FIANÇA
RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE EXCUSSÃO PRÉVIA
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA
Sumário

I – Nos termos do artigo 782º do Cód. Civil, a perda do benefício do prazo não é extensível ao fiador salvo se, por acordo das partes, se tenha estipulado diversamente.
II – A circunstância de o fiador se constituir, contratualmente, como principal pagador de todas as obrigações advindas do contrato de mútuo em caso de incumprimento não implica, necessariamente, a perda do benefício do prazo e a necessidade da respetiva interpelação.
III – A citação dos fiadores na qualidade de executados para os termos da ação destinada à cobrança coerciva das obrigações em dívida conduz à exigibilidade destas sem prejuízo de, na ausência de interpelação prévia, os juros moratórios serem devidos somente a partir da citação.

Texto Integral

Processo n.º 475/04.9TBALB-A.P1

Sumário elaborado pelo relator:
(art. 663º, nº 7, do Código do Processo Civil)
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Acórdão

I – Relatório
B… e C… deduziram os presentes embargos de executado contra D…, SA alegando, para tanto e em síntese breve, a nulidade da citação para a execução, a ineptidão do requerimento executivo e a insuficiência dos títulos executivos, porquanto a exequente não preencheu o campo relativo à exposição de factos. Invocam ainda a inexigibilidade do crédito exequendo e a inexistência de título executivo, porquanto sendo fiadores do contrato, não renunciaram ao benefício do prazo, pelo que deveriam ter sido interpelados previamente à instauração da acção executiva, o que não sucedeu.
Admitidos os embargos de executado, a exequente contestou, peticionando a improcedência dos embargos deduzidos.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferida sentença a qual se reproduz na parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo procedentes os embargos de executado deduzidos por B… e C… contra D…, SA, declarando extinta a execução movida contra estes executados.
Custas a cargo da exequente – artigo 527/2 do Código de Processo Civil.”
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Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a embargada, formulando as seguintes conclusões:
I. Os presentes autos tiveram início com a execução instaurada pela Exequente contra, ademais, os Embargantes ora Recorridos, para pagamento da quantia de € 78.788,45, proveniente da falta de pagamento de três empréstimos nos quais os Embargantes intervieram como fiadores;
II. A sentença de que ora se recorre julgou os embargos deduzidos procedentes, invocando, para tanto, que, não tendo os fiadores embargantes renunciado ao benefício do prazo, não se encontrava a Exequente dispensada de os interpelar para pôr fim à mora sob pena de perda do benefício do prazo;
III. A Exequente não interpelou os fiadores aqui Recorridos para pagamento do valor em dívida sob pena de perda do benefício do prazo nem o teria de fazer;
IV. Pois que, verificado o incumprimento dos contratos dados à execução, tinha a Exequente o direito de, sem necessidade de qualquer interpelação, instaurar execução com vista à cobrança do seu crédito – cfr. cláusulas 18ª, 16ª e 11ª dos documentos complementares de cada um dos contratos dados à execução;
V. Para que se tenha por incumprida a obrigação e verificada a responsabilidade do fiador pelo incumprimento, quer seja por mora ou incumprimento culposo do dever principal, não é necessária a interpelação deste, sendo suficiente que a interpelação seja efetuada na pessoa do devedor, a menos que haja estipulação em sentido diverso;
VI. Sobre a Exequente não incide nenhuma obrigação de comunicar ao fiador a situação de mora em que se encontra o devedor afiançado;
VII. O estatuído no artigo 782º do Código Civil pode ser afastado pelas partes, voluntariamente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, previsto no artigo 405º do Código Civil;
VIII. O que sucedeu no caso dos autos, já que os fiadores se assumiram como principais pagadores, devendo tal declaração ser interpretada como uma renúncia ao direito de excussão e à manutenção do beneficio do prazo, perante uma situação de incumprimento;
IX. Mais do que renunciar ao benefício de excussão prévia, o embargante assumiu-se como principal devedor da obrigação contraída, deixando, assim, de ter uma obrigação meramente subsidiária;
X. Por outro lado, atenta a acessoriedade da fiança e o facto de a obrigação do devedor principal ser uma obrigação com termo certo, sabendo os fiadores desde o início qual a data de vencimento da prestação, não é necessária a sua interpelação pelo credor;
XI. Nos contratos dados à execução, os fiadores não se limitaram a assumir-se como principais pagadores, tendo, além do mais, expressamente declarado responsabilizar-se por tudo quanto viesse a ser devido à D… pelos mutuários em consequência dos empréstimos dados à execução;
XII. Pelo que, entre “tudo quanto venha a ser devido à D…”, em consequência daqueles empréstimos não se poderá deixar de incluir o devido pelo estipulado direito da credora a considerar o vencimento antecipado dos empréstimos em caso de incumprimento, por parte dos mutuários, de qualquer das obrigações resultantes de cada um dos contratos, designadamente a obrigação de pagamento das prestações de reembolso de capital e juros acordadas;
XIII. Assim, dúvidas não restam de que os embargantes, na qualidade de fiadores solidários, assumiram também contratualmente, em detrimento do disposto no artigo 782º do CC, a responsabilidade pela amortização dos empréstimos no caso da sua exigibilidade imediata em virtude do incumprimento, por parte dos mutuários, de qualquer das obrigações resultantes de cada um dos contratos;
XIV. A perda do benefício do prazo é, assim, oponível aos fiadores embargantes, não sendo, assim exigível a sua prévia interpelação para cobrança da totalidade da dívida exequenda peticionada, que é exigível;
XV. No caso de se entender que o credor não se encontra dispensado de interpelar o fiador para o pagamento, sempre se dirá que a sua interpelação ocorreu com a citação para os termos da presente execução, pelo que, pelo menos a partir desta data os fiadores embargantes constituíram-se em mora;
XVI. Sendo-lhes, por isso, sempre exigível o pagamento do capital, juros remuneratórios, despesas e comissões e, bem assim, os juros de mora vencidos após a citação;
XVII. Tendo-se vencido antecipadamente toda a dívida que, assim, se tornou imediatamente exigível, nunca teriam os fiadores a hipótese de pôr fim à mora ou evitar a resolução dos contratos;
XVIII. Por onde se verifica que a sentença de que ora se recorre incorre em manifesto erro de julgamento, impondo-se, pois, a sua revogação e substituição por outra que julgue os embargos deduzidos totalmente improcedentes ou, quando muito, parcialmente procedentes, determinando-se o prosseguimento dos autos para cobrança do capital em dívida, juros remuneratórios, acrescido dos respetivos juros de mora desde a citação, bem como das despesas e comissões peticionadas.
Houve contra-alegações no qual se propugna pela confirmação da sentença e improcedência do recurso deduzido.

II – Delimitação do objeto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
O presente recurso destina-se a apurar se poderá ser imputada, ou não, aos fiadores a responsabilidade pelo incumprimento verificada no âmbito do contrato celebrado entre as partes.

III – Factos Provados
Pela 1ª instância, foram dados como demonstrados os seguintes factos:
A) No âmbito da sua atividade creditícia, a exequente celebrou com os executados um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança em 06.06.2001, um contrato de empréstimo em 06.06.2001 e um contrato de mútuo com fiança em 05.06.2001.
B) Nos referidos contratos figura como mutuante a ora exequente, como mutuários E… e F… e como fiadores B… e C….
C) Através do contrato celerado em 05.06.2001, a exequente entregou aos mutuários o montante de 5.406,97€, pelo prazo de 60 meses a contar da data da realização do mesmo, a liquidar em 60 prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
D) Na cláusula 11 do referido contrato, é referido o seguinte: “Garantia: Fiança de B… e cônjuge C…, que se declaram solidariamente responsáveis perante a D…, como fiadores e principais pagadores da quantia que os mutuários venham a dever à D…, dando já o seu acordo a eventuais alterações da taxa de juro, prazo ou a quaisquer outras modificações que venham a ser fixadas ou convencionadas entre a D… e os mutuários.”
E) E a cláusula 18, com o nome de “Rescisão” prevê que: “A D… poderá rescindir o contrato no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pelos mutuários.”
F) No contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança celebrado em 06.06.2001 por escritura pública no Cartório Notarial de G…, a exequente entregou aos mutuários o valor de E… e F… o montante de 49.879,00€.
G) Para garantia do pagamento de tal quantia, constituíram hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “J”, destinada à habitação, correspondente ao terceiro andar esquerdo traseiras e um arrumo na cave, designado pela mesma letra, integrado no prédio urbano situado na Rua …, freguesia e concelho de Albergaria-a-Velha, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4069 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o número 5190.
H) Na referida escritura, os ora embargantes declararam o seguinte:
“(...) que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à D… em consequência do empréstimo aqui titulado dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a D… e a parte devedora e aceitando que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.”
I) Na cláusula 16ª, designada como “Direitos da credora”, vem previsto o seguinte:
“À credora fica reconhecido o direito de:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) Considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes desse contrato.”
J) Através do contrato de empréstimo com promessa de hipoteca e fiança celebrado entre as partes em 06.06.2001, a exequente entregou aos mutuários E… e F… o valor de 11.721,00€.
K) Nos termos da cláusula 11, denominada “Direitos da Credora”, ficou estipulado o seguinte:
“À credora fica reconhecido o direito de:
a) (…)
b) Considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato e nomeadamente, se verificar que o empréstimo não foi aplicado na finalidade indicada e se não forem reforçadas as garantias quando tal for solicitado à parte devedora.”
L) E a cláusula 13.ª com a epígrafe “Garantia – Fiança) prevê o seguinte:
“O(s) terceiro(s) outorgante(s) responsabiliza(m)-se solidariamente com os segundos como seus fiador(es) e principal(ais) pagador(es), pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido à D… em consequência deste contrato e dão desde já o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a D… e a parte devedora, e, bem assim, às alterações da taxa de juro permitidas por este contrato.”
K) A exequente não procedeu à interpelação dos ora embargantes, enquanto fiadores, antes de intentar a ação executiva a que os presentes autos correm por apenso.

IV – Fundamentação de Direito
A sentença sob escrutínio entende, justificando, que os fiadores teriam de ser interpelados para pôr termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações. No caso concreto, o banco exequente não teria procedido à interpelação dos ora embargantes (fiadores) para cumprir sendo que dos contratos dados à execução não resultaria qualquer cláusula de onde resulte que os embargantes tenham convencionado com o banco exequente a renúncia expressa ao benefício do prazo. Em rigor, sempre segundo a decisão apelada, os fiadores apenas renunciaram ao benefício da excussão prévia, não existindo qualquer cláusula expressa que refira que renunciaram ao benefício do prazo. Para além da renúncia ao benefício da excussão prévia, as partes teriam acordado, tão só, nas modificações da taxa de juro e alterações do prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora.
Assim sendo, dada a ausência da realização da interpelação admonitória dos fiadores, a qual também não poderia considerar-se realizada através da citação para a execução, haveria que concluir pela inexigibilidade, face aos embargantes fiadores, da obrigação exequenda o que conduziu à procedência dos embargos, ficando prejudicado o conhecimento do demais alegado, nos termos do artigo 608º, nº2 do Código de Processo Civil.
O que contrapõe a apelante? No essencial, que, neste específico caso, os fiadores se assumiram como principais devedores da obrigação contraída, deixando, assim, de ter uma obrigação meramente subsidiária. Por outro lado, atenta a acessoriedade da fiança e o facto de a obrigação do devedor principal ser uma obrigação com termo certo, sabendo os fiadores desde o início qual a data de vencimento da prestação, não seria necessária a sua interpelação pelo credor. Deste modo, conforme alegado, os embargantes, na qualidade de fiadores solidários, assumiram também contratualmente, em detrimento do disposto no artigo 782º do CC, a responsabilidade pela amortização dos empréstimos no caso da sua exigibilidade imediata em virtude do incumprimento, por parte dos mutuários, de qualquer das obrigações resultantes de cada um dos contratos.
Subsidiariamente, caso se venha a entender que o credor não se encontra dispensado de interpelar o fiador para o pagamento, defende-se que a sua interpelação ocorreu com a citação para os termos da presente execução, pelo que, pelo menos a partir desta data, os fiadores embargantes constituíram-se em mora.
Nas contra-alegações, os recorridos aderem à fundamentação constante da sentença, entendendo que, do teor dos documentos juntos aos autos, não resulta existir “qualquer cláusula de onde resulte que os fiadores Embargantes tenham convencionado com o banco Exequente a renúncia expressa ao benefício do prazo”. A cláusula de onde resulta que os fiadores se obrigam solidariamente com os mutuários como principais pagadores perante a mutuante apenas equivale à renúncia do benefício da excussão prévia, e já não à renúncia do benefício do prazo pelos fiadores.
Citando a douta sentença recorrida, explica-se que “o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não venceu, constitui um benefício que a lei concede - mas não impõe - ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor”, na medida em que, constituindo uma mera faculdade, pretendendo fazê-lo, deverá dar disso conhecimento ao devedor. Além disso, esta exigida interpelação não pode ser substituída pela citação em ação executiva, já que “esta não seria idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor”.
Descritos os diversos posicionamentos na presente querela, importa apreciar e decidir.
A questão “sub judice” tem vindo a ser debatida na nossa jurisprudência, tal como foi anotado nas diversas peças processuais acima citadas, tendo sido alvo, num só processo, de duas decisões assaz recentes, uma desta Relação e desta Secção, a qual veio a ser confirmada por Acórdão do STJ de 14 de Janeiro deste ano.
Não vemos razões para dissentir do entendimento plasmado unanimemente nesses arestos para cuja cuidada fundamentação remetemos, em particular o acórdão de 8 de Setembro de 2020 da Relação do Porto, subscrito pelo presente relator enquanto adjunto, ambos relativos ao processo 1366/18.1T8AGD-A.P1, disponíveis em dgsi.pt).
Deste modo, julgamos que, efetivamente, como se defende na decisão apelada, o regime previsto no art. 781º do Código Civil (CC) não se aplica aos fiadores por força do preceituado no art. 782º do mesmo diploma legal. Estatui-se neste preceito que “a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.” Consequentemente, quanto às obrigações a prazo, este artigo estabelece um princípio que impede, para estes destinatários, a perda do benefício do prazo (cite-se a este propósito, tal como o faz o acórdão de que fomos signatários, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 652).
Destarte, a perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações nunca se estende ao fiador, salvo se for convencionado expressamente o afastamento desse regime legal, atenta a natureza supletiva deste art. 782º do CC.
E, a nosso ver, tal acordo contratual não se encontra demonstrado nos autos. Socorrendo-nos da argumentação expendida no acórdão do STJ importa sublinhar que “a supletividade referida, permitindo que o fiador pudesse ter assumido desde logo a responsabilidade, no caso de perda do benefício do prazo, não se compadece com a referência nos contratos a que eles se tenham constituído como fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelos primeiros outorgantes (...), expressão que não tem um tal alcance.” Ora, como se explica naquele aresto, “a existente assumção da obrigação de principal pagador, ela apenas visa, integrada na fórmula que também abarca a renúncia ao benefício da excussão prévia - e correspondendo a uma particular forma daquela - a “solidariedade” da fiança, de modo que o credor possa, em caso de incumprimento, demandar desde logo o fiador pela totalidade da dívida.” Donde, “não se estendendo ao fiador a perda do benefício do prazo, importa averiguar os efeitos que o vencimento da obrigação principal tem sobre o crédito e débito da fiança, respondendo o ac. do STJ de 18-1-2018 na revista n.º 2351/12.2TBTVD-A, que “a perda do benefício do prazo do devedor não se estendendo ao fiador torna necessário que também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação.” (e em igual sentido o ac. STJ de 10-5-2007 no Proc. 07B841, in dgsi.pt).”
Ou seja, tal como se concluiu no acórdão desta Relação, “a renúncia do fiador ao benefício da excussão prévia, bem como a sua constituição como principal pagador, não relevam para o efeito de se considerar também afastado o princípio contido no art. 782º do Cód. Civil, no sentido de dispensar a comunicação ao fiador da perda do benefício do prazo que se verificasse relativamente ao mutuário.”
Para tanto, a nosso ver, distintamente do que defende a apelante, não é suficiente que a interpelação seja efetuada na pessoa do devedor ou que conste, por escrito, nas obrigações assumidas pelo fiador que o mesmo se assumiu como “principal pagador” em caso de incumprimento. A interpelação aos fiadores é imposta pelo citado artigo 782º tanto mais que o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não venceu constitui um benefício que a lei não impõe ao credor e por isso este terá sempre que interpelar aquele a quem pretende exigir a totalidade dos pagamentos. Sucede que, inelutavelmente e tal como consta provado no facto K), “a exequente não procedeu à interpelação dos ora embargantes, enquanto fiadores, antes de intentar a ação executiva a que os presentes autos correm por apenso.”
Resta, portanto, apurar se a citação para os presentes autos executivos pode substituir tal interpelação.
O argumento que nega tal possibilidade assenta na circunstância de, uma vez que os embargantes, enquanto fiadores, nunca foram interpelados para pôr fim à mora dos devedores principais ou para pagar o montante sob execução ou qualquer outro, nunca poderiam ver essa interpelação ser substituída pela citação em ação executiva, pois esta nunca poderá obviar às consequências não automáticas da mora do devedor.
No acórdão subscrito pelo presente relator, defendeu-se a imediata exigibilidade de todas as prestações em dívida muito embora quanto ao fiador apenas se possa considerar a dita exigibilidade, com contabilização de juros moratórios, a partir da citação deste para a execução.
Por sua vez, o STJ entendeu que “a citação dos fiadores para a execução - para contestar ou pagar a totalidade da dívida resultante da antecipação de vencimento - não pode suprir a falta de tal interpelação, pois, através dela, não é dada oportunidade aos fiadores de procederem ao pagamento das prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas, e só através de interpelação para cumprir a obrigação se pode efectivar tal exigibilidade.” Todavia, sem prejuízo desta opção no plano dos princípios, o mesmo aresto admite que, “por razões de relevância pragmática, várias são as decisões que, sensíveis a que a citação é em qualquer caso uma comunicação, admitem que esta, não tendo o valor nem a natureza da interpelação que era exigível, possa ter a utilidade para através dela o credor exigir ao fiador a totalidade da dívida (prestações vencidas e vincendas) excepto no que diz respeito aos juros de mora que se contariam desde a citação apenas.”
Analisemos, então, se esse pragmatismo abrangerá o caso sob apreciação. A condicionante fática decisiva no caso tratado, quer pelo coletivo da Relação do Porto quer pelo STJ, e que temos vindo a abordar, distingue-se do nosso na medida em que naquele o vencimento da totalidade da dívida resultou da declaração de insolvência do credor (art. 780 nº 1) sendo que, por esse vencimento ser automático e independente de qualquer interpelação (art. 91 do CIRE), o fiador deixaria de ter a possibilidade de se lhe poder opor, oferecendo o pagamento; foi justamente esta declaração de insolvência que presidiu à opção do Supremo no sentido de confirmar a decisão desta Relação.
Perante o exposto, cumpre tomar posição relativamente ao litígio concreto que se nos coloca.
Salvo o devido respeito, entendemos que não existem motivos para dissentir da opção assumida pelo coletivo da Relação do Porto relativamente à situação agora em análise e que iremos manter nesta concreta decisão.
Na verdade, sendo inequívoca esta ausência de comunicação aos embargantes/fiadores, julgamos não dever escamotear a relevância que deve ser conferida à posterior citação para a presente execução, daí decorrendo a imediata exigibilidade de todas as prestações em dívida, atento o extenso lapso temporal entretanto decorrido e tanto mais que o imóvel dado de garantia terá sido inclusivamente já vendido, conforme aventa a embargada. Além de tudo o mais, constata-se, uma vez compulsados os autos principais executivos, que a executada F… foi, inclusivamente, declarada insolvente.
O pragmatismo desta solução, que busca no caso concreto a sua maior legitimação, corresponde ao que nos parece ser a abordagem mais equilibrada, no âmbito das exigências decorrentes de um comércio jurídico que se pretende fluído e “business friendly”, atentando quer na situação de insolvência de um dos executados, com as decorrentes consequências em termos da dívida exequenda, quer ainda no grau de vinculação assumido por estes concretos fiadores, erigidos, contratualmente, como principais pagadores e não beneficiando da excussão prévia. Ademais, o vencimento antecipado de toda a dívida em face do incumprimento dos mutuários há muito já terá ocorrido, até por força da insolvência referenciada, inviabilizando, na prática, a possibilidade de pôr fim à mora ou de obstar à resolução dos contratos.
Em linha com a decisão anteriormente subscrita por esta Secção, a exigibilidade da totalidade da dívida quanto aos fiadores deve ser considerada a partir da citação destes para a presente execução; qualquer eventual notificação prévia não revestirá a solenidade que apenas a citação deve conferir neste concreto contexto.
Em conclusão, o recurso interposto pela exequente colherá parcial procedência sem prejuízo de deverem prosseguir os presentes embargos para apreciação das demais questões suscitadas no requerimento inicial e antes dadas como prejudicadas.

V - Decisão
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, revogando a sentença recorrida, decidem:
- relativamente à questão da inexigibilidade do crédito exequendo, julgar os embargos deduzidos apenas procedentes no que toca aos juros moratórios, declarando-se não exigíveis os juros que foram peticionados até à data de citação dos embargantes;
– determinar o prosseguimento dos autos para apreciação das demais questões suscitadas.
As custas são devidas a final, conforme a proporção do decaimento das partes.

Porto, 11 de Maio de 2021
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues