CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO EQUITATIVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário

A redução de cláusula penal por manifestamente excessiva, nos termos do art. 812º do CC, não pode ser decretada oficiosamente, necessitando de ser pedida pelo devedor interessado, através da alegação dos factos integradores da excepção em causa.

Texto Integral

 Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A [ .... Portugal, SA] intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra B  [ ..... Sociedade Comercial de Hotelaria, Lda ] e C  [ António ......] , pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento à A. de € 80 174,17, a título de restituição da comparticipação publicitária relativa ao contrato identificado como doc. 1, bem como nos juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento; de € 104 815,00, a título de indemnização por café não consumido, no âmbito do contrato identificado como doc. 1, acrescidos dos juros moratórios vencidos e vincendos até integral e pagamento; € 1 840,00, referente ao valor não amortizado do material de ponto de venda e, ainda, juros moratórios vincendos desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alega ter celebrado com os RR. contrato de promoção e comercialização de produtos de cafetaria, tais como fornecimento de café e descafeinado, bem como outros produtos da marca Nestlé, como chá, infusões e chocolate quente entre outros, de comparticipação publicitária, comodato de equipamento e de comodato de material ponto de venda, o qual não foi cumprido.
2. No decurso das diligências de citação dos RR., a A. apresentou desistência da instância relativamente à R. B , a qual foi homologada por sentença.
3. O R. C foi citado editalmente, não tendo sido apresentada contestação.
4. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença julgando parcialmente procedente a acção, e cuja parte decisória é a seguinte:
“Nestes termos e nos demais de Direito, julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente:
1.Condeno o R. C no pagamento à Autora A da quantia de 80.174,17€ a título de restituição da comparticipação publicitária relativa ao contrato identificado como doc. 1 acrescida dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde  a citação até integral e efetivo pagamento;
2. Condeno o R. C no pagamento à Autora A da quantia de 41.946,00€ a título de indemnização por café não consumido, no âmbito do contrato identificado como doc. 1 acrescida dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a citação até integral e efetivo pagamento;
3. Condeno o R. C no pagamento à Autora A da quantia de 1.840,00€ referente ao valor não amortizado do material de ponto de venda acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos, contabilizados, às taxas de juro legais fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, desde a citação até integral e efetivo pagamento”.
5. Inconformada, a A. recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1.ª - Não pode a ora apelante conformar-se com a douta sentença da M.ma Sr.ª Juiz do Juízo Central Cível de Cascais na parte em que condenou “o R. C no pagamento (…) da quantia de 41.946,00€ a título de indemnização por café não consumido, no âmbito do contrato identificado como doc. 1 acrescida dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a citação até integral e efetivo pagamento;
2.ª - Considera a apelante, com todo o respeito por diverso entendimento, que, na decisão sob recurso, a M.ma Sr.ª Juiz conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento e,
3.ª - por outro lado, assentou a mesma em fundamentos contraditórios e, sobretudo, numa incorreta aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 812.º, n.º 2, do Código Civil.
4.ª - No que respeita à aplicação do artigo 812.º do Código Civil, deve, em primeiro lugar averiguar-se da possibilidade ou impossibilidade de o Tribunal, oficiosamente, fazer operar a redução da cláusula penal convencionada.
5.ª - Nesta parte, considera a apelante que a redução da cláusula penal, nos termos do artigo 812.º do Código Civil, configura matéria de exceção, uma vez que se trata de operar uma modificação do direito invocado pelo autor.
6.ª - Compete ao réu, na contestação, alegar e provar os factos constitutivos de tal exceção.
7.ª - Por conseguinte, não podia a M.ma Sr.ª Juiz ter decidido oficiosamente a redução do montante indemnizatório, peticionado pala autora na ação, fundada na cláusula penal constante do contrato celebrado com os réus.
8.ª - Deste modo, deve a douta sentença, nesta parte, ser considerada nula, conforme dispõe a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil., devendo, nesta parte, ser revogada a douta sentença.
Mas, mesmo que assim se não entendesse, outras razões existem para que a apelante, com o devido respeito, não concorde com a decisão sob recurso.
9.ª - Julgando o pedido de indemnização por café não consumido, fundado na cláusula penal, deduzido pela autora, considerou o Tribunal “que deve ser operada a redução dessa cláusula penal, porque desproporcionada e excessiva. (…)”
10.ª - Porém, salvo o devido respeito, logo incorre a douta sentença em contradição nos seus fundamentos:
11.ª - Como bem se refere na douta sentença, “O ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos recai sobre o devedor.”
12.ª - Porém, não foram alegados nem provados, pelos réus, quaisquer factos donde se possa inferir uma desproporcionalidade entre o valor resultante da aplicação da cláusula penal e o valor dos danos que esta visa indemnizar,
13.ª - nem sequer é facto que conste dos autos o montante dos danos causados à autora pelo incumprimento contratual por parte da ré sociedade.
14.ª - Dos factos provados, nada permite estabelecer uma relação entre o valor da indemnização definida pelo acordo das partes e o prejuízo sofrido pela ora apelante (que estava dispensada de o alegar e provar), que permita qualificar o valor indemnizatório peticionado, em questão, como “manifestamente desproporcionado, por exagerado”.
15.ª - Assentou a decisão recorrida na consideração que “Neste caso, num plano concreto a cláusula é excessiva, atento o montante que resulta da sua aplicação, visto que não são alegados factos consubstanciadores dessa desproporcionalidade”.
16.ª - Porém, também aqui ressalta a contradição na fundamentação da douta sentença.
17.ª - Apesar de o valor indemnizatório, no caso concreto, poder ter a aparência de elevado, não pode confundir-se o valor absoluto em causa com o critério da determinação da «manifesta desproporcionalidade» da cláusula penal.
18.ª - A cláusula penal, definida no art.º 810.º, n.º 1, do Código Civil, é uma cláusula que permite às partes a fixação por acordo do montante da indemnização exigível, nomeadamente, para o caso de incumprimento, ou de não cumprimento perfeito da obrigação contratual.
19.ª - Estabelecida, num contrato, uma cláusula penal, fica o credor da indemnização isento de provar a existência de danos, assim como o seu montante.
20.ª - Mas, mesmo que, no caso em apreço, o Tribunal pudesse conhecer da redução da cláusula penal, nos termos do disposto no artigo 812.º do Código Civil, sem constarem dos autos factos quer permitam aferir da sua manifesta desproporcionalidade, face aos prejuízos sofridos pela credora, não podia ter decretado a redução.
21.ª - Por outro lado, a M.ma Sr.ª Juiz ao reduzir o montante indemnizatório a 40% do estipulado pelas partes no contrato, devia ter fundamentada tal decisão, indicando o critério que leva a encontrar a equidade no caso concreto. 
22.ª - Neste contexto, deve igualmente considerar-se incorreta a decisão que recaiu sobre os juros moratórios, peticionados pela autora, relativos à indemnização por café não consumido.
23.ª - No caso sub judice, foi erroneamente aplicado o disposto no art.º 812.º do Código Civil, sendo parcialmente incorreta a douta sentença recorrida, devendo a mesma ser revogada, na parte objeto do presente recurso, e substituída por decisão que condene o réu na totalidade dos pedidos contra ele deduzidos pela autora”.
7. Em sede de contra-alegações, o Ministério Público, em representação do R., defendeu a improcedência do recurso.
II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são apurar a possibilidade de conhecimento oficioso da redução de cláusula penal nos termos do art. 812º do CC e, na afirmativa, se se verificam os respectivos pressupostos no caso concreto.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
“Resultaram provados os seguintes factos relevantes:
1. A Autora celebrou com os Réus, no exercício da atividade comercial própria da Autora e da 1.ª Ré para o estabelecimento comercial desta, o contrato nº 27250, datado de 15-12- 2015 de promoção e comercialização de produtos de cafetaria, tais como fornecimento de café e descafeinado, bem como outros produtos da marca Nestlé, como chá, infusões e chocolate quente entre outros, de comparticipação publicitária, comodato de equipamento e de comodato de material ponto de venda, conforme documento n.º 1 junto com a PI;
2. O contrato n.º 27250 resultou das renegociações do contrato n.º 18728 que a Autora celebrou em 13-08-2012 com a 1.º Ré, sendo um contrato de obras, fornecimento de café e comodato de equipamento (vd. alínea E) e seguintes dos Considerandos do doc.1).
3. A vigência do contrato nº 27250 foi contratualmente estipulada por um período de 60 meses, com início em 15-12-2014 (vd. Cláusula 11ª do doc. n.º 1)
4. No âmbito deste contrato, a 1.ª Ré obrigou-se a consumir, em exclusivo, no seu estabelecimento comercial, entre outros produtos e café da marca BUONDI, nomeadamente Lote PRESTIGE, comercializados pela Autora (vd. Considerandos e Cláusulas 2ª e 3.ª do doc. 1);
5. Tendo-se obrigado a adquirir 11.400 Kgs daquele produto de café, num mínimo mensal de 190,00 kgs (cláusula 3.ª n.º 2 do doc. 1).
6. Como contrapartida das obrigações contratuais assumidas pela 1.ª Ré, a Autora e 1.ª Ré acordaram considerar como recebido, a título de comparticipação publicitária, a quantia de 79.815,00€ IVA acrescido de IVA à taxa legal em vigor, o que se traduz no montante global de 98.172,45€ (Cfr. cláusula 6.ª do documento n.º 1).
7. Como contrapartida das obrigações contratuais assumidas pela 1.ª Ré, a Autora colocou no seu estabelecimento comercial, em regime de comodato, o seguinte equipamento:
a) 1 Moinho Rancilio Md50 AT, no valor de 332,57€, acrescido de IVA à taxa em vigor;
b) 2 Máquinas de Café Exp Rancilio Cl 10 USB 2gr no valor de 5.567,00€+ IVA à taxa em vigor;
c) 2 Moinho Rancilio Md80 AT, no valor de 876,72€, acrescido de IVA à taxa em vigor
d) 1 Máquina de Lavar Rancilio Ltb 50-32 no valor de 1.104,00€+ IVA à taxa em vigor;
e) 1 Máquina de Lavar Rancilio Ltb 39-26 no valor de 724,89€+ IVA à taxa em vigor; Tudo no valor global de 10.584,37€ (cfr. cláusula 7ª do doc.1).
8. Como contrapartida das obrigações contratuais assumidas pela 1.ª Ré, a Autora colocou ainda no aludido estabelecimento comercial, a titulo de empréstimo, o seguinte material ponto de venda: a) Uma esplanada no valor global de 2.300,00€ IVA incluído à taxa legal em vigor.
9. Sucede que a 1.ª Ré incumpriu a sua obrigação de adquirir um mínimo mensal de 190 Kgs de café, conforme acordado (cfr. n.º 2 da Cláusula 3.º do doc. 1);
10. Em abril de 2015, a 1.ª Ré realizou a última aquisição de café à Autora e não mais retomou o seu consumo.
11. Na vigência contratual a 1ª Ré comprou à Autora apenas 918,50kgs dos 11.400kgs a que se havia obrigada, violando, assim, diversas disposições contratuais, nomeadamente o n.º 2 da Cláusula 3.ª do contrato que se junta como doc.1.
12. Em consequência, a Autora enviou aos Réus as cartas registadas com aviso de receção, datadas de 03-11-2015, interpelando-os para que corrigissem o incumprimento contratual, conforme documentos 2 e 3 .
13. Não obstante as cartas enviadas aos Réus terem sido devolvidas pelos CTT, foram remetidas para as moradas constantes do contrato.
14. Face à persistência no incumprimento contratual acima descrito, por cartas registadas com aviso de receção datadas de 03-12-2015 e enviadas aos Réus, a Autora procedeu à  resolução do contrato e interpelou-os para que efetuassem o pagamento dos valores indemnizatórios estabelecidos nos termos das Cláusulas 4.ª e 5.ª conforme documentos números 4 e 5.
15. Não obstante as cartas enviadas aos Réus terem sido devolvidas pelos CTT, foram remetidas para as moradas constantes do contrato.
16. Nos termos do n.º 2 da cláusula 6ª do doc. 1, resolvido o contrato, está a 1.ª Ré obrigada a restituir à Autora a quantia que esta lhe entregou a título de comparticipação publicitária, deduzida do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses.
17. O contrato teve início em 15-12-2014 e tendo a resolução operado efeitos em 06-12- 2015, verificou-se, pois, uma duração contratual de 11 meses.
18. Nos termos do n.º 4 da cláusula 6.ª do contrato constante do documento n.º 1, terminado o contrato, sem que a 1.ª Ré adquira a totalidade dos quilogramas de café contratados, está obrigada a indemnizar a Autora, no montante de 10,00€ por cada quilograma de café não consumido, dos 11.400 kgs. contratados.
19. O equipamento constante do artigo 7.º da pi é propriedade da Autora e foi recuperado.
20. Por outro lado, resolvido o contrato e nos termos da alínea b) do n.º 4 da cláusula 8ª do doc.1, a 1.ª Ré tem obrigação de indemnizar a Autora no valor do material de ponto de venda não reutilizável à data da resolução do contrato referido em 8., determinado em função do número de anos decorridos do contrato e do prazo de amortização em cinco anos.
21. O material de ponto de venda colocado no estabelecimento da 1.ª Ré não é reutilizável, atento o seu uso e desgaste, bem como as características especificas de dimensão adaptadas ao estabelecimento daquela, não sendo possível à Autora colocá-lo no estabelecimento de outro cliente.
22. A 1.ª Ré, apesar de para tanto terem sido interpelado aquando da resolução do contrato não devolveu à Autora o material comodatado referido em 8., nem lhe pagou o respetivo valor.
23. O 2.º Réu assinou o contrato identificado nos autos como documento n.º 1, na qualidade de fiador e principal pagador, solidário, à Autora das obrigações contratuais assumidas pela 1.ª Ré, ficando, assim, pessoalmente obrigado perante a Autora com renúncia ao benefício da excussão prévia (vide cláusula 10ª do doc.1).
Nada mais se provou.
*
O demais alegado ou se trata de matéria direito, ou juízos conclusivos, ou não tem interesse para a decisão da causa ou resultou não provado”.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.
Antes de mais, importa referir que a apelante apenas coloca em crise o nº 2 da parte decisória da sentença, relativamente ao montante devido a título de cláusula penal e respectivos juros, mantendo-se, pois, inalterados os demais termos da sentença recorrida.
No mais, nas suas conclusões 7ª e 8ª, defende a apelante que o tribunal recorrido não podia “ter decidido oficiosamente a redução do montante indemnizatório, peticionado pala autora na ação, fundada na cláusula penal constante do contrato celebrado com os réus”, o que determina a nulidade da sentença, nesta parte, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC.
E se embora não tenha sido proferido o despacho a que alude o art. 617º do CPC, contem os autos todos os elementos necessários para apreciar a nulidade invocada, o que se passa a fazer (cfr. art. 617º, nº 5 do CPC).
Refere o art. 615º, nº 1, al. d) do CPC que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Relaciona-se este preceito com o disposto no art. 608º do CPC, segundo o qual a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e que possam determinar a absolvição da instância, bem como resolver todas as questões de mérito que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras, salvo as que forem de conhecimento oficioso.
Assim sendo, na fundamentação da sentença deve o juiz pronunciar-se sobre cada uma das pretensões trazidas a juízo, bem como sobre cada um dos fundamentos que lhes são opostos em sede de contestação, seja a título de excepção dilatória e que não tenha sido antes apreciada, seja a título de excepção peremptória.
No que diz respeito ao excesso de pronúncia, este ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que definem o objecto do litígio, a que acrescem as excepções deduzidas na contestação.
Tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência que a omissão ou excesso de pronúncia, enquanto causas de nulidade da sentença, têm por objecto questões a decidir na sentença, e não propriamente factos.
Por esse motivo, se o tribunal recorrer a razões ou fundamentos não invocados pelas partes para decidir as questões suscitadas, não existe qualquer excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade. Neste sentido, veja-se Ac. STJ de 06-12-2012, proc. 469/11.8TJPRT.P1.S1, relator João Bernardo, onde se pode ler que “só há excesso de pronúncia para estes efeitos, se o tribunal conheceu de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento”.
Daqui resulta que o conhecimento de excepções não alegadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso constituirá excesso de pronúncia, conduzindo à nulidade da sentença.
No caso dos autos, entende a apelante que a redução da cláusula penal, nos termos do art. 812º do CC, configura matéria de excepção, não podendo ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
A este propósito, convirá recordar que o art. 571º do CPC preceitua que o réu se pode defender por impugnação e por excepção (nº 1), sendo que se defende “por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor” e “por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido” (nº 2).
Por outro lado, as excepções podem ser dilatórias ou peremptórias (art. 576º, nº 1 do CPC), sendo que as excepções dilatórias se assumem como uma defesa meramente processual, cuja procedência leva à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (art. 576º, nº 2 do CPC) e as excepções peremptórias consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, conduzindo à absolvição total ou parcial do pedido (art. 576º, nº 3 do CPC).
De salientar que, quando o réu alega a falsidade ou a inexactidão dos fundamentos essenciais, de facto ou de direito, do pedido do autor, o que conduzirá à sua absolvição do pedido (total ou parcialmente), está a defender-se por impugnação.
Por seu turno, quando o réu se defende por excepção, não está a colocar em crise o facto constitutivo do direito alegado pelo autor, mas antes a alegar outros factos que, segundo o direito substantivo aplicável, contrariam os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor. Ou seja, ao defender-se por excepção, “a atitude do reu não se traduz em refutar os factos articulados pelo autor, mas em alegar factos novos que, em face da norma ou normas jurídicas aplicáveis ao caso, se revelam impeditivos, da válida e eficaz constituição do direito invocado pelo autor, ou que, admitindo tal constituição, implicam a modificação ou a extinção desse direito. Em qualquer dos casos, o réu alega uma circunstância fáctica nova que visa a inutilização, em maior ou menor grau, do pedido formulado pelo autor” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 651, em anotação ao citado art. 576º).
De referir que, não tendo sido apresentada qualquer contestação nos presentes autos, a opção do tribunal recorrido de proceder à redução do montante indemnizatório devido a título de cláusula penal apenas será admissível se essa redução não configurar matéria de excepção.
Vejamos.
Nos termos do art. 810º, nº 1 do CC, “As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”.
Por seu turno, o art. 811º, nº 1 do CC dispõe que “O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”, prevendo-se no nº 2 que “O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes” e no nº3 que “O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal”.
Assim, a cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam antecipadamente o montante da indemnização para o caso de incumprimento, ou, nas palavras do Prof. Vaz Serra “quando o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir ou de não cumprir perfeitamente a obrigação” (in “Pena Convencional”, BMJ, n.º 67, pág. 240.).
O principal objectivo desta estipulação contratual é “evitar dúvidas futuras e litígios entre as partes quanto à determinação do montante da indemnização” (Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, 3ª edição, Vol. II, pág. 74).
Importa também referir que o devedor, vinculado à cláusula penal, não se encontra obrigado ao ressarcimento do dano que, efectivamente, cause ao credor com o incumprimento, mas antes à compensação do prejuízo, negocial e antecipadamente fixado, através da cláusula penal, sempre que não tenha sido pactuada a indemnização pelo dano excedente, nos termos do disposto pelo art. 811º, no 2 do CC. Neste sentido, veja-se Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª ed., 2007, pág. 248/249.
Em função do objectivo das partes aquando da fixação da cláusula penal, a doutrina e a jurisprudência têm distinguido as cláusulas penais em três modalidades distintas:
- cláusula penal com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor e com o objectivo de liquidar, antecipadamente, de modo ne varietur o dano futuro;
- cláusula penal de natureza compulsória, que tem por objectivo compelir o devedor a cumprir e em que a pena acresce ao cumprimento ou à indemnização pelo incumprimento, sendo a finalidade das partes a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização;
- cláusula penal em sentido estrito, cuja estipulação, visando compelir o devedor ao cumprimento, substitui o cumprimento ou a indemnização pelo não cumprimento, não acrescendo a nenhum deles.
Para ulteriores desenvolvimentos a propósito desta tripla modalidade de cláusula penal, veja-se, na doutrina, António Pinto Monteiro, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 141º, no 3972, pág. 177 e ss; Nuno Manuel Pinto de Oliveira, in Cláusulas Acessórias ao Contrato, Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar e Cláusulas Penais, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 73 a 78; e na jurisprudência, Acs. STJ de 18-11-1997, in BMJ nº 471, pág. 380, e de 09-02-1999, in CJ, STJ, Vol. I, pág. 97, 27-09-2011 in www.dgsi.pt, e ainda, mais recentemente, mas com enquadramento fáctico relevante para os presente autos, Ac. TRP de 24-09-2018, proc. 24854/15.7T8PRT-B.P1, relator Jorge Seabra.
Como se pode ler neste último aresto, “Como refere Pinto Monteiro, cuja posição aqui vimos seguindo de perto, “em sentido estrito, a pena visa compelir o devedor ao cumprimento – nisto se distingue ela da pena como liquidação do dano e se aproxima da pena estritamente compulsória. Todavia, ao contrário da última, a pena propriamente dita substitui a indemnização, quer dizer, não acresce a esta nem à execução específica da prestação – o que a aproxima da cláusula penal como indemnização predeterminada. Numa palavra, em sentido estrito, a cláusula penal visa compelir o devedor ao cumprimento, ao mesmo tempo que leva à satisfação do interesse do credor.”
E prossegue o Ilustre Professor “ao ser celebrado o acordo, a fim de pressionar o devedor a cumprir, o credor estipula uma sanção, que o primeiro aceita, nos termos da qual fica legitimado a exigir uma prestação mais gravosa, em alternativa à prestação inicial, uma vez não satisfeita esta. Trata-se, portanto, de uma ameaça exercida através de uma forma de satisfação alternativa do interesse do credor, sem que a mesma passe pela via indemnizatória, uma vez que ela é prosseguida por uma outra prestação – que nem tem de ser pecuniária, embora normalmente revista esta índole – ao lado que é inicialmente devida.”
Em suma, ao lado da cláusula penal, enquanto fixação ne varietur da indemnização devida em caso de incumprimento ou de cumprimento inexacto, é de reconhecer, ainda, uma outra figura em que a cláusula penal funciona como instrumento de pressão sobre o devedor no sentido do cumprimento e que habilita ou legitima o credor, em caso de incumprimento definitivo por parte do devedor, a exigir, em substituição ou em alternativa [faculdade alternativa do credor] da indemnização nos termos gerais que seria devida, uma outra prestação, qual seja, a pena previamente definida por acordo entre o próprio credor e o devedor.
Como refere ainda Pinto Monteiro, através desta outra espécie de cláusula penal, o credor deseja compelir a outra parte a cumprir o contrato e, ao mesmo tempo, prevenir-se contra as consequências de um eventual inadimplemento, determinando o montante da pena não apenas em função do dano futuro e hipotético emergente daquele inadimplemento, mas em função de um valor mais elevado, que uma outra prestação – previamente definida com o devedor (a pena) - lhe proporcionará.
Vale pois por dizer, com Pinto Monteiro, que o que a cláusula penal, em sentido estrito, tem de particular e a distingue da cláusula penal como pré-fixação do quantum indemnizatório em caso de incumprimento definitivo ou inexacto, é “ser ela um meio específico de compulsão ao cumprimento, uma sanção, que não pode nem deve confundir-se com o efeito típico e normal da obrigação de indemnizar.””
Revertendo estas considerações ao caso dos autos, e analisando os factos assente relativos ao teor do contrato, verifica-se que as partes acordaram na fixação de uma cláusula penal em sentido estrito, já que estabeleceram uma sanção pecuniária em caso de incumprimento do contrato, sanção esta que não se confunde com a indemnização em termos gerais.
Aqui chegados, e uma vez que não foi colocada em crise a validade desta cláusula penal, importa referir que o art. 812º do CC estabelece a possibilidade de o tribunal reduzir a cláusula penal, de acordo com a equidade, quando a mesma for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.
Nas palavras de Calvão da Silva, ob. cit. pág. 74, “A decisiva condição legal da intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva, - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra de excesso extraordinário, enorme, que salte aos olhos. Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si”. E, mais à frente, explica que o juiz terá “de atender à natureza e condições de formação do contrato”, bem como “à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económico-social, os seus interesses legítimos patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efectivo prejuízo do credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (aspecto importante, senão mesmo determinante); ao carácter forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório”.
Consequentemente, para que o tribunal possa proceder à redução equitativa da cláusula penal nos termos do art. 812º do CC, o devedor tem de alegar e provar factos integradores desse excesso manifesto, o qual será analisado casuisticamente e de acordo com o tipo de cláusula estabelecida.
Daqui resulta que a qualificação de uma determinada cláusula penal como manifestamente excessiva, por forma a que a se proceda à sua redução, se assume como uma excepção de direito material, já que o seu objectivo é modificar o direito do credor, e, por essa via, obstar à procedência total do pedido.
Por esse motivo, a redução equitativa prevista no art. 812º do CC está dependente da alegação dos factos respectivos, só podendo o juiz intervir quando for solicitado para tal pelo devedor e reconheça que a cláusula é manifestamente excessiva, sob pena de inutilizar a sua própria função e razão da sua existência. Quer isto dizer que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado art.º 812º não é de carácter oficioso, estando dependente de pedido nesse sentido formulado pelo devedor da indemnização. Neste sentido, veja-se na doutrina, Calvão da Silva, ob. cit., pág. 275, nota 502, Pites de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 81, e Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, 1999, Reimpressão, pág. pág. 734, e na jurisprudência, Ac. TRP supra citado, Ac. TRL de 04-12-2014, proc. 7964/13.2YIPRT.L1-8, relator Ilídio Sacarrão Martins e ainda Ac. TRL de 21-05-2020, proc. 28037/15.8T8LSB.L1-2 , relator Laurinda Gemas e jurisprudência citada em tais arestos, a que acrescem as indicações jurisprudenciais constantes das alegações.
Concluindo, entende-se que a redução de cláusula penal ao abrigo do disposto no art. 812º do CC é um poder que o juiz não pode exercer oficiosamente, necessitando de ser pedida pelo devedor interessado, através da alegação dos factos integradores da excepção em causa.
Não tendo sido deduzida contestação, não foi oportunamente alegado ser manifestamente excessiva a cláusula penal, pelo que não podia o tribunal recorrido decidir oficiosamente pela sua redução equitativa.
Ao fazê-lo, a sentença recorrida está ferida do vício de nulidade por excesso de pronúncia, o que determina a sua anulação e substituição por outra que condene o réu na totalidade dos pedidos contra ele deduzidos.
Refira-se, a terminar, que revogando esta parte da sentença, também o segmento relativo aos juros de mora deve ser substituído, nos exactos termos pugnados em alegações.
Por fim, e face ao que se vem de decidir, julga-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Assim sendo, impõe-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida no ponto 2 da parte decisória, substituindo-se a mesma por outra que condene o réu na totalidade dos pedidos contra ele deduzidos.
Consequentemente, o ponto 2 da sentença passará a ter a seguinte redacção:
“2. Condeno o R. C no pagamento à Autora A da quantia de 104.815,00€ a título de indemnização por café não consumido, no âmbito do contrato identificado como doc. 1 acrescida dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data limite fixada pela Autora para as Rés procederem ao pagamento da sua dívida (17-12-2015) e vincendos até integral e efetivo pagamento”.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
As custas devidas pela presente apelação ficam a cargo do apelado, cfr. art. 527º do CPC.

V. DECISAO
Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra em que o ponto 2 passa a ter a seguinte redacção:
“2. Condeno o R. C no pagamento à Autora A da quantia de 104.815,00€ a título de indemnização por café não consumido, no âmbito do contrato identificado como doc. 1 acrescida dos juros moratórios vencidos, aplicando as taxas de juros legais fixadas para os créditos de que são titulares empresas comerciais, contados desde a data limite fixada pela Autora para as Rés procederem ao pagamento da sua dívida (17-12-2015) e vincendos até integral e efetivo pagamento”.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelado.

Lisboa, 8 de Junho de 2021
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano