PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
NEGOCIAÇÃO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Sumário

I - Apresentada a lista provisória de créditos no PEAP, e logo que termine o prazo para a sua impugnação, independentemente de esta ocorrer ou da sua conversão em lista definitiva, inicia-se o prazo de dois (2) meses, susceptível de prorrogação por um (1) mês, para conclusão das negociações e apresentação de um plano de acordo de pagamento.
II - Tal prazo de negociações tem natureza peremptória, pelo que sendo ultrapassado, mesmo havendo impugnações de créditos por decidir, a inexistência de um plano de acordo de pagamento conduz ao encerramento do correspondente processo negocial.

Texto Integral

Recurso n.º 2633/20.0T8OAZ.P1

Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos: António Paulo de Vasconcelos; Filipe Caroço

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. Processo n.º 2633/20.0T8OAZ do Juízo do Comércio de Oliveira de Azeméis, J2, da Comarca de Aveiro, em que são:

Recorrentes/devedores: B… e

C…

Recorridos/credor: Banco D…, S.A. e outros

1.1 Por sentença proferida em 30/dez./2020 foi determinado o encerramento do processo

negocial sem aprovação do acordo de pagamento.

1.2. Os devedores requereram em 01/set./2020 o processo especial para acordo de pagamento.

1.3. A lista provisória foi apresentada em 08/out./2020, sendo publicitada em 09/out./2020.

1.4. Não foi até ao momento apresentado qualquer acordo de pagamento.

2. Os devedores insurgiram-se contra aquela decisão, tendo interposto recurso da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
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3. Admitido o recurso, foi o mesmo remetido a esta Relação onde foi autuado em 05/abr./2021, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.

4. Não existem questões prévias, prejudiciais ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso.

5. O objeto do recurso incide exclusivamente no prazo a observar para apresentação do plano negocial.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

O Código de Insolvência e Recuperação de Empresa (CIRE – Decreto – Lei n.º

53/2004, de 18/mar., DR I-A, n.º 66), com a revisão de 2017 (Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30/jun. - DR I, n.º 125), veio implementar o processo especial para acordo de pagamento (PEAP), cuja disciplina ficou estabelecida nos aditados artigos 222.º-A a 222.º-J. A sua finalidade está bem expressa no artigo 222.º-A n.º 1, ao estabelecer que “O processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento”. Mais se acrescentou no adiante n.º 3 que “O processo especial para acordo de pagamento tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente Código que não sejam incompatíveis com a sua natureza”. O PEAP veio, desde modo, “esclarecer” as dúvidas quanto ao âmbito do Plano Especial de Revitalização (PER) relativamente aos devedores não empresários que se encontrem em situação económica difícil, permitindo um processo exclusivamente dirigido a estes. No entanto, a similitude da regulamentação entre o novíssimo PEAP e o anterior PER, levou praticamente à reprodução e assimilação das regras deste último por aquele. Assim, num primeiro momento iremos centrar a nossa leitura no PEAP e num segundo momento descortinar as suas similitudes com o PER, mormente o posicionamento da jurisprudência, mas apenas, quanto a ambos, no que concerne ao termo inicial (dies a quo) e ao termo final (dies ad quem) da apresentação do plano de acordo de pagamento.

A propósito e reconduzindo a nossa leitura à disciplina do PEAP, decorre do artigo 222.º-C, n.º 1 do CIRE, que “O processo especial para acordo de pagamento inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de pelo menos um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento”, acrescentando-se no n.º 4 que “Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações”. Como se pode constatar e muito embora este processo seja despoletado com a apresentação do requerimento para iniciação de negociações, o mesmo já deve ter na sua base uma fase propedêutica e extrajudicial de negociações com os credores. A seguir segue-se a tramitação prevista no artigo 222.º-D, do CIRE, começando com a comunicação do início das negociações na fase judicial aos credores não subscritores da declaração inicial (n.º 1), dispondo qualquer credor do prazo de vinte (20) dias para reclamar os seus créditos – este prazo inicia-se com a “publicação no portal Citius do despacho a que se refere o n.º 4 do artigo anterior para reclamar créditos” (n.º 2), ou seja, do despacho de nomeação do administrador judicial provisório. O subsequente n.º 3 deste artigo 222.º-D do CIRE preceitua que “A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas” – sendo nosso o negrito, agora e adiante –, enquanto o n.º 4 consagra que “Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva”. Mas o cerne do âmbito do prazo encontra-se no n.º 5 ao preceituar que “Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius” – o disposto nos n.º 6 a 10 vem estabelecer a tramitação das negociações e o n.º 11 regula a responsabilidade civil “pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorreção das comunicações ou informações a estes prestadas, ...”. Mais será de referir, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 222.º-F do CIRE, que “Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o acordo de pagamento que: ...”. Isto significa que a existência de créditos impugnados não traduz qualquer obstáculo à aprovação do plano de acordo de pagamento.
No âmbito do PER, cuja disciplina continua a estar prevista nos artigos 17.º-A a

17.º-J do CIRE, mediante os aditamentos surgidos com a revisão de 2012 (Lei n.º 16/2012, de 20/abr. - DR I, n.º 79, com as alterações decorrentes do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30/jun. -DR I, n.º 125), preceitua-se no artigo 17.º-D, n.º 3 que “A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”. Mais se enuncia no n.º 4 que “Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva”, acrescentando-se no n.º 5 que “Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e a empresa, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius” – a redação anterior deste último segmento normativo preceituava que “Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius”, estando assinalado a negrito as diferenças.

A jurisprudência a partir do regime do PER tem considerado, de modo sustentado e maioritariamente persistente, que o prazo para a conclusão das negociações apenas depende da publicação da lista provisória (e não definitiva) de créditos no Citius, iniciando-se o mesmo quando findar o prazo para a respetiva impugnação, não estando o mesmo dependente da decisão das impugnações entretanto suscitadas nem da conversão da lista provisória em definitiva – neste sentido os Acs. TRC de 26/fev./2013 (Des. Arlindo Oliveira), de 21/out./2014 (Des. Sílvia Pires), 21/abr./2015 (Des. Isabel Silva); Acs TRE de 02/jun./2016 (Des. Elisabete Valente); Ac. TRL de 13/mar./2014 (Des. Jorge Leal), 05/fev./2015 (Des. Carla Mendes), 02/jul./2015 (Des. Tomé Ramião); Acs. TRP de 19/nov./2013 (Des. José Igreja Matos), 02/jun./2016 (Des. Fernando Baptista), sendo todos acessíveis em www.dgsi.pt, assim como os demais. Tal prazo tem natureza peremptória, sustentando-se essencialmente este posicionamento a partir da literalidade do enunciado normativo (i), na natureza urgente do processo (ii), preservando-se que um mecanismo processual para acordo não seja transformado num mecanismo dilatório de subversão da lei (iii).

Outro posicionamento tem sustentado que tal prazo dirige-se à duração das negociações, aceitando-se que havendo motivo para o prolongamento das conversações e alcançando-se o plano de acordo, não existem obstáculos legais para a sua não homologação – neste sentido o Ac. TRL de 10/abr./2014 (Des. Maria do Rosário Morgado) e o Ac. TRG de 09/abr./2015 (Des. Fernando Fernandes Freitas, havendo um voto de vencido). Trata-se de um prazo ordenador ou procedimental, pelo que a sua inobservância não extingue o direito de praticar o correspondente acto. A sustentação deste posicionamento ancora-se no interesse público que subjaz ao processo (i), ao primado da vontade das partes (ii), à flexibilidade processual (iii) e a relevância que deve ser conferida à boa-fé (iv).

Por sua vez, o Ac. do STJ de 08/set./2015 (Cons. Fonseca Ramos) veio a sufragar aquele primeiro posicionamento, sustentando que “No âmbito do processo especial de revitalização, o plano de recuperação da devedora requerente deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art. 17.º-F, n.º 1, do ClRE, que é um prazo de caducidade” (I), pelo que “Ultrapassado tal prazo não deve ser homologado o plano, nos termos do art. 215.º do ClRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir violação não negligenciável de norma imperativa” (II) – no mesmo sentido o Ac. STJ de 19/abr./2016 (Cons. Ana Paula Boularot).
Como se pode constatar, o artigo 222.º-D, n.º 5 do CIRE, respeitante ao PEAP, apresenta similitudes do seu enunciado normativo com o artigo 17.º-D, n.º 5 do CIRE, relativamente ao PER, sendo, por isso, segmentos normativos gémeos. Assim, tanto o seu texto-norma, como o âmbito-norma apontam no sentido de que o prazo aí previsto corresponde a um prazo de caducidade e não meramente ordenador. Mais acresce que o programa-norma, no contexto da sua disciplina, aponta no sentido da perseverança da celeridade da obtenção de um plano de acordo de pagamento, de modo a tornar clara a situação de solvência ou insolvência do devedor. Deste modo, apresentada a lista provisória de créditos, e logo que termine o prazo para a sua impugnação, independentemente de esta ocorrer ou da sua conversão em lista definitiva, inicia-se o prazo de dois (2) meses, susceptível de prorrogação por um (1) mês, para conclusão das negociações e apresentação de um plano de acordo de pagamento.
No caso em apreço, foi nitidamente ultrapassado tal prazo de negociações, sem que haja o mínimo esboço de qualquer plano de pagamento, pelo que tratando-se de um prazo de caducidade está precludido tal acordo. Mas mesmo que se seguisse o outro posicionamento, correspondente ao prazo ordenador quando houvesse negociações a decorrer, também tal prazo estaria ultrapassado, porquanto não houve negociações sustentadas. Nesta conformidade, não temos nenhuma censura a fazer à sentença recorrida.
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Na improcedência do recurso, as suas custas ficam a cargo dos recorrentes – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO

Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se negar provimento ao recurso interposto pelos devedores B… e C… e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes.

Notifique

Porto, 13 de maio de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço