DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO
PROPRIEDADE PRIVADA
RECONHECIMENTO
CONFISSÃO
DIREITOS INDISPONÍVEIS
Sumário

I- O domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas;
II- Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, verificadas determinadas condições;
III- Estando em causa o domínio público (art. 202 do C.C.), estamos perante direitos indisponíveis cuja prova por confissão não é admissível (cfr. arts. 354, al. b), do C.C., e 568, al. c), do C.P.C.);
IV- De acordo com o previsto na al. c) do nº 5 do mesmo art. 15 da Lei nº 54/2005, de 15.11, é admitido o reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis nos casos de terrenos que estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado;
V- Justificando a A. a sua pretensão neste normativo, mas não caracterizando a mesma, na forma devida, o prédio dos autos, nem expondo, como lhe competia – não obstante os convites ao aperfeiçoamento – os factos caracterizadores da realidade geográfica do mesmo e integradores da previsão da norma em apreço, deve improceder a causa sem necessidade de outras provas.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
A [ ...... de Imóveis Unipessoal, Lda ], veio propor, em 15.8.2020, contra o B [ Estado Português] , ação declarativa sob a forma comum, pedindo seja reconhecido o seu direito de propriedade “sobre os recursos hídricos do prédio sito em Caxias, Rua …, da união de freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o n° 000, da freguesia de Caxias, concelho de Oeiras, inscrito na matriz urbana respetiva sob o artigo 000.”
Invoca que o prédio em questão e registado a seu favor se encontra ocupado por construção anterior a 1951 (“Restaurante O ...”), tendo sido mantido em propriedade privada desde então, e encontra-se em zona urbana consolidada, fora de zona de risco e de invasão do mar, nos termos e para os efeitos previstos no art. 15, nº 5, al. c), da Lei nº 54/2005, de 15.11. Junta documentos.
O Ministério Público requereu o prosseguimento dos autos e prescindiu do prazo para apresentar contestação.
Por despacho de 2.11.2020, foram considerados confessados os factos articulados pela A., tendo esta apresentado alegações, ao abrigo do nº 2 do art. 567 do C.P.C..
Em 10.12.2020, foi proferido o seguinte despacho: “Notifique a A. para, querendo e em dez dias, esclarecer quais são os “recurso hídricos” cujo reconhecimento pretende.”
A A. respondeu em 6.1.2021.
Em 27.1.2021, foi ainda proferido o seguinte despacho: “Encontrando-se o prédio da A. notoriamente separado do mar pela “Estada Marginal” (E.N.6), notifique novamente a A. para esclarecer o que pretende, concretamente.”
Em 12.2.2021, a A. veio de novo responder.
Em 22.2.2021, foi proferida sentença nos seguintes termos: “(...) julga-se a acção improcedente.
Custas pela A. (CPC 527°) - fixando-se o valor da causa em 30.000,01€.”
Inconformada, recorreu a A., culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem:
 “
A. No caso dos autos, pretende a Recorrente ver reconhecido o direito de propriedade privada sobre os recursos hídricos do prédio sito em Caxias, Rua ..., da união de freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o numero 000, da freguesia de Caxias, concelho de Oeiras, inscrito na matriz urbana respetiva sob o que artigo 000.
B. A presente ação tem natureza constitutiva — art. 10.°, n.° 3, al. c), do CPC - pelo que à titularidade dos recursos hídricos aplica-se a Lei n.° 54/2005, de 15 de Novembro, que veio estabelecer a titularidade dos recursos hídricos, na versão alterada pela Declaração de Retificação n.° 4/2006, de 11/01 e pelas Leis n.° 78/2013, de 21-11 e 34/2014, de 19-06 e 31/2016, de 23-08, diploma a que nos reportaremos daqui por diante.
C. De acordo com esta Lei, os recursos hídricos, em função da titularidade, compreendem os recursos dominiais, ou pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, pertencentes a entidades públicas ou particulares. — art. 1.°, n.° 2;
D. O domínio público hídrico inclui o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas — art. 2.°, n.° 1;
E. O domínio público marítimo compreende, por sua vez e entre outros, as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas às influências das marés — art. 3.°, al. e);
F. A margem é a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas — art. 11.°, n.° 1 — que, quando referente a águas do mar ou águas navegáveis sujeitas à jurisdição dos orgãos locais da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, tem a largura de 50 metros — art. 11.°, n.° 2; o leito é o terreno coberto pelas águas quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades — art. 10.°, n.° 1.
G. O prédio supra identificado, à semelhança dos que lhes são contíguos, todos eles também edificados, encontra-se numa zona servida por infraestruturas de água, esgotos e eletricidade, tendo sido desanexado do n° 0000 da 5ª C.R.P. /Lisboa, transcrito do 604 da freguesia de Paço de Arcos - está integrado em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, encontrando-se fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e encontra-se ocupado por construção anterior a 1951, documentalmente comprovada, tendo tido em funcionamento um famoso restaurante desde a década de 50 do seculo passado, denominado “Restaurante O ...”.
H. Os pressupostos do reconhecimento do direito de propriedade previstos no art. 15.°, n° 5, al. c), da Lei n° 54/2005, de 15-11, na redação dada pela Lei n.° 34/2014, de 19-06, são três:
a) A localização do prédio objeto da ação;
b) O domínio público marítimo e a propriedade privada;
c) Os pressupostos legais do reconhecimento do direito de propriedade da autora à luz do art. 15.°, n.° 5, al. c) da Lei n.° 54/2005;
I. A Lei 54/2005, de 15 de Novembro, na versão alterada pela Declaração de Rectificação n.° 4/2006, de 11/01 e pelas Leis n.° 78/2013, de 21-11 e 34/2014, de 19-06 e 31/2016, de 23-08, regula a presente matéria no art. 15.° — Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos:
“1 - Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Publico, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio. (...)
5 - O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que:
a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei;
b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.° 1 do artigo 5.°, não sujeitas a jurisdição dos orgãos locais da Direcção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias;
c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado. ”
J. O prédio supra identificado, à semelhança dos que lhes são contíguos, todos eles também edificados, encontra-se numa zona servida por infraestruturas de água, esgotos e eletricidade, tendo sido desanexado do n° 0000 da 5ª C.R.P. /Lisboa, transcrito do 604 da freguesia de Paço de Arcos - está integrado em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, encontrando-se fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontra-se ocupado por construção anterior a 1951, documentalmente comprovada, tendo tido em funcionamento um famoso restaurante desde a década de 50 do século passado, denominado “Restaurante O ...”.
K. Na sentença recorrida não foi posto em causa nenhum destes pressupostos, tanto que, em virtude da não contestação do Ministério Público, julgou confessados os factos alegados pela ora Recorrente, a saber:
“1 - Em 2-IV-19 “... Unipessoal Lda” e a ora A. outorgaram a escritura pública de “COMPRA E VENDA” junta a fls 8 a 10 (cujo teor se da aqui por reproduzido).
2 - Em 2-V-19 foi registada, a favor da ora A., a aquisição do prédio (sito no n° 9 da rua …, com a área total de 1114,8m2, desanexado do n° 0000; matriz 000) descrito na 1ª C.R.P. de Oeiras (freguesia de Caxias) com o n° 000 (fls 19v).
3 - O prédio supra encontra-se numa zona servida por infraestruturas de água, esgotos e electricidade, está integrado em “zona urbana consolidada”, encontra-se fora do risco de erosão ou de invasão do mar, e encontra-se ocupado por construção anterior a 1951.”
L. A sentença recorrida apenas vem pôr em causa a existência de recursos hídricos, alegando a inexistência “de qualquer “parcela de leito” ou “margem das águas do mar” ou “quaisquer aguas navegáveis ou flutuáveis” no prédio da A. — que se encontra notoriamente separado do mar pela chamada “estrada marginal” (E.N.6 — cf. foto constante da informação da C.M.O., junta a fls 12).”
