PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
RESOLUÇÃO DE CONTRATO
CLÁUSULA PENAL
Sumário

1.– Só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil.

2.– Ocorrendo erro na forma de processo, regra geral, apenas se anulam os atos que não puderem ser aproveitados (art. 193º, nº 1 do CPC), embora com o limite de garantias de defesa (nº 2).

3.– Contudo a convolação imposta pelo preceito tem “limites naturais”, nomeadamente a de se verificar que o ato que foi praticado não reúne os requisitos específicos do ato para o qual seria convolado.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



RELATÓRIO:


Em 21.11.2019, A [ ....Limited ] apresentou requerimento de injunção contra B, pedindo a notificação do Requerido no sentido de lhe ser paga a quantia de €9.643,63, sendo €8.051,10 de capital, €671,82 de juros vencidos até à data, €818,71 de “outras quantias”, e €102 de taxa de justiça.

Fundamenta o pedido no contrato de “mútuo”, datado de “10.2.1998”, e no seu incumprimento pelo requerido.

Os autos foram remetidos à distribuição por se ter frustrado a citação do requerido.

Os autos foram remetidos ao tribunal cível de Lisboa por ser o competente.

Em 17.11.2020 foi proferido despacho que declarou a anulação de todo o processado e, em consequência, absolveu o Requerido da instância.

Não se conformando com o teor da decisão, apelou a Requerente, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A)-A autora apresentou procedimento de Injunção para exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato de valor não superior a €15.000,00, nos termos do disposto nos Art. 7º e Art. 1º do diploma preambular do DL nº 269/98, de 01 de setembro.
B)-Pelo que, o recurso ao procedimento de Injunção em causa nos autos reúne os pressupostos legalmente exigidos para o efeito.
C)-É certo que a autora requereu, além do pagamento do capital em dívida e dos juros de mora vencidos, o pagamento a título de cláusula penal.
D)-Acontece que, o valor peticionado a título de cláusula penal constitui uma obrigação pecuniária e está em estrita conexão com o contrato celebrado e o seu consequente incumprimento, pelo que, não ultrapassa os limites do disposto no DL nº 269/98, de 01 de setembro.
E)-Ainda que assim não se entenda, o que não se prescinde, mas se refere por cautela de patrocínio, o pedido do valor devido relativamente à cláusula penal não é fundamento bastante para que o tribunal a quo considere que ocorreu erro na forma do processo.
F)-Quando muito, poderia o tribunal a quo absolver o réu parcialmente do pedido, nomeadamente, no que concerne ao pedido da cláusula penal.
G)-Acresce que, o tribunal a quo fundamenta também o erro na forma do processo o fato de considerar que a Injunção não é o meio adequado para notificar o réu da cessão de créditos entre o credor originário (cedente) e a autora (cessionária), referindo que a autora pretende alcançar outro efeito jurídico processual do procedimento de Injunção.
H)-Ora, a autora é parte legítima, no seguimento da cessão de créditos alegada nos autos.
I)-A notificação da cessão de créditos destina-se apenas a tornar esta cessão eficaz em relação ao devedor.
J)-Deste modo, é entendimento, inclusive do Supremo Tribunal de Justiça (de 3-6-04 - Rel. Noronha do Nascimento) que nada obsta a que este efeito se produza através da própria citação para a ação executiva ou declarativa.
K)-Neste entendimento também Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 29488/05.1YYLSB.L1-7, de 05/12/2009, relator Abrantes Geraldes: “a eficácia da cessão pode ser conseguida através da citação do devedor para a ação declarativa ou executiva.”
L)-Ora, a contrário do entendimento da decisão ora recorrida, a autora não pretende alcançar outro efeito jurídico processual da Injunção com essa notificação, nem se afigura como sendo esse o pedido da autora.
M)-Tão só a notificação da cessão é concretizada em simultâneo e por consequência da notificação do procedimento de Injunção, integradas num só ato.
N)-Não ocorreu, portanto, e com o devido respeito, erro na forma no processo.
O)-Sem prescindir, assumindo que eventualmente ocorresse erro na forma de processo, deveria o juiz a quo ter convolado os autos especiais em autos de processo comum.
P)-Dispõe o Art. 193º, nº 3, do Código de Processo Civil que “O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.”
Q)-Ora, decorre dos Arts. 6º e 590º, ambos do CPC, um poder dever de gestão processual, pelo que, não poderia o tribunal a quo deixar de convolar os presentes autos numa ação de processo comum e, consequentemente, adequar os mesmos e os respetivos articulados à nova forma adotada.
R)-Terá o Tribunal a quo efetuado, pois, uma errada interpretação do direito ao considerar que ocorreu erro na forma do processo e a ter ocorrido, não ter corrigido oficiosamente o meio processual.
S)-De tudo quanto ficou exposto, resulta que a decisão proferida nos presentes autos violou, desde logo, a contrario os Art. 7º cc o Art. 1º do diploma preambular do DL nº 269/98, de 01 de setembro, bem como aos Artigos 193º, nº 3, Artigos 6º e 590º, ambos do CPC, bem como violou o Artigo 196º, Artigo 278º, nº 1, al. e), Artigo 576º, nº 1 e 2 e Artigo 577º, al. b) todos do CPC.
T)-Deve-se aplicar ao caso vertente os Artigos 7º cc o Art. 1º do diploma preambular do DL nº 269/98, de 01 de setembro, bem como aos Artigos 193º, nº 3, Artigos 6º e 590º, todos do CPC.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, prosseguindo a ação intentada os seus termos até final, com as legais consequências.

Não se mostram juntas contra-alegações, não tendo o Requerido sido citado porquanto o tribunal recorrido entendeu que “Verifica-se que ocorre recurso indevido ao procedimento de Injunção, o que sempre determinará a absolvição da instância do(a) Requerido(a) razão pela qual, ao abrigo do dever de gestão processual, cumpre proferir despacho de indeferimento liminar, porquanto as diligências de citação configurariam a prática de ato inútil”.

QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), as questões a decidir são:
a)-se ocorre, ou não, erro na forma de processo;
b)-entendendo-se que ocorre erro na forma de processo, se apenas há lugar à mera absolvição parcial do pedido, ou, assim não se entendendo, se o tribunal devia ter convolado o processo especial em processo comum.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além do constante do relatório supra, resulta dos autos:
1-No RI de injunção alegou a requerente: “I - Por contrato de cessão de créditos celebrado em 26/06/218 [1], o Banco, SA, sociedade incorporante, por fusão, de C – Banco de Crédito ao Consumo, SA e do B, SA, cedeu à A Limited, ora Requerente, o crédito vencido que detinha sobre o ora Requerido B com todas as garantias e direitos acessórios inerentes. II – Em conformidade, é a Requerente a atual titular do(s) crédito(s) cujo pagamento é ora exigido. Acresce que, III – o Requerido celebrou com o Banco X, SA, sociedade incorporante, por fusão, de C – Banco de Crédito ao Consumo, SA e do Banco D, SA, um contrato de crédito com o nº …. IV – Sucede que o Requerido em 10/02/2003 incumpriu o referido contrato, ficando por regularizar a quantia de 8.051,10€. V – Pelo exposto, é o Requerido responsável pelo pagamento junto do Requerente dos montantes acima descritos a título de capital, juros e despesas”.

2- O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “… Vejamos. Impende sobre a parte o ónus de alegação e de prova dos factos que sustentam o pedido. No caso dos autos, não vêm alegados nem o capital mutuado, nem a data de início do contrato, nem o número de prestações a que o(a) R se terá obrigado, nem o seu montante, nem, tão pouco, qual a data do não pagamento das prestações ou o seu número, nem qual o capital em dívida à data do “incumprimento definitivo do contrato”, nem a que se destinou o mútuo.  Ora, nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de setembro se o Requerido, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente. Sucede que, tanto quanto resulta do alegado no Requerimento de Injunção, a(o) Requerente não celebrou qualquer contrato com o(a) Requerido(a), advindo-lhe a legitimidade para a ação de “contrato de cessão de créditos”.  Sucede, também, que, para aquilo que releva para a economia da presente decisão, se considera injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular. Ora, nos termos do artigo 1º do Decreto Preambular, a Injunção destina-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000. Contudo, no caso dos autos, a(o) Requerente não exige o pagamento de prestação vencida e não paga, no âmbito de um contrato mas, sim, um valor que identifica como sendo “o valor em dívida à data da cessão do crédito”, não tendo, desde logo, explicitado quais os elementos objetivos do contrato cujo crédito segundo refere lhe terá sido cedido. Em bom rigor, se bem se compreende, entre Requerente e Requerida(o) não foi celebrado qualquer contrato, integrando tal “valor em dívida à data da cessão do crédito” um crédito cedido por terceira entidade. Ora, no caso, não foi alegada, pela Requerente, qualquer obrigação comercial diretamente emergente de contrato (estará em causa um saldo de liquidação?) e, em bom rigor, a Requerente nada alegou quanto ao contrato que terá estado na origem do crédito que, segundo refere, lhe terá sido transmitido por terceira. Com efeito, a Requerente limitou-se a alegar que a quantia em dívida a título de capital e que lhe foi cedida ascendia ao referido montante de 8.051,10€, nada mais tendo alegado. Assim, se a referida quantia não respeita a atraso no pagamento mas a “cessão de um crédito” de liquidação contratual, na sequência de resolução por incumprimento definitivo, pela entidade financeira, haverá que concluir, como se conclui, que a Requerente não podia lançar mão do Requerimento de Injunção. Conforme tão bem salienta o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2015 do qual foi relatora a Exma. Sr.ª Desembargadora Maria Teresa Albuquerque, que se reporta a situação que exige resposta substancialmente idêntica, quanto a resolução, e cujo sumário se transcreve: “I -Constitui pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato. II - A obrigação “diretamente” pecuniária, corresponde à pecuniária em sentido estrito: aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação. III- Por isso, no procedimento da injunção, não podem estar em causa obrigações de valor – estas não têm originariamente por objeto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação. IV- O legislador em matéria de injunções foi sensível à circunstância de que a cobrança de dívidas pecuniárias (em sentido estrito) implica para se alcançar a satisfação plena do credor a esse nível, que o mesmo se ressarça dos juros referentes ao atraso no pagamento e das quantias despendidas para a respetiva cobrança. Apesar desses juros e destas despesas constituírem obrigações de indemnização, têm origem direta no ressarcimento das dívidas pecuniárias acionadas, e não levantam “a priori” problemas de quantificação: ali, porque a liquidação dos juros se faz pelo modo abstrato de cálculo a que se refere o art. 806º/1 CC; aqui, porque as despesas de cobrança são praticamente padronizadas e pouco significativas. V- A cláusula penal não comunga das características acima enunciadas. Ainda que se possa traduzir numa quantia pecuniária já fixada contratualmente – pois que em contratos como o dos autos resulta simplesmente da multiplicação do valor da mensalidade pelo período de permanência em falta - não é expressão, «mera consequência», como os acima referidos juros e as despesas de cobrança, da simples recuperação de dívidas pecuniárias. VI- O objetivo do legislador nesta matéria não foi o da economia processual, mas o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico. VI- Não pode deixar-se prosseguir como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos injunção interposta para acionamento da cláusula penal, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor para obter título executivo que bem sabia à partida que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.” Pelo exposto, continuando a seguir a mesma Jurisprudência, o uso indevido e inadequado deste processo de injunção configura uma exceção dilatória inominada, a qual impõe a consequente absolvição da Ré da instância. O erro na forma de processo determina, em princípio, apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados. Mas, in casu, o erro determina a anulação de todo o processado na justa medida em que a própria petição não pode ser aproveitada por não obedecer aos requisitos previstos nos artigos 552º, nº 1 e 147º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil», terminando, pois, por absolver a R. da instância.” Neste ponto, impõe-se salientar que a Injunção está prevista para uma causa de pedir simples, que visa o reconhecimento de um direito de crédito e que apenas exige a alegação da existência de um contrato e a mora na obrigação de pagamento do preço, pelo devedor. Já a resolução e subsequente liquidação contratual constitui tecnicamente um direito potestativo e pressupõe: - a verificação de uma situação de incumprimento definitivo, que, na ausência de um prazo perentório, terá que ser precedida da comunicação admonitória, nos termos do artigo 808º do Código Civil; - a alegação da própria declaração revogatória, para os efeitos do disposto no artigo 432º do Código Civil. Assim, a razão da inadmissibilidade do recurso à Injunção não se prende com a verificação de uma “causa complexa”, no sentido leigo do termo, mas, sim, no seu sentido técnico. Nos termos expostos, impõe-se - sem mais - a anulação do processado no que respeita ao pedido de condenação do(a) Requerido(a) no pagamento da quantia indicada na Injunção, cujo fundamento assenta na resolução do contrato e subsequente cessão de créditos, por tal causa de pedir não ser suscetível de ser processualmente configurável por via da Injunção – cfr. artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro. …”.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Considerando que a Requerente tinha feito uso indevido de Requerimento de Injunção, o tribunal recorrido, julgando verificada a exceção dilatória inominada de erro na forma de processo, anulou o “processado no que respeita ao pedido de condenação do(a) Requerido(a) no pagamento da quantia indicada na Injunção, cujo fundamento assenta na resolução do contrato e subsequente cessão de créditos, por tal causa de pedir não ser suscetível de ser processualmente configurável por via da Injunção – cfr. artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro”.

Insurge-se a apelante contra o decidido sustentando:
- A A. apresentou procedimento de injunção para exigir o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato de valor não superior a €15.000,00, nos termos do disposto nos arts. 7º e 1º do diploma preambular do DL nº 269/98, 1.9, pelo que o recurso ao presente procedimento reúne os pressupostos legalmente exigidos para o efeito;
- Sendo certo que a A., além do pagamento do capital em dívida e dos juros de mora vencidos, peticionou o pagamento a título de cláusula penal, não menos certo é que o valor peticionado a este título constitui uma obrigação pecuniária e está em estrita conexão com o contrato celebrado e o seu consequente incumprimento, não ultrapassando os limites do disposto no DL nº 269/98, de 1.9;
- Ainda que assim não se entenda, o pedido do valor devido relativamente à cláusula penal não é fundamento bastante para que se considere que ocorre erro na forma do processo, podendo, quando muito, determinar a absolvição parcial do R. do pedido na parte respeitante à cláusula penal;
- O tribunal recorrido fundamenta, também, o erro na forma do processo por considerar que a injunção não é o meio adequado para notificar o R. da cessão de créditos entre o credor originário (cedente) e a A. (cessionária), contudo, a notificação da cessão de créditos destina-se apenas a tornar esta cessão eficaz em relação ao devedor, e pode ser concretizada em simultâneo e por consequência da notificação do procedimento de injunção, integradas num só ato, conforme jurisprudência dos tribunais superiores;
- Ainda que se entenda que ocorre erro na forma de processo, deveria o juiz recorrido ter convolado os autos especiais em autos de processo comum.

Vejamos, adiantando que não assiste razão à apelante.

As formas de processo são a comum e a especial, aplicando-se esta aos casos expressamente designados na lei, e aquela, por exclusão de partes, quando ao caso não corresponda processo especial (art. 546º, nºs 1 e 2 do CPC).

O caso para que o processo especial foi criado pela lei está designado pelo seu fim.

Por outro lado, o fim a que se destina o processo resulta da respetiva PI, concretamente do pedido formulado que se pretende ver acolhido pelo tribunal, “enformado” pela causa de pedir.
Nesta conformidade, deve empregar-se processo especial quando o pedido formulado na petição inicial corresponde precisamente ao fim para o qual a lei estabeleceu esse mesmo processo [2].

O DL nº 269/98, de 1.09, aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância [3] – art. 1º -, visando estabelecer “vias de desjudicialização consensual” para certo tipo de litígios que estavam a causar efeitos perversos nos tribunais (ver respetivo preâmbulo).

O art. 1º do DL. 269/98, de 1.09 sofreu 2 alterações, a 1ª introduzida pelo DL. nº 107/2005, de 1.07, e a 2ª pelo DL nº 303/2007, de 24.08, passando a estatuir, por força desta última alteração, que os regimes aprovados se destinam a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000.

Um dos referidos regimes previstos no Anexo ao mencionado diploma legal [4], é a Injunção, regulada no capítulo II, definindo-a o art. 7º como “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações a que se refere o nº 1 do Decreto-Lei nº 269/98, de 1.09” .

Este artigo (7º) veio a ser alterado pelo art. 8º do DL nº 32/2003, de 17.2 [5], passando a ter a seguinte redação: “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro” [6].

Como explica Salvador da Costa, em Injunções e as Conexas Ação e Execução, 5ª ed. atual. e ampl., 2005, pág. 151, este procedimento “visa a realização de objetivos de celeridade, simplificação e desburocratização da atividade jurisdicional, pensada com vista ao descongestionamento dos tribunais no que concerne à efetivação de pretensões pecuniárias de médio ou reduzido montante, pressupondo a inexistência de litígio atual e efetivo entre o requerente e o requerido”.

No caso, a apelante lançou mão do requerimento injuntivo à luz do disposto na 1ª parte do referido art. 8º, não estando em causa qualquer obrigação emergente de transação comercial prevista no DL nº 62/2013, de 10.5, tendo em conta a definição dada pelo art. 3º, nº 2, al. b) deste diploma legal [7].

Assim, e no que ora importa, nos termos do referido art. 8º, a providência de injunção tem por fim conferir força executiva  a requerimento destinado a exigir o cumprimento “de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000” [8].

A lei fala em obrigações pecuniárias, e a jurisprudência vem entendendo que em causa estão as obrigações pecuniárias stricto sensu, ou seja, “aquelas cuja prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro (“pecunia”), que se toma pelo seu valor propriamente monetário” (e que se distinguem das obrigações de valor, porquanto, nestas “o objeto não consiste diretamente numa importância monetária, mas numa prestação diversa, intervindo o dinheiro apenas como meio de determinação do seu quantitativo ou da respetiva liquidação” – Mário Júlio de Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e atual., págs. 735/736).

Também Paulo Teixeira Duarte, em Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção, publicado na “Themis”, VII, nº 13, págs. 184/185, demarca negativamente a pretensão substantiva que pode ser processualizada no processo de injunção referindo que são “apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objeto da prestação seja diretamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária”, concluindo que, “Daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro”.

Salvador da Costa, na ob. cit., pág. 41, também entende que o objeto dos procedimentos especiais previstos pelo DL nº 269/98, de 1.09, são as obrigações que se reportam a uma prestação em dinheiro, e que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, …”.

Ora, atentando no alegado no requerimento de injunção verifica-se, como o fez o tribunal recorrido, que a apelante não peticiona o pagamento de qualquer prestação vencida e não paga no âmbito do contrato (cujos termos não concretizou), mas um valor que ficou por regularizar pelo requerido por força do seu incumprimento contratual, e na sequência de resolução por incumprimento, estando em causa uma obrigação indemnizatória, de valor [9], concluindo-se, como concluiu o tribunal recorrido, que a requerente não podia lançar mão da Injunção, porquanto o pedido formulado no RI não corresponde ao fim para o qual a lei estabeleceu aquele procedimento.

Nesta conformidade, não tem fundamento a requerida absolvição parcial do R.  do pedido na parte respeitante à cláusula penal, que não foi, sequer, devidamente discriminada.

Tal como carece de fundamento a requerida a convolação dos autos especiais em autos de processo comum.

A consequência do erro na forma de processo consiste, regra geral, na anulação, apenas, dos atos que não puderem ser aproveitados (art. 193º, nº 1 do CPC), estando subjacente o princípio de máximo aproveitamento dos atos processuais, embora com o limite de garantias de defesa (nº 2).

Contudo a convolação imposta pelo preceito tem “limites naturais”, nomeadamente a de se verificar que o ato que foi praticado não reúne os requisitos específicos do ato para o qual seria convolado [10], ou seja, quando nada se puder aproveitar por haver uma incompatibilidade irredutível entre a forma que se seguiu e a que devia seguir-se, como sucede quando a petição não puder ser aproveitada para a forma de processo que se devia adotar, como é o caso.

A causa de pedir assente em resolução contratual pressupõe a alegação de factos atinentes aos termos do contrato, nomeadamente as relativas às formas e prazos de pagamento, à verificação de uma situação de incumprimento definitivo, por ter sido ultrapassado prazo perentório, ou por ter sido efetuada comunicação admonitória nos termos do artigo 808º do CC, e à própria declaração revogatória, para os efeitos do disposto no artigo 432º do CC, tal como referiu o tribunal recorrido.

Pelo que, a exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão exigida no requerimento de injunção (art. 10º, nº 2, al. d) do Anexo ao DL nº 269/98, de 1.09), é irredutivelmente incompatível com a exposição dos “factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação” no caso.

Fica prejudicada a apreciação da questão respeitante à cessão de créditos, atento o que se deixa escrito, sempre se dizendo que não se nos afigura que o tribunal recorrido tenha assente, também, a verificação da exceção de erro na forma de processo na consideração de que a injunção não era o meio adequado para notificar o R. da cessão de créditos, como invoca a apelante, apenas tendo tido em conta a natureza do crédito cedido, sendo certo que a notificação da cessão podia, efetivamente, ser feita concomitantemente com a notificação da injunção, na medida em que se mostrava devidamente alegada no RI, e está em causa, apenas, a sua eficácia relativamente ao devedor.

Em conclusão, improcede a apelação, devendo manter-se a decisão recorrida.

As custas da apelação ficam a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC).

DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
*


Lisboa, 2021.05.25


Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara


[1]Existe manifesto lapso de escrita, pretendendo a Requerente escrever “2018”.
[2]Cfr. Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. I, Reimpressão, 1982, pág. 8.
[3]Que, à data, era de 500.000$00 (€2.493,99) – art. 20º da Lei nº 38/87, de 23.12.
[4]Que faz parte integrante do mencionado decreto-lei – art. 1º, parte final.
[5]Que transpôs “para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.06, a qual estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais” – art. 1º.
[6]Entretanto, o DL nº 32/2003, de 17.2, foi, no essencial, revogado, com exceção dos artigos 6º e 8º, e substituído pelo DL nº 62/2013, de 10.5.
[7]O art. 3º, nº 2, al. b), do DL nº 62/2013, de 10.5, define transação comercial como “…uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”.
[8]Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário apõe fórmula executória no requerimento – art. 14º, nº 1 Anexo ao DL. 269/98, de 1.09.
[9]Como já referido, o critério para aferir da propriedade da forma de processo utilizado consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue, o que passa, apenas, pela análise da PI, no seu todo, irrelevando os factos trazidos posteriormente aos autos. Nesta conformidade são irrelevantes, porque não constantes do RI, os factos alegados nos pontos 3. a 5. das alegações, que, contudo, confirmam a leitura feita do RI.
[10]Neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa (ora 1º adjunto), no CPC Anotado, Vol. I. pág. 233.