APOIO JUDICIÁRIO
INDEFERIMENTO
FORMULAÇÃO DE NOVO PEDIDO
DECURSO DO PRAZO INTERROMPIDO
PRECLUSÃO DO DIREITO À PRÁTICA DO ACTO
Sumário

I - Não é admissível que, fora das condições de superveniência de insuficiência económica (art.º 18º da Lei do Apoio Judiciário), para a mesma ação, uma das partes, opte por não impugnar a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário que apresentou na Segurança Social --- tornando-se ela definitiva --- e formule um segundo pedido de apoio judiciário nas mesmas modalidades.
II - Decorrido, de novo, o prazo (interrompido) de que o R. requerente beneficiava para contestar a ação, na sequência da notificação do indeferimento do primeiro pedido de apoio judiciário, já não é possível apresentar aquele articulado, por preclusão do direito.

Texto Integral

Proc. nº 6860/19.9T8PRT-A.P1 (apelação)
Comarca do Porto - Juízo Local Cível – J 6

Relator: Filipe Caroço
Adjuntos: Desemb. Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida

Acórdão na Relação do Porto

I.
Na ação comum declarativa para resolução do contrato de arrendamento, que B… instaurou contra C…, ali melhor identificados, o R. foi citado no dia 22.8.2019, conforme anotação aposta no A/R da carta registada enviada pelo tribunal para o efeito.
A 20.9.2019, o R. deu entrada em Juízo de um documento comprovativo de ter apresentado, a 19.9.2019, pedido de apoio judiciário nos serviços da Segurança Social, nas modalidades de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de custas.
Em 25.11.2019, a Segurança Social solicitou ao R. elementos de prova em prazo determinado, sob pena de indeferimento.
Em 18.12.2019, na falta de elementos nos autos, o A. solicitou que se oficiasse à Segurança Social no sentido de informar qual o estado do pedido de apoio ali apresentado pelo R.
Em 20.12.2019 foram entregues elementos de prova solicitados ao R.
Por e.mail de 23.1.2020, a Segurança Social informou o tribunal de que foi nomeada para patrocinar o R. a Sr.ª Dr.ª D…, mais informando que, nessa mesma data, deram conhecimento dessa nomeação à Sr.ª advogada nomeada.
Porém, a Segurança Social, por ofício recebido em Juízo no dia 24 de janeiro de 2020, informou que o requerimento de apoio judiciário foi objeto de uma proposta de decisão de indeferimento de 9.10.2019, que dela foi notificado o Requerente, não tendo ele oferecido qualquer resposta, o que implicou a conversão da proposta de decisão em decisão definitiva de indeferimento, sem que tivesse sido interposto qualquer recurso.
Em 27.1.2020, o tribunal notificou o R. de que lhe foi nomeada patrona a Dr.ª D….
Naquela mesma data, o tribunal comunicou à Sr.ª Dr.ª D… (e também ao ilustre mandatário do A.) que o pedido de apoio judiciário fora considerado na Segurança Social como definitivamente indeferido, remetendo-lhe cópia do ofício de 24 de janeiro.
Por requerimento de 28.1.2020, veio a Dr.ª D…, face ao teor da última notificação, questionar o tribunal sobre se o R. goza ou não goza do benefício da nomeação e patrono.
Em 10.2.2020, o A. requereu que se oficiasse à Segurança Social e à Ordem dos Advogados para que esclarecessem se o pedido de apoio judiciário formulado pelo R. foi indeferido, como resulta da documentação junta ao processo, e, sendo assim, a que título surge a nomeação de Patrona ao mesmo.
O tribunal, por despacho de 20.2.20202, determinou que se oficiasse à Segurança Social para que informasse se se encontra algum pedido de proteção jurídica pendente que tivesse sido apresentado pelo R. no âmbito destes autos.
Por requerimento de 21.2.2020, a Ilustre advogada D… fez juntar aos autos o pedido de escusa que dirigiu à Ordem dos Advogados naquele mesmo dia.
No dia 24.2.2020, o R. apresentou contestação com reconvenção e uma procuração forense emitida favor do ilustre advogado Dr. E… e uma decisão da Segurança Social de 25.1.2020 pela qual foi atribuído ao Requerente o benefício do apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono.
Por requerimento da Dr.ª D…, de 2.3.2020, foi comunicado que pediu à Ordem dos Advogados que fosse dado sem efeito o pedido de escusa e concluiu que devem ser cessadas as suas funções no processo por o R. ter constituído mandatário.
Por ofício de 20.3.2020, a Segurança Social informou que o R. apresentou dois requerimentos de apoio judiciário para a ação em causa, tendo um deles sido indeferido (proc. APJ ….07/19) e o outro deferido (proc. APJ ….54/19).
O proc. APJ ….07/19 teve início com o requerimento de 19.9.2019 e o proc. APJ ….54/19 teve início com o requerimento de 6.11.2020 (cf. ofício da Segurança Social de 16.6.2020, junto aos autos a 18.6.2020).
A Segurança Social manifestou o entendimento de que, por não ter havido análise de mérito no 1º processo (APJ ….07/2019), deverá prevalecer a decisão de deferimento, proferida no 2º processo (APJ ….54/2019), “porquanto neste segundo pedido existiu uma efetiva apreciação de mérito”.
O tribunal, por despacho de 1.7.2020, ordenou que se oficiasse à Segurança Social que informasse qual a data em que o A. foi notificado da decisão de indeferimento do apoio judiciário (1º requerimento – proc. ….07/2019) e que a secção apurasse, quanto ao 2º requerimento de apoio judiciário com nomeação de patrono, se foi nomeado novo patrono, e qual a data da notificação ao patrono da sua designação.
A Ordem dos Advogados informou que a Dr.ª D… foi nomeada patrona do R. por e.mail de 23.1.2020 (o que, por certo, ocorreu no âmbito do segundo processo administrativo (APJ ….54/2019).
A Segurança Social informou que, no proc. APJ ….07, o requerimento de proteção jurídica foi considerado indeferido no dia 28.10.2019 (a carta foi entregue ao R. destinatário no dia 11.10.2019) – cf. ofício de 24.7.2020, junto aos autos a 31.7.2020.
Ambas as partes tomaram mais uma vez posição sobre as informações recebidas e o respetivo efeito jurídico. e o tribunal, por despacho de 2.10.2020 proferiu a decisão recorrida que culminou como seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Assim, concluo que a contestação é extemporânea, pelo que a mesma deve ser desentranhada o que se determina.»

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Inconformado, o R. apelou da decisão por requerimento onde formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«1º - Em processo civil vigora o princípio da “livre apreciação de prova”, o que não pode querer dizer arbitrariedade, mero convencimento ou má analise de documentos.
2º - É modesto entendimento do recorrente que o ilustre julgador decidiu erroneamente a matéria de facto com menção dos respectivos meios probatórios.
3º Em face dos meios de prova existentes teria de se decidir pela existência de um apoio judiciario valido a favor do R. aceitando-se a contestação com reconvenção, da qual o A ainda não foi notificado.
4º - O Tribunal da Relação pode e deve corrigir tal erro, impondo-se a revogação do despacho sentença recorrida substituindo-a por outra que julgue aceitar a contestação reconvenção e o prosseguimento dos autos para decisão de mérito.
5 º O Sr. Juiz da como provado, “ que a constestação é extemporânea, pelo que a mesma deve ser desentranhada”, mas fica claro que existe Apoio Judiciario nos autos de que beneficia o R. e que lhe foi designado patrono, ainda que seja um segundo apoio judiciario, conforme e dito.
6º Nunca o R pediu dois apoios judiciários. O R pediu apoio judiciario que entregou atempadamente aos autos e deles constam conforme esta provado e tendo este sido indeferido esse pedido do R, deslocou-se a Segurança Social e contestou o mesmo, juntando os elementos em falta.
7º Ao segundo ou terceiro indeferimento e á segunda ou terceira constestaçao/junção de documentos, a Senhora Funcionaria da Segurança Social, pelo que se comprova agora, fez asneira, solicitando, de mote próprio, novo pedido de apoio e não fez o que lhe foi solicitado pelo R, ou seja, contestar/juntar elementos em falta ao primeiro pedido inferido - único que o R solicitou.
8º Requer que se oficie a Segurança para informar que dias o R esteve presente para contestar o indeferimento e se verificar que, em prazo para a contestação desse e por ter ido contestar esse, entrou o segundo pedido, com o R a ser “enganado“.
9º O R não pode ser prejudicado por um erro de um funcionário publico
10º O segundo pedido, feito oficiosamente e sem saber do R, confiado que estava a contestar o indeferimento do primeiro pedido, veio deferido, o que prova que o R tinha direito, no primeiro pedido, como tem a apoio judiciario.
11º O R cumpriu todos os prazos e todos os seus deveres de informação ao Tribunal. Só não informou do segundo pedido porque não sabia dele.
12º Nao há razão para duvidar da sua palavra, ate porque é o interessado.
13º O R contestou no prazo que foi concedido a patrona nomeada.
14º O Tribunal não errou so quanto a matéria de facto, ao não admitir a contestação, com base na falta de apoio judiciario, violou o direito ao contraditório e a defesa do R.
15º O Tribunal tem a verdade e pode repor a mesma, assim queira e estamos crentes que o quererá, corrigindo-se assim o despacho sentença proferida.
16º A sentença recorrida apreciou mal a matéria de facto e violou as normas jurídicas aplicáveis, pelo que, deve ser revogada.» (sic)
Pediu a revogação da decisão e a sua substituição por outra que admita a contestação e a reconvenção.
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II.
Exceção feita para as questões que sejam do conhecimento oficioso, a matéria a decidir está delimitada pelas conclusões da apelação do R. recorrente, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º, do Código de Processo Civil).

Importa apreciar e decidir sobre se o articulado da contestação/reconvenção é, ou não é, extemporâneo e se deve ser rejeitado ou admitido nos autos.
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III.
Relevam os factos processuais descritos no relatório.
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IV.
É conhecida a preocupação do legislador do apoio judiciário com a simplificação e celeridade de procedimentos. Apesar de ter consignado a regra da autonomia relativamente à causa a que respeita, não tem, em princípio, qualquer repercussão sobre o andamento desta (art.º 24º, nº 1, da LAJ[1]). São vários os afloramentos daquele desígnio, de que destacamos a fixação de um prazo pela administração para o requerente se pronunciar, em audiência prévia, sobre a proposta de decisão de indeferimento ou de indeferimento parcial, sob pena da decisão se converter em definitiva (art.º 23º, nº 2), também a decisão judicial que recaia sobre a impugnação da decisão administrativa dever ser imediata e por despacho concisamente fundamentado (art.º 28º, nº 4) ou ainda a regra da suficiência de um grau de recurso fixada pela irrecorribilidade da decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, nos termos daquele normativo (nº 5 do mesmo preceito legal).
Nos termos do nº 4 do art.º 24º, “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Conforme o imediato nº 5, o prazo interrompido reinicia-se (corre de novo), conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão agente de execução indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Pois bem.
No prazo de 30 dias de que o R. dispunha para contestar a ação (art.º 569º, nº 1, do Código de Processo Civil), o mesmo apresentou pedido de apoio judiciário na delegação competente da Segurança Social e fez prova nos autos desse mesmo requerimento. Logo, interrompeu-se o prazo da contestação.
Aquele requerimento deu origem ao PAJ nº ….07/2019 e foi ali objeto de indeferimento notificado ao Requerente, aqui R., no dia 11.10.2019, considerando-se definitivamente indeferido a 28.10.2019, por o Requerente não ter impugnado judicialmente a decisão administrativa ao abrigo dos art.ºs 26º, nº 1 e 27º, nºs 1 e 2.
O R. apresentou em Juízo o seu articulado da contestação/reconvenção no dia 24.2.2020, data em que estava largamente decorrido o prazo de 30 dias de que o R. dispunha para o efeito a contar da referida data subsequente à notificação do indeferimento do seu pedido de apoio judiciário (o primeiro pedido, que deu origem ao PAJ nº ….07/2019).
O prazo de apresentação da contestação, sendo perentório, precludira já quando tal articulado foi levado aos autos, nos termos conjugados dos art.ºs 139º, nºs 1 e 3 e 569º, nº 1, do Código de Processo Civil. Decorridos estavam também os três dias úteis em que a lei ainda prevê a possibilidade de o ato ser praticado com pagamento de multa (nºs 5 e 6 ainda do art.º 139º).
Acontece que o R. deduziu nos serviços da Segurança Social um segundo requerimento de apoio judiciário no dia 6.11.2019, que deu origem a um segundo processo administrativo com a mesma finalidade e ao qual foi atribuído o nº PAJ ….54/19. Este pedido viria a ser deferido, tendo sido a ilustre patrona nomeada notificada da sua nomeação no dia 23.1.2020. Quando, a 24 de fevereiro seguinte, o R. apresentou contestação, esta estaria em tempo relativamente ao segundo pedido de apoio judiciário atento o momento da notificação da respetiva decisão de deferimento (art.º 24º, nº 5, al. b)).
A questão essencial é saber se vale aqui o primeiro ou o segundo pedido de apoio judiciário. Se for de atender ao primeiro, indeferido, a contestação é extemporânea; se for de atender ao segundo pedido, deferido, a contestação é tempestiva (dada a data em que a ilustre patrona foi notificada da sua nomeação).
Quando, a 6.11.2019, o R. apresentou o segundo pedido de apoio judiciário, já o primeiro pedido (proc. APJ ….07) havia sido indeferido e notificado ao aqui R. no dia 11.10.2019, tendo-se a respetiva decisão tornado definitiva no dia 28.10.2019, como vimos já.
O meio adequado de atacar aquela primeira decisão era a sua impugnação nos termos dos art.ºs 26º, nº 1 e 27º, nº 1, e nunca, por nunca, a apresentação de um novo pedido de apoio judiciário relativo ao mesmo processo judicial, fora do âmbito da superveniência de insuficiência económica, que sempre deve ser invocada e a que se refere o art.º 18º, nºs 1 e 2, sob pena de inadmissível violação da decisão definitiva anterior. Se assim pudesse acontecer, facilmente nos debateríamos com um sucessivo desenrolar de decisões (provisórias), até que o requerente obtivesse uma decisão sobre o apoio judiciário favorável e que lhe interessasse, ou mesmo apenas e só perante um protelar do prazo para a contestação sem limite à vista, contrariando frontalmente os princípios e as regras do caso julgado e da preclusão dos atos processuais, da igualdade de armas e da segurança jurídica.
Não merece acolhimento a argumentação agora utilizada pelo recorrente de que não teve a intenção de abrir junto dos serviços da Segurança Social um novo procedimento de apoio judiciário, mas apenas de juntar novos elementos de prova ao processo anterior. Na verdade, aquele primeiro processo já se encontrava definitivamente decidido e extinto quando diz ter levado à Segurança Social os novos elementos.
Acresce que da apresentação do segundo pedido de apoio judiciário na Segurança Social não fez o R. prova nestes autos nos termos e para o efeito de interrupção de qualquer prazo processual em curso, como sempre estaria obrigado a fazer, ao abrigo do nº 4 do art.º 24º.
Por mera hipótese académica, sempre se dirá que, ainda que à data em que o segundo procedimento administrativo (APJ ….54/19) se iniciou ainda não estivesse decidido o primeiro pedido, também aquele não era admissível e deveria ser considerado extinto, dada a pendência de procedimento idêntico, por aplicação da regra prevista no art.º 582º do Código de Processo Civil.

O recorrente diz-nos agora que foi induzido em erro pelos serviços da Segurança Social com a abertura do segundo processo. Verdadeiramente, só nesta fase de recurso veio suscitar essa questão, e deveria tê-lo feito na 1ª instância, antes da decisão recorrida, se dessa circunstância se quisesse valer. No seu requerimento de 10.9.2020, o apelante aborda o assunto do lapso da Segurança Social, mas nunca o afirmando, antes o colocando em causa em face do que o A. alegara em requerimento anterior.
Dos elementos recolhidos nos autos, o que resulta claramente é a apresentação de um segundo pedido de apoio judiciário.
Essencial é que, à data do início do segundo processo de APJ, já o primeiro estava definitivamente decidido com indeferimento da pretensão do aqui R. que, notificado desta decisão, não a impugnou, tendo-se então iniciado (em 28.10.2019) a contagem do prazo de 30 dias para a contestação/reconvenção --- não mais interrompido, nem suspenso por qualquer causa --- que não foi tempestivamente apresentada, mas apenas em 24.2.2020, sendo, por isso, extemporânea.
A decisão deve ser confirmada.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, por ter decaído na apelação.
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Porto, 13 de maio de 2021
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Lei do Apoio Judiciário (Lei nº 34/2004, de 29 de julho, alterada pela lei nº 47/2007, de 28 de agosto e pela 40/2018, de 8 de agosto). Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.