M. Face ao exposto, há que concluir que a sentença proferida incorreu num erro de apreciação, quer dos meios de prova, quer do direito aplicável, desconsiderando a prova documental proveniente dos orgãos públicos, designadamente da Camara Municipal de Oeiras e da APA,
N. Para o Tribunal a quo, nem o prédio se situa em domínio público marítimo, nem é uma parcela situada na margem das águas do mar nem cumpre os pressupostos legais do artigo 15°, n.° 5, c), da Lei n.° 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, conforme consta da documentação enviada pela Camara Municipal, com o único fundamento da existência da estrada marginal, que impedia que estivéssemos perante qualquer recurso hídrico;
O. Na sentença recorrida, entendeu o Tribunal que “No presente caso, não foi alegada (apesar de convite para o efeito) a existência de qualquer “parcela de leito” ou “margem das águas do mar” ou “quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis” no prédio da A. — que se encontra notoriamente separado do mar pela chamada “estrada marginal” (E.N.6 — cf. foto constante da informação da C.M.O., junta a fls 12). Assim, não existindo qualquer “recurso hídrico” susceptível de reconhecimento, a acção deve improceder.”
P. Porém, tal não corresponde à verdade, pois, quer na PI, quer na sua resposta aos dois convites de aperfeiçoamento que lhe foram dirigidos, a A. alegou e demonstrou que o prédio aqui em causa esta localizado numa zona de Domínio Público.
Q. Assim, errou o Tribunal na apreciação que fez dos factos aqui trazidos pela Recorrente, ao entender que esta não alegou nos autos, factos que permitissem ao Tribunal concluir pela existência de um recurso hídrico suscetível de reconhecimento.
Vejamos:
R. Com a PI a Recorrente juntou, como Doc. 3, uma informação emitida pela Camara Municipal de Oeiras, na qual, na pág. 2, se pode ler:
“De acordo com o conteúdo do e-mail enviado pela APA que se transcreve e comenta: Nos termos da Lei n.° 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, a pretensão em causa encontra-se localizada em Domínio Público Marítimo, nos termos do n.° 1 do artigo 2.°, sendo que de acordo com o artigo 4.° da mesma Lei pertence ao Estado, tratando-se de uma parcela situada na margem das águas do mar, nos termos do n.° 1 e 2 do artigo 11.°.” (sublinhado nosso).
S. Ora, deste trecho do referido documento resultam dois factos:
i) Que o prédio propriedade da Recorrente e melhor identificado no Art. 1°, da PI se localiza em área pertencente ao Domínio Público Hídrico, na modalidade de Domínio Público Marítimo;
ii) Que tal recurso hídrico pertencente ao Domínio Público Marítimo se trata de uma parcela situada na margem das aguas do mar;
T. Donde resulta que, o recurso hídrico aqui em causa corresponde à faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas e tem a largura de 50 metros, já que se trata de uma margem das águas do mar (vide Art. 11°, n°s 1 e 2, da Lei n.° 54/2005, de 15 de novembro.
U. Assim, bastava ao Tribunal ter apreciado corretamente a prova documental junta aos autos para aferir a que recurso hídrico a Recorrente se referida na sua PI, e cujo reconhecimento da propriedade peticionava.
V. Acresce que, em resposta ao primeiro convite ao aperfeiçoamento (despacho de 04.12.2020, Ref. 128120149), a Recorrente, por requerimento apresentado em 06.01.2021 (Ref. 18085577) voltou a alegar que:
O prédio da Recorrente aqui em causa se localiza na margem das águas costeiras, e que estas margens fazem parte do Domínio Público Marítimo (vide Art. 4°, do referido requerimento);
E que a dimensão de tais margens, para aferição da dimensão do recurso hídrico em causa se determina por recurso as regras estabelecidas nos n°s 1 e 2, do Art. 11°, do diploma acima referido, ou seja, alegou que a margem e a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas e que tem a largura de 50 metros. (vide Art. 5°, do referido requerimento);
W. Concluindo que o pretendido era “... o reconhecimento do direito de propriedade privada sobre parcela da margem das águas do mar (...)” (vide Art. 7°, do referido requerimento);
X. Pelo que, atentos os factos acima alegados pela Recorrente, não poderia o Tribunal ter decidido que a mesma não respondeu cabalmente ao convite de aperfeiçoamento e que não existe qualquer recurso hídrico suscetível de reconhecimento.
Y. Pois, ao contrário do decidido pelo Tribunal de que a Recorrente não alegou “(… a existência de qualquer (...) “margem das águas do mar” (...)” a verdade e que Recorrente alegou tal facto, não uma, não duas, mas três vezes!
Z. Fê-lo na PI, como acima se demonstrou por remissão para o documento junto como Doc. n° 3.
AA Fê-lo no requerimento apresentado em 06.01.2021, como acima se demonstrou, de forma direta e inequívoca;
BB. E voltou a fazê-lo em resposta ao segundo convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido pelo Tribunal (despacho de 27.01.2021, Ref. 128563264).
CC Efetivamente, na resposta ao segundo convite ao aperfeiçoamento (requerimento de 10.02.2021, Ref. 18307932), a Recorrente voltou a alegar o seguinte:
a) Que o prédio propriedade da Recorrente aqui em causa se localiza no Domínio Público Marítimo, juntando um novo documento que corroborava tal situação;
b) Que o recurso hídrico em causa era a parcela da margem do mar.
DD. Donde resulta que, não só a Recorrente alegou os factos que permitiam ao Tribunal identificar o recurso hídrico em causa, como juntou aos mesmos documentos que provavam a existência de tal recurso hídrico.
EE. Acresce que, não corresponde, igualmente à verdade, a afirmação constante na sentença de que o prédio da Recorrente “(...) se encontra notoriamente separado do mar pela chamada “estrada marginal” (E.N.6 — cf. foto constante da informação da C.M.O., junta a fls 12), e que, como tal não se localiza na margem das águas do mar.
FF. Pois, o que resulta da informação da Câmara Municipal de Oeiras (Doc. 3, junto com a PI) é que mesmo a estrada marginal (E.N. 6) integra do Domínio Público Marítimo, pelo que, a existência de tal via de trânsito em nada compromete a existência do recurso hídrico indicado pela Recorrente, bem como contrário, já que tal via faz parte do mesmo.
GG. Tal resulta do documento acima referido junto com a PI, mas, para melhor entendimento, junta-se ao presente recurso, a planta de recursos hídricos acessível no Geo Portal da Câmara Municipal de Oeiras, http://geoportal.cm-oeiras.pt/ver/mapas/pdmrevisao, onde consta claramente identificada a totalidade do prédio supra referido como fazendo parte de zona de leito e margem de águas fluviais, ampliada e a cores, na qual se pode constatar, sem margem para duvidas, qual o recurso hídrico aqui em causa.
HH. Em suma, não assiste razão ao Tribunal a quo já que a Recorrente identificou cabal e documentalmente qual o recurso hídrico cuja propriedade pretendia ver reconhecida, e o Tribunal a quo errou ao apreciar os factos alegados pela Recorrente.”
Pede a revogação da sentença recorrida e a sua substituição “por outra que reconheça a propriedade privada do imóvel de que a Recorrente é proprietária situada sobre parcela da margem das águas do mar.”
Não se mostram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentos de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade (por confessados os factos articulados pela A.):
1) Em 2-IV-19 " ... Unipessoal Lda” e a ora A. outorgaram a escritura pública de “COMPRA E VENDA” junta a fls 8 a 10 (cujo teor se da aqui por reproduzido).
2) Em 2-V-19 foi registada, a favor da ora A., a aquisição do prédio (sito no n° 9 da rua …, com a área total de 1114,8m2, desanexado do n° 0000; matriz 000) descrito na 1ª C.R.P. de Oeiras (freguesia de Caxias) com o n° 000 (fls 19v).
3) O prédio supra encontra-se numa zona servida por infraestruturas de água, esgotos e electricidade, está integrado em “zona urbana consolidada”, encontra-se fora do risco de erosão ou de invasão do mar, e encontra-se ocupado por construção anterior a 1951.
III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões acima transcritas em causa está apreciar se o prédio dos autos se insere no domínio público marítimo e da possibilidade do reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre a correspondente parcela.
Na sentença julgou-se improcedente a causa, com os seguintes fundamentos: “(…) Dispõe o artigo 15° (‘Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos’) da Lei 54/05 de 15-XI (na redacção da Lei 34/14 de 19-VI) — invocada pela A. -, que: “1 - Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis (...). (...) 5 - O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas de mar ou de águas navegáveis ou 
flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que: (...) c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Juridico da Urbanização e Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.”.
No presente caso, não foi alegada (apesar de convite para o efeito) a existência de qualquer “parcela de leito” ou “margem das águas do mar” ou “quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis” no prédio da A. - que se encontra notoriamente separado do mar pela chamada “estrada marginal” (E.N.6 - cf. foto constante da informação da C.M.O., junta a fls 12).
Assim, não existindo qualquer “recurso hídrico” susceptível de reconhecimento, a acção deve improceder.
(…).”
No recurso, defende a apelante, no essencial, que a sentença proferida incorreu num erro de apreciação, quer dos meios de prova, quer do direito aplicável, desconsiderando a prova documental proveniente dos orgãos públicos, designadamente da Camara Municipal de Oeiras e da APA. Diz que a Estrada Marginal, a totalidade do prédio dos autos adquirido pela A. e todos os que se situam na faixa paralela à água fazem parte dos recursos hídricos, o que foi referido pela A. e consta do doc. 3 junto com a p.i.. Conclui que tem direito a ver reconhecido, como peticionou, o seu direito de propriedade sobre parcela da margem das águas do mar, nos termos do artigo 15 da Lei nº 54/2005, de 15.11, uma vez que preenche os requisitos para tanto, por estar integrada em zona urbana consolidada como tal definida no RJUE, estar fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar e se encontrar ocupada por construção anterior a 1951.
Analisando.
A Lei nº 54/2005, de 15.11, veio estabelecer a titularidade dos recursos hídricos.
Tais recursos hídricos compreendem as águas, abrangendo ainda os respetivos leitos e margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas, sendo que em função da titularidade, os recursos hídricos compreendem os recursos dominiais, ou pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, pertencentes a entidades públicas ou particulares (cfr. art. 1).
O domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas (art. 2).
Por sua vez, o domínio público marítimo bem como o domínio público lacustre e fluvial pertencem ao Estado (arts. 3 a 6).
O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPAVE), a qual é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias, no segundo (art. 10, nº 2).
Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas, sendo que a margem das águas do mar bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis (sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias), tem a largura de 50 m (art. 11, nº 2). Já a margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis, bem como das albufeiras públicas de serviço público, tem a largura de 30 m, e a margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10 m (art. 11, nºs 3 e 4).
Quando tiver natureza de praia em extensão superior, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza, contando-se a largura da margem a partir da linha limite do leito, mas se esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem é contada a partir da crista do alcantil e, nas Regiões Autónomas, se a margem atingir uma estrada regional ou municipal existente, a sua largura só se estende até essa via (art. 11, nºs 5, 6 e 7).
De acordo com o art. 12, nº 1, Lei nº 54/2005, “São particulares, sujeitos a servidões administrativas:
a) Os leitos e margens de águas do mar e de águas navegáveis e flutuáveis que forem objeto de desafetação e ulterior alienação, ou que tenham sido, ou venham a ser, reconhecidos como privados por força de direitos adquiridos anteriormente, ao abrigo de disposições expressas desta lei, presumindo-se públicos em todos os demais casos;
b) As margens das albufeiras públicas de serviço público, com exceção das parcelas que tenham sido objeto de expropriação ou que pertençam ao Estado por qualquer outra via.”
Por sua vez, dispõe o art. 15 da referida Lei nº 54/2005, que: “1 - Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio.
2 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
3 - Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
4 - Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
5 - O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que:
a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei;
b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias;
c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.
6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, compete às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira regulamentar, por diploma das respetivas Assembleias Legislativas o processo de reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, nos respetivos territórios.”
Finalmente, consideram-se fora do comércio todas as coisas que não possam ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que sejam, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual (art. 202 do C.C.).
Definido o quadro jurídico que sustenta a pretensão da A., temos que a concreta questão que se coloca é a de saber se esta alegou factos suficientes à procedência da causa.
Como vimos, por despacho de 2.11.2020, foram considerados confessados os factos articulados pela A., nos termos do art. 567, nº 1, do C.P.C., em virtude do Ministério Público não ter apresentado contestação.
Por sua vez, na sentença, entendeu-se que não foi alegada a existência de qualquer “parcela de leito” ou “margem das águas do mar” ou “quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis” no prédio da A., concluindo-se não existir “recurso hídrico” suscetível de reconhecimento.
A primeira dúvida que se nos coloca tem que ver, justamente, com os efeitos da revelia.
Estando em causa o domínio público (art. 202 do C.C.), estamos perante direitos indisponíveis cuja prova por confissão não é admissível (cfr. arts. 354, al. b), do C.C., e 568, al. c), do C.P.C.)([1]).
Assim sendo, o referido no ponto 3 julgado assente na sentença – “O prédio supra encontra-se numa zona servida por infraestruturas de água, esgotos e electricidade, está integrado em “zona urbana consolidada”, encontra-se fora do risco de erosão ou de invasão do mar, e encontra-se ocupado por construção anterior a 1951” – para além de incluir uma evidente noção de direito ou conclusão jurídica (“zona urbana consolidada”)([2]), não pode ser julgado assente por confissão, ao abrigo do disposto no art. 567, nº 1, do C.P.C..
Cremos, por outro lado, que a indicada decisão de 2.11.2020 que julgou confessados os factos articulados pela A. não impede um tal juízo a propósito do recurso da sentença final, na medida em que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (cfr. art. 662 C.P.C.), sendo que o objeto do recurso respeita, além do mais, aos factos que foram alegados e que devem ser considerados pelo Tribunal (ver conclusão M) do recurso).
Segundo António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa([3]): “(…) a Relação, no âmbito da reapreciação da decisão recorrida e naturalmente nos limites objetivo e subjetivo do recurso, deve agir oficiosamente mediante a aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatório material, modificando a decisão da matéria de facto advinda da 1ª instância (arts. 607º, nº 4, e 663, nº 2). A oficiosidade desta atuação é decorrência da regra geral sobre a aplicação do direito (in casu, das normas de direito probatório material), na medida em que possam interferir no resultado do recurso que foi interposto e, é claro, respeitando o seu objeto global, que, no essencial, é delimitado pelo recorrente, nos termos do art. 635º, e respeitando também o eventual caso julgado parcelar que porventura se tenha formado sobre alguma questão ou segmento decisório.”
Por conseguinte, tem de concluir-se que o referido ponto 3 supra não pode, desde logo, ser julgado assente com fundamento na confissão.
Por sua vez, a noção de “zona urbana consolidada” corresponde a um conceito jurídico e não constitui qualquer descrição factual respeitante à realidade geográfica do prédio em apreço.
 “(…) o que releva para a subsunção ao conceito de zona urbana consolidada são as características urbanísticas, física e materialmente existentes no local (no caso concreto referenciadas no acervo factual dado como provado, designadamente, o constante nos pontos 18 a 20) e não uma classificação dos solos constante do PDM que foi aprovado há muitos anos, quando até não havia definição legal para a realidade aludida na Lei 54/2015».
Será, antes, do confronto da realidade geográfica dos terrenos, colhida dos factos provados, com os pressupostos previstos expressis verbis na citada al. c) do art. 15.º e no art. 2.º, al. o), do RJUE, sem outra intermediação, mormente do plano director municipal, que se concluirá pela verificação da previsão da norma e, nesse caso, pela estatuição do reconhecimento da propriedade.(…).”([4]).
No caso em análise, parece evidente que a A. se preocupou nos articulados sobretudo em explanar o regime jurídico respeitante à titularidade dos recursos hídricos (previsto na dita Lei nº 54/2005, de 15.11), e não em caracterizar a concreta situação/localização do prédio por si adquirido à luz dos arts. 1º a 4º da referida Lei ou em justificar o seu enquadramento de facto no domínio público, marítimo ou fluvial. Note-se que a A. não alegou, por exemplo, que o prédio dos autos se situe dentro de uma específica faixa de terreno, com uma determinada largura, contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas, e se está em causa a margem das águas do mar ou a margem de outras águas (ver art. 11 da Lei nº 54/2005)([5]).
Por sua vez, e a convite do Tribunal, veio por duas vezes prestar esclarecimentos, informando, no essencial, que o prédio dos autos se encontra situado na margem das águas costeiras, logo, em domínio público marítimo, o que justifica, segundo diz, a interposição da presente ação, posto que se mostram verificados os pressupostos para o reconhecimento da propriedade da A. sobre a referida margem.
Com efeito, a A. alegou no requerimento por si apresentado em 6.12.2021, em resposta ao despacho de 10.12.2020, que “O domínio público hídrico inclui o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas nos termos do art. 2.°, n.° 1” (art. 3º), “Sendo certo que o domínio público marítimo compreende, por sua vez e entre outros, as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas às influências das marés – art. 3.°, al. e), onde se situa o prédio da A. (art. 4º, sublinhado nosso), e ainda que “A margem é a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas – art. 11.º, n.° 1 – que, quando referente a águas do mar ou águas navegáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, tem a largura de 50 metros – art. 11.°, n.° 2; o leito é o terreno coberto pelas águas quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades – art. 10.º, n.° 1.” (art. 5º).
Já no seu requerimento de 12.2.2021, em resposta ao despacho de 27.1.2021, veio afirmar a demandante que “A Autora foi notificada pela Câmara Municipal de Oeiras, tendo-lhe sido ordenado intentar a presente ação em virtude de, pese embora a estrada marginal se encontre a passar entre o prédio urbano e o mar, a verdade é que se localiza, nos termos da Lei 54/2005 de 15.11, em domínio público marítimo: "(...) deverá remeter prova em como foi intentada ação judicial em Tribunal Comum, para reconhecimento da propriedade privada, nos termos do artigo 15.° da Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos." Cfr. doc. 1 que se junta” (art. 1º), e que “Conforme V. Exa. pode comprovar pela notificação enviada pela Câmara Municipal de Oeiras:
"De acordo com o conteúdo do e-mail enviado pela APA que se transcreve e comenta:
Nos termos da Lei n.° 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, a pretensão em causa encontra-se localizada em Domínio Público Marítimo, nos termos do n.° 1 do artigo 2.°, sendo que de acordo com o artigo 4.° da mesma Lei pertence ao Estado, tratando-se de uma parcela situada na margem das águas do mar, nos termos do n.° 1 e 2 do artigo 11.º. Assim sendo, pretendendo-se o reconhecimento de propriedade privada sobre parcela da margem das águas do mar nos termos do n.° 1 do artigo 15.º, compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar, mesmo quando tal reconhecimento resulte do articulado da alínea c) do n.° 5, sendo as condições cumulativas as seguintes:
- Estejam integradas em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem  ocupados por construção anterior a 1951 documentalmente comprovado.” (art. 2º).
Em ambos aqueles requerimentos conclui a A. que “É precisamente o reconhecimento do direito de propriedade privada sobre parcela da margem das águas do mar nos termos do artigo 15.° que a A. pretende e requereu, uma vez que preenche os requisitos para tal, por estar integrada em zona urbana consolidada como tal definida no RJUE, estar fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrar ocupada por construção anterior a 1951” (requerimento de 6.12.2021), e “É precisamente o reconhecimento do direito de propriedade privada sobre a parcela da margem nos termos do artigo 15.° que a A. pretende e requereu, uma vez que preenche os requisitos para tal, por estar integrada em zona urbana consolidada como tal definida no RJUE, estar fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrar ocupada por construção anterior a 1951” (requerimento de 12.2.2021).
Decorre do que deixamos dito que a A. alega, na verdade, que o prédio em questão se situa na margem das águas costeiras e no domínio público marítimo, mas não caracteriza, na forma devida, o prédio dos autos, nem expõe, como lhe competia, os factos caracterizadores da realidade geográfica do mesmo de modo a que, da prova desses mesmos factos possa concluir-se, uma vez aplicado o direito aos mesmos, que se verifica a previsão da norma invocada - a al. c) do nº 5 do art. 15 da Lei nº 54/2005, de 15.11.
Dispõe o art. 552, nº 1, al. d), do C.P.C., que o autor deve, na petição inicial, além do mais, “expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”.
Como explica Abrantes Geraldes([6]), a propósito do conteúdo da petição inicial embora no domínio do anterior C.P.C. de 1961: “(…) Não basta a invocação de um determinado direito subjectivo e a formulação da vontade de obter do tribunal determinada forma de tutela jurisdicional. Tão importante quanto isso é a alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, a alegação dos factos constitutivos do direito. Na verdade, na própria definição jurídico-processual, a causa de pedir é entendida como o «facto jurídico de que procede a pretensão deduzida» (art. 498º, nº 4)”.
E, mais adiante, sobre as características da causa de pedir, refere o mesmo autor: “(...) é fundamental a alegação de matéria de facto, isto significando que devem invocar-se factos concretos, não correspondendo ao cumprimento do ónus que impende sobre o autor a simples referência a conceitos legais ou a afirmação de certas conclusões desenquadradas dos factos subjacentes. A causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor (...).
A causa de pedir é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte.(…).”([7]).
Deste modo, se a inadmissibilidade da confissão determinaria, à partida, o prosseguimento da causa para a produção e discussão da prova, a constatação de que a A. não alegou factos essenciais suficientes que justifiquem a procedência do pedido – não obstante os convites ao aperfeiçoamento – implica o imediato insucesso da lide. 
Não se trata, todavia, de não existir “recurso hídrico” suscetível de reconhecimento, como se entendeu em 1ª instância, mas de não terem sido alegados pela A. todos os factos fundamentadores da pretensão deduzida.
Como vimos, nos termos do nº 1 do art. 15 da referida Lei nº 54/2005, de 15.11, compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis.
Por sua vez, de acordo com a al. c) do nº 5 do mesmo art. 15, o reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido nos casos de terrenos que estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado. Nestas circunstâncias, fica dispensado o regime de prova especial estabelecido nos nºs 2 a 4 do referido art. 15.
Donde, à A. cumpria alegar e provar os factos que consubstanciam a previsão da norma em que assenta a sua pretensão, a dita al. c) do nº 5 do mesmo art. 15.
Não tendo a A. alegado, de forma cabal e suficiente, os concretos factos constitutivos do direito invocado, tem de improceder a causa.
*
IV- Decisão:
Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida e a improcedência da ação, ainda que com fundamento diverso.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Lisboa, 8.6.2021
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho                         
Luís Filipe Pires de Sousa
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[1] Neste sentido, ver o Ac. da RP, de 4.12.2017, Proc. 1626/16.6T8AVR.P1 e a doutrina a propósito citada, e o Ac. da RG de 22.2.2018, Proc. 110/15.0T8CMN.G2, ambos em www.dgsi.pt.
[2] Define o art. 2, al. o), do DL nº 555/99, de 16.12 (estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação – RJUE) que constitui zona urbana consolidada “a zona caracterizada por uma densidade de ocupação que permite identificar uma malha ou estrutura urbana já definida, onde existem as infraestruturas essenciais e onde se encontram definidos os alinhamentos dos planos marginais por edificações em continuidade.”
[3] “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I, pág. 796.
[4] Cfr. Ac. do STJ de 1.3.2018, Proc. 248/15.3T8FAR.E1.S2, em www.dgsi.pt, corroborando nesta parte o Ac. da RE de 28.6.2017 aí sob recurso.
[5] Veja-se que na planta de recursos hídricos acessível no Geo Portal da Câmara Municipal de Oeiras, http://geoportal.cm-oeiras.pt/ver/mapas/pdmrevisao, consta identificado o prédio dos autos como integrando, juntamente com o troço da EN 6 adjacente e outras construções, o leito e margem das águas fluviais.
[6] “Temas da Reforma do Processo Civil”, 1997, Vol. I, págs. 173 e 174.
[7] Ob. cit., pág. 177.