PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
CONTRATO DE EMPREITADA
COMPLEXIDADE DA CAUSA
USO DE FORMA INDEVIDA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Sumário

I.– A determinação do âmbito de aplicação do procedimento de injunção e da conexa ação declarativa previstos e regulados no regime aprovado pelo DL nº 269/98 e na Lei nº 62/2013 faz-se em função da aferição de pressupostos objetivos e subjetivos definidos nos mencionados diplomas.

II.– A maior ou menor complexidade das questões controvertidas não configura um pressuposto autónomo da aplicabilidade das referidas formas processuais, nem a complexidade do litígio configura qualquer exceção dilatória inominada.

III.– Uma sociedade comercial que pretende demandar outra sociedade comercial, pedindo uma quantia em dinheiro que segundo alega corresponde a parte do preço ajustado pela execução de um contrato de empreitada que ambas outorgaram pode lançar mão do procedimento de injunção.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1. Relatório


A, pessoa coletiva nº 5.......6 intentou procedimento de injunção contra B, pessoa coletiva nº 5.......3, solicitando a atribuição de força executiva ao requerimento de injunção, no qual peticionou a quantia global de € 17.930,73, sendo € 16.817,88 a título de “capital”, € 959,85 a título de “juros de mora” vencidos, e € 153,00 a título de “taxa de justiça paga”, bem como os juros de mora vincendos[1].

No mesmo requerimento no campo intitulado “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, a requerente expôs o que segue:
1.A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica ao exercício da indústria captações de agua (furos artesianos) e das sondagens e captações de água.
2. No âmbito da sua atividade comercial, a Requerente celebrou, com a sociedade comercial B, um contrato de prestação de serviços para a realização de um furo de pesquisa com transformação em captação de águas subterrâneas, a efectuar na Rua ... ..., n.º ..., sito no B..., em S....
3.Quando contactada, a 30 de Novembro de 2017 a aqui requerente enviou um orçamento (ref. P.O./A.V.329/17) com o valor do material de perta utilizar e instalar, valor por metro de perfuração onde, na comunicação enviada, explicou o procedimento: material necessário para o furo, e que o valor apresentado era estimado e comunicações obrigatórias, e licenças a expensas do cliente.
4.Depois de adjudicado nos termos e condições apresentados, 29 de Setembro de 2018 a Requerente deu entrada do pedido de licenciamento junto da APA.
5.A 30 de Novembro de 2018 esta deu entrada do pedido de parecer junto do ICNF e
6.A 09 de Maio de 2019, dá entrada do parecer positivo do ICNF na plataforma da APA.
7.Não obstante a adjudicação, a 13 de Janeiro de 2019 a Requerida solicitou novamente novo orçamento, e tendo entretanto a Requerente efectuado uma visita anterior, pelo que esta remeteu a estimativa de custos, uma vez que só é possível determinar custo efectivo aquando da perfuração, tendo a Requerente reiteradamente explicado ao Cliente estes termos e condições, o qual aceitou.
8.A 13 de Maio de 2019, a Requerida informou a Requerente que recebeu a licença APA n.º A0062202019.RH5A.
9.No mesmo dia a Requerente inicia os trabalhos tal como orçamento e adjudicado pela Requerida.
10.A 15 de Maio de 2019 a Requerente deu os trabalhos de perfuração como concluídos nos metros adjudicados inicialmente, tendo o furo sido entubado com um caudal que se verificou não ser de aproveitamento após a Requerente ter uma bomba provisória para testar o mesmo.
11.De imediato o gerente da Requerida, na presença dos trabalhadores que realizaram o furo, deu instruções à Requerente para que esta retirasse todo o material de trabalho e de perfuração, o que foi feito.
12.Depois de avaliar o furo e verificar o trabalho realizado até então e verificando a necessidade de mais profundidade, a Requerida, a pessoa do seu gerente, "Sr. Gonçalo .....", e depois de devidamente informado dos custos associados, adjudicou a perfuração de mais metros de perfuração, tendo dado instruções directas para que os trabalhadores da Requerente continuassem os trabalhos de perfuração até encontrar água susceptível de aproveitamento.
13.Por instruções da sócia da Requerida e mulher do gerente justificando motivos pessoais, os trabalhos foram interrompidos.
14.A 06 de Janeiro último, por solicitação da Requerida os trabalhos foram retomados, tendo estes sido dado como concluídos a 9 de janeiro de 2020: a Requerente: a encontrou água suficiente para aproveitamento e entubou. A água apareceu aos 280 metros, um caudal +- 2.8m³/h, tendo tal facto agradado ao gerente da Requerida.
15.Para salvaguardar a existência de água no furo, e tal como informado à Requerida, o furo de captação ficou entubado e concluído com uma profundidade de 305 metros, justificando-se esta profundidade e este caudal para a criação de um armazenamento da água a partir de um depósito para fazer a rega, dando assim resposta ao solicitado pelo gerente da sociedade.
16.No momento a Requerente explicou à Requerida que esta não tem o conhecimento técnico para efectuar a montagem de grupo electrobomba submersível e reservatórios, facultando o contacto de uma empresa especialista em reservatórios e montagens.
17.A 13 de janeiro último, por solicitação da requerida, a requerente envia para adjudicação orçamento para o fornecimento e montagem de grupo eletrobomba submersível + reservatório de 5 000 Lts e bomba de pressão para ligação à rega, tendo esta explicado à Requerida que por falta de conhecimento técnico para efectuar a montagem do grupo electrobomba submersível reservatório, pelo que esse trabalho teria que ser realizado por outra empresa.
18.No mesmo dia é enviado à Requerida o Auto de medição de furo de captação de água, tendo esta medição sido realizada na presença do gerente da Requerida, que acompanhou o levantamento.
19.Acordaram as partes que o pagamento seria efectuado depois de realizados os trabalhos e aquando a entrega da factura.
20.Na sequência do contratado e dos trabalhos realizados e por medição dos trabalhos realizados, a Requerente emitiu e entregou à requerida a fatura CFA A/512, de 06/04/2020, no valor de €11.918,70, já vencido e não liquidado.
21.Até à presente data, a Requerida não pagou à Requerente o referido valor, nem mesmo depois de interpelada para tal.
22.Assim, ao valor em dívida acrescem juros moratórios comerciais de 7%, vencidos da factura CFA A/512, emitida e com data de vencimento a 06/04/2040, no valor de 11 918,70 € + juros entre 07/04/2020 e 25/05/2020 (112,00 € (49 dias a 7,00%)), o que totaliza €12.030,70 (doze mil e trinta euros e setenta cêntimos).
23.Ao capital Inicial de €11.918,70 acrescem juros vincendos, desde a presente data até integral pagamento do valor da dívida, bem como todas as despesas judiciais com o processo, incluindo taxas de justiça, honorários e despesas de advogados, que à data ascendem a €300,00 suportados até à data pela Requerente com diversos actos de cobrança dos referidos créditos, nomeadamente serviços de advocacia praticados, incluindo, análise do contencioso, elaboração de carta de interpelação, contatos e preparação do procedimento de injunção e ainda os contabilizado a final; bem como custas e procuradoria condigna, o que desde já se requer. Os juros comerciais serão calculados à taxa comercial em vigor,
24.A Requerida deve assim à ora Requerente a quantia global de € 12.330,70 (doze mil, trezentos e trinta euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos e de custas de parte, até efetivo e integral pagamento.
25. A dívida é certa, líquida e exequível.”

Notificada a requerida, esta apresentou requerimento de oposição alegando o que segue: [2]


Contrariamente ao vertido no formulário de injunção a que se responde a alegada dívida peticionada não é certa, não é líquida e não é exigível.

Senão vejamos,

II–DA ILEGITIMIDADE:

A fatura mencionada no formulário de injunção a que se responde – i.e. fatura CFA A/512, datada de 06.04.2020, no valor de € 11.918,70 não está em nome da sociedade aqui Requerida, cfr. Doc. 1 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Atento todo o exposto, verifica-se in casu uma situação ilegitimidade, devendo por esse facto não se conhecer do mérito da presente causa e, consequentemente, absolver o Requerido da instância, ao abrigo das disposições conjugadas nos arts. 576º, 577º, alíneas e) e 578º, todos do CPC, com custas a cargo da Requerente.

III–DOS FACTOS:

Caso a exceção dilatória supra não seja procedente, o que apenas se concebe por mera hipótese académica e cautela de raciocínio, a Requerida entende que, por carecer de fundamento jurídico, deverá a injunção a se responde improceder in totum.

Pelo que se impugna expressamente a matéria vertida nos artigos 1º a 25º do requerimento de injunção a que se responde, não só porque o aí alegado não corresponde à realidade, mas também porque são invocados factos pelo Requerente que destorcem a verdade dos factos ou ainda que o Requerido desconhece nem tem a obrigação de conhecer. (art. 574º do CPC).

Com efeito a Requerente, em 30.11.2017, a pedido da Requerida, remeteu a esta última sociedade, na pessoa do seu legal representante, uma proposta de orçamento para execução de um furo de pesquisa e sua transformação em captação de água subterrânea a efetuar no imóvel sito na Rua ... ..., n.º ..., B..., S..., propriedade da Requerida, cfr. Doc. 2 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Em relação aos valores vertidos em tal orçamento ficou definido que:
Furo, com garantia de água encontrada.................30.00€/mt
Na eventualidade de não se encontrar água ………………………...10.00€/mt

Pela Requerida foi dito à Requerente que no imóvel referido no artigo anterior (doravante designado de local da obra) existia seguramente água em quantidade suficiente e que a profundidade a que a mesma se encontrava seria no máximo até 100/150 metros e que o valor do furo completo e a funcionar para a captação de água nunca ultrapassaria no máximo € 4.500,00 a € 5.000,00.

Para iniciar a realização de tal trabalho foi necessário que a Requerente efetuasse, em nome da Requerida, um pedido de licenciamento junto da APA – Agência Portuguesa para o Ambiente, IP.
10º
A APA – Agência Portuguesa para o Ambiente, IP autorizou a realização de tais trabalhos de Pesquisa e Captação de Água Subterrânea, através do Processo450.10.02.02.017007.2018.RH5A, Utilização n.º: A006220.2019.RH5A, com inicio em 12.04.2019 d validade até 11.04.2020, cfr. Doc. 3 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11º
Note-se que na aludida autorização, que foi preenchida e solicitada pela sociedade aqui Requerente, consta expressamente que é uma Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos para pesquisa e Captação de Água Subterrânea, sendo que o tipo de equipamento utilizado para a extração da água subterrânea seria uma bomba elétrica submersível, cfr. Doc. 2 supra.
12º
No dia 13.05.2019 iniciam-se os trabalhos para pesquisa e Captação de Água Subterrânea no local da obra.
13º
No dia 15.05.2019 os referidos trabalhos foram alegadamente concluídos, com a perfuração do solo até 100/150 metros e instalação de uma bomba elétrica submersível para a extração da água subterrânea até à referida profundidade.
14º
Todavia, após o furo efetuado ter sido entubado, através da utilização da aludida bomba elétrica submersível para a extração da água, verificou-se que o caudal da água era fraco e, consequentemente, não tinha qualquer aproveitamento, ou seja não era possível proceder à extração da água até aquela profundidade.
15º
Pelo que era necessário, para conseguir extrair água subterrânea, alcançar uma profundidade maior, tendo o aqui Requerido anuído na continuação dos referidos trabalhos, acreditando, até por solicitou tais esclarecimentos, que o valor final iria apenas ter reflexos no maior número de metros que era necessário perfurar, correspondendo à seguinte equação = x metros x 30 € = valor final da obra no caso de ser encontrada água e x metros x 10 € = valor final da obra no caso de não ser encontrada água.
16º
A 6 de janeiro de 2020 foram retomados os mencionados trabalhos de captação para a extração da água subterrânea.
17º
No dia 9 de janeiro de 2020, segundo o alegado pela Requerente mas que a Requerida desconhece, através de perfuração e utilização da aludida bomba elétrica submersível para a extração da água, verificou-se que o caudal da água era suficiente para aproveitamento. 
18º
Também segundo o alegado pela Requerente mas que a Requerida desconhece, a água apareceu aos 280 metros de profundidade, com um caudal de +- 2,8m3/h.
19º
Também segundo o alegado pela Requerente mas que a Requerida desconhece, o furo de captação ficou entubado e concluído a uma profundidade de 305 metros, justificando-se esta profundidade e este caudal para a criação de um armazém da água a partir de um depósito para fazer a rega.
20º
Após alegadamente ter sido encontrado um caudal da água suficiente para aproveitamento, a Requerente, para grande espanto e admiração do Requerido, comunica a esta última que não tinha conhecimento técnico para efetuar a montagem de grupo electrobomba submersível + reservatório de 5.000 litros + bomba de pressão para ligação à rega e, portanto, teria que ser outra empresa a realizar tal instalação e montagem.
21º
E ainda que a bomba elétrica submersível para a extração da água subterrânea inicialmente utilizada nos trabalhos até 100/150 metros não era possível utilizar para uma profundidade maior.
22º
No entanto, não obstante não ter conhecimento técnico para a realização dos aludidos trabalhos, a Requerente alega, mas que a Requerida desconhece, que lhe remeteu, no dia 13.01.2020, um novo orçamento contendo a descrição das tarefas e materiais melhor identificados nos arts. 19º e 20º supra.
23º
Quanto a este conspecto não deixa de ser no mínimo estranho a Requerente alegar que não tinham capacidade técnica para instalar a referida bomba e simultaneamente garantir a viabilidade do furo durante um determinado prazo de garantia.
24º
É verdade que no dia 13.01.2020, a Requerente remeteu à Requerida um documento a que Requerente denomina de auto de medição, cfr. Doc. 4 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
25º
Contudo, tal documento não é nada mais que um papel emitido pela Requerida, que não constitui suporte de nada, nem é alicerçado em quaisquer elementos, de cariz técnico cientifico, demonstrativo que a perfuração foi realizada e até que profundidade.
26º
Da mesma maneira a Requerente em momento algum provou que no local da obra é possível Captação e extração de Água Subterrânea com caudal suficiente para aproveitamento.
27º
Sendo que, como referido no art. 7º do presente articulado, no caso de não ser encontrada água o valor a receber seria apenas 10€ por metro linear, ou seja se a Requerente não demonstrar e provar no local da obra é possível Captação e extração de Água Subterrânea com caudal suficiente para aproveitamento, o valor que poderá apenas ter a receber será de aproximadamente 3000€ e apenas no caso de terem chegado aos 300m de profundidade como alegam mas que não provam e que naturalmente a Requerida desconhece se corresponde à realidade porque, repete-se, o alegado pela Requerente não é alicerçado em quaisquer elementos, de cariz técnico cientifico, demonstrativo que a perfuração foi realizada e até que profundidade.
28º
Até porque para a profundidade alegadamente alcançada, cerca de 305metros, a extração da água subterrânea não foi testada com uma bomba elétrica submersível para aferir se o caudal da água era suficiente para aproveitamento.
29º
Igualmente não existe qualquer garantia da qualidade da água ou se a mesma é própria para a rega, até porque estamos a falar de uma zona junto ao mar e portanto a água extraída poderá apresentar níveis elevados de sal.
30º
Para além de a Requerente não ter instalado no local da obra a bomba elétrica submersível e por o furo a funcionar.
31º
O que motivou que a aqui Requerida manifestasse junto da Requerida o seu desagrado face ao acima explanado, atendendo que o serviço contratado não se encontrava concluído e remetesse, através de correio eletrónica datado de 25.03.2020, um acordo a realizar entre as partes para a boa execução da empreitada contratada, cfr. Doc. 5 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
32º
Tendo a Requerida respondido através de carta, remetida por via eletrónica, no dia 27 de março de 2020, cfr. Doc. 6 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
33º
E poucos dias depois, mais concretamente no dia 06.04.2020, por via eletrónica, a fatura CFA A/512, datada de 06.04.2020, no valor de € 11.918,70 já referida no art. 2º do presente articulado, cfr. Doc. 7 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
34º
Tendo a Requerida respondido a esta última comunicação, por carta remetida por via eletrónica no dia 29.04.2020, Doc. 8 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo quer tal comunicação foi igualmente enviada por correio registado e com aviso de recepção, a qual foi rececionada pela aqui Requerente. 
35º
Sendo posteriormente a esta última carta Requerente e Requerido não tiveram mais contactos até que foi intentada a injunção a que se responde.
36º
Paralelamente, pelo legal representante da aqui Requerida foi pedido à Requerida um orçamento para execução de um furo de pesquisa e sua transformação em captação de água subterrânea a efetuar num imóvel de sua propriedade sito no Restelo.
37º
Tal orçamento foi remetido ao legal representante da aqui Requerida no dia 09.04.2019. cfr. Doc. 9 que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
38º
Ao compulsar tal orçamento verifica-se que afinal a Requerente não só discrimina individualmente o preço da bomba elétrica submersível, como igualmente tem capacidade para proceder à sua instalação, cfr. Doc. 9 supra.
39º
O que leva a questionar porque é que na empreitada em apreço nos autos tem um determinado procedimento e noutra empreitada distinta dos autos tem outra forma de atuar.
40º
Isto não olvidando que o Requerido jamais rececionou o Relatório final da empreitada realizada.
41º
Presentemente, a Requerida no local da obra tem apenas um buraco, desconhecendo o que se encontra no seu interior, não tendo a evidência que existam águas subterrâneas no seu sub-solo. 
 
IV–DO DIREITO:
42º
À relação contratual estabelecida entre a Requerente e a Requerida aplica-se as disposições aplicáveis ao Contrato de Empreitada, previstas nos arts. 1207º a 1230º do Código Civil, doravante designado por CC.
43º
Assim atento estipula o art. 1207º do CC o seguinte:
“Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.” 
44º
Por sua vez o art. 1208º do CC, sob a epigrafe “Execução da Obra”, considera que:
“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.”
45º
Sendo que o art. 1210º do mesmo diploma legal, quanto ao fornecimento dos materiais e utensílios, refere que:
1.-Os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção ou uso em contrário.
 2.-No silêncio do contrato, os materiais devem corresponder às características da obra e não podem ser de qualidade inferior à média.”
46º
Já quanto à determinação e pagamento do preço, o art. 1211º do citado Código diz-nos que: “1.É aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 883.º
2. O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”
47º
No tocante ao defeitos e verificação da obra, determina o art. 1218º do CC que:
1.-O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios.
2.-A verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer. 
3.-Qualquer das partes tem o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos.
4.-Os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro.
5.-A falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra.”
48º
Já quanto aos defeitos da obra o art. 1220º do CC refere que:
O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento. 
2.-Equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.”  

