e sul e sessenta metros nos lados nascente e poente.
3) Parcela essa a desanexar do prédio Sorte do ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o número .../... e inscrito na matriz sob o artigo ....
4) O preço estipulado para a prometida venda foi de € 160.000,00.
5) Importância esta que seria paga da seguinte forma:
a) - € 6.000,00 (seis mil euros) no ato da assinatura do contrato promessa, de que os primeiros outorgantes lhe deram a respetiva quitação;
b) - o restante, ou seja, € 154.000,00 (cento e cinquenta e quatro mil euros), no ato da assinatura do contrato definitivo de compra e venda.
6) Os Réus receberam aquela quantia de € 6.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento.
7) Ficou ainda convencionado no dito contrato que a escritura ou contrato definitivo de compra e venda seria celebrada logo que a segunda outorgante, aqui Autora, obtivesse a aprovação e financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, devendo a segunda contraente comunicar aos primeiros outorgantes o local, dia e hora de realização do contrato definitivo.
8) E que não poderia ser em data posterior a janeiro de 2020.
9) Ficou ainda convencionado que era condição imprescindível para a celebração do presente negócio, a aprovação da construção do edifício referido (Lar Sénior), e caso não viesse a ser aprovado ou fosse ultrapassada a data de janeiro de 2020, os Réus devolveriam todas as quantias recebidas até essa data, não podendo os mesmos pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização.
10) A Autora não obteve a aprovação para a construção do edifício que pretendia e seu financiamento.
11) A Autora, por carta registada datada de 16 de janeiro de 2020, interpelou os Réus para que estes procedessem à devolução da quantia de € 6.000,00 paga na data da celebração do contrato promessa.
12) Os Autores receberam tal interpelação, mas recusam-se a proceder à devolução de tal quantia.
13) Os Réus, enquanto proprietários da parcela objeto do contrato promessa, não efetuaram o destaque da mesma após a sua celebração, nem encetaram qualquer diligência nesse sentido.
14) A Autora não submeteu um projeto de construção do “Lar Sénior” para aprovação.
15) A Autora não comprovou perante os Réus a submissão de qualquer projeto para aprovação, construção e financiamento do previsto “Lar Sénior”, que desse origem a qualquer decisão de não aprovação e consequente denegação do financiamento.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

a) A não aprovação da construção do Lar Sénior decorreu de decisão de uma entidade terceira face à Autora.
b) A Autora desinteressou-se do local ou da construção do “Lar Sénior” após a celebração do contrato promessa.
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

O presente recurso, tal como delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões, versa sobre a decisão da matéria de facto, não concordando os Recorrentes com o julgamento do Tribunal a quo relativamente ao ponto 10) dos factos provados, que considera dever ser eliminado ou considerado não provado, e ao ponto b) dos factos não provados devendo ser considerado como provado que “a autora se desinteressou da construção do “Lar Sénior”.

Sustentam ainda que deve ser aditada aos factos provados a seguinte factualidade:
“A autora, por carta registada comunicou, no dia 16 de janeiro de 2020, aos réus que não obteve aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício, e por isso informou os réus que o contrato promessa de compra e venda ficaria sem qualquer efeito”;
“Os réus, em resposta à carta enviada pela autora e referida no ponto 11, por carta registada datada de 4 de fevereiro de 2020, interpelaram a autora para comprovar a submissão do projecto que diz não ter tido aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, carta que a mesma recebeu”.
Vejamos se lhes assiste razão.
Decorre do preceituado n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O legislador impõe por isso ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.

No caso concreto, os Recorrentes cumpriam satisfatoriamente o ónus de impugnação da matéria de facto, indicando os pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, o sentido da decisão que em seu entender se impõe e os elementos de prova em que fundamentam o seu dissenso.

Os pontos da matéria de facto impugnados têm a seguinte redacção:
“10) A Autora não obteve a aprovação para a construção do edifício que pretendia e seu financiamento”;
“b) A Autora desinteressou-se do local ou da construção do “Lar Sénior” após a celebração do contrato promessa”.

Sustentam os Recorrentes, quanto ao ponto 10º dos factos provados, que a prova dos pontos 14 e 15, ou seja, a prova pela positiva de que a Autora não sujeitou ou submeteu à aprovação qualquer projecto de construção e financiamento do “Lar Sénior” teria de inevitavelmente levar à conclusão de que a Autora não provou a factualidade constante do ponto n.º 10 dos factos provados, uma vez que a matéria do ponto10) dos factos provados tem de ser analisada juntamente com a demais factualidade.
Começamos por referir, tal como referem os Recorrentes, que a conclusão de que a Autora não obteve a aprovação para a construção do edifício que pretendia e seu financiamento “é mais do que óbvia, tendo em conta que a mesma efectivamente não ocorreu”.

É também neste sentido a motivação do tribunal a quo quando refere que:
“No tocante ao facto provado 10) o mesmo resulta, na verdade, também dos próprios articulados, mas também do referido por toda a prova produzida em juízo, sendo certo que não foi obtida a referida aprovação para construção do Lar. E não foi porque, como comprovado em 14), tal projeto nunca foi apresentado – como referido pela própria testemunha arrolada pela Autora, atestando de forma credível tal facto.
Na falta da apresentação de tal projeto para aprovação da construção junto de entidades terceiras, impossível também se tornou a sua apresentação aos Réus, como comprovado em 15), acreditando-se igualmente, como referido pelo Réu em declarações de parte, que não lhe foram apresentados quaisquer projetos de financiamento do mesmo – até porque, mais uma vez, a testemunha arrolada pela Autora esclareceu que tal financiamento se teve como impossível ao tomarem conhecimento das condições de candidatura a fundos europeus, nada mais se fazendo então, por nada mais se poder fazer, sendo inútil a realização de qualquer diligência adicional, explicitação que se teve como clara e sincera. E assim, inexistiu também qualquer projeto de financiamento que importasse redigir e apresentar, e que pudesse ser apresentado aos Réus.
Do exposto por J. S., e acabado de referir, resulta claro que a não aprovação da construção do Lar não decorreu duma decisão concreta duma entidade terceira face a qualquer projeto de construção, como se indicava na petição inicial, mas sim da constatação de que seria impossível obter financiamento para a criação e exploração de tal Lar, o que é coisa bem distinta. Daí decorrendo o teor do facto não provado a)”.
Da exposição constante da motivação da sentença recorrida ressalta ainda que, tal como entendem os Recorrentes, que os pontos 10), 14) e 15) dos factos provados, e o ponto a) dos factos não provados, se encontram directamente interligados e associados, de tal forma que da matéria constante do ponto 14) efectivamente se poderia concluir que a Autora não obteve a aprovação para a construção do edifício que pretendia.
Tal como também sustentam os Recorrentes a matéria do ponto 10) terá de ser lida e analisada conjuntamente com a demais factualidade, em particular com os referidos pontos 10), 14) e 15) dos factos provados, e o ponto a) dos factos não provados.
Ou seja, a Autora efectivamente não obteve a aprovação para a construção do edifício que pretendia [ponto 10)], não por força de uma qualquer decisão nesse sentido de uma entidade terceira face à Autora [v. ponto a) dos factos não provados] mas porque não submeteu um projeto de construção para aprovação [ponto 14) dos factos provados] e, por isso, também não comprovou perante os Réus a submissão de qualquer projeto para aprovação, construção e financiamento do previsto “Lar Sénior”, que desse origem a qualquer decisão de não aprovação e consequente denegação do financiamento [ponto 15)].
Queremos com isto dizer que a impugnação dos Recorrentes relativamente ao ponto 10) dos factos provados acaba por ser praticamente uma “não impugnação” pois que, tal como decorre da posição do tribunal a quo, também eles consideram que o facto da Autora não ter obtido a aprovação para a construção do edifício que pretendia e seu financiamento é mais do que óbvio uma vez que efectivamente não ocorreu.
Não vemos, por isso, qualquer necessidade ou sequer fundamento para alterar o ponto 10) da factualidade julgada provada pelo tribunal a quo procedendo à sua eliminação e, muito menos, julgando tal factualidade como não provada.
De salientar apenas que a alegação dos Recorrentes de que o que verdadeiramente importaria era saber se se comprovou ou não que a não aprovação do projecto de construção e o seu financiamento se encontram minimamente fundamentados, em nada contraria que se julgue provado o ponto 10) o qual deverá ser lido e analisado no contexto de toda a matéria de facto quando se considere a aplicação do direito aos factos.

Sustentam ainda os Recorrentes que deve ser aditada aos factos provados a seguinte factualidade:

“A autora, por carta registada comunicou, no dia 16 de janeiro de 2020, aos réus que não obteve aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício, e por isso informou os réus que o contrato promessa de compra e venda ficaria sem qualquer efeito”;
“Os réus, em resposta à carta enviada pela autora e referida no ponto 11, por carta registada datada de 4 de fevereiro de 2020, interpelaram a autora para comprovar a submissão do projecto que diz não ter tido aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, carta que a mesma recebeu”.
Decorre do ponto 11) dos factos provados que a Autora, por carta registada datada de 16 de janeiro de 2020, interpelou os Réus para que estes procedessem à devolução da quantia de € 6.000,00 paga na data da celebração do contrato promessa.
Da análise da referida carta junta aos autos com a petição inicial constata-se que a Autora efectivamente comunicou aos Réus que não obteve aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício, e por isso informou-os que o contrato promessa de compra e venda ficaria sem qualquer efeito.
E do teor da carta junta aos autos pelos Réus com a contestação, datada de 4 de fevereiro de 2020 constata-se que constitui a resposta dos Réus à carta enviada pela Autora.

Assim, e por se mostrar mais conforme à prova que resulta dos autos altera-se a redacção dos pontos 11) e 12) dos factos provados para que passe a constar:

“11) A Autora, por carta registada datada de 16 de janeiro de 2020, informou os Réus que não obteve aprovação, e consequente financiamento, para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, e que como a aprovação era condição imprescindível para a celebração do negócio, nos termos das cláusulas 4ª e 5ª do contrato promessa de compra e venda, este ficaria consequentemente sem qualquer efeito; mais solicitou que a importância de €6.000,00 entregue a título de sinal fosse transferida para a sua conta aí melhor identificada”.
12) Os Réus receberam a carta referida no número anterior e em resposta remeteram à Autora carta datada de 4 de fevereiro de 2020 na qual instavam a Autora a comprovar, pessoal e documentalmente, a submissão do projecto que diz não ter aprovação e o consequente financiamento para construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, sem o que considerariam incumprido pela Autora o contrato com perda da importância entregue a título de sinal no valor de €6.000,00.”
Por último e no que respeita ao ponto b) dos factos não provados entendem os Recorrentes que deve ser julgado provado que a Autora se desinteressou da construção do “Lar Sénior”.

O tribunal a quo considerou tal facto como não provado justificando a sua decisão da seguinte forma:
“Do exposto por J. S., e acabado de referir, resulta claro que a não aprovação da construção do Lar não decorreu duma decisão concreta duma entidade terceira face a qualquer projeto de construção, como se indicava na petição inicial, mas sim da constatação de que seria impossível obter financiamento para a criação e exploração de tal Lar (…) O exposto não implica, todavia, e contrariamente ao alegado pelos Réus, que a Autora se tenha pura e simplesmente desinteressado da celebração do contrato definitivo após a celebração do contrato promessa, resultando do testemunho de J. S., ao invés, que a mesma continuava a pretender construir e explorar o referido Lar, mas foi-lhe imposto um “travão” a tal pretensão pela impossibilidade de obter financiamento para o mesmo. De onde decorreu o teor do facto não provado b)”.
Analisadas as declarações da referida testemunha J. S. que pelo seu conhecimento directo dos factos se revelou efectivamente essencial, pois fez parte de uma equipa que prestou serviços para a Autora que iam desde a parte da arquitectura, com elaboração do projecto, passando por contactos com a segurança Social, até à elaboração da candidatura aos fundos comunitários, conclui-se que o que inquinou o objectivo da Autora de construir o “Lar Sénior” não foi o projecto e nem a Segurança Social mas o facto de a Autora não reunir as condições para se candidatar aos fundos comunitários com que pretendia obter o financiamento necessário; tal como esclareceu a testemunha, depois de sair o formulário da candidatura aos Fundos Europeus chegaram à conclusão que tinham de desistir pelo que nem chegaram à fase de apresentar na Câmara o projecto, nem fizeram qualquer pedido formal para o mesmo. Não tendo apresentado nenhum projecto para construção pois para a Autora eram essenciais os apoios comunitários, pelo que tendo reunido a equipa com a Autora chegaram à conclusão que não era viável a Autora avançar com o projecto.
Entendemos, por isso, assistir razão aos Recorrentes, quando sustentam que deve ser dado como provado que a Autora se desinteressou da construção do “Lar Sénior”; cremos que é o que resulta de forma clara das declarações testemunha J. S.. De facto, não está em causa se a Autora continua a ter o sonho de vir a construir o lar, mas se, no contexto do negócio em causa, e considerando a construção naquele local, a Autora se desinteressou de construir o lar. E, em face da prova produzida nos autos, não pode ser outra a conclusão senão de que a Autora, uma vez verificado (através da equipa que contratou para o efeito) que não poderia contar com o financiamento através dos apoios comunitários, desinteressou-se da construção naquele local, tanto mais que nem sequer chegou a apresentar o projecto na Câmara.
Deve, pois, ser eliminado o ponto b) dos factos e aditado o ponto 16) aos factos provados com a seguinte redacção.
“16) Após a celebração do contrato promessa a Autora desinteressou-se do da construção do “Lar Sénior” naquele local”.
Em face do exposto procede-se à alteração da redacção dos pontos 11) e 12) dos factos provados e ao aditamento do ponto 16), nos termos supra expostos, eliminando-se o ponto b) dos factos não provados.

A matéria de facto a considerar passará a ser a seguinte:
“Factos provados:
1) A Autora celebrou com os Réus, em 2 de junho de 2019, um contrato promessa de compra e venda, junto como doc. 1 à petição inicial, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Através de tal contrato-promessa a Autora prometeu comprar aos Réus, e estes prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos, uma parcela de terreno, sita na Rua ..., da freguesia de ... do concelho de Fafe, com área de três mil metros quadrados, medindo cinquenta metros nos lados norte e sul e sessenta metros nos lados nascente e poente.
3) Parcela essa a desanexar do prédio Sorte do ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o número .../... e inscrito na matriz sob o artigo ....
4) O preço estipulado para a prometida venda foi de € 160.000,00.
5) Importância esta que seria paga da seguinte forma:
a) - € 6.000,00 (seis mil euros) no ato da assinatura do contrato promessa, de que os primeiros outorgantes lhe deram a respetiva quitação;
b) - o restante, ou seja, € 154.000,00 (cento e cinquenta e quatro mil euros), no ato da assinatura do contrato definitivo de compra e venda.
6) Os Réus receberam aquela quantia de € 6.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento.
7) Ficou ainda convencionado no dito contrato que a escritura ou contrato definitivo de compra e venda seria celebrada logo que a segunda outorgante, aqui Autora, obtivesse a aprovação e financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, devendo a segunda contraente comunicar aos primeiros outorgantes o local, dia e hora de realização do contrato definitivo.
8) E que não poderia ser em data posterior a janeiro de 2020.
9) Ficou ainda convencionado que era condição imprescindível para a celebração do presente negócio, a aprovação da construção do edifício referido (Lar Sénior), e caso não viesse a ser aprovado ou fosse ultrapassada a data de janeiro de 2020, os Réus devolveriam todas as quantias recebidas até essa data, não podendo os mesmos pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização.
10) A Autora não obteve a aprovação para a construção do edifício que pretendia e seu financiamento.
“11) A Autora, por carta registada datada de 16 de janeiro de 2020, informou os Réus que não obteve aprovação, e consequente financiamento, para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, e que como a aprovação era condição imprescindível para a celebração do negócio, nos termos das cláusulas 4ª e 5ª do contrato promessa de compra e venda, este ficaria consequentemente sem qualquer efeito; mais solicitou que a importância de €6.000,00 entregue a título de sinal fosse transferida para a sua conta aí melhor identificada”.
12) Os Réus receberam a carta referida no número anterior e em resposta remeteram à Autora carta datada de 4 de fevereiro de 2020 na qual instavam a Autora a comprovar, pessoal e documentalmente, a submissão do projecto que diz não ter aprovação e o consequente financiamento para construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, sem o que considerariam incumprido pela Autora o contrato com perda da importância entregue a título de sinal no valor de €6.000,00.”
13) Os Réus, enquanto proprietários da parcela objeto do contrato promessa, não efetuaram o destaque da mesma após a sua celebração, nem encetaram qualquer diligência nesse sentido.
14) A Autora não submeteu um projeto de construção do “Lar Sénior” para aprovação.
15) A Autora não comprovou perante os Réus a submissão de qualquer projeto para aprovação, construção e financiamento do previsto “Lar Sénior”, que desse origem a qualquer decisão de não aprovação e consequente denegação do financiamento.
16) Após a celebração do contrato promessa a Autora desinteressou-se do da construção do “Lar Sénior” naquele local.
***
Factos não provados:

a) A não aprovação da construção do Lar Sénior decorreu de decisão de uma entidade terceira face à Autora.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, analisando os demais argumentos invocados no recurso.
Sustentam os Recorrentes que sobre a Autora, promitente compradora, impendia a obrigação de diligenciar pela obtenção da autorização da construção e, caso não conseguisse, comunicar aos promitentes vendedores essa impossibilidade, cessando assim o contrato os seus efeitos, por verificação da condição resolutiva e sobre ela recaía o ónus da prova de verificação da cláusula; entendem que a Autora não agiu com boa-fé negocial e não se comportou como um bonus pater familias pois não preparou qualquer projecto de construção e nem diligenciou pela aprovação e que incorreu no incumprimento definitivo do contrato, devendo perder a quantia que entregou a título de sinal e princípio de pagamento.
Pelo tribunal a quo foi afirmado que a restituição do montante pretendido pela Autora se baseia na cláusula 5ª do contrato promessa e que as condições contratuais ali fixadas ocorreram efectivamente, pois não se logrando a aprovação da construção do Lar Sénior, ultrapassou-se o prazo ali previsto para obtenção de tal aprovação, impondo-se a restituição do sinal.
Os Recorrentes discordam deste entendimento e questionam desde logo a verificação da condição resolutiva.

Vejamos então se lhes assiste razão.

No artigo 410º n.º 1 do Código Civil, respeitante ao contrato-promessa, prevê-se que “1 - À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 2 - Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral. 3 - No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”
O contrato-promessa “é a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 6.ª Edição, página 301); segundo Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6.ª Edição, página 83) trata-se de um pactum de contrahendo, sendo bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo e unilateral se apenas uma das partes se vincula.
Não vem questionado nos autos que entre as partes foi celebrado um contrato promessa de compra e venda (aliás assim denominado pelas mesmas) que tinha por objecto uma parcela de terreno, sita na Rua ..., da freguesia de ... do concelho de Fafe, com área de três mil metros quadrados, a desanexar do prédio Sorte do ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o número .../... e inscrito na matriz sob o artigo ... [pontos 2) e 3) dos factos provados] e que a Autora entregou aos Réus no ato da assinatura do contrato promessa a quantia de €6.000,00 [pontos 5) e 6)] a título de sinal e princípio de pagamento.
Da mesma forma não vem questionado que ficou convencionado no dito contrato que a escritura ou contrato definitivo de compra e venda seria celebrado logo que a segunda outorgante, aqui Autora, obtivesse a aprovação e financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, devendo esta comunicar aos Réus o local, dia e hora de realização do contrato definitivo, que não poderia ser em data posterior a janeiro de 2020 [pontos 7) e 8) dos factos provados] e que era condição imprescindível para a celebração do negócio, a aprovação da construção do edifício referido (Lar Sénior), e que, caso não viesse a ser aprovado ou fosse ultrapassada a data de janeiro de 2020, os Réus devolveriam todas as quantias recebidas até essa data, não podendo pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização [ponto 9)].
O tribunal a quo entendeu que “as condições contratuais” fixadas ocorreram efectivamente, salientando que nada impunha na cláusula acordada que a Autora tivesse diligenciado para obter a aprovação da construção do Lar Sénior, não se impondo qualquer obrigação de meios ou de resultado à Autora, não podendo a falta de qualquer diligência concreta da Autora no sentido de obter a aprovação da construção do Lar justificar a retenção da quantia de €6.000,00 pelos Réus.
Em sentido contrário, sustentam os Recorrentes que mesmo que a Autora tivesse provado a verificação da condição, os Recorrentes provaram a factualidade que impede que a condição se tenha por verificada face à conduta culposa da Autora.
Importa referir que, salvo melhor opinião, não está aqui em causa questionar a imposição ou não de obrigação de meios ou resultado à Autora e, ao contrário da posição perfilhada pelo tribunal a quo, entendemos que efectivamente se impunha, por força da condição estipulada e da boa-fé, que a Autora tivesse diligenciado para obter a aprovação da construção para que se possa considerar verificada a condição; é o que resulta, aliás de forma expressa, do artigo 275º n.º 2 do Código Civil: se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa-fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.
Vejamos então.
Tal como alegam os Recorrentes no contrato-promessa prevê-se uma condição resolutiva.
No direito civil português, a noção de condição encontra-se no artigo 270º do Código Civil ao dispor que as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição, no segundo, resolutiva.
“A condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico, por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva)” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2009, Processo n.º 312-C/2000.C1-A.S1, Relator Moreira Alves, disponível em www.dgsi.pt).
O legislador optou por incluir, no mesmo preceito legal, a definição de ambas as espécies típicas: a condição suspensiva e a condição resolutiva.
O critério de distinção consagrado no artigo 270º é o da influência que a verificação do evento condicionante tem sobre a eficácia do negócio: se a verificação da condição importa a produção dos efeitos do negócio trata-se de uma condição suspensiva; se a verificação da condição importa a destruição dos efeitos negociais, aquela é resolutiva (vide Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição, página 559).
A validade das cláusulas condicionais encontra o seu fundamento no princípio da liberdade contratual (cfr. artigo 405º do Código Civil), salvaguardando-se, naturalmente, a nulidade do negócio subordinado a condição contrária à lei, à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes tendo-se a condição resolutiva por não escrita (cfr. artigo 271º n.º 2 do Código Civil).
São elementos caracterizadores da condição a “futuridade” e a “incerteza”: a condição abrange acontecimentos futuros e incertos, pelo que o acontecimento condicionante não deve ser certo quanto à sua verificação, pois se o for estaremos, regra geral, perante um termo e não uma condição (cfr. artigo 278º do Código Civil).
Determinado o acontecimento condicionante verificar-se-á a condição se o mesmo tiver lugar; o legislador estabelece, contudo, uma limitação a esta regra geral, nos chamados casos de “sabotagem” da condição, da verificação ou não do evento condicionante; isto é, quando a parte a quem a condição prejudicaria impede a sua verificação contra as regras da boa-fé ou quando a parte a quem ela beneficiaria a faz produzir contra as referidas regras, caso em que a condição se tem, respectivamente, por verificada ou como não verificada conforme decorre do n.º 2 do referido artigo 275º.
Como ensina Mota Pinto (ob. cit., página 568) “comporta-se contra a boa fé quem não se comporta como se pode esperar, segundo o sentido do contrato, de um contraente que pense com lealdade; não é preciso que o contraente vise dolosamente a verificação da condição; basta que o seu comportamento, de uma forma reconhecível para ele, não corresponda ao que a outra parte, segundo a boa fé, tem legitimidade para esperar dele”.
Nos casos em que a verificação da condição está na dependência de um ato de uma das partes, a parte titular do direito potestativo poderia sempre condicionar a verificação do evento; por isso, deve a mesma pautar toda a sua conduta pelas regras gerais da bona fides. Será contrária à boa-fé, qualquer atuação das partes que venha a interferir, direta ou indiretamente, com as características essenciais da condição ou com a sua verificação de modo que contrarie a confiança criada e depositada, legitimamente, na contraparte.
Por outro lado, “aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa-fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte” (artigo 272º do Código Civil); o legislador recorreu à boa-fé para justificar a imposição ao titular do direito efectivo, durante a pendência, de se abster de quaisquer comportamentos capazes de lesar o direito que o titular da expectativa virá a integrar na sua esfera jurídica assim que a condição se verificar. Esta referência à boa-fé (que representa uma concretização do princípio geral consagrado no artigo 762º n.º 2 do Código Civil, em sede de cumprimento das obrigações) dirige-se tanto aos deveres principais ou típicos da prestação como aos deveres secundários ou acessórios da conduta.
