PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE DO PROCESSO
EXCEPÇÃO DE CONFIDENCIALIDADE
Sumário

I - O processo judicial é um processo de natureza pública, ressalvados apenas, os atos e termos que mercê de lei aplicável estão a coberto de segredo de justiça ou de confidencialidade; e que como tal devem ser concretamente declarados por decisão fundamentada, por se tratar de uma exceção à regra da publicidade do processo.

II - A forma publica do processo está assegurada no plano jurídico internacional, parte final do n.º 1 do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos no n.º 2 do art. 47.º da Carta dos direitos fundamentais, no art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no n.º 1 do art. 14.º do Pacto internacional sobre os direitos Civis e Políticos e no direito interno nomeadamente, nos art. 163.º n.º 1 do Código de Processo Civil, Código de Procedimento Administrativo artigos 83º a 85º e no Código de Processo Penal artigos 87 a 90º .

III - No regime legal constante da Lei 19/2012, de 08/05 ( LdC) apenas nos casos previstos no artigo 30º e 81º há lugar à tutela da confidencialidade.

IV - A publicidade do processo na LdC está consagrada no nº 3 do artigo 33º que estabelece que «Qualquer pessoa, singular ou coletiva, que demonstre interesse legítimo na consulta do processo pode requerê-la, bem como que lhe seja fornecida, a expensas suas, cópia, extrato ou certidão do mesmo, salvo o disposto no artigo anterior»

V - A regra é pois o direito de acesso às informações processuais (não cobertas pelo sigilo) às partes e mandatários judiciais e àqueles “que nisso revelem um interesse atendível”.

VI - Não há lugar à classificação de “actos processuais não confidenciais”, por decisão do juiz.

Texto Integral

Acordam os Juízes da Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:



Nos presentes autos de recurso de processo de contraordenação que sob o nº PCR 2016/4, correu termos na Autoridade da Concorrência (AdC) a qual  proferiu decisão final por via da qual condenou a sociedade Ss, SA na coima de C 24 000 000, o Sr. L na coima de 12 000 e o Sr. José … na coima de € 8 000, pela prática da CO pp pelo art. 9°, n° 1, a) da Lei 19/2012, de 08/05 (doravante LdC)"

No dia 01/09/2020 a ASS… apresentou  requerimento por via do qual solicitou «a consulta do conteúdo de todo o presente processo (incluindo a petição de impugnação judicial, seus anexos, e todos os articulados e despachos judiciais posteriores, excluídos elementos confidenciais), através da disponibilização da versão não confidencial do presente processo por via eletrónica, em DVD ou chave USB (a ser facultado/a pela Requerente)» (v. o 1° § da 1a página desse requerimento). Nos termos da parte final do 2° § dessa mesma 1a página, o requerimento referiu «Sublinha-se que a consulta ora pedida se circunscreve à versão não confidencial do processo, e não à versão integral e confidencial do mesmo que se encontra na plataforma Citius

Justificou a ASS… que o interesse da consulta residia na preparação de acção judicial  de indemnização  a intentar em representação dos lesados e o para efeitos de estudo e preparação de trabalhos académicos. (Por Requerimento de 02.09.2020 o Senhor Professor…   declarou a sua adesão a este requerimento solicitando a consulta  para efeitos de estudo e preparação de trabalhos académicos)

Na sequência destes  requerimentos de  01.09.2020 e de  02.09.2020, foi proferido despacho judicial a  2.10.2020 que:  
Reconheceu aos Requerentes  que a consulta do processo requerida assenta num interesse legitimo dos mesmos para efeitos  do n.º 1 do artigo 90.º do CPP, ex vi do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO.
Esclareceu a regra de que o processo contraordenacional é público, salvo as excepções consagradas na lei – vide artigo 86.º, do CPP, ex vi do artigo 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10.
Esclareceu que as excepções à natureza publica deste  processo são as referentes aos elementos confidenciais que visam salvaguardar os segredos do negócio conforme proteção expressa pelo artigo 30º da lei 19/2012 de 8.05 ( doravante LdC).

DECRETOU O SEGUINTE:
ASSIM SENDO E EM FACE DO EXPOSTO, DEFIRO O REQUERIDO PELA REQUERENTE ASSOCIAÇÃO IUS OMNIBUS, AUTORIZANDO A CONSULTA DOS AUTOS NA SUA VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL (vide também despacho de 17.03.2020), nos moldes requeridos)
Posteriormente foi interposto requerimento no qual é  suscitada o que,  em bom rigor técnico,  é uma  nulidade,  por obscuridade do  artigo 615º nº 1 alinea c) do CPC  do despacho proferido em 2.10.2020 , requerendo-se  o esclarecimento do âmbito da decisão de autorização de consulta no processo.

No dia 06/11/2020, foi  proferido novo despacho  (que  em bom rigor será de sanação da arguida nulidade) no qual se exarou, QUE «A VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL DESTE PROCESSO É COMPOSTA APENAS PELA DECISÃO ADMINISTRATIVA, PELA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL E RESPETIVOS DOCUMENTOS E PELAS ALEGAÇÕES DA ADC, TUDO EM VERSÃO NÃO SIGILOSA».
              
A REQUERENTE ASS INTERPÔS RECURSO DESTE  DESPACHO JUDICIAL   TENDO LAVRADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:

I.–Por requerimento de 1 de setembro de 2020, a Recorrente requereu ao Tribunal a quo a “consulta do conteúdo não confidencial de todo o presente processo através da disponibilização da versão não confidencial do presente processo por via eletrónica, em DVD ou chave USB (a ser facultado/a pela Requerente)”;

II.Apreciando a questão, a Meritíssima Juiz proferiu um Despacho no qual recusou conceder acesso à Recorrente a qualquer documento constante do processo n.º 71/18.3YUSTR-M  para além da impugnação judicial e anexos e alegações da AdC (ou melhor, das suas versões não confidenciais);

III.Nos termos da interpretação exarada no douto Despacho recorrido (2º Despacho) o processo de impugnação judicial de contraordenação não é público, estando o direito de sua consulta dependente da demonstração de um interesse legítimo.

IV.Seguindo esta linha interpretativa, a Meritíssima Juiz a quo escreveu no despacho recorrido que não pode o “«interesse legitimo» ser uma “via verde” para o acesso a todas e quaisquer peças processuais constantes de um processo de cariz sancionatório – veja-se queo artigo 90.º, n.º 1 do CPP alude a “auto de um processo”, não ao processo integral)”.

V.O despacho recorrido reconhece que a ora Recorrente tem interesse legítimo na consulta dos autos, interesse legítimo este que o Tribunal verificou pelo alegado no requerimento de acesso da Recorrente, e que se relaciona com a necessidade de recolha de documentos para aferição da existência de um direito de indemnização dos consumidores e preparação e determinação da oportunidade e probabilidade de sucesso de uma ação follow-on de private enforcement da concorrência, em defesa dos consumidores lesados, e tendo o reconhecimento deste interesse legítimo conduzido ao deferimento do acesso pela Recorrente à impugnação judicial e anexos e alegações da AdC.

VI.Não obstante, a Meritíssima Juiz considera que os arts. 86.º (1) e90.º do CPP não permitem à Recorrente consultar integralmente os autos, expurgados de elementos confidenciais. E, de facto, que não lhe permitem consultar mais nenhum documento dos autos para além dos acima referidos.
(…)

VIII.Ainda segundo esse entendimento, não fazem parte da “versão não confidencial do processo” os despachos judiciais nem quaisquer outras peças processuais, ainda que estas não contenham qualquer informação confidencial.

IX.Este entendimento viola o disposto nos arts. 86.º (1) e 90.º do CPP.

X.Os arts. 86.º (1) e 90.º do CPP devem ser interpretados no sentido de, no presente caso, o processo ser integralmente público e poder ser consultado por terceiros, à exceção das peças processuais que contenham informação confidencial e, por isso, estas sim, devam ser disponibilizadas a terceiros numa versão não confidencial.

XI.O despacho recorrido, com o entendimento acima exarado, viola ainda o disposto no art. 202.º, 20.º, 37.º, 52.º (3 a) e 60.º (1) da CRP.

XII.Com efeito, a denegação de acesso ao processo de impugnação judicial da ação contraordenacional de public enforcement impede ou dificulta gravemente a tutela jurisdicional dos direitos da Recorrente e dos seus representados.

XIII.A denegação do acesso a documentos não sigilosos nem confidenciais do processo sub judice, tais como as peças processuais subsequentes às alegações da AdC e os despachos judiciais (a Recorrente teve – recorda-se - o cuidado de requerer o acesso a tais elementos uma vez estes expurgados de qualquer eventual informação ou parte confidencial) impede a Recorrente de aferir da existência de uma infração do direito da concorrência (dependente da confirmação da decisão da AdC em recurso judicial), conhecer a evolução e aferir a probabilidade de sucesso do recurso da decisão da AdC, e aferir a oportunidade de avançar, desde já, com uma “ação de indemnização por infração ao direito da concorrência” na formulação da Lei do Private Enforcement, exercendo o seu direito de intentar uma ação popular que visa a proteção dos “direitos dos consumidores”, na formulação da CRP.

XIV.A recusa de acesso em causa implica também uma violação do direito geral de informação enunciado no art. 37.º da CRP e do direito à informação dos consumidores (art. 60.º (1) CRP), que representa um direito especial de informação.

XV.A limitação do acesso ao processo, na interpretação judicial ora impugnada, implica a exclusão de acesso a atos processuais das Partes e a todos os atos judiciais, uns e outros integrantes de uma “versão confidencial” a contrario sensu–que não contém matéria sobre segredos de negócio ou outra de natureza sigilosa, nem foi alegado que contenha -construída pela Meritíssima Juiz a quo em clara dissonância com o respeito pelos direitos fundamentais de informação, de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, e  implicando, inter alia, que as decisões judiciais em processo contraordenacionais sejam secretas enão possam ser conhecidas por quem não é parte no processo, mesmo que tenham demonstrado o seu interesse legítimo para o efeito.

XVI.Esta interpretação dos arts. 86.º (1) e 90.º (1) do CPP, cuja inconstitucionalidade aqui se invoca, levaria a que cada Tribunal pudesse escolher as peças que considera públicas, mantendo as demais e todos os atos judiciais sob um segredo de justiça que a própria lei não só não confere, não regula e não controla, como expressamente afasta.

XVII.Ao impedir a Recorrente de saber o andamento e potencial desfecho do recurso da decisão de public enforcement que vai servir de base à ação de indemnização follow-on (gerando presunção inilidível quanto à existência da infração em caso de confirmação da decisão da AdC), com base no direito de indemnização dos consumidores que lhes é atribuído diretamente pelo artigo 101.º do TFUE, a decisão recorrida torna excessivamente difícil o exercício do direito à indemnização dos consumidores, a serem representados pela Recorrente por via de ação popular.

(…)

XIX.Em consequência do princípio da efetividade, no contexto do direito europeu da concorrência, tal como já esclarecido pelo TJUE, os Estados-membros estão obrigados a permitir o acesso a documentos indispensáveis para aferir a existência de um direito de indemnização e para fazer prova desse direito em juízo. A jurisprudência europeia é especialmente clara ao afastar a possibilidade de regras rígidas quanto ao acesso e a exigir ponderações casuísticas.

XX.Tanto a Diretiva 2014/104/UE (artigo 4.º) como a sua transposição no nosso ordenamento pela Lei n.º 23/2018 (artigo 23.º(2)) consagram o princípio da efetividade como princípio orientador e limitador da interpretação das regras aplicáveis ao exercício do direito de indemnização por infrações concorrenciais.

XXI.A interpretação das regras nacionais sobre acesso a processos judiciais de recurso das decisões da AdC que torne excessivamente difícil o exercício daquele direito de
indemnização violará, portanto, também o artigo 23.º(2) da LPE e a obrigação de interpretação conforme de todo o direito nacional (incluindo do CPP), na medida do possível, com as obrigações e objetivos da Diretiva 2014/104/UE.

XXII.Resulta do que antecede que a interpretação do direito nacional que subjaz ao Despacho recorrido não corresponde, com a devida vénia, à interpretação literal e teleologicamente adequada do CPP, violando ainda o direito constitucional nacional e o direito europeu, devendo, em cumprimento aos preceitos referidos, a decisão ter sido no sentido de acesso à consulta do conteúdo não confidencial de todo o presente processo (incluindo a petição de impugnação judicial, seus anexos, e todos os articulados e despachos judiciais posteriores, excluídos elementos confidenciais).
(…)
Termina requerendo que o despacho recorrido seja revogado, e substituído por outro que conceda à Recorrente o acesso à consulta do conteúdo não confidencial de todo o presente processo (incluindo a petição de impugnação judicial, seus anexos, e todos os articulados e despachos judiciais posteriores,        excluídos        elementos confidenciais), de preferência através da disponibilização dos documentos por via eletrónica, em DVD ou chave USB (a ser facultado/a).

O MºPº JUNTO DO TRIBUNAL RECORRIDO RESPONDEU AO RECURSO TENDO EM SÍNTESE  sustentado assistir  razão ao recurso no caso de ser reconhecida a legitimidade dos Recorrentes.

Nesta Relação,  o Ex.mo Srº Procurador Geral Adjunto, nada requereu.

Os autos tiveram vistos e realizou-se Conferência.

OBJETO DO RECURSO:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente, que delimitam o âmbito da matéria a conhecer, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso; a questão colocada pelo (s) recorrente (s) resume-se a saber, se, o despacho recorrido viola as normas dos artigos 86°, n° 1 e 90° do CPP, dos artigos 20°, 37°, 52, 60°, n° 1 e 20° da CRP e do princípio da efetividade consagrado no art. 4° da Diretiva 2014/104/EU e no art. 23°, n° 2 da Lei 23/2018, de 05/06 no que toca às ações indemnizatórias por infrações ao direito da concorrência.

O MÉRITO DO RECURSO:

Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade  supra.

Fundamentação de Direito:
I
Do direito de acesso dos Recorrentes de acesso ao Processo:
Não está em discussão, porquanto já foi aceite, sem oposição,  no despacho recorrido, que (o) Recorrente(s) demonstraram um  interesse legitimo na consulta dos autos.

O que está em causa no recurso é saber qual o âmbito deste direito de informação processual, o que, no caso concreto pressupõe a resposta à seguinte pergunta:

O DIREITO DE INFORMAÇÃO QUE A RECORRENTE GOZA MERCÊ DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL PODE SER RESTRINGIDO POR DECISÃO JUDICIAL A DETERMINADOS ATOS E TERMOS DO PROCESSO INDEPENDENTEMENTE DA SUA CLASSIFICAÇÃO COMO ATOS E TERMOS CONFIDENCIAIS À LUZ DO ARTIGO 30º DA LDC?

II
Vejamos:
A administração da justiça, como toda atividade pública, é informada pelo princípio da publicidade  que garante o controle interno e externo da atividade judiciária.

A publicidade é a regra a reserva ou o segredo são a exceção.

O principio geral da  publicidade do processo é uma conquista civilizacional  que remonta ao século XIX. Este principio  só cede perante razões atinentes à defesa doutros direitos que se lhe sobreponham no concreto processo e mediante decisão fundamentada e que ocorrem nas situações em que o interesse público recomenda precisamente o contrário, que a investigação e o processo corram em segredo, seja para garantir o sucesso da investigação, seja para proteger a vítima, seja para tutelar o próprio investigado ou acusado, em cujo favor milita presunção legal de inocência.
A forma publica do processo  está assegurada no  plano jurídico internacional, parte final do n.º 1 do art. 6.º  da Convenção Europeia dos Direitos Humanos no n.º 2 do art. 47.º da Carta dos direitos fundamentais, no art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no n.º 1 do art. 14.º do Pacto internacional sobre os direitos Civis e Políticos.
Quer no processo civil, quer no processo administrativo, quer no processo penal consagra-se o direito  de acesso às informações processuais (não cobertas pelo sigilo) às partes e mandatários judiciais e àqueles “que nisso revelem um interesse atendível” (respetivamente  art. 163.º n.º 1 do Código de Processo Civil, Código de Procedimento Administrativo  artigos 83º a 85º e no Código de Processo Penal artigos 87 a 90º .

III
Este principio geral da publicidade do processo, não assume especificidade no domínio do direito da concorrência.
Não obstante,   a LdC  consagra, expressamente,  o principio da publicidade do processo (artigo 32º nº 1),  ao estabelecer que “ O processo é publico ressalvadas as exceções previstas na lei”.
A sujeição do processo a  confidencialidade ou  segredo de justiça depende decisão prévia da AdC fundamentada e cuja validade se poderá estender até à decisão final. ( nº 2)
Deste modo, concluímos, que no regime legal constante  da LdC,  não existe nenhuma tutela de confidencialidade do processo, salvo, a prevista no artigo 30º que estabelece um regime especifico de atos e informações confidenciais, que como tal devem ser classificadas após  a constatação de que, estes, observam os requisitos legais,  para o efeito e bem assim, a resultante do disposto no artigo 81º.
Doutra banda também aqui o nº 3 do artigo 33º  da LdC sob a epígrafe “acesso ao processo” vem estabelecer  que  «Qualquer pessoa, singular ou coletiva, que demonstre interesse legítimo na consulta do processo pode requerê-la, bem como que lhe seja fornecida, a expensas suas, cópia, extrato ou certidão do mesmo, salvo o disposto no artigo anterior»

Escreve-se na Lei da Concorrência Comentário Conimbricense Almedina 2ª edição  pg 480 a propósito deste numero 3: (…)« adopta, assim, redacção substancialmente idêntica à consagrada no artigo 90º do CPP (…) trata-se de uma solução que vai para além do previsto na legislação europeia aplicável na matéria cfra artigo 27º nº 2 do Reg 1/2003 e artigo 15º do Reg 773/2004) que limita o acesso do processo aos destinatários de uma comunicação de objeções equivalente à nossa nota de ilicitude (…) Naturalmente, o direito de acesso ao processo deve necessariamente acautelar a protecção dos segredos do negócio e outras informações confidenciais constantes dos autos (cfra artigo 30º nº1). Por outro lado, encontram-se igualmente excluídos do âmbito do direito de acesso, nos termos do artigo 81º, todos os documentos e informações apresentados com vista ao beneficio de dispensa ou redução de coima, que apenas poderão ser comunicados com expressa autorização da requerente.»
Por esta enunciação não exaustiva de normas que consagram este principio da publicidade do processo podemos constatar a ampla proteção que é conferida ao mesmo em tidas as formas processuais.

IV
Isto posto,
A confidencialidade dos termos processuais tem de ser expressa e fundamentadamente decidida, no processo sendo que o que não está declarado confidencial é publico.
E por isto mesmo a consulta do processo deve  ser autorizada pela positiva delimitando apenas  os termos do processo  que não pode ser consultado, por estar decidida nos autos a sua confidencialidade.
Ou seja, verificados os demais requisitos, como é o caso do  reconhecimento já assente que aos Requerentes assiste interesse legitimo na consulta do processo esta deve ser autorizada, apenas com as limitações resultantes da declaração de confidencialidade.
Nessa matéria não há lugar à declaração de «não confidencialidade»
Há lugar sim nos casos em que tal é admissível em face da lei à «declaração de confidencialidade»

V
O despacho recorrido ao determinar que A VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL DESTE PROCESSO É COMPOSTA APENAS PELA DECISÃO ADMINISTRATIVA, PELA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL E RESPETIVOS DOCUMENTOS E PELAS ALEGAÇÕES DA ADC, TUDO EM VERSÃO NÃO SIGILOSA, para além de não fundamentado, pois não estamos no âmbito de poderes discricionários viola o principio da publicidade do processo nos termos já descritos.
Efetivamente os Recorrentes têm direito à inteira e livre consulta do processo com a ressalva dos documentos processuais e atos a estes referentes classificados de informação confidencial em conformidade com o artigo 30º da LdC, devendo incluir-se, nestes, os actos e documentos processuais cuja confidencialidade se encontra em discussão nomeadamente em recurso pendente, independentemente do efeito atribuído a  recurso, já que, o que aqui está em causa  é a salvaguarda do segredo, em relação a terceiros. Este entendimento é o  que resulta da mera aplicação aos autos quer das normas do processo penal (artigo 90º aplicável ex vi artigo 41º do RGCO) quer das regras da LdC artigo 32º 30 e 81º conjugadamente .

Segue Deliberação:
Na procedência do recurso revoga-se o despacho recorrido, reconhecendo-se aos Recorrentes o direito à livre e inteira consulta do processo com a única ressalva, dos termos e atos processuais que por decisão expressa e fundamentada foram declarados confidenciais em conformidade com o disposto no artigo 30º e 81º da Lei 19/2012 de 8.05
Sem custas.


Lisboa, 1 de junho de 2021


Isoleta de Almeida Costa
Carlos M . G. de Melo  Marinho