49º
Sendo que, quanto à eliminação dos defeitos da obra, o art. 1221º do mesmo código refere que: 
1.-Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção. 
2.-Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito.”  
50º
Podendo existir a redução do preço e resolução do contrato de empreitada, nos termos do art. 122º do CC, se:
1.-Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. 
 2.- A redução do preço é feita nos termos do artigo 884.º “
51º
Por último, o art. 1224º do citado código refere que: 
1.-Os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade prevista no artigo 1220.º 
2.-Se os defeitos eram desconhecidos do dono da obra e este a aceitou, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia; em nenhum caso, porém, aqueles direitos podem ser exercidos depois de decorrerem dois anos sobre a entrega da obra.”
52º
Ora, atenta a factualidade exposta no precedente capítulo e as disposições legais acima enunciadas, resulta claro que:
a)- Foi celebrado um contrato de Empreitada entre o Requerente e Requerido para execução de um furo de pesquisa e sua transformação em captação de água subterrânea a efetuar no imóvel, propriedade desta última sita na Rua ... ..., n.º ..., B..., S...;
b)- O Requerido é o dono da obra;
c)- O Requerente é o Empreiteiro;
d)- Foi convencionado que entre as partes contratante que o preço seria de acordo com o orçamento melhor descrito no Doc. 2 supra;
e)- Que os materiais e utensílios seriam fornecidos pela Requerente;
f)- Que a obra não foi concluída pela Requerente;
g)- Que o Requerido, em devido tempo, denunciou os defeitos existentes em tal obra, sendo certo que tal era desnecessário porquanto a mesma não foi concluída pelo Requerente.
53º
Pelo que assiste direito ao Requerido exigir do Requerente:
a)- A conclusão da obra;
b)- Ou a redução do preço nos termos do art. 884º do CC;
c)- Ou Resolver o contrato nos termos gerais.
54º
Sendo certo que para comprovar que a obra não foi concluída cumpre referir que o Requerente nunca enviou à Requerida, o Relatório final conforme vertido no Doc. 2 supra.
55º
E note-se que este documento não é uma mera formalidade mas um dever do empreiteiro para a conclusão a obra contratada.
56º
Pois em cumprimento do preceituado pelo nº 3 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio, o Empreiteiro, uma vez concluída a obra, deve elaborar o respetivo Relatório Final,
57º
Além do devido enquadramento hidrogeológico, este relatório deve conter toda a informação relativa aos trabalhos realizados, aos materiais e equipamentos aplicados na captação, assim como a definição das suas condições de exploração, proteção e manutenção.
58º
Com efeito, terminados os trabalhos deverá o adjudicatário/empreiteiro, no prazo de 60 dias, enviar em triplicado um Relatório Final, que satisfaça o estipulado na legislação em vigor e que contenha pelo menos os seguintes elementos: 
a)- Planta de localização do furo;
b)-Perfil geológico, diâmetros da perfuração, tubagens de revestimento, seus diâmetros, posição dos tubos-ralos, maciço filtrante, etc.;
c)- Resultados dos ensaios de bombagem e de recuperação, com a listagem dos respetivos dados numéricos das observações tomadas no campo;
d)-Tipo de tubagens, de tubo-ralo e granulometria do maciço filtrante;
e)- Diagrafias e/ou outro tipo de registos levados a cabo durante os trabalhos;
f)- Caudal máximo de exploração, profundidade de instalação da bomba e respetivos níveis de segurança;
g)- Recolher amostras de água, em recipientes com capacidades e características adequadas para serem analisadas, devendo os resultados ser incluídos neste Relatório Final;
h)- Recomendações de exploração.
59º
Pois o Decreto-Lei n.º 84/2011, de 20 de junho que veio alterar o Decreto-Lei n.º 133/2005, de 16 de agosto, procedeu, entre outros, à simplificação do regime jurídico do “Licenciamento do Exercício das atividades de pesquisa e captação de águas subterrâneas”, conformando-o com o Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro, relativa aos serviços no mercado interno.
60º
De acordo com a alínea d) do Artigo 14.º do supracitado diploma legal, o titular da licença para o exercício das atividades de pesquisa e captação de águas subterrâneas está obrigado a “Elaborar um relatório técnico, de acordo com o modelo disponível na página da Internet das ARH, para cada trabalho de pesquisa de águas subterrâneas realizado, o qual deve ser entregue ao cliente no prazo máximo de 60 dias contados da conclusão dos trabalhos de pesquisa”.
61º
Pelo que, perante a não conclusão da obra contratada e em face do envio da fatura melhor identificada no Doc. 1 supra, em nome de terceiro que não o da Requerida, esta última a lançou mão exceção de não cumprimento do contrato  prevista no art. 428º do CC, recusando-se a pagar o preço, se a obra não for concluída, o que atento o supra exposto resulta manifestamente não foi, uma vez que, presentemente, no local da obra, apenas existe um buraco e nunca foi elaborado qualquer relatório final como é exigido por lei para este tipo de empreitadas.
62º
Com efeito a exceção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação, o que atenta a factualidade supra verifica-se in casu.
63º
A dita exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo ou que o preço fosse reduzido, o que indubitavelmente verificou-se in casu com a missiva remetida ao Requerente no dia 29.04.2020 (vide Doc. 8 supra)
64º
O cumprimento defeituoso integra um dos modos de não cumprimento das obrigações, que permite ao credor da prestação imperfeita o recurso à exceção do não cumprimento do contrato.
65º
Assim não se tratando de um incumprimento total, mas de uma prestação executada deficientemente ou não concluída, ocorre a acima denominada “exceptio non rite adimpleti contractus”.
66º
Oposta a exceção, o excipiens, encontra-se suspensa exigibilidade da prestação da Requerida, suspensão que se manterá enquanto se mantiver a posição de recusa do outro contraente que deu causa à invocação da exceptio, a ora Requerente.
67º
Trata-se, assim, de uma recusa temporária do devedor, perante um credor que também ainda não cumpriu, que, por essa via, retarda legitimamente o cumprimento enquanto a outra parte no sinalagma contratual também não realizar a prestação a que está adstrita.  
68º
Perante a recusa de eliminação dos defeitos ou a conclusão ou realização de nova obra, resta ao dono da obra exigir judicialmente o reconhecimento e execução da prestação de facto (art. 828.º do CC), que a persistir, dará lugar a uma nova ação a intentar, uma vez que, não se tratando de compensação de créditos, tem sido entendido de forma unânime na jurisprudência a inadmissibilidade de reconvenção em processo especial previsto no Decreto- Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (emergente de injunções de valor não superior a € 15.000,00).
69º
Note-se que o contrato de empreitada, sub judice, atenta a factualidade supra explanada, resulta claro que as prestações recíprocas do dono da obra e do empreiteiro não eram fracionadas.
70º
O Empreiteiro realizava a obra e o dono da obra procedia ao seu pagamento após conclusão da mesma. 
71º
Assim, tendo o empreiteiro que oferecer a sua prestação em primeiro lugar, – a entrega da obra convencionada – é legítimo que que o dono da obra invoque esta exceção, atento o princípio da simultaneidade das obrigações e da reciprocidade das prestações sinalagmáticas e porque é o Requerente que deve cumprir em primeiro lugar.”

Remetidos os autos à distribuição, e distribuídos os mesmos como ação para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (art. 10º, nº 4 do DL nº 62/2013de 10-05), foi proferido despacho com o seguinte teor:[3]
Notifique-se a autora para, querendo, responder à matéria de excepção – artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e artigo 3.º, n.º 1, do regime aprovado em anexo ao decreto-lei n.º 269/98, de 01.09”.
Notificada de tal despacho, a autora apresentou articulado com o seguinte teor:[4]
I -Da excepção dilatória de ilegitimidade:
1.º
Refere a R. que a factura emitida não está, sic “em nome da sociedade aqui requerida”, sabendo aquela que a mesma foi emitida naqueles precisos termos, porquanto "Gonçalo .....," gerente da R., assim o solicitou.
2.º
Como se pode verificar, a factura foi emitida ao NIPC 5.......3, número de pessoa colectiva e de contribuinte da sociedade aqui R...
3.º
Tendo o nome “Gonçalo .....” sido inscrito naquele documento, por solicitação daquele.
4.º
Tanto assim é que, após a recepção da factura e nas várias comunicações havidas com a R., esta nunca requereu qualquer alteração ou correcção!
II -Da excepção peremptória de não cumprimento do contrato:
5.º
Contrariamente ao que alega a R. no artigo 8º da Oposição, a A. apresentou, a 20.11.2017, um orçamento à R. com uma previsão de custos (sublinhado nosso) no valor de 7.236,75 € (sete mil duzentos e trinta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), ao que acresceria IVA à taxa em vigor, conforme documento n.º 2 junto pela R.
6.º
Depois da adjudicação dos trabalhos – em inícios do ano de 2019 – e da necessária licença emitida,
7.º
E tendo a A. tendo autorização da R. para começar os trabalhos,
8.º
Estes foram iniciados, com o acompanhamento presencial do gerente da A.,
9.º
E decorreram dentro da normalidade, com os técnicos a realizar o trabalho como previsto e sempre sobre a supervisão de "Gonçalo .....", gerente da R..
10.º
Alega a R. no artigo 15º da Oposição desconhecimento no valor final da obra, por metro.
Ora,
11.º
Para além da A. garantir os valores apresentados no orçamento datado de 30.11.2017,
12.º
O referido valor de 30,00 € (trinta euros) por metro encontra-se claramente explanado no orçamento enviado e junto pela R..
13.º
Bem como nos muitos contactos telefónicos que a R. realizou com a A.,
14.º
Pelo que bem sabia que o valor da transformação de pesquisa em captação de água é de 30,00 € (trinta euros) por metro.
15.º
Sendo o valor de 10,00 € (dez euros) por metro facturado, apenas e quando, não se encontra água.
16.º
O que, como bem sabe a R., não foi o caso.
17.º
Desconhece a A. os factos alegados no artigo 17.º da Oposição.
18.º
É falso o que a R. declara nos artigos 18.º e 19.º, porquanto e como já referido, a R., aqui representada pelo seu gerente, "Gonçalo ....."– sendo o local onde se realizou o “furo” a sua casa de fim de semana – este sempre acompanhou os trabalhos,
19.º
Dando sugestões e colocando as suas dúvidas ao gerente da A. e aos técnicos presentes, os que prontamente o esclareceram.
20.º
Adicionalmente, e como a R. bem sabe, quando "Gonçalo ....." tinha que se ausentar,
21.º
A A. continuava os trabalhos e – porque o gerente da R. e não estava presente naquele exacto momento – a 9 de janeiro de 2019, a A. enviou, via Whatsapp, vídeos do decorrer dos trabalhos e do aparecimento das primeiras águas.
22.º
Envio que "Gonçalo .....", gerente da R., agradeceu, como se verifica na imagem que aqui também se juntam e que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais – Docs. 1, 2 e 3.
Acresce que,
23.º
Como é do conhecimento da R., a A. apenas deu os trabalhos como concluídos depois de garantir a captação de quantidade de água, que a R. pretendia para – segundo "Gonçalo ....." – efectuar a rega do jardim da habitação, e de efectuado o entubamento e desenvolvimento da captação, conforme orçamento adjudicado.
24.º
É igualmente falso o alegado pela R. nos artigos 20.º, 21.º e 22.º da Oposição.
25.º
Cumpre referir que, tal como comunicado à R., a A. não tinha equipamento necessário para realizar o trabalho de aplicação e montagem de bomba àquela profundidade (305 metros),
26.º
E, para o fazer, teria que subcontratar uma empresa da sua confiança e com quem tem uma parceria, sendo que a A. acompanharia e surpervisionaria todos os trabalhos e consequentemente, garantindo a boa execução do mesmo.
Adicionalmente,
27.º
E tal como comunicado à R. aquando a realização da perfuração, a bomba eléctrica submersível para a extracção de água subterrânea a aplicar no local, teria que estar ajustada às características do furo, nomeadamente profundidade e caudal, para que funcionasse plenamente,
E nesse sentido,
28.º
A 13.01.2020 a A. enviou à R. um email com o orçamento detalhado, pelo que é falso o que a R. refere no artigo 22.º da Oposição – cfr. documento que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – Doc. 4.
Pelo que,
29.º
O que a R. refere nos artigos 23.º e 25.º, a A. – com 20 anos de experiência e nome “na praça” – refuta e desconhece tais afirmações!
30.º
Contrariamente ao que afirma nos artigos 26.º a 27.º da Oposição, reitera-se que a R. sempre acompanhou os trabalhos, dando sugestões, colocando dúvidas, as quais forem sempre prontamente esclarecidas e,
31.º
Como já referido, foi-lhe enviado um vídeo que mostra a captação de água e o seu caudal, como ora junto (Docs. 1 a 3).
32.º
O que leva a A. a considerar a afirmação da R. – feita no artigo 27.º da Oposição – de má-fé e atentatória do bom nome da A.!
33.º
É verdade que a R. afirma no artigo 28.º da Oposição: aquando a perfuração dos 305 metros, a A. realizou, através da técnica “air lift”, a avaliação do furo para só depois de confirmada a sua estrutura, se proceder à instalação da bomba.
34.º
Como refere no artigo 29.º da sua Oposição, a R. bem sabia que a A. não se responsabiliza pela qualidade da água.
Porquanto,
35.º
O orçamento apresentado pela A. e adjudicado pela R. restringe-se à pesquisa com transformação em captação de água, como refere o mesmo refere (doc. n.º 2 junto pela R.) e que foi concluído.
36.º
É verdade o referido no artigo 30.º da Oposição: em momento algum a R. adjudicou o fornecimento e instalação de electrobomba submersível enviado à R. a 13.01.2020,
37.º
Pelo que a A. não poderia proceder ao fornecimento e instalação sem a adjudicação.
38.º
Nesse mesmo dia (13.01.2020) – tendo a A. concluído os trabalhos adjudicados – foi enviado à R. o Auto de Medição de Furo com Captação de Água com o valor facturado: € 9.690,00 (sem iva), conforme doc. n.º 4 junto pela R..
39.º
Ao alegado pela R. nos artigos 31.º a 33.º da Oposição, cumpre referir que é falso que os trabalhos não tivessem concluídos,
Porquanto,
40.º
E tal como se constata no orçamento enviado e auto de medição ora junto pela R., todos os trabalhos adjudicados foram concluídos,
41.º
Tendo a A., a 26 de Março último, respondido ao email da R. (doc. 6 junto pela R.) reiterando o ora exposto!
Nesse sentido e sem mais delongas,
42.º
Três meses depois de concluídos os trabalhos adjudicados e sem que a R. confirmasse se pretendia que a factura fosse emitida em nome da sociedade (para “recuperar” o IVA) ou em nome próprio do gerente,
43.º
A 06.04.2020 a A. emitiu a factura conforme Auto de Medição de Furo com Captação de Água no valor de 9.690,00 € (nove mil seiscentos e noventa euros), ao que acresceu IVA à taxa em vigor, totalizando o documento o valor de 11.918,70 € (onze mil novecentos e dezoito euros e setenta cêntimos).
Paralelamente,
44.º
Contrariamente ao que afirma no n.º 35.º da Oposição, a R. contactou um concorrente da A. para confirmar a boa execução do trabalho tendo aquele confirmado todo o procedimento realizado e,
Nesse seguimento,
45.º
Veio a R. contactar a A. mostrando a sua vontade em liquidar a factura,
46.º
Mas, não obstante, até à data não o fez.
47.º
Cumpre à A. esclarecer que, relativamente aos artigos 36.º a 39.º da Oposição, os valores apresentados no orçamento ora junto tem a data de 28.04.2020 – 2 anos depois do orçamento para o imóvel no B... – porquanto a localização do furo é noutra área territorial, sendo uma zona totalmente diferente geologicamente.
48.º
E a A. não consegue garantir o sucesso da perfuração.
Acresce que,
49.º
A A. apenas disponibiliza o Relatório Final após a liquidação da factura.
50.º
À data, ao contrário do que afirma a R. no artigo 41.º da Oposição, existe uma pesquisa com transformação em captação de água, a qual se encontra entubada, visível a qualquer pessoa, e pronta a colocar a bomba necessária para extracção de água.”
Conclui pela improcedência das exceções invocadas na oposição, e consequentemente, pela procedência da ação.
Seguidamente, após a apresentação pela ré de novo articulado[5], foi proferida decisão com o seguinte teor: [6]
“O articulado apresentado pela ré em 05.11.2020 não é processualmente admissível (não há lugar a resposta à resposta das excepções) pelo que considerar-se-à não escrito.
*

Nos termos do n.º 1, do artigo 3.º, do regime anexo ao decreto-lei n.º 269/98, de 01.09: Se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa. 
A apresentou requerimento de injunção, nos termos e para os efeitos do D.L. nº 269/98 de 01/09 contra B a fim de ser conferida força executiva ao respectivo requerimento destinado a exigir o pagamento da factura CFA A/512, de 06/04/2020, no valor de €11.918,70 que identificou no requerimento de injunção.

Para tanto preencheu o requerimento de injunção nos seguintes termos:
Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços
Data do contrato: 06.05.2020           
Período a que se refere:   01-11-2018 a 06-04-2020 a  Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
1.-A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica ao exercício da indústria captações de agua (furos artesianos) e das sondagens e captações de água.
2.-No âmbito da sua atividade comercial, a Requerente celebrou, com a sociedade comercial B, um contrato de prestação de serviços para a realização de um furo de pesquisa com transformação em captação de águas subterrâneas, a efectuar na Rua ... ..., n.º .., sito no B..., em S....
3.-Quando contactada, a 30 de Novembro de 2017 a aqui requerente enviou um orçamento (ref. P.O./A.V.329/17) com o valor do material de perta utilizar e instalar, valor por metro de perfuração onde, na comunicação enviada, explicou o procedimento: material necessário para o furo, e que o valor apresentado era estimado e comunicações obrigatórias, e licenças a expensas do cliente.
4.-Depois de adjudicado nos termos e condições apresentados, 29 de Setembro de 2018 a Requerente deu entrada do pedido de licenciamento junto da APA.
5.-A 30 de Novembro de 2018 esta deu entrada do pedido de parecer junto do ICNF e
6.-A 09 de Maio de 2019, dá entrada do parecer positivo do ICNF na plataforma da APA.
7.-Não obstante a adjudicação, a 13 de Janeiro de 2019 a Requerida solicitou novamente novo orçamento, e tendo entretanto a Requerente efectuado uma visita anterior, pelo que esta remeteu a estimativa de custos, uma vez que só é possível determinar custo efectivo aquando da perfuração, tendo a Requerente reiteradamente explicado ao Cliente estes termos e condições, o qual aceitou.
8.-A 13 de Maio de 2019, a Requerida informou a Requerente que recebeu a licença APA n.º A0062202019.RH5A.
9.-No mesmo dia a Requerente inicia os trabalhos tal como orçamento e adjudicado pela Requerida.
10.-A 15 de Maio de 2019 a Requerente deu os trabalhos de perfuração como concluídos nos metros adjudicados inicialmente, tendo o furo sido entubado com um caudal que se verificou não ser de aproveitamento após a Requerente ter uma bomba provisória para testar o mesmo.
11.-De imediato o gerente da Requerida, na presença dos trabalhadores que realizaram o furo, deu instruções à Requerente para que esta retirasse todo o material de trabalho e de perfuração, o que foi feito.
12.-Depois de avaliar o furo e verificar o trabalho realizado até então e verificando a necessidade de mais profundidade, a Requerida, a pessoa do seu gerente, "Sr. Gonçalo ....", e depois de devidamente informado dos custos associados, adjudicou a perfuração de mais metros de perfuração, tendo dado instruções directas para que os trabalhadores da Requerente continuassem os trabalhos de perfuração até encontrar água susceptível de aproveitamento.
13.-Por instruções da sócia da Requerida e mulher do gerente justificando motivos pessoais, os trabalhos foram interrompidos.
14.-A 06 de Janeiro último, por solicitação da Requerida os trabalhos foram retomados, tendo estes sido dado como concluídos a 9 de janeiro de 2020: a Requerente: a encontrou água suficiente para aproveitamento e entubou. A água apareceu aos 280 metros, um caudal +-2.8m³/h, tendo tal facto agradado ao gerente da Requerida.
15.-Para salvaguardar a existência de água no furo, e tal como informado à Requerida, o furo de captação ficou entubado e concluído com uma profundidade de 305 metros, justificando-se esta profundidade e este caudal para a criação de um armazenamento da água a partir de um depósito para fazer a rega, dando assim resposta ao solicitado pelo gerente da sociedade.
16.-No momento a Requerente explicou à Requerida que esta não tem o conhecimento técnico para efectuar a montagem de grupo electrobomba submersível e reservatórios, facultando o contacto de uma empresa especialista em reservatórios e montagens.
17.-A 13 de janeiro último, por solicitação da requerida, a requerente envia para adjudicação orçamento para o fornecimento e montagem de grupo eletrobomba submersível + reservatório de 5 000 Lts e bomba de pressão para ligação à rega, tendo esta explicado à Requerida que por falta de conhecimento técnico para efectuar a montagem do grupo electrobomba submersível reservatório, pelo que esse trabalho teria que ser realizado por outra empresa.
18.-No mesmo dia é enviado à Requerida o Auto de medição de furo de captação de água, tendo esta medição sido realizada na presença do gerente da Requerida, que acompanhou o levantamento.
19.-Acordaram as partes que o pagamento seria efectuado depois de realizados os trabalhos e aquando a entrega da factura.
20.-Na sequência do contratado e dos trabalhos realizados e por medição dos trabalhos realizados, a Requerente emitiu e entregou à requerida a fatura CFA A/512, de 06/04/2020, no valor de €11.918,70, já vencido e não liquidado.
21.-Até à presente data, a Requerida não pagou à Requerente o referido valor, nem mesmo depois de interpelada para tal.
22.-Assim, ao valor em dívida acrescem juros moratórios comerciais de 7%, vencidos da factura CFA A/512, emitida e com data de vencimento a 06/04/2040, no valor de 11.918,70 € + juros entre 07/04/2020 e 25/05/2020 (112,00 € (49 dias a 7,00%)), o que totaliza €12.030,70 (doze mil e trinta euros e setenta cêntimos)
23.-Ao capital Inicial de €11.918,70 acrescem juros vincendos, desde a presente data até integral pagamento do valor da dívida, bem como todas as despesas judiciais com o processo, incluindo taxas de justiça, honorários e despesas de advogados, que à data ascendem a €300,00 suportados até à data pela Requerente com diversos actos de cobrança dos referidos créditos, nomeadamente serviços de advocacia praticados, incluindo, análise do contencioso, elaboração de carta de interpelação, contatos e preparação do procedimento de injunção e ainda os contabilizado a final; bem como custas e procuradoria condigna, o que desde já se requer. Os juros comerciais serão calculados à taxa comercial em vigor,
24.-A Requerida deve assim à ora Requerente a quantia global de € 12.330,70 (doze mil, trezentos e trinta euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos e de custas de parte, até efetivo e integral pagamento.
25.- A dívida é certa, líquida e exequível.

Citada, a ré deduziu oposição, invocando a ilegitimidade e defendeu-se ainda alegando que não cumprimento da prestação da autora em conformidade com o solicitado pela ré, porquanto após os trabalhos de perfuração terem sido alegadamente concluídos, verificou-se que o caudal da água era fraco e consequentemente não tinha aproveitamento, sendo necessário maior profundidade para extracção de água; foram retomados os mencionados trabalhos de captação para extracção da água subterrânea e no dia 09.01.2020 segundo alegado pela autora verificou-se que o caudal era suficiente para aproveitamento; Após alegadamente ter sido encontrado um caudal da água suficiente para aproveitamento, a autora para grande espanto e admiração da ré, comunica a esta última que não tinha conhecimento técnico para efetuar a montagem de grupo electrobomba submersível + reservatório de 5.000 litros + bomba de pressão para ligação à rega e, portanto, teria que ser outra empresa a realizar tal instalação e montagem. E ainda que a bomba elétrica submersível para a extração da água subterrânea inicialmente utilizada nos trabalhos até 100/150 metros não era possível utilizar para uma profundidade maior; por outro lado, tinha sido ajustado que no caso de não ser encontrada água o valor a receber seria apenas 10€ por metro linear, ou seja se a autora não demonstrar e provar no local da obra é possível Captação e extração de Água Subterrânea com caudal suficiente para aproveitamento, o valor que poderá apenas ter a receber será de aproximadamente 3000€ e apenas no caso de terem chegado aos 300m de profundidade como alegam mas que não provam e que naturalmente a ré desconhece se corresponde à realidade; Para além de a Requerente não ter instalado no local da obra a bomba elétrica submersível e por o furo a funcionar; Paralelamente, pelo legal representante da aqui Requerida foi pedido à Requerida um orçamento para execução de um furo de pesquisa e sua transformação em captação de água subterrânea a efetuar num imóvel de sua propriedade sito no Restelo. Presentemente, a ré no local da obra tem apenas um buraco, desconhecendo o que se encontra no seu interior, não tendo a evidência que existam águas subterrâneas no seu sub-solo. 

Alega ainda que a autora não apresentou o relatório final nos termos do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio e perante desta omissão e do entendimento que a obra não estava concluída a ré lançou mão da excepção do não cumprimento do contrato.

Concluiu requerendo:
Seja julgada procedente a exceção dilatória de legitimidade aqui invocada, por inteiramente provada, e, consequentemente ser a Requerida absolvida da instância com as necessárias consequências legais;
Caso assim não se entenda, o que apenas se concebe por mera hipótese, ser julgada procedente a exceção perentória aqui invocada de não cumprimento do contrato ao abrigo do art. 428º do CC, por inteiramente provada, e, consequentemente ser a ré absolvida do pedido com as necessárias consequências legais;
Caso assim não se entenda, o que apenas se concebe por mera hipótese, subsidiariamente deverá ser admitido uma redução do preço da empreitada realizada, uma vez que a mesma não se encontra concluída, nos termos do art. 884º do CC e tendo por base os trabalhos efetivamente realizados a constar do relatório pericial infra requerido e da utilidade económica e prática da obra concretizada.
Transmutados os autos em acção declarativa com forma de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato (art. 10.º, n.º 2, do Decreto Lei 62/2013 de 10 de Maio), recebidos os autos, o Tribunal convidou a autora a pronunciar-se sobre a matéria de excepção invocada na oposição, o que fez.

Cumpre decidir:
Da aferição dos pressupostos legalmente exigidos para a utilização do procedimento de injunção;
Da admissibilidade de tal aferição, nas situações em que, por efeito da oposição deduzida, existe transmutação do processo injuntivo em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (AECOP).
Permitimo-nos transcrever parte do douto acórdão da Relação de Lisboa de 30.05.2019, Processo 72782/18.6YIPRT.l1-8 atendendo à clareza da exposição, com a qual concordamos integralmente.
«A injunção traduz-se num mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade, vocacionado para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.
Foi confrontado com a necessidade de melhorar um sistema que estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção.
Na verdade, tendo em vista proporcionar ao credor uma forma célere e simplificada de obtenção de um título executivo, o Dec.-Lei nº 404/93, de 10.12, instituiu a injunção, providência destinada a conferir força executiva ao requerimento de efectivação do cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do tribunal da 1ªinstância. A forma do requerimento e a subsequente tramitação, no caso de oposição, eram decalcadas do regime do processo sumaríssimo. 
O Dec.-Lei nº 269/98, de 01.9, revogou o Dec.-Lei nº 404/93 e alargou o regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal da 1ª instância. 
No âmbito da luta contra os atrasos de pagamento em transações comerciais, e transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.6, o Dec.-Lei nº 32/2003, de 17.02, alargou a aplicação do regime da injunção às situações de atraso de pagamento em transações comerciais, para o efeito definidas como transacões entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, que deem origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração. Tal faculdade é admitida independentemente do valor da dívida. 
O Dec.-Lei n.º 107/2005, de 01.7, alargou a aplicabilidade do regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação. O Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8, reduziu para € 15 000,00 o valor até ao qual é admissível a aplicabilidade do regime de injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos. 
O Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5, que revogou o Dec.-Lei n.º 32/2003,reduziu para metade do valor da alçada da Relação o valor acima do qual a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção tendo em vista o pagamento em transações comerciais determinam a posterior aplicação do processo comum, sendo também aquele o valor até ao qual serão aplicáveis, nas ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (cfr. art.º 10.º, n.ºs 2 e 4 do Dec.-Lei n.º 62/2013)».
Ora face ao regime do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09 estando em causa a quantia global de € 11 918,70 e a pretensão se sustentar no alegado incumprimento de um contrato de empreitada, celebrado entre a autora e a ré, à partida o recurso ao mecanismo do requerimento de injunção é apropriado, dado que a autora com a presente acção pretende exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a €15 000,00.
Contudo, no caso em apreço, atendendo à oposição, está controvertido os trabalhos executados pela autora e facturados pelo documento reclamado nesta acção, é invocado pela ré que os trabalhos não foram concluídos e não foi apresentado o relatório final; que na impossibilidade dos trabalhos serem concluídos deve o preço ser reduzido.
Perante o quadro descrito, a concreta situação não permite preencher os pressupostos legalmente exigidos para a utilização da injunção, dado que aqui pretende-se discutir o próprio contrato de empreitada, o que constava no orçamento, o cumprimento perfeito da prestação da autora (se cumpriu com o ajustado ou não) se há necessidade de correcção dos trabalhos e, na impossibilidade de tal se verificar, se o preço da empreitada deve ser reduzido.
Ora, tal como se escreveu no acórdão de Lisboa de 30.05.2019, Processo 72782/18.6YIPRT.L1-8 (com o qual concordamos) não deve ser seguido «o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”[Paulo Duarte Teixeira Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção , Revista Themis, VII, n.º13, páginas 169-212].
No nosso entendimento tal perspectiva é redutora, porquanto não se pode olvidar que determinar a propriedade ou impropriedade da forma de processo implica determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adoptada pelo autor, sob pena de se defraudar os próprios objectivos do legislador. Com efeito, se a finalidade da política legislativa traduzida nos diversos diplomas, acima referidos, é instituir um mecanismo processual agilizado, simplificado, atender-se ao requerimento inicial, de forma exclusiva, apenas permitirá “sabotar” aquela; lembre-se que a oposição tem um papel crucial para se perceber os contornos do litígio. Nas palavras do douto Acórdão desta Relação de 21/04/2016, “o processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade (….)”» 
Neste sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com o n.º 73674/18.4YIPRT.L1-2 de 24.04.2019 in www.dgsi.pt 
Do que supra se expôs acerca dos articulados das partes, verifica-se que o litígio dos presentes autos não se cinge somente a um simples (in)cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito, sendo necessário apurar o invocado mútuo incumprimento o que está longe do processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade. 
O uso de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. artigos 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, 578º e 278º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil.
*

Decisão
Em face do exposto, julga-se procedente a excepção inominada que obsta do conhecimento do mérito da causa pelo não preenchimento dos pressupostos legalmente exigidos para a utilização do procedimento injuntivo e, em consequência, absolve-se a ré da instância.
Custas pela autora (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). 
Fixa-se o valor da causa em €12 330,70. 
Registe e notifique.”

Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso de apelação, apresentando alegações de recurso cuja motivação resumiu nas seguintes conclusões[7]:
I.-A delimitação do objecto do recurso é cerceada pelas conclusões das alegações, nos termos do artigo 639.º do Código de Processo Civil que no caso, a questão é se se verifica ou não a excepção dilatória inominada de utilização indevida do procedimento de injunção, contrariamente ao decidido. 
E nesse sentido,
II.-Salvo melhor opinião e como o devido respeito, que é muito, andou mal o Tribunal a quo ao ter decidido nos termos plasmados na Sentença ora recorrida.
III.-Não se conforma a aqui Recorrente com a sentença que absolve o Recorrido da instância com fundamento na verificação de uma excepção dilatória inominada, a saber: a falta dos pressupostos exigidos para a utilização do procedimento de injunção.
IV.-Desde logo, importa referir que a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes. 

V.-É admissível utilizar o procedimento de injunção em duas situações: 
i.- quando esteja em causa um requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 e 
ii.-quando estejam em causa obrigações emergentes de transacções comerciais.

VI.- O limite consagrado no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, refere-se às obrigações pecuniárias de per si; não se refere ao contrato de que emergem as obrigações pecuniárias.
VII.- In casu, estamos perante uma obrigação pecuniária de valor inferior aos € 15.000,00.
VIII.- Face ao exposto, estão reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a utilização do procedimento de injunção, o que se alega.
IX.- Atento o exposto, a decisão do Tribunal a quo de absolver a Ré da instância foi ilegal, violando o disposto no nos artigos 6.º nos 1 e 2 e 7.º do CPC e dos artigos 1.º e 7.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 268/98, de 1 de Setembro, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
Remata as suas conclusões nos seguintes termos:
“(…) deve o presente recurso merecer provimento, requerendo-se a revogação da Sentença recorrida, e a substituição da mesma por Acórdão que ordene o prosseguimento dos autos.”

A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.[8]

Admitido o recurso, e recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos.

2. Objeto do recurso

Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[9]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. arts. 573º, nº 2 e 5º n.º 3 do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, considerando o teor das conclusões insertas no requerimento de interposição de recurso, as questões a apreciar e decidir residem em determinar se se verifica a exceção dilatória inominada a que se reporta a decisão recorrida e, em caso afirmativo, quais as consequências de tal erro.
Regista-se, contudo, que na motivação do recurso, a apelante inseriu um ponto II intitulado “impugnação da matéria de facto”. Não obstante, as conclusões são absolutamente omissas relativamente a esta matéria.
Por outro lado, a decisão recorrida julgou procedente uma exceção dilatória, nada tendo decidido quanto à factualidade alegada pelas partes no requerimento de injunção e nos articulados. Por isso mesmo, não contém nenhum elenco de factos provados e não provados.
Finalmente, diremos que os factos a considerar para a apreciação da presente apelação são os que se prendem com o teor do requerimento de injunção e articulados apresentados pelas partes, e demais tramitação da presente causa.
Nesta conformidade, e sem prejuízo do exposto, decide este Tribunal não tomar conhecimento da “impugnação da matéria de facto” constante do ponto II- da motivação do recurso.

3. Fundamentação
3.1.-Os factos
Os factos a considerar são os relativos à tramitação processual descrita no relatório que antecede.

3.2.- Os factos e o direito
3.2.1.- Da decisão recorrida
A decisão recorrida foi proferida na sequência das peças processuais apresentadas pelas partes (requerimento de injunção, oposição, e resposta às exceções), em momento posterior à distribuição do processo como ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, e na mesma foi apreciada e considerada verificada uma exceção dilatória inominada, pelo que em consequência a ré foi absolvida da instância.
Significa isto que a decisão recorrida não pode ser qualificada como sentença, porque não julga verificada nenhuma exceção perentória, nem decide sobre o mérito da causa – arts. 152º, nº 2 e 595º, nº 3 do CPC.
Pelas mesmas razões, não tinha a decisão recorrida que ser registada, vito que só as sentenças o são -  art. 153º, nº 4 do CPC.
Donde se conclui que a referência ao registo da mencionada decisão, que consta da parte final da mesma é desajustada.

3.2.2.- Da exceção dilatória inominada
No caso vertente, a ora autora intentou contra a ora ré um procedimento de injunção, previsto e regulado no regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos[10], aprovado pelo DL nº 269/98, de 01-09 (retificado pela D. Retif. 16-A/98, de 30-09), e sucessivamente alterado pelos seguintes diplomas: DL 3889, de 23-09; DL 183/2000, de 10-08; DL 232/2001, de 17-12; DL 32/2003, de 12-02; DL 38/2003, de 08-03; DL 324/2003, de 27-12 (retificado pela D. Retif. 26/2004, de 24-02); DL 107/2005, de 01-07 (retificado pela D. Retif. 63/2005, de 19-08); L 14/2006, de 26-04; DL 303/2007, de 31-12; L 67-A/2007, de 31-12; DL 34/2008, de 26-02; DL 226/2008, de 20-11; e L 117/2019, de 13-09.
Igualmente aplicável ao caso dos autos é o DL 62/2013, de 10-05, cujo art. 10º confere ao credor numa transação comercial que não envolva consumidores (vd. art. 2º, nº 1 e 2 deste diploma) a faculdade de recorrer à injunção independentemente co valor do crédito, ou seja, ainda que o montante deste seja superior a € 15.000,00, sendo que este último constitui o limite no regime geral da injunção (vd. arts. 7º do RPCOPEC, e art. 1º do diploma preambular).
No caso vertente, ambas as partes são sociedades comerciais, e da leitura do requerimento de injunção resulta que a requerente invocou a outorga entre ambas de “um contrato de prestação de serviços para a realização de um furo de pesquisa com transformação em captação de água”, ou seja, um contrato de empreitada (arts. 1207º e segs. do CC), na qual a requerente teria assumido a posição de empreiteira, e a requerida a condição de dona da obra, tendo ainda a requerente alegado que a requerida não pagou o preço, correspondente aos trabalhos contratados e executados – vd. arts. 2., e 19. a 21. do requerimento de injunção.

Conforme dispõe o art. 7º, nº 1 do RCOPEC, considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento:
- das obrigações a que se refere o art. 1º do diploma preambular, ou seja, das “obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15000”; ou
- das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro“.

Este último diploma (o DL 32/2003) foi revogado pelo DL 62/2013, devendo as remissões legais feitas para aquele considerar-se efetuadas para este. Assim, atendendo ao disposto nos arts. 2º, nºs 1 e 2, al. a), e 3º, al. b) do DL 62/2013, estarão em causa os créditos emergentes de transações comerciais, em que não seja parte um consumidor, nomeadamente os emergentes de transações comerciais entre empresas.

Como explica PAULO DUARTE TEIXEIRA[11], a delimitação do âmbito de aplicação do procedimento de injunção faz-se através do estabelecimento de pressupostos objetivos e subjetivos.
Quanto aos pressupostos objetivos, releva a densificação dos conceitos de obrigação pecuniária emergente de contrato (art. 1º do DL 269/98) e transação comercial (art. 3º, al. b) da L 62/2013); ao passo que no tocante aos pressupostos subjetivos avulta a concretização dos conceitos de consumidor (art. 2º, nº 2 da L 62/2013), entidade pública (art. 3º, al. c) da L 62/2013) e empresa (art. 3º, al. d) da L 62/2013).

O mesmo autor, seguindo o entendimento de SALVADOR DA COSTA[12] sustenta que o não preenchimento de algum dos referidos pressupostos pode configurar uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, apontando como exemplo os casos em que na oposição, o requerido alega que tem a qualidade de consumidor[13].

No caso dos autos, no requerimento de injunção alega a requerente que o crédito invocado tem como fundamento um contrato que, como já referimos, é de qualificar como empreitada, e que o crédito reclamado corresponde ao preço ajustado entre as partes pela execução de determinados trabalhos (arts. 2. e 19. a 21. do mesmo requerimento).

Daqui decorre, de modo cristalino, que se mostram reunidos os pressupostos objetivos do contrato como fonte do crédito reclamado e da natureza pecuniária (em sentido estrito, ou seja, enquanto obrigação de entrega de quantia em dinheiro.

Na verdade, como explica PAULO DUARTE TEIXEIRA[14], o conceito de obrigação pecuniária subjacente ao DL 269/98 deve interpretar-se de modo estrito, pelo que “quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objetivo da admissibilidade do procedimento de injunção. Será este o caso, por exemplo, das situações de enriquecimento sem causa, indemnização por benfeitorias, obrigação e restituir o valor da coisa como consequência da nulidade ou resolução (art. 289º do CC), e as obrigações de restituição as quantias recebidas em virtude do contrato de mandato.

Podemos assim desde logo demarcar, negativamente, a pretensão substancial que pode ser processualizada nesta acção, ou seja: apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objecto da prestação seja directamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária.

Daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro.”

Por outro lado, considerando que, de acordo com o alegado pela autora, o crédito emerge de contrato celebrado entre duas sociedades comerciais, em que a mesma, na qualidade de empreiteira, atuou no âmbito do seu objeto comercial, não temos qualquer dúvida em considerar preenchido o pressuposto objetivo da transação comercial e o pressuposto subjetivo do estatuto de empresa previstos respetivamente, nas als. b) e d) do art. 3º da L 62/2013.

Note-se que a primeira alínea citada qualifica como transação comercial aquela que envolva empresas, e tem por objeto o fornecimento de bens ou serviços contra remuneração (em dinheiro).

Ora, parece indubitável que sendo a empreitada “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar determinada obra, mediante um preço” (art. 1207º do CC), e sendo a empreiteira e a dona da obra empresas comerciais, estamos perante transação comercial.

Assim, e pelo exposto será de considerar que no caso vertente se acham reunidos todos os pressupostos da aplicação do procedimento de injunção e, por força da dedução de oposição, a sua convolação em ação declarativa.

Por que o valor da presente causa (€ 12.330,70) é inferior a metade da alçada da Relação[15] esta acção segue os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (art. 10º, nº 4 da L 62/2013).

Não obstante, assim não entendeu o Tribunal a quo, que considerou inaplicáveis ao caso dos autos quer o procedimento de injunção, quer a ação especial em que o mesmo se transmutou por efeito da oposição deduzida pela requerida, entendimento que justificou nos seguintes termos:
“Permitimo-nos transcrever parte do douto acórdão da Relação de Lisboa de 30.05.2019, Processo 72782/18.6YIPRT.l1-8 atendendo à clareza da exposição, com a qual concordamos integralmente.
«A injunção traduz-se num mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade, vocacionado para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.
Foi confrontado com a necessidade de melhorar um sistema que estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção.
Na verdade, tendo em vista proporcionar ao credor uma forma célere e simplificada de obtenção de um título executivo, o Dec.-Lei nº 404/93, de 10.12, instituiu a injunção, providência destinada a conferir força executiva ao requerimento de efectivação do cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do tribunal da 1ªinstância. A forma do requerimento e a subsequente tramitação, no caso de oposição, eram decalcadas do regime do processo sumaríssimo.
O Dec.-Lei nº 269/98, de 01.9, revogou o Dec.-Lei nº 404/93 e alargou o regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal da 1ª instância.
No âmbito da luta contra os atrasos de pagamento em transações comerciais, e transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.6, o Dec.-Lei nº 32/2003, de 17.02, alargou a aplicação do regime da injunção às situações de atraso de pagamento em transações comerciais, para o efeito definidas como transacões entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, que deem origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.
Tal faculdade é admitida independentemente do valor da dívida.
O Dec.-Lei n.º 107/2005, de 01.7, alargou a aplicabilidade do regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação. O Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8, reduziu para € 15 000,00 o valor até ao qual é admissível a aplicabilidade do regime de injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
O Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5, que revogou o Dec.-Lei n.º 32/2003,reduziu para metade do valor da alçada da Relação o valor acima do qual a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção tendo em vista o pagamento em transações comerciais determinam a posterior aplicação do processo comum, sendo também aquele o valor até ao qual serão aplicáveis, nas ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (cfr. art.º 10.º, n.ºs 2 e 4 do Dec.-Lei n.º 62/2013)».
Ora face ao regime do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09 estando em causa a quantia global de € 11 918,70 e a pretensão se sustentar no alegado incumprimento de um contrato de empreitada, celebrado entre a autora e a ré, à partida o recurso ao mecanismo do requerimento de injunção é apropriado, dado que a autora com a presente acção pretende exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a € 15 000,00.
Contudo, no caso em apreço, atendendo à oposição, está controvertido os trabalhos executados pela autora e facturados pelo documento reclamado nesta acção, é invocado pela ré que os trabalhos não foram concluídos e não foi apresentado o relatório final; que na impossibilidade dos trabalhos serem concluídos deve o preço ser reduzido.
Perante o quadro descrito, a concreta situação não permite preencher os pressupostos legalmente exigidos para a utilização da injunção, dado que aqui pretende-se discutir o próprio contrato de empreitada, o que constava no orçamento, o cumprimento perfeito da prestação da autora (se cumpriu com o ajustado ou não) se há necessidade de correcção dos trabalhos e, na impossibilidade de tal se verificar, se o preço da empreitada deve ser reduzido.
Ora, tal como se escreveu no acórdão de Lisboa de 30.05.2019, Processo 72782/18.6YIPRT.L1-8 (com o qual concordamos) não deve ser seguido «o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”[Paulo Duarte Teixeira Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção , Revista Themis, VII, n.º13, páginas 169-212].
No nosso entendimento tal perspectiva é redutora, porquanto não se pode olvidar que determinar a propriedade ou impropriedade da forma de processo implica determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adoptada pelo autor, sob pena de se defraudar os próprios objectivos do legislador. Com efeito, se a finalidade da política legislativa traduzida nos diversos diplomas, acima referidos, é instituir um mecanismo processual agilizado, simplificado, atender-se ao requerimento inicial, de forma exclusiva, apenas permitirá “sabotar” aquela; lembre-se que a oposição tem um papel crucial para se perceber os contornos do litígio. Nas palavras do douto Acórdão desta Relação de 21/04/2016, “o processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade (….)”»
Neste sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com o n.º 73674/18.4YIPRT.L1-2 de 24.04.2019 in www.dgsi.pt
Do que supra se expôs acerca dos articulados das partes, verifica-se que o litígio dos presentes autos não se cinge somente a um simples (in)cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito, sendo necessário apurar o invocado mútuo incumprimento o que está longe do processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade.
O uso de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. artigos 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, 578º e 278º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil”
Se bem compreendemos a posição manifestada pelo Tribunal a quo, a mesma resulta de uma interpretação restritiva do disposto no art. 10º, nº 1 do DL 62/2013, assente no elemento teleológico da interpretação.
Uma tal interpretação parece partir do reconhecimento de que numa interpretação puramente declarativa do preceito, assente no elemento literal da interpretação, a situação dos autos se integra no seu âmbito de aplicação, mas que o litígio dos autos se afasta da finalidade da consagração do mecanismo da injunção e da ação declarativa em que o mesmo se transmuta por efeito da oposição, na medida em que este mecanismo processual teria sido consagrado para litígios de baixa densidade.
Em abono desta tese, o Tribunal a quo invocou o ac. RL 30-05-2019 (Teresa Prazeres Pais), p. 72782/18.6YIPRT.L1-8, no qual a questão em apreço foi abordada nos seguintes termos:
«..não seguimos ”…. o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”.
No nosso entendimento tal perspectiva é redutora, porquanto não se pode olvidar que determinar a propriedade ou impropriedade da forma de processo implica determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adoptada pelo autor, sob pena de se defraudar os próprios objectivos do legislador.
Com efeito, se a finalidade da política legislativa traduzida nos diversos diplomas, acima referidos, é instituir um mecanismo processual agilizado, simplificado, atender-se ao requerimento inicial, de forma exclusiva, apenas permitirá “sabotar” aquela; lembre-se que a oposição tem um papel crucial para se perceber os contornos do litígio.
Nas palavras do douto Acórdão desta Relação de 21/04/2016, “o processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade…”
Da análise da concreta questão controvertida em equação, resulta claro não estarmos, sem mais, perante o mero ou simples (in)cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito.
Efectivamente, o litígio reporta-se à discussão do invocado contrato de empreitada quer no se refere ao seu não cumprimento ou conclusão por parte da empreiteira, não eliminação de desconformidades; urge ponderar e apreciar acerca da relação contratual existente, donde emana um complexo de direitos e deveres para ambas as partes, divergindo estas quanto à existência e amplitude do imputado mútuo (in)cumprimento.
Pelo que, a controvérsia em equação nos presentes autos está longe do processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade.
Contudo, seguindo ainda o acórdão de que fomos relatora, entendemos o uso de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576º, nº 2 e 577º do Cód. do Proc. Civil e não de erro na forma de processo, ainda que, nesta segunda perspetiva, possa conduzir a idêntico resultado processual (…)”.
Em sentido semelhante a este aresto, cfr. igualmente os acs. RL 24-04-2019 (Arlindo Crua), p. 73674/18.4YIPRT.L1-2, (também citado na decisão recorrida) e RL 14-05-2020 (Gabriela Marques), p. 60038/19.1YIPRT.L1-6.
Com todo o respeito, discordamos do entendimento manifestado pelo Tribunal a quo, pelas razões que passamos a enunciar, e que este coletivo já teve  oportunidade de sustentar, no ac. RL 13-04-2021 (Diogo Ravara), p. 95316/19.0YIPRT.L1-7.
Com efeito, e em primeiro lugar, temos dificuldade em alcançar por que razão o Tribunal a quo considera que o vício que apelidou de exceção dilatória inominada não se enquadra no regime do erro na forma de processo (art. 193º do CPC).
Na verdade, como refere FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA[16], tal vício ocorre “quando o autor indique para a ação uma forma processual inadequada ou desconforme aos critérios da lei, lançando mão: - de uma forma de processo comum em vez da forma especial; - de uma forma de processo especial em vez da forma comum; - de uma forma de processo especial em vez de outra forma de processo especial“.
Como salientam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[17], ”a idoneidade da forma de processo (…) afere-se em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida (aqui trata-se, não de uma inapropriedade da forma do processo, mas de uma situação de eventual manifesta improcedência da ação), ocorrendo o erro e a correspondente nulidade quando o autor usa uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão”.  Neste sentido cfr. tb. o ac. RL 22-02-2007 (Isabel Canadas), p. 8592/2006-2.
Em sentido idêntico, ensina LEBRE DE FREITAS[18] que “este erro é aferido em face do pedido deduzido, e não perante a natureza objetiva da relação material controvertida ou da situação jurídica que serve de base à acção, sem prejuízo da adequação da forma de processo (art. 547).
Não deve, efetivamente, confundir-se a questão de fundo com a questão de forma: se o pedido for deduzido com base num direito que o autor não tem, embora tendo outro direito em que podia ter fundado um pedido diverso que desse lugar a uma forma de processo distinta, o erro está no pedido e não na forma de processo, pelo que a consequência a tirar é a improcedência da ação”.
Não obstante, a mencionada relação de conformidade entre a pretensão, ou seja, o pedido e a forma de processo pressupõe a interpretação destes no contexto da causa de pedir, tal como o autor ou requerente a configura.
Donde nos parece que a eventual desconformidade entre a forma de processo e a finalidade a que a mesma se destina haveria de ser enquadrada no âmbito da figura do erro na forma de processo.
Seja como for, e em segundo lugar, não cremos que a matéria invocada pelo réu ou demandado possa influir na adequação da injunção à tramitação da causa, na medida em que uma tal solução poderia em última análise habilitar o réu ou demandado a “provocar” o erro na forma de processo ou, no entendimento do Tribunal a quo e dos arestos neles mencionados, a exceção dilatória inominada, ainda que tal alegação se possa ancorar em factos totalmente falsos.
Por isso, concordamos inteiramente com PAULO DUARTE TEIXEIRA[19], quando afirma que ”…. o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”.
Em terceiro lugar, não nos parece que a aferição de uma exceção dilatória inominada como a delimitada na decisão recorrida, ou de uma situação de erro na forma de processo se possa fazer por via do preenchimento de um conceito indeterminado de complexidade da causa.
Em quarto lugar, verificamos que no caso analisado no acórdão invocado pelo Tribunal a quo as conclusões nele alcançadas poderiam ser atingidas através das delimitações dos conceitos subjacentes aos pressupostos objetivos da viabilidade da injunção, nos termos sustentados por PAULO DUARTE TEIXEIRA.
Em quinto lugar, e ainda que assim não fosse, sempre entenderíamos que considerando o alegado pelas partes no requerimento de injunção e na oposição, não se pode considerar as questões de facto e de direito em discussão na presente causa se revistam de especial complexidade, ou de complexidade incompatível com a tramitação da ação declarativa conexa com a injunção.

Na verdade, no caso vertente, são controvertidas as seguintes questões:
- se os trabalhos que constituíam o objeto da empreitada foram todos executados; e
- se o foram de acordo com o contratado e as regras técnicas que norteiam a atividade contratada
Donde, não se trata de questões de particular complexidade.
Em sexto lugar, e diversamente do sucedido nos casos analisados em alguns dos arestos supra mencionados, no caso vertente não existe qualquer dúvida quanto à qualificação do contrato dos autos como transação comercial, nem à qualificação dos intervenientes como empresas, na medida em que ambas as partes são sociedades comerciais, e o crédito invocado resulta da alegada outorga de um contrato de empreitada, que a autora celebrou no exercício da sua atividade comercial.
Finalmente, e em sétimo lugar, entendemos que muito embora se afigure persuasivo o argumento de que no que respeita ao regime instituído pelo DL 269/98, de 01-09 o procedimento de injunção foi pensado para permitir a obtenção de um título executivo por parte do credor de obrigações pecuniárias, de forma simples e célere, em situações em que estariam em causa baixos montantes, o que efetivamente apontava para a sua adequação a causas simples, não cremos que tal conclusão se imponha relativamente aos litígios abrangidos pelo campo de aplicação do DL 62/2013, na medida em que a experiência demonstra que as causas de maior valor tendem a revestir-se de maior complexidade, e que o legislador não podia ignorar tal tendência quando concebeu e aprovou o mencionado diploma.
Com efeito, quer a circunstância de aqui estarem em causa créditos comerciais, quer a inaplicabilidade de limites ao valor dos créditos invocados fazem prever a possibilidade de tais créditos se tornarem litigiosos, e de a demonstração e / ou impugnação desses créditos envolverem a discussão de questões fáctico-jurídicas de maior ou menor complexidade.
Daí que nos pareça que ao consagrar, em moldes tão generosos a aplicabilidade do regime jurídico da injunção e da conexa ação declarativa aos créditos comerciais, sem qualquer limite quanto ao valor dos créditos em discussão, o legislador prescindiu da simplicidade como princípio inspirador desse regime jurídico, o que fez em nome da celeridade do trato comercial (vd. preâmbulo do DL 62/2013).
A este propósito temos por especialmente clarificadora a posição manifestada no ac. RG 16-11-2017 (Maria João Matos), p. 68450/16.1YIPRT.G1, no qual, reportando-se ao caminho percorrido pelo legislador nacional no desenvolvimento do regime jurídico da injunção e da conexa ação declarativa, se afirmou:  “Verifica-se ainda que, em nenhum momento desta sucessão legislativa, se elegeu a simplicidade ou complexidade do litígio subjacente às obrigações pecuniárias cujo cumprimento se pretendia exigir como requisito/limite de aplicação do procedimento de injunção, nomeadamente reservando-o para as acções de baixa litigiosidade.
Com efeito, se inicialmente se pressupôs que o mesmo teria nelas o seu campo preferencial de aplicação (sendo disso reflexo o limite da alçada do Tribunal de 1ª instância, num pressuposto comummente aceite de que ao menor valor corresponderá a maior simplicidade, traduzida inclusivamente em simplificada forma de acção), certo é que rapidamente se alterou esse entendimento, ao progressiva e inelutavelmente se elevarem os montantes das obrigações pecuniárias envolvidas, até se prescindir de quaisquer limites.”.
Nesta conformidade é nossa convicção que o elemento teleológico da interpretação contraria a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, e desautoriza a interpretação restritiva que esteve na base da decisão recorrida.
Acresce que tal interpretação é igualmente contrariada pelo elemento sistemático da interpretação, na medida em que os arts. 10º, nº 3 do DL 62/2013 e 17º, nº 3 do RCOPEC consagram um mecanismo processual tendente a fazer face às situações em que o eventual laconismo da factualidade alegada no requerimento de injunção ou na oposição se mostrem desajustados face à complexidade do litígio.
Com efeito, consagram estes preceitos a possibilidade de, ao receber os autos, o juiz convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
Mediante o exercício deste mecanismo, o qual, mais do que mera faculdade, constitui um poder-dever[20], fica o juiz habilitado e vinculado a providenciar pela adequação da matéria de facto a discutir na audiência final à complexidade do litígio, razão pela qual carece de fundamento bastante o argumento da inadequação da forma processual injunção e subsequente ação declarativa à maior complexidade da causa.
É certo que se poderia objetar que a posição sistemática do nº 3 do art. 10º do DL 62/2013 nos impele à conclusão de que o comando ali inserto se aplica apenas às ações emergentes de injunção que têm por objeto obrigações emergentes de transações comerciais de valor superior a metade da alçada da Relação (€ 15.000,00), dado que tal norma se situa entre o nº 2 (que se reporta expressamente a causas com esse valor), ao passo que o nº 4 refere as causas cujo valor não seja superior a metade da alçada da Relação.
Simplesmente, mesmo que assim se entendesse, sempre seria aplicável o art. 17º, nº 3 do RCOPEC, ex vi do art. 10º, nº 4 do DL 62/2013, o que nos conduziria ao mesmo resultado.
Por fim também não impressiona a circunstância de a tramitação consagrada nos arts. 3º e 4º do RCOPEC prever menores garantias de defesa dos requeridos, comparativamente com as consagradas no processo comum (v.g. em decorrência da diversidade de prazos, exigências de forma para as peças processuais apresentadas, definição do momento próprio para apresentação de prova ou o número de testemunhas admissível), na medida em que, como é sabido, pelo menos desde a revisão do CPC de 1961 efetuada em 1995-1996 (art. 265-A desse código), o mecanismo da adequação formal, reafirmado e ampliado no art. 547º do CPC2013, fornece as ferramentas necessárias à adequação da tramitação da causa a uma maior complexidade do litígio, relativamente a todos os aspetos mencionados[21].
Com efeito, como certeiramente apontam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[22], a necessidade de adequação formal pode fazer sentir-se em litígios particularmente complexos, e que o seu exercício “permite quer a construção, em bloco, de uma tramitação alternativa, quer a adaptação de aspetos parcelares e pontuais da tramitação legal, aqui se incluindo a dispensa da prática de atos que se revelem concretamente desnecessários ou da sua substituição por outros tidos por mais adequados às especificidades da causa”.
Neste sentido sublinha MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[23] que “o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (art. 547º). Portanto, o juiz pode alterar a tramitação legal da causa – tanto prescindindo da realização de certos atos impostos pela lei, como impondo a prática de atos não previstos na lei – e pode modificar o conteúdo e forma dos atos.”
Assim, a adequação formal não tem, necessariamente que redundar na simplificação do processado, podendo conduzir ao incremento da sua complexidade, se os contornos da causa o impuserem, e na exata medida em que o imponham.
Como sublinha o mesmo autor, “(…) o tempo do procedimento não é tudo o que importa considerar na determinação pelo juiz de uma tramitação alternativa, dado que não só não se pode sacrificar a equidade processual à celeridade, como pode suceder que esta equidade exija mais tempo. O critério que deve orientar a adequação formal é um critério de proporcionalidade: o processo deve ter uma tramitação com uma estrutura proporcional à complexidade da causa, pelo que causas de menor complexidade devem ter uma tramitação mais simples do que a legalmente definida e causas de maior complexidade podem ter uma tramitação mais pesada do que aquela que se encontra estabelecida na lei. Noutras palavras: a complexidade do procedimento deve ser proporcional à complexidade da causa.”.
De todo o exposto resulta que mediante o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de injunção, e o posterior exercício do direito ao contraditório, eventualmente conjugados com as adaptações do processado tidas por convenientes, no tocante à forma dos articulados, ao momento da apresentação de provas, às provas admissíveis, e ao limite do número de testemunhas, se obviarão a todas as dificuldades decorrentes de um eventual incremento da complexidade da causa, permitindo o prosseguimento da mesma sem prejuízo das garantias de defesa da requerida.
Note-se que, como apontou o ac. STJ 22-03-2018 (Abrantes Geraldes), p. 349/13.2TBALQ-A.L1.S3, nada obsta a que a adequação formal seja determinada pelo tribunal superior, em sede de recurso, quando tal se integre na solução do litígio.
No caso em apreço, consideramos, contudo, que não se justifica a imposição, ao Tribunal a quo, desse caminho. O que entendemos é que, tendo-o à sua disposição, não pode o Tribunal a quo abster-se de o utilizar e, simultaneamente, invocar a inadequação do processado às especificidades da causa para daí concluir pela verificação de uma exceção dilatória inominada.
O mesmo vale aliás, relativamente à utilização do poder-dever de promover o aperfeiçoamento dos articulados[24].
De qualquer modo, a verdade é que a intervenção oficiosa do Tribunal a quo, ao convidar a autora a tomar posição acerca das exceções invocadas na oposição, num claro exercício do seu poder-dever de adequação formal já possibilitou o esclarecimento da posição da autora relativamente às questões suscitadas pela ré, clarificando a causa de pedir em moldes que poderão vir a ser considerados dispensadores de qualquer convite ao aperfeiçoamento dos articulados.
Termos em que se conclui que não se verifica a exceção dilatória inominada que sustentou o despacho recorrido, razão pela qual cumpre revogar o mesmo e ordenar o prosseguimento da causa, cabendo ao Tribunal a quo determinar as diligências tidas por convenientes, com eventual formulação de convite à requerente para apresentar peça processual de aperfeiçoamento do alegado no requerimento de injunção, e se assim o entender, adequando as formalidades da tramitação da causa à complexidade do litígio.

3.2.3.- Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito“.
No caso em apreço, verificamos que muito embora a exceção dilatória apreciada na decisão recorrida tenha sido suscitada oficiosamente, o certo é que nas contra-alegações de recurso que apresentou, a apelada sustentou a decisão recorrida e pugnou pela improcedência do recurso.
Assim sendo, deve considerar-se que é parte vencida no mesmo.
Consequentemente, as custas devem ser suportadas pela ré/apelada.

4.Decisão

Pelo exposto acordam os Juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o presente recurso procedente, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento da tramitação da causa, nos termos que forem tidos por convenientes.
Custas pela apelada.


Lisboa, 25 de maio de 2021 [25]



Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa



[1]Refª 17352731, de 03-09-2020 – fls. 2.
[2]Refª 126477364 / 36044909, de 13-07-2020 – fls. 3 a 33.
[3]Refª 126741410, de 08-10-2020 (não consta do suporte físico do processo).
[4]Refª 17634593 / 36870423, de 21-10-2020, fls. 34-39.
[5]Refª 17736649 / 37037088, de 05-11-2020 (não consta do suporte físico do processo).
[6]Refª 128431449, de 13-01-2021.
[7]Refª 18322524 / 38049475, de 16-02-2021 - fls. 51-59.
[8]Refª / 38335953, de 19-03-2021, fls. 60-65.
[9]Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[10]Adiante designado pela sigla “RPCOPEC”
[11]“Os pressupostos objetivos e subjetivos do procedimento de injunção” Revista Themis, VII, n.º 13, pp. 169-212.
[12]“A injunção e as conexas ação e declaração”. Cfr. atualmente, a 8ª ed., Almedina, 2021, pp.187-188.
[13]Ob. cit., pp. 204-211.
[14]Ob cit., 184-185.
[15]Nos termos do disposto no art. 44º, nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela 62/2013, de 26-08, o valor da alçada da Relação é de € 30.000,00, donde se conclui que metade de tal valor corresponde a € 15.000,00.
[16]“Direito processual civil”, vol. I, 3ª ed., Almedina, 2019, p. 630.
[17]“Código de Processo Civil anotado”, I vol., Almedina, 2018, p. 232
[18]“A ação declarativa comum – à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 62.
[19]Ob. cit., p. 207.
[20]Neste sentido cfr. SALVADOR DA COSTA, ob. cit., p,140-141.
[21]Sobre estas matéria enfatizando que a adequação formal constitui uma manifestação do princípio /dever de gestão processual, cfr., entre outros, LEBRE DE FREITAS “Introdução ao processo civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 4ª ed., Gestlegal, 2017, pp. 230-233; FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., pp. 86-89, e ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, ob. cit., pp. 597-599. Aludindo aos limites da aplicação deste poder-dever, cfr. RUI PINTO, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora, 2015, pp. 329-331.
[22]Ob. cit., p. 598.
[23]“Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil”, in Cadernos de Direito Privado, nº 43, 2013, disponibilizado pelo autor no seguinte endereço:
https://www.academia.edu/5187428/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M_Apontamento_sobre_o_princ%C3%ADpio_da_gest%C3%A3o_processual_no_novo_C%C3%B3digo_de_Processo_Civil_10_2013_
[24]Embora se afigure que caso entenda não exercer tal poder-dever, não poderá o Tribunal a quo, a final, concluir pela improcedência da ação decorrente de deficiências da causa de pedir, sob pena de incorrer em nulidade processual – vd. SALVADOR DA COSTA, ob. cit., pp. 140-142.
[25]O presente acórdão foi assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.