Com a celebração do negócio condicional nascem deveres secundários ou acessórios de conduta para as partes, não podendo a parte que pratique os atos em violação das regras de boa-fé tirar proveito dos mesmos (neste sentido Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, página 254).
No que toca aos seus efeitos, e no que se reporta à condição resolutiva (que é a que aqui nos interessa) importa ainda referir que o preenchimento da condição importa a destruição automática e retroactiva dos efeitos do negócio; não se verificando a condição os efeitos do negócio consolidam-se.
Acresce ainda dizer que efectivamente recaia sobre a Autora o ónus de provar a verificação da condição resolutiva, em conformidade com o disposto no artigo 342º n.º 1 do Código Civil (v. neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2015, Processo n.º 36/12.9TVLSB.L1.S1, Relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt).
In casu, tal como alegam os Recorrentes, os factos provados permitem a conclusão de que se mostra prevista no contrato-promessa uma condição resolutiva pois que foi convencionado pelas partes que era condição imprescindível para a celebração do negócio, a aprovação da construção do edifício referido (Lar Sénior), e caso não viesse a ser aprovado ou fosse ultrapassada a data de janeiro de 2020, os Réus devolveriam todas as quantias recebidas até essa data, não podendo os mesmos pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização; com a não aprovação da construção do edifício cessariam os efeitos do contrato-promessa e os Réus devolveriam todas as quantias recebidas até essa data, não podendo pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização.
Ora, resulta efectivamente provado que a Autora não obteve a aprovação para a construção do edifício que pretendia e seu financiamento; porém, tal não ocorreu porque o projecto não tivesse sido aprovado, mas porque a Autora nem sequer submeteu um projeto de construção para aprovação, não tendo também, consequentemente, comprovado perante os Réus a submissão de qualquer projeto para aprovação, construção e financiamento do previsto “Lar Sénior”, que desse origem a qualquer decisão de não aprovação e consequente denegação do financiamento.
Ao contrário do que a Autora alegou nos autos a não aprovação da construção do Lar Sénior não decorreu de decisão de uma entidade terceira face à Autora, mas da sua própria decisão de nem sequer apresentar um projecto para aprovação.
A questão que se impõe então colocar é se, neste caso, face à conduta da Autora, a parte a quem a condição beneficiaria, se deve considerar que a Autora a fez produzir contra as regras da boa-fé, devendo ter-se a mesma como não verificada por força da aplicação do preceituado no já referido n.º 2 do artigo 275º.
E a resposta, tal como defendem os Recorrentes, e já tínhamos adiantado, terá de ser afirmativa.
Não podemos, por isso, concordar com o tribunal a quo quando considera que “uma manifestação de desinteresse ou abandono absolutamente desmotivada, fora do que era pretendido na celebração do contrato, e fora do que são os ditames da boa-fé, poderia eventualmente implicar um abuso de direito da Autora no fazer atuar desta cláusula. Mas a verdade é que tal desinteresse ou abandono do projeto negocial de forma injustificadamente desmotivada não se provou, como resulta da leitura dos factos não provados, sendo absolutamente claro, em função do julgamento realizado, que a Autora queria efetivamente construir e explorar o Lar, apenas não tendo prosseguido com tal projeto, e com o inerente contrato prometido, em virtude de, posteriormente ao contrato promessa, ter tido conhecimento que não obteria o financiamento necessário para o efeito. O incumprimento do contrato partiu assim duma circunstância exógena, pelo que não podemos concluir por uma qualquer conduta abusiva da Autora que a proíba de exigir aquilo a que tem claramente direito nos termos da cláusula 5ª do contrato”.
Na verdade, se no contrato-promessa celebrado entre as partes ficou convencionado que o contrato definitivo de compra e venda seria celebrado logo que a Autora obtivesse a aprovação e financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, a condição considerada imprescindível para a celebração do negócio, e devolução da quantia recebida, foi a aprovação da construção do edifício e não o financiamento para a sua construção, ou tão pouco o financiamento para a própria aquisição do terreno (pois que em face do preço acordado de €160.000,00, faltava ainda pagar a quantia de €154.000,00 no ato da assinatura do contrato definitivo – pontos 4 e 5 dos factos provados).
Se efectivamente o desinteresse por parte da Autora resultou, em face da prova produzida, por ter tido conhecimento, em momento posterior à celebração do contrato prometido, que não obteria o financiamento através dos fundos comunitários, tal não releva directamente para a verificação da condição pois o acontecimento futuro e incerto a que as partes subordinaram a produção de efeitos do contrato-promessa e a devolução da quantia entregue pela Autora foi a aprovação da construção do edifício.
E é relativamente a esse acontecimento que devemos analisar a condutar da Autora, isto é, se a mesma foi pautada pelas regras da boa-fé, e a posição dos Réus, designadamente as expectativas criadas nos mesmos, pois que não se suscitam dúvidas em face da factualidade provada que foi o comportamento da Autora que produziu a condição (a não aprovação da construção do edifício) ao nada ter feito, ao não apresentar qualquer projecto para esse efeito (sendo certo que também nada resulta provado, ou sequer foi alegado pela Autora, que permita concluir que nenhum projecto para construção do edifícios seria aprovado se a Autora tivesse diligenciado nesse sentido).
Tal como suprarreferimos, comporta-se contra as regras da boa-fé aquele cujo comportamento não é expectável de um contraente que pense com lealdade, considerando o sentido do contrato, bastando que o seu comportamento, de uma forma reconhecível para ele, não corresponda ao que a outra parte, segundo a boa-fé, tem legitimidade para esperar dele.
Ora, considerando o acordado no contrato-promessa quando à aprovação da construção do edifício entendemos que um contraente, agindo com lealdade para com o outro, teria de diligenciar pela apresentação de um projecto, que poderia ou não vir a ser aprovado, sendo essa a atuação que a outra parte segundo a boa fé esperaria que a Autora fizesse; as legítimas expectativas criadas para os Réus eram de que a Autora diligenciaria por apresentar um projecto para aprovação e só se este não fosse aprovado os Réus devolveriam a quantia em causa (a questão de ser ultrapassada a data acordada no contrato será posteriormente abordada).

No caso concreto a Autora nada fez, e nem tão pouco deu conhecimento aos Réus da sua intenção de nada fazer por força da impossibilidade de obtenção do financiamento com que estava a contar; aliás, mesmo quando instaura a presente acção a Autora omite que nada fez limitando-se a alegar que a aprovação da construção não se deveu à sua vontade da Autora, sendo uma decisão de terceiras entidades, o que não corresponde à realidade pois a não aprovação decorre exclusivamente de não ter apresentado sequer qualquer projecto e, por isso, da sua exclusiva vontade, e não de decisão de terceiras entidades (ainda que a sua vontade/decisão de não apresentar qualquer projecto para aprovação decorra da impossibilidade de obter o financiamento que pretendia).
Entendemos, por isso, ser de concluir que a conduta da Autora ao não apresentar qualquer projecto para ser aprovada a construção não se pautou pelas regras da boa-fé pelo que, tendo a Autora provocado a verificação da condição, e sendo quem beneficiaria com a mesma, se deve ter como não verificada a condição ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 275º do Código Civil.
A não verificação da condição resolutiva seria, à partida, impeditiva do direito da Autora ver devolvida a quantia de €6.000,00 nos termos por si pretendidos, podendo colocar-se a questão do incumprimento como invocam os Recorrentes uma vez que no contrato ficou convencionado que o contrato definitivo de compra e venda seria celebrado logo que a Autora obtivesse a aprovação e financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, devendo comunicar aos Réus o local, dia e hora de realização do contrato definitivo, não podendo essa data ser posterior a janeiro de 2020.
Contudo, Autora e Réus não se limitaram a fixar a condição resolutiva que, uma vez verificada, faria cessar os efeitos do contrato e obrigaria os Réus a devolverem a quantia entregue pela Autora.
Na mesma cláusula, estipularam também um termo, convencionando também que os Réus devolveriam todas as quantias recebidas, não podendo pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização, se fosse ultrapassada a data de janeiro de 2020.
O “termo” distingue-se da “condição” exactamente por estar em causa um acontecimento futuro, mas certo (na condição, como vimos, o acontecimento é incerto); com ele se subordina a eficácia do negócio a um evento futuro e certo, sendo o momento em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico, podendo ter como unidade de medida a hora, o dia, o mês ou o ano.
Na definição de Mota Pinto (ob. cit. página 573) é a “clausula acessória típica pela qual a existência ou a exercitabilidade dos efeitos de um negócio são postas na dependência de um acontecimento futuro, mas certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se tornam exercitáveis a partir de certo momento (termo suspensivo ou inicial ou começam desde logo, mas cessam a partir de certo momento (termo resolutivo ou final)”.
Aqui, o acontecimento de que dependem os efeitos do negócio é certo (normalmente um momento temporal ou um prazo) mas, à semelhança do que ocorre com a condição, admite-se o termo suspensivo ou inicial e o termo resolutivo ou final.
O artigo 278º (Termo) do Código Civil estabelece que se for estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento, é aplicável à estipulação, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 272º e 273º, prevendo o artigo 279º as regras para o seu cômputo, em caso de dúvida.
Apesar de estar em causa um acontecimento futuro, mas certo, o termo pode ser certo e incerto, o que não tem a ver com a verificação do facto, mas com o momento da sua verificação: é certo se se sabe antecipadamente o momento exacto em que o termo se verificará e incerto se esse momento é desconhecido.
Importa ainda distinguir se o termo é essencial ou não essencial; é essencial quando a prestação deve ser efectuada até à data estipulada (termo próprio) e uma vez ultrapassada essa data o não cumprimento é equiparado à impossibilidade definitiva da prestação e não essencial se depois de ultrapassado não acarreta logo essa impossibilidade, apenas gerando uma situação de mora (podendo então o credor fixar um termo essencial, tendo em vista tornar a mora em incumprimento definitivo).
Pensamos poder afirmar-se que, por regra, os prazos das prestações não são essenciais; a essencialidade dos mesmos pode, contudo, decorrer da própria natureza ou do fim da prestação (estará em causa um prazo essencial objectivo, em que a ultrapassagem do prazo é tida como incumprimento definitivo, havendo uma imediata perda de interesse) ou do acordo das partes (prazo essencial subjectivo). O prazo essencial subjectivo pode ser absoluto, se a sua ultrapassagem implicar a caducidade do contrato (tendo o mesmo efeito que o prazo essencial objectivo), ou relativo se apenas concede a faculdade de resolver o contrato ou exigir o cumprimento.
Neste sentido, Antunes Varela (Das obrigações em Geral, Vol. II, 7ª Edição, páginas 44 e 45) considera revestir a maior importância saber o alcance que as partes pretenderam dar à fixação do prazo quanto à eficácia do negócio, distinguindo entre o negócio fixo absoluto ou prazo absolutamente fixo, se a fixação do prazo significa que a prestação tem de ser efectuada dentro dele sob pena de o negócio caducar, e o negócio fixo relativo ou simples se a fixação do prazo “não envolve a necessária caducidade do negócio” (o autor distingue também os negócios de prazo -termo- essencial objectivo e de termo essencial subjectivo consoante a essencialidade resulta da natureza ou finalidade da obrigação ou resulta de determinação das partes).
Calvão da Silva (Sinal e Contrato-Promessa, 8ª edição, página 130) entende também que, em caso de termo essencial subjectivo a vontade das partes pode ser no sentido de o prazo limite por elas convencionado para o cumprimento ser improrrogável (termo subjectivo absoluto), de modo que a não realização da prestação dentro dele determina o “incumprimento definitivo, fundamento imediato da resolução” ou, pode ser apenas no sentido de o decurso do termo gerar tão só o direito de o credor proceder à sua resolução, sem embargo de poder ainda pedir o cumprimento da obrigação ou indemnização moratória – termo subjectivo relativo.

No caso em apreço as partes fixaram no contrato-promessa um termo certo (um prazo) para a devolução da quantia entregue na medida em que convencionaram que os Réus devolveriam todas as quantias recebidas, não podendo pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização, se fosse ultrapassada a data de janeiro de 2020; isto é, se fosse ultrapassada esta data devia ser devolvido tudo o que a Autora tivesse entregue até então. E fixaram também o mesmo prazo para celebração do contrato definitivo uma vez que estipularam que a data para a sua outorga não podia ser posterior a janeiro de 2020.
Daí que, conjugando o convencionado nas clausulas 4ª e 5ª, temos o prazo (janeiro de 2020) previsto como um prazo final inultrapassável; veja-se que o prazo é fixado na cláusula 5ª por referência à cláusula 4ª onde foi convencionado que a data para realização do contrato definitivo não poderia ultrapassar o mês de janeiro de 2020.
Da leitura das referidas cláusulas, considerando a economia do contrato e as regras de experiência comum, temos de concluir que o prazo fixado (janeiro de 2020) quer para realização do contrato definitivo, quer para devolução das quantias até então entregues é um prazo essencial; um prazo essencial subjectivo absoluto, implicando a sua ultrapassagem a caducidade do contrato.
Entendemos ser esta a interpretação lógica do clausulado e a que seria apreendida por um declaratário normalmente diligente (cfr. artigo 236º n.º 1 do Código Civil: a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; sendo que em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações – artigo 237º do Código civil). Interpretação que também se contém dentro dos limites do texto do contrato-promessa; aliás, não faria qualquer sentido as partes estipularem a devolução das quantias entregues se ultrapassada essa data, designadamente do próprio sinal, se não pretendessem que cessassem então os efeitos do contrato-promessa.
Julgamos ainda ser esta a interpretação que conduz, no caso em apreço, a um maior equilíbrio contratual, já que destruído o contrato e cessados os seus efeitos não se coloca a questão de incumprimento, antes havendo que devolver tudo o que foi prestado conforme convencionado pelas partes.
Assim, e ao contrário do que sustentam os Recorrentes, não há que colocar a questão da perda do sinal por parte da Autora e nem tem aplicação o regime previsto no artigo 442º n.º 2 do Código Civil.
Pelo contrário, uma vez ultrapassado o prazo essencial fixado pelas partes no contrato-promessa, de janeiro de 2020, e implicando a sua ultrapassagem a caducidade do contrato e a cessação dos seus efeitos, devem os Réus restituir à Autora a quantia de €6.000,00 que a mesma lhes entregou conforme ali convencionaram.
Em face de todo o exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade dos Recorrentes atento o seu decaimento (artigo 527º do Código Civil).
***
3.3. Da condenação dos Réus como litigantes de má-fé

A Recorrida nas contra-alegações que apresentou veio requerer a condenação dos Réus em multa por atuarem com má-fé ao interporem recurso nos moldes em que o fizeram.
Sustenta a Recorrida que com a apresentação das alegações de recurso, e tendo em conta o conteúdo das mesmas, na tentativa mais uma vez de se furtar ao cumprimento do contrato promessa e à devolução do sinal, a razão pedagógica que o tribunal a quo quis que os Réus sorvessem não resultou.
Alega que se em audiência de julgamento foi notório que os Réus queriam era apoderar-se de um valor que não lhes pertencia, à custa da Autora, agora em sede de recurso agravaram a sua conduta em protelar no tempo a referida devolução, e que não tendo sido condenados na primeira instância como litigantes de má-fé, esta deverá ser apreciada em função da posição assumida por estes na fase do recurso, designadamente nas alegações deste recurso uma vez que acabaram por utilizar o recurso para protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, dando, assim, a este meio processual um uso manifestamente reprovável.
Importa referir, adiantando desde já a nossa posição, que entendemos não assistir qualquer razão à Recorrida pois não vislumbramos na interposição de recurso pelos Réus, e nem tão pouco nas alegações apresentadas, qualquer intenção de protelarem o trânsito em julgado da decisão, mas apenas de pretenderem fazer valer a posição e entendimento que perfilham, com os quais aliás concordamos parcialmente (veja-se o supra exposto quanto à conduta da Autora e à questão da verificação da condição resolutiva) ainda que dai não tivesse decorrido a procedência da apelação, e nem a total improcedência do pedido que pretendiam.
Vejamos então.
O artigo 8º do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013 de 26 de junho e que reproduz o anterior artigo 266º-A) estabelece que as partes devem agir de boa-fé.
Com efeito, não obstante a lei atribuir aos sujeitos processuais o direito de solicitar ao tribunal uma determinada pretensão esta deve ser apoiada em factos e razões de direito de cuja razão esteja razoavelmente convencido, sob pena de haver lugar à sua responsabilização (princípio da auto-responsabilidade das partes).
É nestes princípios que assenta o instituto da litigância de má-fé, consagrado actualmente nos artigos 542º e seguintes do Código Processo Civil o qual visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa-fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta.
Corresponde o instituto da litigância de má-fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na negligência grave ou dolo do litigante.
Se a parte actuou de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, não obstante poder não provar a sua pretensão, a sua conduta é lícita e é condenada no pagamento das custas do processo, como risco inerente à sua actuação; se, contudo, procedeu de má-fé, na medida desde logo em que sabia que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais.

Nos termos do disposto no artigo 542º nº 1 do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013 de 26 de junho e que reproduz o anterior artigo 456º), tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária. E nos termos do nº 2 da referida disposição legal, “diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

Resulta da actual redacção desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis.
Ora, analisando a conduta dos Recorrentes e conforme já tínhamos adiantado, não vemos que a interposição do recurso pelos Réus se enquadre na previsão do artigo 542º nº 1 do Código de Processo Civil.
A Recorrida fundamenta a sua pretensão nas próprias considerações tecidas pelo tribunal a quo que, entendendo inexistir qualquer litigância de má-fé da Autora, sublinhou que “é a conduta dos Réus, na verdade, que bordeja a litigância de má fé, imputando à Autora um abandono ou desinteresse imotivado do projeto negocial, por escrito, na contestação pelos mesmos apresentada, para, em sede de julgamento, o Réu e seu filho referirem que na verdade não têm certezas nem provas quanto à razão pela qual a Autora não quis celebrar o contrato prometido. O que significa, evidentemente, que não podiam ter certeza quanto a tal ponto da contestação… Não deixando de transparecer que a presente ação mais não foi que uma tentativa de fazerem sua uma quantia que, nos termos do contrato por si firmado, e que devia por si ser honrado, bem teriam de saber que não podia ser sua, face ao descrito na cláusula quinta. Não obstante, e como referimos, bordejando a má-fé, entendemos que a conduta dos Réus não chega a reconduzir-se da forma necessária a uma lide temerária que justifique a aplicação de sanção aos mesmos, não podendo todavia deixar-se de frisar o que acabou de se mencionar, até por uma razão pedagógica para futuras condutas negociais dos Réus”.
Não acompanhamos, contudo, tais considerações.
É certo que, em sede de julgamento, o Réu e seu filho referiram não terem certezas quanto à razão pela qual a Autora não quis celebrar o contrato prometido; mas em sede de articulado de contestação não imputaram à Autora “um abandono ou desinteresse imotivado do projeto negocial”. O que alegaram foi que lhe enviaram comunicação, em resposta à carta que a mesma lhes enviou, instando-a a comprovar a submissão do projecto que diz não teve aprovação e o consequente financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior” e que a Autora não o fez, não comprovando a submissão de qualquer projecto para aprovação, pois na hora em que o fizesse, os Réus entregar-lhe-iam, de imediato, o dinheiro do sinal. E se alegaram que a Autora “ou se desinteressou do local ou da construção do Lar Sénior”, fazem-no como decorrência do facto da Autora não ter comprovado a submissão de qualquer projecto.
E na perspectiva dos Réus, com a qual concordamos, mas que não foi a posição do tribunal a quo, a verificação da condição resolutiva impunha que a Autora diligenciasse pela apresentação de um projecto, seria essa a conduta a adotar em conformidade com as regras da boa-fé; não o tendo feito, cremos que deveria ter comunicado não ter intenção de o fazer, por se ter tornado impossível obter o financiamento que pretendia, ou, pelo menos, responder à comunicação dos Réus informando que não submetera qualquer projecto para a provação.
Mas, na verdade, a Autora nem quando instaurou a presente acção o alegou; pelo contrário manteve a alegação de que não logrou obter a aprovação para a construção do edifício que pretendia” e que a não aprovação da construção “não se deveu à vontade da Autora, sendo uma decisão de terceiras entidades”, o que inculca desde logo a ideia de que foi proferida uma decisão no sentido da não aprovação, o que, como a Autora não podia deixar de saber, não correspondia à verdade.
Importa ainda referir que para a condenação como litigante de má-fé terá de concluir-se por uma actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o que pressupõe sempre que se encontra demonstrado nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes, e que o fez de forma consciente ou sendo-lhe exigível essa consciencialização.
Ora, a defesa convicta de uma perspetiva jurídica, ainda que diversa daquela que que vem a ser acolhida, não implica, por si só, litigância censurável que justifique a condenação como litigantes de má-fé; tal só deverá ocorrer se na postura adotada não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé que devem nortear a conduta das partes.
No caso concreto não cremos que a atitude dos Recorrentes encerre qualquer uso manifestamente reprovável dos meios processuais e nem um comportamento desvalioso e entorpecedor da realização da justiça, de forma que mereçam ser sancionados como litigantes de má-fé.
Assim, em face do exposto, reiteramos inexistir fundamento para condenar os Réus como litigantes de má-fé.
***
SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):

I - A condição é uma cláusula acessória típica por virtude da qual os efeitos jurídicos de um negócio são postos na dependência dum acontecimento futuro e incerto, de forma que só verificado esse acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva).
II - Determinado o acontecimento condicionante verificar-se-á, em regra, a condição se o mesmo tiver lugar.
III - O legislador estabelece, contudo, uma limitação a esta regra geral, nos chamados casos de “sabotagem” da verificação ou não do evento condicionante; isto é, quando a parte a quem a condição prejudicaria impede a sua verificação contra as regras da boa-fé ou quando a parte a quem ela beneficiaria a faz produzir contra as referidas regras, caso em que a condição se tem, respectivamente, por verificada ou como não verificada (artigo 275º n.º 2 do Código Civil).
IV - Será contrária à boa-fé, qualquer atuação das partes que venha a interferir, direta ou indiretamente, com as características essenciais da condição ou com a sua verificação de modo que contrarie a confiança criada e depositada, legitimamente, na contraparte.
V - A cláusula de um contrato-promessa em que se prevê que era condição imprescindível para a celebração do negócio a aprovação da construção do edifício e, caso não viesse a ser aprovado, os Réus, promitentes vendedores, devolveriam as quantias recebidas, não podendo pedir qualquer tipo de despesa ou indemnização, é uma condição resolutiva do contrato-promessa.
VI - Não se pauta pelas regras da boa-fé a conduta da Autora, promitente compradora e quem beneficiaria com a condição, se nem sequer apresenta um qualquer projecto para ser aprovado, provocando dessa forma a verificação da condição.
VII - Termo é a “clausula acessória típica pela qual a existência ou a exercitabilidade dos efeitos de um negócio são postas na dependência de um acontecimento futuro, mas certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se tornam exercitáveis a partir de certo momento (termo suspensivo ou inicial ou começam desde logo, mas cessam a partir de certo momento (termo resolutivo ou final)”.
VIII - Por regra, os prazos das prestações não são essenciais, mas a essencialidade dos mesmos pode decorrer da própria natureza ou do fim da prestação (estará em causa um prazo essencial objectivo, em que a ultrapassagem do prazo é tida como incumprimento definitivo, havendo uma imediata perda de interesse) ou do acordo das partes (prazo essencial subjectivo).
IX - O prazo essencial subjectivo pode ser absoluto se a sua ultrapassagem implicar a caducidade do contrato (tendo o mesmo efeito que o prazo essencial objectivo), ou relativo se apenas concede a faculdade de resolver o contrato ou exigir o cumprimento.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 27 de maio de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária


Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)