CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO
TEMPO PARCIAL
CARÁCTER REGULAR
CADUCIDADE
COMPENSAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - O contrato de serviço doméstico está sujeito a um regime especial - DL n.º 235/92, de 24.10 -, cuja especificidade reside na forma particular como a actividade é prestada, que assenta numa relação de proximidade e de confiança de tipo quase familiar.
II – Assume carácter regular, o serviço doméstico prestado todos os meses do ano, ainda que a tempo parcial de duas tardes por semana e/ou de segunda a sexta-feira, da parte da manhã.
III – A caducidade do contrato de serviço doméstico a termo não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador, sem prejuízo de ficar sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador – artigo 348.º n.º 2, alíneas c) e d), do CT/2009.
IV – Ao incumprimento do aviso prévio, sem previsão legal de sanção específica, caberá uma indemnização pelos danos causados ao lesado, nos termos gerais da lei civil, por analogia com o disposto no artigo 401.º, último segmento, do CT/2009.
V – Incumbe ao lesado alegar e provar os danos sofridos pelo incumprimento do aviso prévio.

Texto Integral

Proc. n.º 27266/18.7T8PRT
Origem: Comarca Porto-Porto-Juízo Trabalho – J3
Relator - Domingos Morais – Registo 910
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

IRelatório
1. – B… intentou a presente acção declarativa com processo comum, sob patrocínio do M. Público, na Comarca de Porto-Porto-Juízo Trabalho-J3, contra
C…, ambas nos autos identificadas, alegando, em resumo, que:
Em Junho de 1993, a Autora foi admitida ao serviço da Ré, mediante acordo verbal, para exercer as funções de empregada doméstica, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, na residência acima indicada.
No desempenho de tais funções, competia à A. efetuar a limpeza da casa, proceder ao tratamento das roupas (lavar e passar a ferro) e preparar refeições.
Entre Junho de 1993 e final de 1995, trabalhava três horas, em duas tardes por semana, num total de 6 horas semanais;
E auferia a retribuição de €3,50 por hora, a que corresponde a retribuição mensal de €91,00 (3,50x6x52/12).
A partir de Janeiro de 1996, passou a trabalhar entre as 8.30 e as 12.30, de segunda a sexta-feira, no total de 20 horas semanais;
E auferia a retribuição de €4,00 por hora, a que corresponde a retribuição mensal de €346,67 (4,00x20x52/12).
A partir de Janeiro de 2001, a Ré aumentou o salário/hora da Autora para €5,00, a que corresponde a retribuição mensal de €433,33 (5,00x20x52/12), montante que se manteve até á cessação do contrato.
Recebeu sempre em numerário e sem emissão de recibos.
Em 26-10-2010, a Autora reformou-se, por velhice, mas manteve-se ao serviço da Ré, exercendo as suas funções habituais no horário estabelecido.
Em 17 de Fevereiro de 2018, os filhos da Ré reuniram com a Autora e, agindo em representação e no interesse da Ré, comunicaram á Autora que a sua mãe prescindia dos seus serviços com efeitos imediatos.
Considerando-a despedida a partir da referida data.
Ao longo de todo o período de duração do contrato, ou seja, entre Junho de 1993 e Fevereiro de 2018, a Autora nunca gozou qualquer período de férias.
Não recebeu retribuição de férias ou o respetivo subsídio;
E nunca recebeu subsídio de Natal.
Por conta dos créditos laborais devidos, pela cessação do contrato, a Ré apenas pagou á Autora a quantia de €900,00, que incluía a retribuição de Fevereiro (17 dias), no montante de €245,55.
Terminou, concluindo:
deve a Ré ser condenada a pagar à A:
a) €19.430,58 de retribuições e subsídios de férias, por todo o período do contrato;
b) €9.335,04 de subsídios de Natal, por todo o período do contrato;
c) €168,88 de retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2018;
d) €866,66 de compensação pela falta de aviso prévio na comunicação da caducidade do contrato.
e) juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento dos montantes acima referidos até ao efetivo pagamento, ascendendo os juros já vencidos a €12.754,47.
Ao valor do total da dívida de capital haverá que descontar a quantia de 645,45, paga nos termos referido no art. 18º, perfazendo €29.155,71.”.
2. – Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, excepcionando todos os alegados créditos vencidos há mais de 5 anos, e impugnando a factualidade alegada pela autora sobre o acordo de contrato de serviço doméstico, concluindo pela improcedência da acção.
3. – A autora respondeu pela improcedência “das exceções deduzidas pela ré na sua contestação”.
4. – Foi proferido despacho saneador e fixado o valor da acção em € 41.910,18.
5. - Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, a Mma Juiz proferiu sentença:
julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada, em consequência se condenando a ré a pagar à autora o que se vier a apurar, no respetivo incidente de liquidação, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal desde data ainda não concretamente apurada do ano de 2014 e até 17 de fevereiro de 2018.”.
6. – A autora apresentou recurso de apelação, concluindo:
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7. - A ré contra-alegou, concluindo:
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8. - A ré apresentou recurso subordinado, concluindo:
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9. - A autora contra-alegou ao recurso subordinado, concluindo:
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10. - O M. Público, junto deste Tribunal, não emitiu parecer, por patrocínio processual da autora.
11. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“A – Factos provados
1) Em junho de 1993, a autora passou a prestar a sua atividade de empregada doméstica para a ré.
2) A autora efetuava a limpeza da casa, procedia ao tratamento de roupas e preparava refeições.
3) A autora foi desempenhando essas funções desde junho de 1993 até 17 de fevereiro de 2018.
4) A ré dava ordens à autora quando pretendia determinada refeição, porque apareciam pessoas em casa, porque lhe apetecia determinado prato ou outro motivo.
