CASO JULGADO
EXCEPÇÃO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Sumário

I - A força do “caso julgado” manifesta-se em duas vertentes: i) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada [exceção dilatória (ou efeito negativo) do caso julgado]; ii) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adotada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie [autoridade (ou efeito positivo) do caso julgado].
II - Na autoridade do caso julgado, a identidade do objeto da relação jurídica pode ser meramente parcial: uma determinada questão decidida na primeira ação configura-se como questão prejudicial na segunda, não podendo aí ser decidida em termos diversos, obviando-se assim a que a relação jurídica material definida por uma decisão com trânsito em julgado possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica.
III - Tendo o autor requerido ao Tribunal a condenação dos réus a favor de quem foram emitidas procurações irrevogáveis, no pagamento do saldo devido pela não prestação de contas, relativamente aos valores recebidos pelas vendas efetuadas ao abrigo das referidas procurações, sem colocar em causa a validade dos negócios em apreço, obtendo assim a condenação definitiva do réu no valor de € 211.385,96 acrescidos de juros de mora, esta decisão configura-se como questão prejudicial relativamente à pretensão formulada pelo autor nestes autos, de declaração de nulidade dos mesmos negócios, com base nos quais o réu/recorrido foi condenado a pagar ao autor os valores recebidos.
IV - Acresce a absoluta incompatibilidade entre a condenação do réu no pagamento ao autor dos valores recebidos pelas vendas e o pedido feito na presente ação, de declaração de nulidade dos negócios, por alegadamente não ter sido pago qualquer preço.

Texto Integral

Processo n.º 1360/20.2T8PNF.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 1.06.2020 B… intentou no Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “C…, S.A.”, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, K…, L…, M… e Massa Insolvente da sociedade “N…, Lda”, os seguintes pedidos de condenação dos réus que se passam a transcrever:
«A) Condenarem-se todos os cinco co-réus, fundadores, da ora sociedade primeira ré, a verem, judicialmente, declarada, nula e de nenhum efeito, a escritura pública constitutiva da sociedade e ora primeira ré, com a firma “O…, S.A.”, atualmente com a denominação “C…, S.A.”, celebrada em 7 (sete) de outubro de 2002 e lavrada a folhas, 90 e seguintes do livro 276-e do então Cartório Notarial de Paços de Ferreira, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do concelho de Paços de Ferreira, sob o n.º 2025, pessoa coletiva n. ……….., porque simulada, dado ter havido divergência intencional entre a vontade formalmente declarada pelos outorgantes e a sua vontade real, com a intenção de defraudar a lei e enganar e ou prejudicar terceiros de boa fé, entre os quais o autor e seu falecido irmão, o que conseguiram.
B) Ordenar-se o cancelamento da respetiva matricula, n.º 2025/021213, junto da Conservatória do Registo Comercial de Paços de Ferreira.
C) Declararem-se nulas e de nenhum efeito, as escrituras públicas de compra e venda, celebradas em, 18 de julho; 27 de julho; 17 de agosto de 2.000, 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002, todas melhor identificadas nos artigos 6 (sexto); 10 (dez) e 11 (onze), supra referidos, por simuladas, dado ter havido conluio (acordo oculto) entre as partes contratantes, maximé, co-réu, E… e co-ré, M…, bem como, divergência intencional entre a vontade destes, formalmente declarada (pagamento do preço) e a sua vontade real, não pagamento do preço, como se verificou, efetivamente, o que tudo foi feito com a intenção de defraudar a lei e prejudicar o autor e seu falecido irmão, pois nem os réus, E… e M…, pagaram o preço da compra feita, em 18 de julho de 2.000,ao autor e seu falecido irmão, nem a compradora, “N…, Lda.”, pagou o preço das compras que fez, em 27 de julho e 17 de agosto de 2.000 ao autor e seu falecido irmão; bem como, esta firma, “N…, Lda.”, em 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002,nâo pagou o preço das compras que fez aos réus, E… e M…, o que tudo bem se compreende, dada a promiscuidade então existente entre a sociedade “N…, Lda.”, ora Massa Insolvente e os seus então dois únicos sócios, E… e M…, pelo que não havia, então, qualquer separação de patrimónios e esferas jurídicas entre a sociedade, ora ré, Massa Insolvente de “N…, Lda.” e o património pessoal dos ora réus, E… e M….
D) Ordenar-se o cancelamento das inscrições feitas, na Conservatória do Registo Predial do concelho de Paços de Ferreira, com base nelas.
E) Condenar-se a ré, Massa Insolvente da “N…, Lda.”, a reconhecer que o autor tem o direito de habitar a Fraçao “d”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n. …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira, sob a ficha, n. 1.299/…, enquanto vivo for e de modo gratuito, face ao acordo celebrado e supra referido.
F) Condenar-se a ré, Massa Insolvente da “N…, Lda.”, a ver judicialmente, reconhecida, a nulidade, porque simuladas, das escrituras publicas de compra e venda, celebradas em, 27 de julho e 17 de agosto de 2.000; 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002, supra melhor identificadas, já que esta ré compradora, não pagou o respetivo preço, o qual não saiu do seu cofre social, tendo havido, divergência intencional dos outorgantes entre a sua vontade formalmente declarada e a sua vontade real, por acordo oculto entre eles e com intenção de enganar e ou prejudicar o autor e seu falecido irmão, ordenando-se o cancelamento das respetivas inscrições feitas com base nelas, junto da Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira.
G) Condenar-se a ré, Massa Insolvente da “N…, Lda.”, a pagar ao autor, todos os prejuízos, quer patrimoniais quer não patrimoniais e que se vierem a verificar desde a data da entrega efetiva do apartamento e até sua efetiva reocupação e a liquidar em execução de sentença.
H) Condenarem-se, os co-réus, E… e M…, a verem judicialmente reconhecida a nulidade da escritura publica de compra e venda celebrada em, 18 de julho de 2000, supra referida, por simulada, dado o comprador nada ter pago a titulo de preço, ao autor e seu falecido irmão, tendo havido divergência intencional entre a vontade declarada e a vontade real, por acordo oculto e no intuito de enganar e ou prejudicar terceiros, in casu, o autor e seu falecido irmão.
I) Ordenar-se o cancelamento de todas as inscrições feitas na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira, com base nessa escritura publica de compra e venda, de 18 de julho de 2.000.
J) Condenarem-se, todos os réus, solidariamente, dada a sua má-fé e conduta dolosa, em conjugação de esforços e em fraude à lei e em prejuízo de terceiros de boa-fé, entre os quais o autor e seu falecido irmão, a pagarem ao autor, a quantia de € 211.385,96, acrescida dos juros de mora já vencidos e calculados até à data da propositura desta ação, no montante de € 50.000,00 e vincendos à mesma taxa de 4% ao ano, até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente e para a hipótese de assim se não entender;
Dada a má-fé, abuso de direito e fraude à lei, consistente em, sobreposição de esferas jurídicas, confusão de patrimónios e domínio por uma única pessoa física, ou seja o co-réu, E…, supra revelados, de forma reiterada, com intuito de prejudicar terceiros, entre os quais, o autor e seu falecido irmão, deve desconsiderar-se a atribuição, por lei, da personalidade jurídica coletiva, de que gozam as sociedades, co-rés, “C…, S.A.” e “N…, Lda.”, esta, ora, massa insolvente, face à conduta ilícita supra descrita e em consequência condenarem-se, estas, solidariamente, a pagarem ao autor, a referida quantia de € 211.385,96, acrescida dos juros já vencidos até à data da propositura desta ação, calculados à taxa legal de 4% ao ano, no montante de € 50.000,00 e vincendos à mesma taxa, até efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências, pois, só, assim, será, efetuada, a costumada, justiça.».
Como fundamento da sua pretensão, alegou o autor em síntese: é o único e universal herdeiro, por óbito do seu irmão P…, ocorrido em 16 de junho de 2004; no dia 3 de julho do ano de 2000, no Cartório Notarial de Paços de Ferreira, o autor e seu falecido irmão, outorgaram instrumento publico avulso, de procuração, aos ora réus, E… e esposa M…, no qual conferiram os poderes necessários e suficientes para estes venderem pelos preços e condições que entendessem, em conjunto ou separadamente, quaisquer prédios rústicos e ou urbanos deles outorgantes, desde que sitos na dita freguesia de Penamaior, concelho de Paços de Ferreira; a referida procuração era irrevogável, não caducando por morte dos constituintes, podendo os procuradores fazer negócio consigo próprios, receberem o preço e darem quitação, entregando o preço recebido aos seus representados ou prestando contas do mandato conferido, ora autor e seu falecido irmão, conforme tudo melhor se alcança do documento que protesta juntar; em execução dos poderes representativos conferidos, pela dita procuração, os réus E… e M…, por escrituras públicas lavradas no Cartório Notarial do concelho de Paços de Ferreira, fizeram, em nome e em representação dos outorgantes, seus constituintes, ou seja, o autor e seu falecido irmão, as vendas referidas nas alíneas A) a C) do art.º 6.º da petição; os ora réus, E… e M…, então, no estado de casados entre si, compraram para si próprios e para a sociedade por quotas “N…, Lda.”, de que eram, então, os únicos sócios, com quotas iguais, os prédios rústicos e urbanos, do autor e seu falecido irmão, todos sitos na dita freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, desta comarca, constantes das escrituras referidas, pelo preço global declarado e formalmente, recebido, de 47.260.000$00; os réus E… e M…, revenderam à sociedade por quotas “N…, Lda.” prédios que haviam adquirido para si; os referidos réus E… e M… revenderam também a Q… um prédio urbano que haviam adquirido para si; os mesmos réus, E… e M… revenderam também a Q… um prédio urbano que haviam adquirido para si; o réu E…, por escritura de 10.09.2001, na qualidade de sócio e único gerente da firma “N…, Lda”, vendeu a S…, pelo preço de 11.000.000$00, os prédios rústicos da freguesia …, inscritos na matriz nos artigos, 894-896-897-899 e 902, bem como um urbano da mesma freguesia, inscrito na matriz no artigo 84, que haviam sido adquiridos ao autor e seu falecido irmão; por escritura subsequente a divórcio, em 31.01.2003, foram partilhados os bens comuns do dissolvido casal, composto pela ora ré, M… a e seu marido E…; como da referida escritura de partilha se vê, a ora ré, M… recebeu as tornas que entendeu lhe eram devidas e deu quitação, face aos valores declarados e acordados; por escritura de 31.01. 2003, a ora ré, M… cedeu, a seu ex-marido e ora réu E…, este na qualidade de sócio e único administrador da sociedade anónima “O…, S.A.”, ora ré, “C…, S.A.”, pelo seu valor nominal, a quota social de que era titular na sociedade por quotas, N…, Lda; o valor real e ou de mercado da mesma quota, era, nessa data, muito superior ao nominal, atento o ativo patrimonial, imobiliário, de que era, então, titular, a sociedade e da ordem das centenas de milhares de euros; em 18.06.2000, o ora réu E…, então no estado de casado com a ora ré, M…, comprou para o casal, 4 (quatro) prédios urbanos todos sitos na dita freguesia …, sendo certo, que, apesar de ter recebido, formalmente, o preço da venda, o que é verdade, é que não o entregou ao autor e seu falecido irmão e a ré nada fez para que fosse cumprido o constante da procuração, apesar de ter tido ou dever ter tido conhecimento do contrato de compra e venda, maxime, e da entrada dos bens imóveis no seu património comum, bem como da saída do preço respetivo; por sua vez os ora réus, M… e E…, aquando da posterior revenda dos mesmos prédios, em 26.04.2001, juntamente com seu ex-marido, apesar de terem recebido, neste caso, efetivamente, o preço da venda, do comprador, Q…, o que é certo é que ficaram com ele e não o entregaram ao autor e seu falecido irmão; aquando da outorga da escritura de compra e venda de 27.06.2000 a ora ré, M… e seu então marido, o ora réu, E… receberam, formalmente, o preço da venda dos vinte prédios rústicos, no valor de 15.160.000$00 e não o entregaram ao autor e seu falecido irmão, seus representados, bem sabendo que tinham de o fazer; quanto à escritura de compra e venda, de 17.08.2000, a sociedade compradora, “N…, Lda”, de que a ora ré, M… era então sócia igualitária, com seu marido e ora réu, E… pagou, formalmente, o preço da compra e o dinheiro saiu do seu cofre social da conta bancária da sociedade e o procurador, seu então marido e ora réu, esqueceu-se de entregar o preço recebido ao autor e seu falecido irmão, a conduta dos ora réus, E… e M… foi e continua a ser e já lá vão quase 20 anos, claramente abusiva, de má-fé e dolosa, com a intenção de prejudicar, como, efetivamente, prejudicaram e continuam a prejudicar, o ora autor e seu falecido irmão, tendo estes ficado, duplamente prejudicados, sem todos os seus bens imóveis e sem o preço das vendas legalmente devido e formalmente recebido, tendo até havido revendas dos mesmos bens imóveis com grande lucro, o que consubstancia um verdadeiro abuso de direito; e como, agora, não é possível, anular, em parte, os atos praticados, resta a condenação dos réus E… e M… no pagamento correspondente, em dinheiro, no montante ora peticionado.
Citados, vieram os réus E…, K…, F…, L…, H… e C…, S.A., contestar, alegando, em síntese que a causa de pedir nestes autos se funda nas alegadas vendas de imóveis feitas pelo Réu E… com base numa procuração/mandato irrevogável, o mesmo acontecendo com várias ações que foram anteriormente intentadas pelo autor, nomeadamente:
a) - Providência cautelar - Processo nº 3/09.OTBPFR do extinto 1ºJuízo do Tribunal Judicial de Paços Ferreira, instaurada em Dezembro de 2008.
O autor, com igual causa de pedir, instaurou uma providência cautelar contra o réu E… e sua ex-mulher, também aqui ré, M…, pedindo o arresto e apreensão de todo o património do réu E…, a casa, o automóvel, o salário, etc., etc., conforme se vê no doc. 1 ora junto;
Apresentada a Oposição à pretensão do Autor, foi “de molde a abalar os fundamentos que haviam provocado a decisão da procedência do arresto” tendo a sentença final proferida determinado a revogação da providência decretada e, em consequência, ordenado o levantamento do arresto que tinha sido decretado (doc. 2).
O autor apresentou recurso dessa decisão Judicial o qual veio a ser declarado improcedente, conforme acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 9/11/2009 (doc. 3).
b) Ação especial de prestação de contas - Processo 468/09.0TBPFR do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial de Paços Ferreira e transitada para este Tribunal de Penafiel Inst. Central – Secção Cível - J3.
Em Março de 2009, por apenso à aludida providência cautelar nº 3/09.OTBPFR, o Autor instaura contra o Réu E… e sua ex-mulher, novamente com a mesma causa de pedir, uma ação especial de prestação de contas cujo pedido era que os RR. apresentassem contas quanto à alegada utilização de mandatos/procurações para venda do mesmos prédios, conforme se vê da petição inicial que se junta (doc. 4).
Na referida ação foi proferida sentença em 09.12.2014 no Processo nº. 468/09.0TBPFR que correu termos no J3 deste Juízo Central Cível de Penafiel, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.04.2015, na qual o ora réu E… foi condenado “a pagar ao autor B… a quantia de € 211.385,96 (duzentos e onze trezentos e oitenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data do trânsito em julgado da decisão que determinou a obrigação do réu de prestar contas e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.” (doc. 5).
Conforme o autor expressamente confessa, para não mais poder ser retirado, em 35.º da sua petição.
De entre o que o autor peticiona nestes autos, pede que,
«C) Declararem-se nulas e de nenhum efeito, as escrituras públicas de compra e venda, celebradas em, 18 de julho; 27 de julho; 17 de agosto de 2.000, 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002, todas melhor identificadas nos artigos 6 (sexto); 10 (dez) e 11 (onze), supra referidos, por simuladas, dado ter havido conluio (acordo oculto) entre as partes contratantes, maximé, co-réu, E… e co-ré, M…, bem como, divergência intencional entre a vontade destes, formalmente declarada (pagamento do preço) e a sua vontade real, não pagamento do preço, como se verificou, efetivamente, o que tudo foi feito com a intenção de defraudar a lei e prejudicar o autor e seu falecido irmão, pois nem os réus, E… e M…, pagaram o preço da compra feita, em 18 de julho de 2.000,ao autor e seu falecido irmão, nem a compradora, “N…, Lda.”, pagou o preço das compras que fez, em 27 de julho e 17 de agosto de 2.000 ao autor e seu falecido irmão; bem como, esta firma, “N…, Lda.”, em 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002, não pagou o preço das compras que fez aos réus, E… e M…, o que tudo bem se compreende, dada a promiscuidade então existente entre a sociedade “N…, Lda.”, ora Massa Insolvente e os seus então dois únicos sócios, E… e M…, pelo que não havia, então, qualquer separação de patrimónios e esferas jurídicas entre a sociedade, ora ré, Massa Insolvente de “N…, Lda.” e o património pessoal dos ora réus, E… e M….».
Se por via da ação que visava a prestação contas pela venda daqueles terrenos o réu E… foi condenado a pagar ao autor € 211.385,96 respeitante à venda dos prédios referidos em 6.º da petição inicial e pelos poderes que foram conferidos pelo autor e pelo seu irmão pela procuração referida em 4.º da p.i., não pode agora vir o autor pedir que as referidas escrituras sejam declaradas nulas, pois há caso julgado quanto a tal relação material controvertida.
Caso o Tribunal conhecesse de mérito estes autos, duplicaria uma decisão sobre o mesmo objeto processual.
Mais invocam os réus o instituto do abuso do direito, por considerarem que o ora autor obteve ganho de causa na ação de prestação de contas - € 211.385,96 acrescidos de juros de mora – pretendendo agora, com base nos mesmos factos (procuração irrevogável, mandatos e venda de imóveis) obter vantagem patrimonial indevida.
Concluem os réus, formulando os seguintes pedidos:
«Termos em que, e nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá deverá
a) Ser julgada procedente por provada a excepção de ilegitimidade activa do A. e por via da mesma serem os RR. absolvidos da instância;
b) Ser julgada procedente por provada a excepção dilatória de caso julgado e em consequência serem os RR. absolvido da instância- art.º 577.º, al. i), art.º 578.º e art.º 576.º, n.º 2 , todos do C.P. Civil.
c) ser julgada procedente por provada a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial absolvendo-se os RR. da instância - artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código de Processo Civil
d) Assim não se entendendo, deverá sempre a acção ser julgada improcedente por não provada e em consequência serem os RR. absolvidos do pedido
e) Ser o A. condenado como litigante de má fé em indemnização que deverá consistir no reembolso de todas as despesas e prejuízos que os RR. tiveram com a presente lide, incluindo os honorários da sua mandatária, bem como numa multa exemplar a favor dos cofres do Estado.».
Também a ré Massa Insolvente da sociedade “N…, Lda.” contestou, deduzindo a exceção do caso julgado.
Finalmente, a ré M… deduziu contestação invocando a exceção do caso julgado, face às seguintes ações e procedimentos intentados pelo ora autor:
- À Providência cautelar - Processo nº 3/09.OTBPFR do extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Paços Ferreira;
- À ação especial de prestação de contas (Processo 468/09.0TBPFR do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial de Paços Ferreira e transitada para este Tribunal de Penafiel Inst. Central - Secção Cível - J3)
- À ação declarativa de condenação - processo 1321/09.2TBPRT do extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Paços Ferreira;
- À ação declarativa de condenação - processo 1733/15.2T8PNF, Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 2.
- À ação declarativa de condenação - processo 3161/18.9T8PNF – que corre termos no Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 1.
Alega a ré que: os factos concretos alegados pelo autor quanto à pretensão deduzida contra a ré nos presentes autos são exatamente os mesmos discutidos e já decididos nas ações judiciais já julgadas e acima vertidas; o próprio texto das petições iniciais, os artigos dessas peças processuais onde são mencionados os factos pelo autor repetem-se, são sempre os mesmos, e iguais ao da PI apresentada nos presentes autos, apenas com variações conclusivas do autor, ao sabor dos ventos ou das marés, e nas várias tentativas de diferentes enquadramento jurídicos da matéria que o autor ardilosa e abusivamente vai pretendendo fazer ao longo de mais de uma década.
E conclui:
«Termos em que se requer a V.ª Exª. que se digne a atender aos factos alegados pela Ré M…, procedendo as exceções aqui alegadas, com as necessárias consequências legais.
Deverão ser relevados os factos vertidos na presente contestação, considerando-se a ação como improcedente como não provada, e como consequência deve a Ré ser absolvida dos pedidos contra si formulados, tudo com as inerentes consequências legais.
Mais se Requer a Vª Exª. a condenação do Autor como litigante de má-fé, em indemnização a liquidar a final e que deverá consistir no reembolso de todas as despesas e prejuízos que a Ré teve com a presente lide, incluindo os honorários do seu Mandatário, bem como numa multa exemplar a favor dos cofres do Estado.
Mais se requer que seja reconhecida a responsabilidade pessoal e direta do I. Advogado nestes autos de má-fé, dando-se conhecimento dos mesmos ao Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados.».
O autor respondeu, alegando que os réus alegam com má fé e concluindo:
«Pelo que devem ser condenados em multa e indeminizaçao, esta a pagar ao autor, nela incluidos os honorários e despesas do seu mandatario, cujo, quantum, se relega para final, dado não ser possivel fixá-lo, nesta data.
Termos em que, julgando-se intempestiva a contestação dos co-réus, contestantes e ordenando-se o seu desentranhamento dos autos e improcedente a exceção de ineptidão invocada, bem como condenando-se, a final, os mesmos réus, como litigantes de má-fé, em multa e indeminização, ao autor, esta a fixar a final, nela incluídos os honorários e despesas do seu mandatário, será feita a costumada, Justiça».
Em 22.11.2020 foi proferido saneador-sentença, com o seguinte dispositivo:
«Atento o supra exposto, decide-se
a) absolver todos Réus das pretensões deduzidas, novamente, pelo Autor por força do caso julgado, nos termos dos art.º 577.º, al. i), art.º 578.º e art.º 576.º, n.º 2, todos do C.P.Civil, ficando preteridas as demais questões invocadas pelos Réus, nomeadamente o incidente de intervenção.
b) condenar o Autor numa multa de montante igual a três vezes o valor da taxa de justiça devida na ação declarativa, bem como numa indemnização a pagar aos Réus M…, E…, K…, F…, L…, H… e “C…”, consistente no reembolso das despesas que a má fé do litigante os tenha obrigado, incluindo os honorários dos mandatários, cuja liquidação se relega para momento posterior.
c) absolver os Réus do pedido de condenação como litigante de má fé.
Custas pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário.
Custas do incidente de litigância de má fé pelo Autor, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
Registe e notifique, sendo a Ré para alegar os factos necessários àquela liquidação e, posteriormente, deve ser cumprido junto do Autor o contraditório relativamente aos factos que vierem a ser alegados».
Não se conformou o autor, e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
A) Os factos instrumentais eventualmente necessários à tomada de decisão judicial, não gozam todos do mesmo grau de proteção, segurança, certeza jurídica e conformidade social, que uma pronúncia expressa, maxime, quando valorados e autonomizados noutro processo e com partes diferentes, por facto superveniente.
B) As três escrituras publicas de compra e venda, constantes dos autos, supra referidas, foram valoradas no processo especial de prestação de contas, n. 468/09.OTBPFR, de forma vinculada pelo Tribunal e sem um juízo expresso sujeito a contraditório, maxime, em sede de base instrutória, dado se tratar de matéria provada por documento autêntico, não arguido de falso.
C) Não existe, in casu, prejudicialidade objetiva entre a ação especial de prestação de contas n. 468/09.OTBPFR e os presentes autos, sendo certo que inexiste identidade de pedidos, causas de pedir e partes.
D) Nenhuma das partes na ação especial de prestação de contas, requereu o cumprimento do disposto no artigo 91 n. 2 do C. P. Civil, quanto às ditas três escrituras publicas de compra e venda, maxime, para serem cobertas pelo caso julgado material.
E) A ação especial de prestação de contas supra referida não ofereceu às partes o mesmo grau de garantia e amplitude às que são conferidas nos presentes autos.
F) Como dizem os Ilustres Autores supra citados no artigo 17, o caso julgado não deve abranger o pronunciamento sobre toda e qualquer questão debatida no percurso lógico que conduziu à decisão da ação e muito menos no caso em apreço, em que se tratou de prova documental sobre a qual não houve pronuncia, sendo certo que, quanto a este tipo de prova pode ser sempre apresentado noutra ação.
G) O Autor só à data da propositura desta ação teve conhecimento do vicio que enfermam as ditas três escrituras publicas de compra e venda, maxime, o de simulação de preço em prejuízo do Autor.
H) Quer a ora co-ré, D. M… quer o co-réu, Sr. E…, são demandados nestes autos, não, em nome individual, como na ação especial de prestação de contas, mas sim, na qualidade de únicos sócios qualificados da co-ré e ele de único gerente, da firma “N…, Lda”, ora massa insolvente e ele ainda na qualidade de único sócio e único titular da totalidade do capital social da co-ré, “C…, S.A.”, pelo que os eventuais efeitos do caso julgado se repercutirão, exclusivamente, na esfera juridica desta duas sociedades rés.
I) Como diz o Ilustre, Senhor, Professor, Doutor, Catedrático Jubilado, José Lebre de Freitas, conforme supra referido no artigo, 26, de iure condendo, deve reduzir-se, o âmbito da figura da autoridade de caso julgado, tendencialmente circunscrita ao âmbito duma relação de prejudicialidade objetiva, sendo certo que seria totalmente de repudiar tal solução se as partes na segunda ação não tivessem sido partes na primeira ação.
J) Não existe, in casu, uma relação de prejudicialidade objetiva e as partes não são as mesmas nas duas ações ora em confronto ou pelo menos, não são demandadas na mesma qualidade, quanto aos co-réus, senhor E… e Dona, M….
K) De qualquer modo, atentos os princípios fundamentais da prevalência da questão de mérito, sobre a mera forma; da aquisição processual, do dispositivo; do processo equitativo; da tutela jurisdicional; da verdade material; da economia processual; da celeridade processual e do valor extra processual das provas, consubstanciados na procura da verdade e justiça material e no aproveitamento dos atos já praticados, sempre seria de sacrificar, na medida do necessário o caso julgado, restringindo-o ao seu núcleo essencial, dado aqueles valores e princípios serem, ética, legal e constitucionalmente, superiores, o que, in casu, significa, que a presente ação não deve ser julgada improcedente na totalidade e todos os Réus, serem absolvidos d todos os pedidos, pois a proceder a exceção perentória invocada, o que não se aceita mas se acautela, APENAS seria de EXPURGAR desta ação as ditas três escrituras públicas de compra e venda, ou darem-se como boas e assentes, prosseguindo os autos seus regulares termos para conhecimento dos demais pedidos e causas de pedir formulados.
L) A ora co-ré, Dona, M…, quer nesta ação quer na ainda pendente com o n. 3.161/18.9T8PNF, suscitou a mesma exceção perentória de caso julgado, sendo certo que, ardilosamente, de modo intencional e de má-fé, não juntou aos mesmos quer o seu articulado da contestação quer o douto despacho saneador sentença, já transitado em julgado, que dela conheceu e julgou improcedente, por não existir identidade de causas de pedir, em confronto com a dita ação especial de prestação de contas n. 468/09.OTBPFR, proferido no processo, que com o n. 1733/15.2T8PNF, correu seus termos por esta instância central Cível, da comarca de Porto Este, já arquivado. (vidé, documentos ora juntos).
M) Sendo, assim, o Tribunal, estava vinculado ao caso julgado anterior proferido no dito processo n. 1733/15.2T8PNF, pelo que não podia julgar procedente a exceção perentória suscitada nestes autos sob pena de ofensa de caso julgado anterior, sendo certo que deve ser esta a prevalecer.
N) Quanto à exceção dilatória de caso julgado, suscitada pelo co-réu, E…, na sua contestação, este pediu a sua absolvição da instância (vidé, artigo 38 da contestação).
O) Ora compulsados estes autos, maximé, causas de pedir, pedidos e partes, em confronto com a dita ação especial de prestação de contas, nâo se verifica a triplice identidade exigida por lei.
P) O mesmo se verifica em relação ao caso julgado suscitado na contestação da Ré, Massa Insolvente da “N…, Lda”, que pede a sua absolvição da instância. (vidé, art. 16).
Q) Acresce, ainda, que a exceção perentória de caso julgado, na sua vertente de autoridade, não é de conhecimento oficioso, carecendo de ser alegada.
R) Quanto à causa de pedir na ação especial de prestação de contas, esta consistiu no mandato verbal representativo conferido pelo autor ao réu, E… e inerente obrigação de prestação de contas e o pedido na condenação do réu no saldo que se viesse a apurar, pelo que é este o seu núcleo essencial, segundo o principio do dispositivo e foi sobre esta factualidade que o tribunal se pronunciou e faz caso julgado material, sendo que nesta ação, são várias as causas de pedir e pedidos formulados.
S) O Autor só teve conhecimento do vicio de que padecem as ditas três escrituras públicas de compra e venda, à data da propositura desta ação.
T) O douto despacho saneador sentença é não só, subsumível ao disposto no artigo 13 da lei 67/07 de 31 de Dezembro, mas também, nulo, dado ter sido proferido antes de ter terminado a fase dos articulados, devendo anular-se todo o processado subsequente.
U) A ação especial de prestação de contas, dada a especial diminuição das garantias que ofereceu às partes, em confronto com esta ação, não é idónea a formar caso julgado material, nestes autos, pelo menos quanto aos factos instrumentais, naquela provados por documento, ou seja, as ditas três escrituras públicas, de 18 e 27 de julho e 17 de Agosto de 2.000, pelo que não se verifica a exceção de caso julgado material com a amplitude e alcance feito pelo tribunal.
V) Diga-se, ainda, que, in casu, atento o principio da prevalência da questão de mérito e do caráter vinculativo do convite ao aperfeiçoamento, tal omissão grave e reiterada, pelo Tribunal da não junção da contestação e saneador sentença do processo n. 1733/15.2T8PNF, geradora de graves prejuízos para o Autor, consubstancia uma decisão implicita, arbitrária, injusta, desproporcional e constitucionalmente desconforme, sem fundamento objetivo válido, de um direito a um processo justo e equitativo, ínsito no estado de direito democrático, em que prevaleça a verdade e a justiça material em detrimento de questão meramente formal, maximé, com o contéudo e alcance decididos, que a manter-se, deve ser reformada em conformidade. (vidé, art. 20 n. 4 da Constituição da República Portuguesa e douto acordão do colendo Tribunal Constitucional n. 462/2016).
W) Quanto à condenação do Autor como litigante de má-fé, a mesma é, manifestamente, infeliz e injusta, nâo fazendo qualquer sentido, por falta dos respetivos pressupostos factuais e juridicos, sendo irracional, desproporcional e inadequada, como supra referido, como, aliás, a douta decisão proferida.
X) Por sua vez, deve condenar-se a co-ré, Dona M…, como requerido, bem como, solidariamente, o seu Ilustre mandatário, dado este ter tido intervenção direta e pessoal na má-fé, revelada, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 545 do C. P. Civil, dado se verificarem os respetivos pressupostos factuais e jurídicos.
Y) Mais deve condenar-se a “co-ré, C…, S.A., como litigante de má fé, na multa e indeminização supra referidas, dado se verificarem os respetivos pressupostos factuais e jurídicos.
Z) Na verdade, a co-ré, “C…, s.a.”, invocou na sua contestação, o caso julgado, ora em apreço, sendo certo que tinha, por intermédio do seu único sócio e titular de todas as ações representativas do seu capital social (10.000), senhor, E…, conhecimento direto e pessoal, do douto despacho saneador/sentença proferido no dito processo n. 1733/15.2T8PNF,em que foi parte como réu, pelo que litiga com má-fé, substancial e processual, com intenção de entorpecer a ação da justiça e prejudicar o Autor, o que vem fazendo e já lá vão mais de 20 anos.
AA) Mal andou, pois, o Tribunal, ao julgar procedente a exceção perentória de caso julgado, invocada, bem como, condenar o Autor como ligante de má-fé, devendo a douta decisão recorrida ser revogada com as legais consequências.
BB) Violou a douta decisão proferida, além, do mais, por erro de subsunção, o disposto, maximé, nos artigos, 91 n. 2 e 621 do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. EX.AS, doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação, ser julgado procedente, por provado, revogando-se o douto despacho saneador/sentença, proferido e ordenando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos formulados, tudo com as legais consequências, pois, só, assim, será efetuada a costumada,
JUSTIÇA.
Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se na apreciação das seguintes questões:
1.1. Averiguação sobre os pressupostos do caso julgado;
1.2. Apreciação da condenação do recorrente por litigância de má fé.
2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante provada, para além da que consta do relatório que antecede:
2.1. O autor, ora recorrente, intentou em março de 2009, contra os réus, ora recorridos E… e M… I - Providência cautelar - Processo nº 3/09.0TBPFR do extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Paços Ferreira.
A referida providência veio a ser julgada totalmente improcedente, tendo a decisão transitado em julgado.
2.2. O autor, ora recorrente, intentou em março de 2009, contra a ora ré/recorrida, M…, em 17.06.2015, ação declarativa de condenação que correu termos sob o nº Processo: 1733/15.2T8PNF, Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 2.
A referida ação foi julgada improcedente, tendo a decisão transitado em julgado.
2.3. O autor, ora recorrente, intentou em março de 2009, contra os réus, ora recorridos E… e M… a ação especial de prestação de contas (Processo 468/09.0TBPFR do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial de Paços Ferreira e transitada para o Tribunal de Penafiel Instância Central – Secção Cível - J3), pedindo que os réus apresentassem contas relativamente à utilização de mandatos/procurações para venda dos prédios referidos nesta ação.
2.4. Na referida ação foi proferida sentença em 09.12.2014, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decide-se condenar o réu E… a pagar ao autor B… a quantia de € 211.385,96 (duzentos e onze trezentos e oitenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data do trânsito em julgado da decisão que determinou a obrigação do réu de prestar contas e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.».
A referida decisão judicial transitou em julgado.
2.5. Na ação de prestação de contas n.º 468/09.0TBPFR, o autor apresentou a petição cuja cópia se mostra junta aos autos [págs. 1610 a 1623] na qual alegava a mesma factualidade nuclear que alega na presente ação: falecimento do seu irmão em 16.06.2004; qualidade de único e universal herdeiro por parte do autor; outorga pelo autor e irmão da procuração irrevogável a favor dos réus E… e M…, em 14.03.2020; outorga pelo autor e irmão de segunda procuração irrevogável a favor dos réus E… e M…, em 3.07.2020; escrituras de compra e venda celebradas pelos réus com base nas procurações irrevogáveis, referentes aos imóveis ali identificados, que correspondem aos imóveis identificados na petição da presente ação.

3. Fundamentos de direito
3.1. No que respeita à autoridade do caso julgado
Alegam na contestação os réus E…, K…, F…, L…, H… e C…, S.A.:
«25.º Se por via acção que visava a prestação contas pela venda daqueles terrenos o R. E… foi condenado a pagar ao A. 211.385,96 respeitante à venda dos prédios referidos em 6.º da petição inicial e pelos poderes que foram conferidos pelo A. e pelo seu irmão pela procuração referida em 4.º da p.i., não pode agora vir o A. pedir que as referidas escrituras sejam declaradas nulas, pois há caso julgado quanto a tal relação material controvertida.
26.º Uma vez que, caso o Tribunal conhecesse de mérito estes autos, duplicaria uma decisão sobre o mesmo objecto processual.».
Vejamos.
A profusão de articulados, documentos e certidões de outros processos com sentenças e recursos vários, constitui um caso paradigmático em que, como sói dizer-se, a floresta esconde a árvore.
A questão fulcral recursória enuncia-se com a brevidade que se segue: tendo o ora recorrente (autor) demandado os ora recorridos réus E… e M…, pedindo a sua condenação no saldo das contas não prestadas, na sequência das vendas efetuadas dos imóveis referidos na petição da presente ação, com base nas procurações irrevogáveis também mencionadas na presente ação [processo n.º 468/09.0TBPFR], e tendo o Tribunal julgado procedente com trânsito em julgado a pretensão do autor, condenando o réu E… no pagamento da quantia de € 211.385,96, acrescida de juros de mora, fará sentido uma segunda ação na qual o autor, alegando os mesmos factos [as mesmas procurações e os mesmos negócios efetuados ao abrigo daquelas] vir agora peticionar a declaração de nulidade dos referidos negócios?[1]
Como articular este pedido de declaração de nulidade dos negócios em apreço, com a condenação transitada em julgado, do beneficiário das procurações irrevogáveis, no pagamento ao ora recorrente da quantia de € 211.385,96, acrescida de juros de mora[2]?
A questão resume-se nesta simples formulação: o Tribunal condenou, com trânsito em julgado, o réu a favor de quem o autor emitiu as procurações irrevogáveis, ao abrigo das quais efetuou os negócios cuja declaração de nulidade o autor requer agora, no pressuposto, nunca posto em causa pelo autor na ação em que obteve vencimento, de que os negócios se mantinham válidos.
Em suma, é incontornável a incongruência de, num primeiro momento obter a condenação do beneficiário das procurações[3], no pressuposto de que os negócios eram válidos e de que dos mesmos deveriam ser prestadas contas ao mandante, e num segundo momento vir peticionar a anulação dos negócios, com a consequente reversão da titularidade dos prédios alienados.
No caso de procedimento desta ação teríamos uma situação sui generis, insuscetível de suporte jurídico válido: o autor (ora recorrente) receberia a quantia de € 211.385,96, referente aos valores que lhe eram devidos, recebidos pelo réu no âmbito dos negócios em causa, a que viria a acrescer a reversão da titularidade dos prédios como se nunca tivessem sido alienados.
Acresce que a condenação do recorrido E… no pagamento ao ora recorrente, da quantia de € 211.385,96, tem como pressuposto o pagamento dos preços dos imóveis por parte dos adquirentes, sendo absolutamente incompatível com a alegação de que, afinal, não houve, sequer, pagamento dos preços, porque os negócios foram simulados.
Caso se apurasse a factualidade integradora do ora invocado vício de divergência entre a vontade real e a declarada, seria devolvida ao recorrido a quantia em que foi definitivamente condenado?
Em suma, pretende o ora recorrente beneficiar da validade dos negócios e, simultaneamente, da sua nulidade.
Com todos o respeito devido, não podemos estar de acordo com a bizarra solução jurídica proposta pelo ora recorrente.
Consta da fundamentação jurídica da sentença recorrida:
«[…] Por via da identidade de causa de pedir é excluída a admissibilidade de ação posterior em que o mesmo pedido se baseie em causa de pedir concorrente não cumulável com a invocada na primeira ação, ou com ela cumulável, mas nada acrescentando ao seu efeito, quando na primeira ação o autor tenha obtido vencimento.
No caso sub judice, analisando a ação especial de Prestação de Contas sob o Processo nº 468/09.0TBPFR do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, transitado para esta Instância Central – J3, quando se tenha presente o objeto da ação, sempre se dirá que da referida ação de prestação de contas cujo pedido era que os Réus, M… e E…, apresentassem contas quanto à alegada utilização de mandatos/procurações para venda dos mesmos prédios, tendo resultado na condenação do Réu E… no pagamento de um saldo favorável ao Autor de € 211.385,96, tendo a Ré sido absolvida daquela ação por sentença transitada em julgado.
Ora, o Autor, na presente ação invoca os mesmos mandatos/procurações e as mesmas escrituras de compra e venda peticionando que sejam declaradas “nulas e de nenhum efeito, as escrituras públicas de compra e venda, celebradas em, 18 de julho; 27 de julho; 17 de agosto de 2.000, 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002, todas melhor identificadas nos artigos 6 (sexto); 1o (dez) e 11 (onze), supra referidos, por simuladas, dado ter havido conluio (acordo oculto) entre as partes contratantes, maximé, co-réu, E… e co-ré, M…, bem como, divergência intencional entre a vontade destes, formalmente declarada (pagamento do preço) e a sua vontade real, não pagamento do preço, como se verificou, efetivamente, o que tudo foi feito com a intenção de defraudar a lei e prejudicar o autor e seu falecido irmão, pois nem os réus, E… e M…, pagaram o preço da compra feita, em 18 de julho de 2000, ao autor e seu falecido irmão, nem a compradora, “N…, Lda”, pagou o preço das compras que fez, em 27 de julho e 17 de agosto de 2000 ao autor e seu falecido irmão; bem como esta firma, “N…, Lda”, em 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002,nâo pagou o preço das compras que fez aos réus E… e M… ,o que tudo bem se compreende, dada a promiscuidade então existente entre a sociedade “N…, Lda”, ora massa insolvente e os seus então dois únicos sócios, E… e M…, pelo que não havia, então, qualquer separação de patrimónios e esferas”.
Ora, por via da ação que visava a prestação contas pela venda daqueles terrenos, o Réu E… foi condenado a pagar ao Autor a quantia de € 211.385,96 respeitante à venda dos prédios referidos em 6.º da petição inicial e pelos poderes que foram conferidos pelo Autor e pelo seu irmão pela procuração referida em 4.º da p.i., pelo que não pode agora vir o Autor pedir que as referidas escrituras de venda dos mesmos prédios sejam declaradas nulas.
Assim, caso o Tribunal conhecesse de mérito nestes autos, duplicaria uma decisão sobre o mesmo objeto processual. […]».
Discordamos apenas no enquadramento dogmático da figura do caso julgado.
Segundo de perto o acórdão da Relação de Coimbra, de 6.12.2011 [Proc. 1223/10.0TBTMR.C1, relatado pelo ora relator], passamos a abordar a questão suscitada nos autos.
Na esteira do ensinamento do Professor Alberto dos Reis[4], o Professor Manuel Domingos de Andrade[5] traça a fronteira entre as figuras da excepção e da autoridade do caso julgado, nestes termos:
«O que a lei quer significar [nos arts. 497.º e 498.º do CPC] é que uma sentença pode servir como fundamento de excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova acção do mesmo direito […] que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objecto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo). Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a excepção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498 […]».
Posteriormente, a distinção entre os conceitos de “caso julgado” e “autoridade de caso julgado” veio a ser objeto de aprofundado estudo por parte de Miguel Teixeira de Sousa “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, in BMJ, 325-49 e seguintes, cujas conclusões se sintetizam com a transcrição de dois pequenos trechos desse trabalho[6]:
«[…]A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). [...] Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente. […]».
A distinção doutrinária entre os conceitos de “caso julgado” e “autoridade de caso julgado”, veio a merecer o acolhimento do Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes arestos: Acórdão de 26.01.1994, in BMJ, n.º 433, pág. 515; Acórdão de 19.02.1998, in BMJ, n.º 474, pág. 405[7]; Acórdão de 12.11.2009, proferido no Processo n.º 510/09.4YFLSB, 6ª Secção; e ainda que lateralmente, no acórdão de 4.03.2008, proferido no Processo n.º 07A4620[8].
Em síntese, a fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes fatores: i) com a “exceção do caso julgado” visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da “autoridade do caso julgado” tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida; ii) com a “exceção do caso julgado” visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na “autoridade do caso julgado”, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada.[9]
Como consta da citação transcrita supra, do Professor Manuel Domingos de Andrade[10], a teoria que faz a distinção entre a exceção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, considera «[…] dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498 […]».
Esta tese tem tido acolhimento na jurisprudência, como se ilustra com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.12.2007[11], onde lapidarmente se decidiu: «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 3.12.2009[12], no qual se decidiu: «São realidades jurídicas distintas a excepção dilatória do caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (art. 498.º do CPC) e a chamada excepção inominada da preclusão da dedução da defesa, que não exige tal identidade
Também no mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 6.03.2008[13], e o acórdão da Relação de Guimarães, de 12.07.2011[14]
Face à sua manifesta relevância, transcreve-se o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.03.2019 [processo n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1], no qual se delimitam os institutos em apreço e a sua fronteira:
«I. A autoridade do caso julgado material implica o acatamento de uma decisão de mérito transitada cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de outra ação a julgar posteriormente, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
II. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado”.
III. Além disso, ficam precludidas todas as questões pertinentes não oportunamente suscitadas pela defesa e que o devessem ser, seja como efeito preclusivo autónomo, como entendem uns, seja como efeito integrante do próprio caso julgado, como sustentam outros.
IV. Tal preclusão não contende com o disposto no artigo 91.º, n.º 2, do CPC, uma vez que este normativo o que veda é o efeito de caso julgado material autónomo das decisões sobre questões incidentais ou meios de defesa e não o efeito preclusivo que recaia, nomeadamente, sobre os meios de defesa no âmbito do próprio caso julgado formado sobre a pretensão excecionada ou suscetível de o ser, nos termos conjugados dos artigos 573.º e 621.º do CPC.
V. A autoridade do caso julgado não depende de verificação integral da tríplice identidade prescrita no artigo 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, esse efeito de caso julgado só vinculará quem tenha sido parte na respetiva ação ou quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos.
VI. Assim, quem não for parte na ação poderá, todavia, beneficiar do efeito favorável daquele caso julgado em conformidade com a lei, como sucede nas situação de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigo 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC.
VII. Verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido.
VIII. Diferentemente sucede no domínio da exceção dilatória de caso julgado como tal incluída no artigo 577.º, alínea f), do CPC, cuja procedência determina a absolvição do réu da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do mesmo Código.».
Em suma, na autoridade do caso julgado, a identidade do objeto da relação jurídica é meramente parcial: uma determinada questão decidida na primeira ação configura-se como questão prévia ou prejudicial na segunda, não podendo aí ser decidida em termos diversos, obviando-se assim a que a relação jurídica material definida por uma decisão com trânsito em julgado possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica.
É, manifestamente, o que se passa nestes autos.
Tendo o autor requerido ao Tribunal a condenação dos réus a favor de quem foram emitidas as procurações irrevogáveis, no pagamento do saldo devido pela não prestação de contas, relativamente aos valores recebidos pelas vendas efetuadas ao abrigo das referidas procurações, sem colocar em causa a validade dos negócios em apreço, obtendo assim a condenação definitiva do réu no valor de € 211.385,96 acrescidos de juros de mora, esta decisão configura-se como questão prejudicial relativamente à pretensão formulada pelo autor nestes autos, não podendo aqui ser decidida em termos diversos, isto é, declarando nulos os mesmos negócios, com base nos quais o réu/recorrido foi condenado a pagar ao autor os valores recebidos.
Acresce, como atrás se referiu, a absoluta incompatibilidade entre a condenação do réu no pagamento ao autor dos valores recebidos pelas vendas e o pedido feito na presente ação, de declaração de nulidade dos negócios, por alegadamente não ter sido pago qualquer preço.
Entendemos, face ao exposto, que deverá improceder o recurso, por manifesta verificação dos requisitos da autoridade do caso julgado.
Improcedem, face ao exposto, as alegações A) a J, R) e S).
Alega o recorrente que foi invocada pela recorrida M… a exceção dilatória do caso julgado, na ação pendente, com o n.º 3.161/18.9T8PNF, e que a mesma não foi atendida, estando assim este Tribunal vinculado a tal decisão - [Conclusões L) e M)].
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, porque considerámos verificados os requisitos da autoridade do caso julgado – efeito positivo – e não a exceção dilatória – efeito negativo.
Improcedem as conclusões em apreço.
Mais improcedem as conclusões N) a P), sendo irrelevante que os réus, invocando o caso julgado, peçam a absolvição da instância, face ao que dispõe o n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil.
Afigura-se-nos totalmente infundada a alegação vertida na conclusão Q), dado que, tendo os réus invocado o caso julgado, é quanto basta para que o Tribunal possa apreciar os pressupostos de tal instituto, mesmo na sua vertente positiva, sendo certo que sempre o poderia fazer oficiosamente, face ao que decorre do confronto do art.º 578.º com a alínea i) do art.º 577.º do CPC.
Ressalvando sempre o devido respeito, não vislumbramos qualquer sentido na conclusão T), nenhuma razão obstando à prolação do saneador sentença, considerando a manifesta desnecessidade de produção de prova, face ao teor dos articulados e aos documentos juntos.
Finalmente, improcedem as conclusões U) e V), não se vislumbrando qualquer possível eficácia num qualquer despacho de aperfeiçoamento que, no contexto processual em causa, seria uma inutilidade proibida por lei – art.º 130.º do CPC.
Também não se vislumbra qualquer fundamento válido que suporte as afirmações genéricas, conclusivas e infundadas do recorrente: decisão “arbitrária, injusta, desproporcional e constitucionalmente desconforme, sem fundamento objetivo válido, de um direito a um processo justo e equitativo”.
3.2. No que respeita à litigância de má-fé
Consta da parte final do dispositivo da sentença recorrida, que se decide
b) condenar o Autor numa multa de montante igual a três vezes o valor da taxa de justiça devida na ação declarativa, bem como numa indemnização a pagar aos Réus M…, E…, K…, F…, L…, H… e “C…”, consistente no reembolso das despesas que a má fé do litigante os tenha obrigado, incluindo os honorários dos mandatários, cuja liquidação se relega para momento posterior.
c) absolver os Réus do pedido de condenação como litigante de má fé.
Preconiza o recorrente a revogação da sua condenação e a condenação dos recorridos por litigância de má-fé.
Como se refere no sumário do acórdão deste tribunal, de 8.01.2018 [processo nº 2965/15.9T8VNG.P1][15], à semelhança da liberdade de expressão numa sociedade democrática, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando de forma segura se puder concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e numa utilização meramente chicaneira dos meios processuais, com o objetivo de entorpecer a realização da justiça.
Mais se constata no mesmo aresto que a concretização das situações de litigância de má fé exige alguma flexibilidade por parte do intérprete, o qual deverá estar atento ao facto de estar em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), não podendo aquele instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental.
E afirma-se, em abono de uma cuidada ponderação dos interesses em presença: Importa não olvidar a natureza polémica e argumentativa do direito, o carácter aberto, incompleto e autopoiético do sistema jurídico, a omnipresente ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da valoração da prova produzida.
Na verdade, com o passar dos tempos, tem-se verificado, com alguma frequência, que teses jurídicas inicialmente peregrinas vieram a tornar-se teses dominantes.
Assim, um pouco à semelhança da liberdade de expressão numa sociedade democrática, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando de forma segura se puder concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e numa utilização meramente chicaneira dos meios processuais, com o objetivo de entorpecer a realização da justiça.
Aderindo ao critério que se expôs, apesar de entendermos como óbvia a improcedência da pretensão do recorrente, não se nos afigura que a mesma mereça a censura ditada na sentença recorrida.
A lide afigura-se-nos temerária, ressalvando sempre o devido respeito, com uma argumentação jurídica confusa, não integrando, no entanto, os pressupostos legais que legitimam a aplicação de uma sanção ao autor por litigância de má fé.
Procede o recurso nesta parte.
Já quanto à pretendida condenação dos recorridos como litigantes de má fé, face à decisão que antecede haverá, obviamente, que improceder a pretensão do recorrente.

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III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
i) em manter a decisão recorrida, de absolvição dos réus, com diversa fundamentação jurídica;
ii) em absolver o autor do pedido de condenação por litigância de má fé.
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Custas pelo recorrente e recorridos, na proporção dos decaimentos que se fixa, respetivamente, em 9/10 e 1/10 (sem prejuízo de eventuais benefícios de apoio judiciário).
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Porto, 11.05.2021
Carlos Querido
José Igreja Matos
Rui Moreira
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[1] Recapitulando, o autor peticiona, nomeadamente: “C) Declararem-se nulas e de nenhum efeito, as escrituras públicas de compra e venda, celebradas em, 18 de julho; 27 de julho; 17 de agosto de 2.000, 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002, todas melhor identificadas nos artigos 6 (sexto); 10 (dez) e 11 (onze), supra referidos, por simuladas, dado ter havido conluio (acordo oculto) entre as partes contratantes, maximé, co-réu, E… e co-ré, M…, bem como, divergência intencional entre a vontade destes, formalmente declarada (pagamento do preço) e a sua vontade real, não pagamento do preço, como se verificou, efetivamente, o que tudo foi feito com a intenção de defraudar a lei e prejudicar o autor e seu falecido irmão, pois nem os réus, E… e M…, pagaram o preço da compra feita, em 18 de julho de 2.000,ao autor e seu falecido irmão, nem a compradora, “N…, Lda.”, pagou o preço das compras que fez, em 27 de julho e 17 de agosto de 2.000 ao autor e seu falecido irmão; bem como, esta firma, “N…, Lda.”, em 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002,nâo pagou o preço das compras que fez aos réus, E… e M…, o que tudo bem se compreende, dada a promiscuidade então existente entre a sociedade “N…, Lda.”, ora Massa Insolvente e os seus então dois únicos sócios, E… e M…, pelo que não havia, então, qualquer separação de patrimónios e esferas jurídicas entre a sociedade, ora ré, Massa Insolvente de “N…, Lda.” e o património pessoal dos ora réus, E… e M….”.
[2] Conclui-se na sentença: «… o saldo apurado é de € 211.385,96 (€ 275.635,72 proveniente do preço recebido pelo réu E… - € 64.249,76 proveniente das entregas feitas ao autor).»
[3] A ré M… foi absolvida do pedido na referida ação.
[4] Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 80.º, página 393.
[5] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 320
[6] Retirados das páginas 176 e 179 do BMJ citado
[7] Também disponível em http://www.dgsi.pt (Proc. n.º 96B980)
[8] Estes dois últimos disponíveis em http://www.dgsi.pt
[9] Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2001, pág. 325; Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, in BMJ 325º, págs. 49 e seguintes.
[10] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 320
[11] Proferido no Processo n.º 07A3739, acessível em http://www.dgsi.pt
[12] Proferido no Processo n.º 8870/03.4TVLSB.L1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt
[13] Proferido no Processo n.º 08B402, acessível em http://www.dgsi.pt
[14] Proferido no Processo n.º 4959/10.1TBBRG.G1, acessível em http://www.dgsi.pt
[15] Subscrito pelo ora relator na qualidade de 1.º adjunto.