5) Os produtos e instrumentos de trabalho utilizados pela autora pertenciam à ré.
6) Inicialmente e até data não concretamente apurada, a autora trabalhava duas tardes por semana.
7) A partir de data não concretamente apurada, a autora passou a trabalhar da parte da manhã, de segunda a sexta-feira.
8) A autora recebeu sempre em numerário e sem emissão de recibos.
9) Em 20 de outubro de 2010, a autora reformou-se por velhice.
10) Após tal, a autora manteve-se ao serviço da ré.
11) Em 17 de fevereiro de 2018, os filhos da ré reuniram com a autora e, agindo em representação e no interesse da ré, comunicaram-lhe que a sua mãe prescindia dos seus serviços com efeitos imediatos.
12) A autora nunca recebeu retribuição de férias ou subsídio de férias.
13) E nunca recebeu subsídio de Natal.
14) Por conta de créditos devidos, a ré pagou à autora a quantia de € 900,00.
15) No ano de 1993 o agregado familiar da ré era composto por si, pelo seu falecido marido e filha D….
16) E tinha a seu cargo uma empregada doméstica de nome “E…” que assegurava o serviço doméstico a tempo inteiro.
17) A ré teve conhecimento que a autora prestava serviços domésticos em vários domicílios, onde concretamente, assegurava as limpezas de pavimentos e móveis, o tratamento de roupas e preparação e confecção de refeições, mediante um preço.
18) A ré começou a solicitar à autora serviços, no início, essencialmente para a preparação e confeção de refeições, sobretudo, quando estavam presentes familiares ou amigos em almoços ou jantares.
19) Eram por vezes solicitados ainda, trabalhos de tratamento de roupas (passar a ferro), tendo a autora de assegurar, no caso das roupas, deixar passada e dobrada a roupa lavada, no caso das refeições, adquirir os géneros necessários, proceder à preparação e confeção das mesmas, servir e recolher a louça e arrumar a cozinha, sendo sempre remunerada pelo padrão de hora.
20) O tempo despendido na execução de tais serviços não era semanalmente o mesmo, variando em função da necessidade que a autora tinha de concluir as tarefas referidas em 19).
21) No período de cerca de 2 anos a E… teve de se ausentar e a ré substituiu-a por outra empregada doméstica de nome I1….
22) A partir de 2004, a E… deixou de prestar serviço à ré, sendo que esta e o seu falecido marido passaram a residir grande parte do tempo fora do Porto.
23) A autora e seu falecido marido têm uma casa no concelho de Paredes de Coura, distrito de Viana do Castelo, onde passaram a estar longas temporadas, apenas vindo ao Porto alguns dias da semana, para estar com os filhos e tratar de assuntos do expediente da sua vida pessoal, passando a quase totalidade dos meses do Verão inteiramente na casa de Paredes de Coura, de Junho a Setembro, inclusive.
24) Nesse período, a autora assegurou a limpeza da casa e a confeção e fornecimento de algumas refeições na casa do Porto, quando aí estava a ré e quando recebiam filhos ou amigos.
25) Sendo paga em função das horas que trabalhava.
26) A partir de janeiro de 2014, a autora passou a prestar mais volume de serviço, assegurando a limpeza da casa, o tratamento das roupas e o fornecimento de refeições todas as manhãs dos dias úteis, sendo-lhe exigido que mantivesse a casa limpa, a roupa fosse lavada, ficasse passada e em condições de arrumar e assegurasse a elaboração e fornecimento de refeições quando solicitado.
27) Era a autora quem decidia qual a tarefa que realizava em cada momento, o modo de execução e o tempo que nisso despendia.
28) A partir de novembro de 2017, a ré, necessitando o seu marido de cuidados especiais, contratou os serviços de uma empresa de cuidadores que passou a colocar uma pessoa para auxiliar o marido na sua mobilidade, higiene e bem-estar, a qual assegurava a administração das refeições e medicação, o arrumo da casa e do espaço utilizado pelo marido da ré.
29) Nessa altura, os serviços que a autora prestava, da parte da manhã, consistiam em assegurar que a casa estivesse limpa e assegurar que as roupas da semana ficassem lavadas e passadas, e à confeção de uma ou outra refeição, tarefas que levava a cabo da parte da manhã, em timings de sua conveniência normalmente situados entre a 9 horas da manhã e as 12 horas.
30) A autora trabalhava noutros locais nos mesmos moldes.
31) Antes do dia 17 de fevereiro de 2018, os serviços de assistência à ré no seu domicílio eram assegurados por uma equipe de prestadores de serviço - cuidadores - que levavam a cabo todos as tarefas domésticas, as quais era repartidas com a autora, dado esta se ter afeiçoado à família da ré.
32) Os filhos da ré acreditavam que eram frequentes as divergências e mesmo conflitos entre a autora e os demais cuidadores da ré, acabando por determinar um ambiente de tensão manifestamente prejudicial à saúde e sossego da ré e do seu marido.
33) Mais acreditavam que a autora pretendia impor-se e dar instruções às cuidadoras de como tratar da ré, como organizar a vida doméstica na casa da ré, acabando por tornar absolutamente impensável a manutenção desse clima e estado de coisas.
34) Em 17/2/2018, a aqui ré reuniu com a autora na companhia ainda dos filhos da primeira e, após a troca de pontos de vista sobre as referidas incompatibilidades e conflitos, resolveram colocar termo à relação estabelecida.
35) Propuseram os filhos da ré o pagamento à autora de € 900,00 em duas prestações mensais de € 450,00 cada uma.
36) O valor acordado foi pago e recebido pela autora que, à data, não reclamou qualquer outra quantia ou direito.
37) A autora jamais reclamou da ré quaisquer subsídios ou férias não pagas.
B – Factos não provados
a) Era a ré que determinava o trabalho que a autora deveria realizar, como determinava o procedimento quanto ao tratamento da roupa, os procedimentos a seguir na limpeza da casa e como confecionar as refeições.
b) A ré fiscalizava se o trabalho se encontrava realizado de acordo com a sua vontade, sendo particularmente exigente quanto à forma como a roupa era passada, se alguma peça não estava de acordo com a sua vontade mandava passar novamente.
c) A ré determinava a forma como as refeições deveriam ser confecionadas, bem como quanto aos produtos a utilizar.
d) Quando a ré pretendia usar determinada roupa ou o marido, dava ordens à autora para preparar essa roupa.
e) A ré dava ordens quanto ao modo de proceder na limpeza da casa e verificava se a limpeza era efetuada de acordo com a sua vontade.
f) Aquando do referido em 6), a autora trabalhava um total de seis horas semanais.
g) E auferia a retribuição de € 3,50 por hora.
h) Aquando do referido em 7), a autora trabalhava entre as 08:30 e as 12:30, no total de 20 horas semanais.
i) E auferia a retribuição de € 4,00 por hora.
j) A partir de janeiro de 2001, a ré aumentou o salário da autora para € 5,00, montante que se manteve até à cessação do contrato.
k) A autora nunca gozou qualquer período de férias.
l) A quantia referida em 14) incluía a retribuição de fevereiro (17 dias), no montante de € 245,55.
m) O referido em 19) ocorria quando havia sobrecarga do trabalho da E…, determinando a autora a forma como executava tais tarefas, o tempo e duração das mesmas.
n) Aquando do referido em 23), a ré deixou de ter necessidade de ter uma empregada doméstica no Porto.
o) Foram frequentes as divergências e mesmo conflitos entre a autora e demais cuidadores da ré, acabando por determinar um ambiente de tensão manifestamente prejudicial à saúde e sossego da ré e do seu marido.
p) A autora pretendia impor-se e dar instruções às cuidadoras de como tratar da ré, como organizar a vida doméstica na casa da ré, acabando por tornar absolutamente impensável a manutenção desse clima e estado de coisas.
q) Quando estavam em Paredes de Coura, a autora não prestava qualquer atividade à ré e seu marido.
r) A autora sempre colocou como termos de prestação de serviço os descritos moldes de pagamento em dinheiro em função do tempo de serviço efetivamente prestado, sem quaisquer descontos ou contribuições.

III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões dos recorrentes, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

2.Objecto dos recursos:
2.1. - Da autora:
- Do carácter acidental - n.º 3 do artigo 2.º -, ou do carácter regular da prestação de serviço doméstico, nos termos do n.º 1.º do mesmo artigo, do D.L. n.º 235/92, de 24 de outubro.
- Da caducidade do contrato de serviço doméstico e da compensação por incumprimento de aviso prévio.
2.2.Do recurso subordinado da ré:
- Da modificabilidade da decisão de facto.
- Saber se a prestação dos serviços domésticos, a cargo da autora, se enquadra na relação de trabalho subordinado específica do DL 235/92, de 24.10.

3.Questão prévia: legislação aplicável.
Neste particular, a Mma Juiz consignou na sentença recorrida:
Cumpre desde já referir que uma vez que tal relação se constituiu em 1993, logo, em data anterior ao Código do Trabalho de 2003, tendo subsistido após o início da vigência deste diploma e cessando depois da entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, aplica-se ao caso em apreço o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto- Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT) e, eventualmente, caso se considere que as partes alteraram a partir de 1 de dezembro de 2003 os termos da relação estabelecida, o disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 ou no mesmo preceito do Código do Trabalho de 2009.”.
As partes não questionam este trecho da sentença sobre a legislação aplicável, nem a aplicação do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro, alterado pela Lei n.º 114/99, de 03 de agosto.

4.Do recurso subordinado da ré.
Dado que a ré impugnou a decisão sobre a matéria de facto, apreciaremos, em primeiro, essa impugnação.
4.1. - Da modificabilidade da decisão de facto.
4.1.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
4.1.2. – Em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto, mais concretamente nas conclusões de recurso, a ré/recorrente impugnou os factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 10, 11, 12, 13, 14 dos factos provados e as alíneas n), q) e r) dos factos não provados, apresentando a respectiva proposta de redacção e indicando como prova para tal alteração: os depoimentos das testemunhas F…; G…, H…, I…, J…, K…, L….
Assim, nada obsta ao seu conhecimento.
4.1.3. - Ouvida toda a prova pessoal gravada, mormente, os depoimentos testemunhais indicados pela ré recorrente, nada a objectar quanto ao decidido na 1.ª instância sobre a matéria de facto.
A Mma Juiz, respeitando os princípios da imediação, da oralidade e da apreciação livre da prova - cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC -, formou a sua convicção acerca dos factos ora impugnados, consignando no despacho de Motivação:
Ao pronunciar-se pela forma acaba de enunciar quanto à matéria de facto provada e não provada, o tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez.
Assim, e para além dos factos alegados pela autora e não expressamente impugnados pela ré, que logo se consideraram como assentes, considerou o tribunal os documentos juntos aos autos pela autora, designadamente as comunicações de 27 de agosto de 2018 e de 11 fevereiro de 2018.
Ademais, atendeu o tribunal à conjugação da prova testemunhal produzida.
Assim, do depoimento da testemunha H…, filha da ré, logo resultou que o início da colaboração entre as partes terá surgido pelo ano de 1993, referindo a testemunha que a sua filha mais velha nasceu em 1992 e a autora começou a prestar a sua atividade para a ré pouco tempo depois. Segundo a testemunha, essa colaboração foi variando ao longo dos anos: primeiro, duas tardes por semana, depois mais horas e finalmente todas as manhãs, sendo certo que por vezes a autora era mesmo chamada aos fins-de-semana. A testemunha confirmou que no início já lá trabalhava a E…, que a autora trabalhava para outras pessoas, que a doença de seu pai começou por volta de 2013 e as cuidadoras externas em 2017/2018. Mais confirmou que a partir de certa altura os seus pais passavam temporadas na casa de Paredes de Coura.
Os depoimentos das testemunhas K… e L…, filhos da autora, confirmaram que inicialmente a sua mãe trabalhava duas tardes por semana, duas horas, tendo depois passado para as manhãs, todos os dias da semana. Confirmaram ainda que a sua mãe trabalhava noutros sítios, que recebia à hora e que nem sempre o número de horas era o mesmo.
A testemunha F…, filha da ré, declarou ao tribunal que em 1993 vivia com os pais e tinham uma empregada chamada E…, a qual se manteve até 2004, tendo existido apenas um interregno quando a mesma foi trabalhar para casa do irmão, tendo então sido contratada a M…. Na altura da E…, a autora praticamente que se limitava a fazer alguns jantares de festas e família. Em 2004 os pais passaram a passar temporadas em Paredes de Coura e a autora tratava das roupas quando necessário, mantinha a casa limpa e fazia as refeições quando os mesmos se encontravam no Porto. Em 2014 o pai ficou muito doente e em 2017 entram as cuidadoras. Nessa altura (2014) a autora trabalhava todas as manhãs dos dias úteis e aquando das cuidadoras externas continuou a tratar da casa, como a mãe gostava. Segundo a testemunha a autora ganhava à hora, nunca reclamou qualquer crédito, nem se queixou de qualquer falta de gozo de férias.
A testemunha G…, filho da ré, confirmou que foi em 2003/2004 que os pais passaram a estar mais tempo em Paredes de Coura, o que aconteceu até 2014, altura em que o pai adoeceu gravemente. Nesse período, a autora ia a casa regar as plantas, ou tratar das roupas, se necessário, ou confeccionar alguma refeição.
As testemunhas N… e J… confirmaram apenas que em Paredes de Coura prestavam serviços domésticos para a ré, sempre que necessário.
Os factos não provados ficaram a dever-se à inexistência ou insuficiência da prova produzida, sendo que, com relevância, importa referir que nenhuma testemunha soube dizer ao tribunal os valores que a autora foi auferindo ao longo do tempo, nem concretizar a data em que o marido da ré adoeceu e o casal passou a permanecer a tempo inteiro no Porto. De igual modo, também não souberam as testemunhas concretizar de forma coerente entre si as horas que iam sendo prestadas pela autora. Os demais factos foram considerados como não demonstrados na medida em que foi feita prova do seu contrário.”.
4.1.4. - Ora, se é certo que a súmula pessoal da gravação dos depoimentos, referenciados pela ré recorrente nas suas alegações de recurso, são uma parte da prova testemunhal prestada em audiência de julgamento, não podem, contudo, ser valoradas de per si, sendo necessário formular um juízo global que abarque todos os elementos em presença, isto é, toda a prova documental e testemunhal carreada para os autos.
E esse juízo global, formulado na 1.ª instância, só poderia ser contrariado, em sede de recurso da matéria de facto, por elementos de prova seguros, consistentes e convincentes, que impusessem decisão diversa, como estatui o citado artigo 662.º, n.º 1 do CPC, o que não é o caso dos autos.
4.1.5. - Dos pontos 1, 2 e 3 dos factos dados como provados
A ré pretende que os pontos 1, 2 e 3 dos factos dados como provados passem a ter a redacção que consta na conclusão 1.ª do recurso, indicando como prova excertos dos depoimentos das testemunhas; F… e G…, filhos da ré; e I….
A testemunha F…, perguntada: “Esta senhora E… conviveu com a D. B…?”, respondeu: “Acho que não, porque a B… ia em horários diferentes, a E… ia de manhã. A B… ia à noite fazer jantares de festas, de família e às vezes quando a minha mãe precisava tinha algum excesso de roupa que se juntava para passar”.
A testemunha G…, filho da ré, perguntado: “Recorda-se de lhe ser dito que esta senhora tinha passado a fazer uns serviços em casa dos seus pais, nesse ano de 93?, respondeu: “Não me recordo bem da data, já lá vão muitos anos, mas lembro-me dela assim desde essa altura e ela podia estar lá às vezes num jantar de família, ou fazia ela mesmo a refeição, mas de resto não me lembro de mais.”.
A testemunha I… não situou no tempo – entre 1993 e 2018 - o período em que substituiu a “E…” (cf. ponto 21 dos factos dados como provados).
São depoimentos vagos, genéricos e inconsistentes, se comparados com o depoimento da testemunha H…, filha da ré, mais esclarecedor e consistente, como decorre também do despacho de Motivação, supra transcrito.
Improcede, pois, a impugnação da decisão de facto relativamente aos pontos 1, 2 e 3 dos factos dados como provados.
4.1.6. - Do ponto 10 dos factos provados.
A ré pretende que o ponto 10 dos factos dados como provados passe a ter a redacção que consta na conclusão 6.ª do recurso, “quer porque os termos empregues “manteve-se ao serviço da ré” sugerirem uma relação de trabalho subordinado (o que importaria uma nulidade da decisão por contradição dos fundamentos com a decisão), quer ainda porque incompatível com a prova produzida, no caso, o depoimento das testemunhas J… e G….”
A testemunha J… prestou serviço doméstico à ré em Paredes de Coura, e não no Porto. E perante a pergunta genérica do mandatário “Ela nesses períodos não tinha a empregada lá no Porto?”, respondeu: “Não, era eu que lhe fazia a alimentação para levar”. A que anos correspondiam tais “períodos”? Não se sabe, porque a testemunha não esclareceu.
Por sua vez, a testemunha G…, filho da autora, perguntada: “Durante este período, entre 2003, 2004 e 2014, não estando cá os seus pais, sabe se esta D. B… ia fazer algum serviço?”, respondeu: “Olhe eu nunca a vi lá, também não estava lá a viver, não é? Mas o que ela me disse a mim era que de vez em quando ia lá regar as plantas, porque a minha mãe tinha gosto lá numas plantas, e ela tinha-se oferecido para ir lá, e até dizia que a minha mãe lhe pagava qualquer coisa mas que não havia necessidade nenhuma de pagar, que ia lá com todo o gosto. Aliás também não estava lá ninguém em casa, não havia nada para fazer, não é?”.
A testemunha G… não vivia na casa dos pais, no Porto, para poder afirmar que a autora não ia a essa residência. Se não ia, como “regava as plantas” e assegurava a limpeza da casa? A testemunha não esclareceu e o ponto 24 não foi impugnado.
Aliás, faz todo o sentido que a casa estivesse sempre limpa e as plantas regadas, face ao teor do ponto 23 não impugnado: “apenas vindo ao Porto alguns dias da semana, para estar com os filhos e tratar de assuntos do expediente da sua vida pessoal”.
Improcede também, nesta parte, a impugnação da decisão de facto.
4.1.7. – Do ponto 11 dos factos dados como provados.
A ré pretende que o ponto 11 dos factos dados como provados passe a ter a redacção que consta na conclusão 8.ª do recurso, alegando:
Ora, é verdade que teve lugar uma reunião na data indicada e, bem assim, o que consta dos factos provados sob os números 34) a 36) dos factos provados.
Não obstante, ao invés do que aí se sugere, a R. estava presente e tomou parte nessa reunião, como resulta do ponto 34 dos factos provados, já não resultando adquirido que os filhos efectuassem uma comunicação “agindo em representação e no interesse da ré”.
Ao invés, o que se passou nessa reunião entre a A. a R. e os filhos desta foi acordar na desnecessidade futura de prestação de serviços pela A. com o estabelecimento de uma compensação de € 900,00 a pagar em duas prestações como veio a acontecer.”.
A testemunha G…, filho da autora e presente na reunião com a autora, declarou: “ela na altura não reclamou nada. Eu disse-lhe que lhe daríamos essa quantia para ela não ficar ali zanza daquele tempo de trabalho, mas foi uma coisa que até foi da minha iniciativa”.
A ré esteve presente na reunião, mas foram os filhos que “tomaram a iniciativa” de terminar com a actividade da autora na casa da mãe – cf. pontos 32 a 35 dos factos dados como provados e não impugnados.
Improcede também, nesta parte, a impugnação da decisão de facto.
4.1.8. - Dos pontos 12 e 13 dos factos dados como provados.
A ré pretende que os pontos 12 e 13 dos factos dados como provados sejam eliminados, “por serem sugestivos da existência do crédito e afirmativos do seu não pagamento”.
O não pagamento de férias e dos subsídios de férias e de natal é um facto concreto e real, dado como provado, porque a ré não fez a prova do contrário, do seu pagamento, como era seu ónus.
Diferente é saber se a autora tem ou não direito à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de natal, peticionados.
Tal questão, no entanto, é para apreciar na fundamentação de direito e não em sede de impugnação da decisão de facto.
Improcede, pois, a impugnação relativamente aos pontos 12 e 13 dos factos dados como provados.
4.1.9. - Do ponto 14 dos factos dados como provados.
A ré pretende que o ponto 14 dos factos dados como provados seja eliminado, por estar “em absoluta contradição com o que resultou provado em 34), 35) e 36) dos factos provados”.
A ré ao admitir que pagou à autora a quantia de € 900,00 - não impugnou os pontos 34, 35 e 36 dos factos provados – afasta qualquer contradição com o ponto 14, razão pela qual também improcede, nesta parte, a pretensão da ré.
4.1.10. - Das alíneas n), q) e r) dos factos não provados.
A ré pretende que “Devem ser acrescentados aos factos dados como provados os constantes das alíneas n) e q) dos factos dados como não provados, por resultarem dos seguintes meios de prova: depoimento de J… e de G….”.
Considerando o já referido em 4.1.6. – ponto 10 dos factos provados - sobre o teor dos depoimentos das testemunhas J… e G…, os mesmos não são consistentes e esclarecedores para justificarem que a matéria contida nas alíneas n) e q) passe para os factos provados.
A ré pretende ainda que “deve ser acrescentada aos factos dados como provados o constante da alínea r) dos factos dados como não provados, desde logo por estar em consonância com a factualidade 16) a 18), 20), 22) a 25), 27) e 30) que deixam bem claro que a autora prestava serviços domésticos por conta própria à R. como o prestava a outras pessoas e entidades em simultâneo;”.
A qualificação da natureza contratual é uma questão de direito e não de facto.
Assim, improcede também, nesta parte, a impugnação da decisão de facto.
4.1.11. – A ré pretende também que “Deve ser ainda aditado aos factos provados que “era a A. quem determinava mensalmente o valor que a R. lhe deveria pagar pelos serviços prestados para o que lhe apresentava um papel com os valores que no seu entender eram devidos em cada mês e que a R. sempre assim pagou”, facto alegado em 55º da contestação e na formulação resultante da instrução, considerando ainda o previsto no art.º 5.º n.º 2 alinea a) do CPCiv. Tal facto resulta incontornavelmente do depoimento das testemunhas K… e de G…”.
Tal factualidade, tendo sido alegada na contestação, não se insere na previsão do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, mas sim no seu n.º 1: “Às partes cabe alegar os factos …”. E tendo sido alegada na contestação, deve considerar-se incluída nos factos não provados, como decorre, aliás, do despacho de Motivação, supra transcrito.
Dos depoimentos das testemunhas K…, filho da autora, e de G…, filho da ré, apenas é possível concluir que a ré pagava à autora, o número de horas trabalhadas mensalmente: “Depois quando começou a crescer o número de horas é que já tinha uma questão mais irregular, não é?”; “a minha mãe ia-lhe sempre pagando. As tarefas que ela lá ia fazer a minha mãe pagava-as”.
No entanto, nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência especificou os valores que a autora foi auferindo ao longo do tempo, nem concretizou as horas que foram sendo prestadas pela autora, desde 1993 até 2018.
Assim, improcede também, nesta parte, a impugnação da decisão de facto.
Em conclusão: improcede, na totalidade, a impugnação da decisão de facto deduzida pela ré.

5. - Da relação de trabalho subordinado específica do DL 235/92 e do carácter acidental ou regular do serviço doméstico prestado.
5.1. - Dado que as questões de direito do recurso subordinado - natureza da relação contratual - e do recuso principal - carácter acidental ou regular do serviço doméstico - se complementam, serão apreciadas em simultâneo.
5.2. - Sobre tais questões, a sentença recorrida consignou:
“Assim, no caso vertente, tal como se extrai da matéria de facto provada, a autora foi contratada em 1993 pela ré para prestar a sua atividade de empregada doméstica. No que se refere ao local de trabalho, ficou provado, como não poderia deixar de ser, que a autora o fazia na residência do agregado familiar da ré, utilizando os produtos e instrumentos de trabalho que por esta lhe eram fornecidos. Igualmente ficou demonstrado que efetuava a limpeza da casa, procedia ao tratamento de roupas e preparava refeições.
Quanto ao modo como era exercida a atividade da autora, ficou demonstrado que era a autora que definia qual a tarefa que executava em cada momento, o modo de execução e o tempo que nisso despendia.
Contudo, no caso de que nos ocupamos, e tendo a relação estabelecida entre as partes perdurado de 1993 a 2018, importa notar que a mesma não se manteve sempre estanque, antes pelo contrário, foi variando.
(…).
(O) diploma que estabelece o regime jurídico das relações de trabalho emergentes de serviço doméstico coloca o assento tónico na regularidade com que são prestadas as atividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar. Aliás, o n.º 3 do artigo 2.º é perentório em determinar que não se considera serviço doméstico a prestação de trabalhos com caráter acidental ou a execução de uma tarefa concreta de frequência intermitente.
Ora, no caso em apreço nos autos é manifesto que desde 1993 a autora foi prestando à ré serviços que se enquadram nas alíneas do n.º 1 do artigo 2.º.
Contudo, se a partir de 2014 é possível surpreender na prestação dessa atividade a exigida regularidade, pensámos, sempre com o devido respeito por diferente opinião, que em momento anterior tal já não é possível.
E assim é porque inicialmente a ré tinha outra empregada que assegurava esse mesmo serviço, tendo a autora sido contratada inicialmente para confeccionar refeições e sendo-lhe pedido, quando necessário, outros serviços, designadamente o tratamento de roupas. Em 2004 a mencionada outra empregada vai-se embora, mas a ré e seu marido passam a estar longas temporadas fora do Porto, competindo à autora apenas manter a casa limpa e a confecionar refeições quando o casal regressava a esta cidade. Ou seja, desconhece o tribunal, até 2014, a regularidade com que a atividade era prestada, se estávamos ou não perante tarefas concretas de frequência intermitente.
Tudo, pois, para significar que nos parece que autora apenas conseguiu provar, como lhe competia, a existência de um contrato de serviço doméstico com a ré a partir de data não concretamente apurada do ano de 2014.”.
5.3. – A autora defende que a regularidade do serviço doméstico prestado à ré, remonta ao mês de junho de 1993, e a ré entende que a relação contratual que manteve com a autora, desde junho de 1993 até 17 de fevereiro de 2018, foi de contrato de prestação de serviços.
5.4. – À data do início da relação contratual entre as partes – junho de 1993 -, o artigo 1.º da LCT, reproduzindo o artigo 1152.º do Código Civil (CC), definia o contrato de trabalho como sendo “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador.
A subordinação jurídica traduz-se no poder do empregador conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou ou, como refere Monteiro Fernandes, numa «relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem» (cf. Direito do Trabalho, 11.ª edição, pp. 131), que se manifesta através da alienabilidade (o trabalhador aliena a sua força de trabalho); do dever de obediência e da sujeição ao poder disciplinar do empregador.
Nos casos de dúvida, era comum “o recurso jurisprudencial ao chamado «método indiciário», de controlo múltiplo, em ordem a formular um juízo global sobre a qualificação contratual” – cf. João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 74 -, nomeadamente, de indícios internos, como sejam a vinculação a horário de trabalho; a prestação da actividade em local definido pelo empregador; a retribuição em função do tempo; a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo empregador; o reconhecimento do direito a férias, subsídios de férias, e de Natal, e a inserção na estrutura produtiva; e de indícios externos ou de carácter formal, como o sejam a exclusividade do empregador; a inscrição na repartição de finanças como trabalhador dependente e o registo na Segurança Social, com os respectivos descontos (cf. Pedro Soares Martinez, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, 2006, págs. 308 a 310, e Monteiro Fernandes, ob. citada, págs. 141 a 144).
A jurisprudência e a doutrina, avalizada pelos nossos Tribunais superiores, entendem, que “cada um destes indícios tem um valor relativo e que o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade em relação à situação concreta apurada”- cf. acórdão STJ de 13.09.2006, Cons. Maria Laura Leonardo, www.dgsi.pt.
Deles – ou melhor da sua verificação - decorre a sua destrinça entre contrato de trabalho e os demais contratos, designadamente, e no que ora nos importa, o contrato de prestação de serviço (contrato de prestação de serviço é aquele “em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” – artigo 1154.º do CC.): quer quanto ao objecto (prestação de uma actividade ou obtenção de um resultado), quer quanto ao relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
De acordo com o regime geral da repartição do ónus da prova, incumbia ao trabalhador demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário - cf. artigo 342.º, n.º 1, do CC.
Com a entrada em vigor, a 17.02.2009, do CT/2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, o contrato de trabalho passou a ser definido como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade desta” – cf. artigo 11.º.
Dando integral cumprimento ao escopo [ponto 11., b)] da Recomendação n.º 198 da Organização Internacional do Trabalho, adoptada em 15.06.2006, o artigo 12.º veio criar uma verdadeira presunção, exigindo apenas a verificação de dois ou mais factos-base, designadamente, que:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”.
Assim, ao trabalhador bastaria provar a existência de dois factos base da presunção (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC) e ao empregador, provar factos tendentes a ilidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
5.5. - É consabido que o contrato de serviço doméstico está sujeito a um regime especial - regulado pelo DL n.º 235/92, de 24 de outubro, alterado pela Lei n.º 114/99, de 03 de agosto -, cuja especificidade reside na forma particular como a actividade é prestada, que assenta numa relação de proximidade e de confiança de tipo quase familiar.
O seu artigo 2.º dispõe:
1 - Contrato de serviço doméstico é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros, nomeadamente:
a) Confecção de refeições;
b) Lavagem e tratamento de roupas;
c) Limpeza e arrumo de casa;
d) Vigilância e assistência a crianças, pessoas idosas e doentes;
e) Tratamento de animais domésticos;
f) Execução de serviços de jardinagem;
g) Execução de serviços de costura;
h) Outras actividades consagradas pelos usos e costumes;
i) Coordenação e supervisão de tarefas do tipo das mencionadas neste número;
j) Execução de tarefas externas relacionadas com as anteriores.
2 - O regime previsto no presente diploma aplica-se, com as necessárias adaptações, à prestação das actividades referidas no número anterior a pessoas colectivas de fins não lucrativos, ou a agregados familiares, por conta daquelas, desde que não abrangidas por regime legal ou convencional.
3 - Não se considera serviço doméstico a prestação de trabalhos com carácter acidental, a execução de uma tarefa concreta de frequência intermitente ou o desempenho de trabalhos domésticos em regime au pair, de autonomia ou de voluntariado social.”.
Nos termos do citado diploma, o contrato de serviço doméstico é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua direção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros, nomeadamente limpeza e arrumação da casa, lavagem e tratamento de roupas, confecção de refeições, limpeza e arrumação da casa, serviços de jardinagem, vigilância e assistência a crianças, pessoas idosas e doentes.
No entanto, não define o “carácter regular” em contraposição ao “carácter acidental” da prestação de serviço doméstico.
O “carácter acidental”, do latim accidentāle: o que é acessório, eventual, ocasional, contingente.
O “carácter regular” da prestação da actividade da autora está directamente associado aos créditos salariais por ela peticionados: retribuição de férias e subsídios de férias e de natal, por todo o período do contrato;
No que reporta ao critério relativo à regularidade e periodicidade de créditos laborais, o STJ tem, de forma unânime e reiterada, após o acórdão uniformizador de jurisprudência de 01.10.2015, proferido no proc. n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1 (in www.dgsi.pt.), publicado no DR 1ª série, de 29.10.2015, entendido que tal apenas ocorrerá quando o recebimento da prestação ocorra em 11 dos 12 meses do ano.
A esse entendimento, aderiu esta Relação em diversos arestos (designadamente, nos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 151/2016.0T8AVR.P1 e 876/2013.1TTPRT.P1, relatados pelo ora relator) e que não vemos razão relevante para alterar no caso sub judice.
5.5. – Está dado como provado:
Em junho de 1993, a autora passou a prestar a sua actividade de empregada doméstica para a ré - ponto 1) dos factos provados.
A autora efectuava a limpeza da casa da ré; procedia ao tratamento de roupas, passando e dobrando a roupa lavada; preparava - adquirindo os géneros necessários - e confeccionava as refeições, sobretudo, quando estavam presentes familiares ou amigos em almoços ou jantares, servindo e recolhendo a louça e arrumando a cozinha – pontos 2), 18, 19), 24)
A autora foi desempenhando essas funções desde junho de 1993 até 17 de fevereiro de 2018 – ponto 3)
A ré dava ordens à autora quando pretendia determinada refeição, porque apareciam pessoas em casa, porque lhe apetecia determinado prato ou outro motivo - ponto 4)
Os produtos e instrumentos de trabalho utilizados pela autora pertenciam à ré - ponto 5)
Inicialmente e até data não concretamente apurada, a autora trabalhava duas tardes por semana. – ponto 6)
A partir de data não concretamente apurada, a autora passou a trabalhar da parte da manhã, de segunda a sexta-feira. – ponto 7)
A autora recebeu sempre em numerário, pelo padrão de hora, e sem emissão de recibos. – pontos 8), 19), 25)
Em 20 de outubro de 2010, a autora reformou-se por velhice. – ponto 9)
Após tal, a autora manteve-se ao serviço da ré, até 17 de fevereiro de 2018 - pontos 10) 34).
Estão, pois, provados como indícios internos da subordinação jurídica: (i) a prestação de serviço doméstico em local definido pela ré, a sua casa no Porto; (ii) a retribuição em função do tempo de trabalho, à hora; (iii) a utilização dos bens – alimentares e outros - e dos utensílios domésticos fornecidos pela ré; (iv) a inserção da autora no funcionamento familiar da ré, incluindo quando esta se deslocava com o marido para Paredes de Coura - cf. ponto 24) dos factos provados -; (v) e a prestação do serviço doméstico em tempo determinado pela ré: “duas tardes por semana”, inicialmente, e, depois, “da parte da manhã, de segunda a sexta-feira”.
E não eram o modo de execução das tarefas, o tempo despendido ou o momento da sua realização que afastavam essa subordinação jurídica. O modo de execução é pessoal e técnico e o momento da realização cabe na gestão do tempo disponível para a execução das tarefas que lhe cabia realizar.
Resulta, pois, da factualidade provada que a autora prestou serviço doméstico em casa da ré, no Porto, sob a sua direcção e autoridade, desde junho de 1993 até 17 de fevereiro de 2018, inicialmente, “duas tardes por semana” – equivalente a 4 dias/mês – e, posteriormente, “da parte da manhã, de segunda a sexta-feira” – equivalente a 10 dias/mês -, incluindo nas ausências temporárias da ré e do seu marido, em Paredes de Coura – cf. pontos 23 e 24 dos factos provados.
O contrato de serviço doméstico, a tempo parcial, sem limite mínimo, está, expressamente, previsto no n.º 3 do artigo 7.º, do DL n.º 235/92.
Assim, estando provado que a autora trabalhava todos os meses do ano, primeiro “duas tardes por semana” e depois “da parte da manhã, de segunda a sexta-feira”, temos de concluir pelo “carácter regular” da prestação de serviço doméstico, nos termos e para efeitos do citado n.º 1 do artigo 2.º do DL n.º 235/92.
Assim, o direito reconhecido à autora, na sentença recorrida – o direito à retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal – deve reportar a todo o tempo da duração do contrato, isto é, do ano de 1993 até 17 de fevereiro de 2018, e não apenas do ano de 2014 e até 17 de fevereiro de 2018, como foi decidido na sentença recorrida, tanto mais que a partir de 20 de outubro de 2010, o contrato de serviço doméstico passou de tempo indeterminado a contrato a termo certo, renovável, como consignado infra, no ponto 6.
Assim, nesta parte, procede o recurso principal da autora e improcede o recurso subordinado da ré.

6.Do recurso da autora.
- Da caducidade do contrato e da compensação por incumprimento de aviso prévio.
6.1. – O artigo 28.º - Cessação do contrato por caducidade – dispõe:
1 - O contrato de serviço doméstico caduca nos casos previstos neste diploma e nos termos gerais de direito, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Verificando-se manifesta insuficiência económica do empregador, superveniente à celebração do contrato;
d) Ocorrendo alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
e) Com a reforma do trabalhador por velhice ou invalidez.
2 - Para efeitos da alínea b) do número anterior, considera-se definitivo o impedimento cuja duração seja superior a seis meses ou, antes de expirado este prazo, quando haja a certeza ou se preveja com segurança que o impedimento terá duração superior.
3 - No caso previsto na alínea d) do n.º 1, o trabalhador terá direito a uma compensação de valor correspondente à retribuição de um mês por cada três anos de serviço, até ao limite de cinco, independentemente da retribuição por inteiro do mês em que se verificar a caducidade do contrato.
4 - Quando se dê a caducidade do contrato a termo celebrado com trabalhador alojado, a este será concedido um prazo de três dias para abandono do alojamento.”.
Estando provado que a autora se reformou, por velhice, em 20 de outubro de 2010, a sua continuação ao serviço da ré, até 17 de fevereiro de 2018, passou a ser ao abrigo de contrato de serviço doméstico a termo – “pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos” -, nos termos do artigo 348.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), c) e d) do CT/2009, aplicável por força do seu artigo 9.º: “Ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade.”.
Nos termos da alínea d), “A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.”, sem prejuízo de ficar “sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador”, conforme o teor da alínea c).
No entanto, o artigo 348.º não estabelece qualquer sanção específica para o incumprimento desse aviso prévio, como acontece, por exemplo, nos artigos 345.º, n.º 3; 363.º, n.º 4; e 401.º, 1.ª parte, todos do CT/2009.
Tal significa que, afastado o pagamento de “qualquer compensação ao trabalhador” - foi “compensação” que a autora pediu - pela caducidade do contrato de trabalho a termo – alínea d), n.º 2, artigo 348.º -, ao incumprimento do aviso prévio, previsto na alínea c), apenas poderá, eventualmente, caber uma indemnização pelos danos causados, nos termos gerais da lei civil, por analogia com o disposto no artigo 401.º, último segmento, do CT/2009.
Ora, a autora não alegou, nem muito menos provou, qualquer dano – patrimonial ou não patrimonial - que tenha sofrido pela inobservância do prazo de 60 dias de aviso prévio, por parte da ré.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso da autora.

IV.A decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
1. - Julgar a apelação da autora parcialmente procedente, e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que limitou o direito da autora à retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal ao período do ano de 2014 e até 17 de fevereiro de 2018, a qual é substituída pelo presente acórdão que:
- Condena a ré a pagar à autora o que se vier a apurar, no respectivo incidente de liquidação, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal desde junho de 1993 até 17 de fevereiro de 2018.
2. – Julgar improcedente, de facto e de direito, o recurso subordinado da ré.
3. – No mais, manter a sentença recorrida.
As custas dos recursos de apelação são a cargo da autora e da ré, na proporção de 15% e 85%, respectivamente, sem prejuízo da isenção de que a autora beneficia.

Porto, 2021.05.17
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha