OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE
CESSAÇÃO
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
TEMAS DA PROVA
Sumário

1.–A matéria de facto que já se encontra plenamente provada aquando da prolação do despacho a que alude o n.º 1 do art. 596.º do C.P.C., não pode, nem deve, desde logo por manifesta inutilidade, ser objeto dos temas de prova.

2.–É por isso que, embora a lei o não diga expressamente,os factos que naquele momento já se encontrem assentes devem ser como tal enunciados no despacho saneador, de modo a evitar que as partes, por cautela e receio, na audiência final venham a produzir sobre eles prova testemunhal, sem qualquer resultado útil.

3.–Interpretando a contrario sensu o atual n.º 4 do art.607.º,do CPC/2013, segundo o qual, «na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados (...)», é de manter o entendimento sufragado na vigência do eliminado n.º 4 do art. 644.º do C.P.C./95-96, no sentido de sancionar como não escrito um facto conclusivo, o qual, em retas contas, é reconduzível a uma valoração jurídico-substantiva essencial, a extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.

4.–É sobre aquele que pretende ver declarada a cessação da obrigação de prestação de alimentos ao ex-cônjuge, com o fundamento de não pode continuar a prestá-los, que recai o ónus de alegação e prova de factos demonstrativos da modificação da sua situação pessoal, e que em consequência dessa modificação deixou de poder prestar os alimentos, enquanto factos constitutivos do seu alegado àquela cessação.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO[1]:


JC intentou a presente ação de cessação de prestação de alimentos contra MG, alegando, em suma, que por acordo de prestação de alimentos para efeitos de divórcio por mútuo consentimento, celebrado em 10.01.2006, ficou obrigado ao pagamento da quantia de 200,00€ mensais à ex-cônjuge.
Tal prestação foi aceite pelo demandante por pressão da demandada e como contrapartida à concretização de divórcio por mútuo consentimento.
Autor e ré foram casados por período inferior a dois anos, sendo que o casamento nunca chegou a produzir os efeitos pretendidos, nomeadamente de partilha de vida e vivências em comum.
A própria duração do casamento não trouxe alteração de vida à demandada nem novas necessidades económico-financeiras.
A imposição do recebimento de uma pensão de alimentos como condição de aceitação de um divórcio não litigioso pelo cônjuge mulher e a vontade do marido em ver o seu casamento dissolvido, originou a assunção de uma responsabilidade futura sem necessária reflexão pelo próprio.
Atualmente, 14 anos depois do divórcio, sem que haja qualquer contacto entre as partes, o demandante continua obrigado a suportar a vida de uma pessoa que nada lhe diz e que muito pouco lhe disse no seu passado.
Para além disso, os rendimentos do demandante mantêm-se inalterados desde aquela época, mas as suas despesas aumentaram exponencialmente o que faz “ferir de morte” a sua capacidade financeira contributiva.

Conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos e nos melhores de direito que doutamente serão supridos por V. Exa. requer-se que seja decretada a cessação da obrigação de prestar alimentos à requerida por não serem exigíveis nem necessários, com efeito à data de entrada da presente acção.
Caso assim se não entenda requer-se que seja decretada a diminuição da prestação de alimentos para valor não superior a 50,00€ mensais, com efeitos à data da entrada da presente acção.»
*

Após a realização da conferência de interessados, onde as partes não chegaram a acordo, a requerida apresentou contestação, na qual impugnou o alegado pelo requerente na petição inicial, acabando por concluir no sentido da improcedência da pretensão deste, com a consequente manutenção da obrigação da prestação de alimentos a que o mesmo se encontra adstrito.
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Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Em face do exposto, decide-se (...) julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, determina-se a cessação da obrigação que recaia sobre o autor, JC de pagar alimentos à ré, MG, com efeitos a partir da data da propositura da acção.»
*

Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«I.- Foi proferida sentença, a qual julgou a acção totalmente procedente e, em consequência determinou a cessação da obrigação que recaia sobre o A., JC de pagar alimentos à Ré, MG, com efeitos a partir da data da propositura da acção.
II.- Ora, não pode a Ré, ora Apelante concordar com o entendimento deste Tribunal!
III.- Salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar, no caso dos autos, como “factos provados”:
3.- O casamento (...) não houve partilha de vida e vivências em comum.
4.- O casamento não trouxe alteração de vida à Ré.
5.- O montante de pensão de alimentos identificado no ponto nº 2 foi aceite pelo autor como contrapartida à concretização de divórcio por mútuo consentimento.
IV.E, ainda, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar, como “factos não provados”:
b)- Que foi o autor quem, à data, propôs pagar à Ré uma pensão de alimentos no valor de € 200,00.
c)- Que a ré deixara de auferir pensão de viuvez, no montante de cerca de € 180,00.
d)- Gasta em medicação o valor de cerca de € 30,00.
e)- Que o autor actualmente, aufere uma pensão de reforma, superior a € 2.107,73.
V.Com efeito, salvo melhor opinião, ao ter decidido dessa forma, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação dos documentos juntos aos autos, dos depoimentos prestados pela testemunha inquirida e das declarações das partes em audiência de discussão e julgamento e, desde logo e, prima facie, violou a lei substantiva, por erro na interpretação e aplicação de norma jurídica aplicável.
VI.O Apelado não alega, designadamente quais os seus rendimentos, cingindo a motivação fáctica (e prova) da sua pretensão de cessação da pensão de alimentos judicialmente determinada, à alegada existência de despesas mensais supervenientes no valor de € 208,68 (duzentos e oito euros e sessenta e oito cêntimos) (€ 278,15 - € 69,47), a título de renda, acrescido de € 100,00 (cem euros), a título de despesas medicamentosas, no valor global de € 308,68 (trezentos e oito euros e sessenta e oito cêntimos)!
VII.Nos termos do disposto no art. 342º nº 1 do Código Civil, recai sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos o ónus de alegação e prova dessa alteração (seja pela via do acréscimo de despesas, seja pela via da redução do rendimento, comparativamente com o verificado à data em que a prestação alimentar foi fixada), ou seja, neste caso tal ónus incidia sobre o A., ora Apelado, sendo que in casu o mesmo não deu cumprimento à obrigação legal que sobre ele impende, designadamente alegando e provando os seus rendimentos à data da fixação da pensão e actualmente.
VIII. Em alternativa, poderia (deveria!), o Apelado ter alegado (e provado) qual a circunstância superveniente que representaria o acréscimo dos rendimentos da Apelante, por forma a fundamentar a inexistência de necessidade da pensão de alimentos pela Apelante, o que também não fez! – aliás, nem poderia, face à parca situação financeira da Ré, ora Apelante.
IX. Assim, o Tribunal a quo violou, designadamente, a lei substantiva, por erro na interpretação e aplicação de norma jurídica aplicável e a violação da disposição legal que fixa a atribuição do ónus da prova.
X. Quanto à matéria de facto considerada “provada” e “não provada”, salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar “provados” os factos enunciados em III.1 ponto 3 (parte final), 4 e 5 e de outra banda ao considerar “não provados” os factos enunciados em III.2 al. b), c), d) e e).
XI.Com efeito, feita a concatenação de documentos, depoimento da testemunha ZS e declarações das partes, julgamos inequívoco que deve ser alterada a resposta à matéria de facto mencionada.
XII.E, em consequência, não ficou demonstrado que, a situação económica do A., do ponto de vista de rendimento se deteriorou em comparação com a sua situação à data da fixação dos alimentos (aliás, de acordo com a experiência comum terá ocorrido, precisamente o contrário!).
XIII. No que concerne às despesas, provou-se que a renda do A. aumentou € 208,68 e que tem despesas de farmácia de € 100,00.
XIV. Sem embargo e, no que concerne às despesas de farmácia, ficou a Ré sem saber – e, bem assim, o Tribunal – qual o montante que o A. suporta a mais, à data, uma vez que, de acordo com declarações prestadas pelo próprio, teve despesas com cirurgias (mas já não tem!) e à data da fixação da pensão de alimentos, já tinha despesas de saúde!
XV. Assim, quanto às despesas acrescidas do A., o mesmo não fez prova de que as mesmas sejam em montante superior a € 208,68 (diferencial da renda) e, bem assim que, a sua situação financeira tenha piorado, porquanto “olvidou“ o Requerente de alegar (e provar) o montante por si auferido à data da fixação da pensão de alimentos, a título de reforma, por contraposição com o montante actualmente auferido, o que não é de todo despiciendo.
XVI.No que respeita à Ré, ora Apelante, a qual tem actualmente 78 anos (ponto 9. dos factos provados) não logrou o requerido fazer prova que a sua situação económico financeira tenha melhorado, por forma a permitir a cessação da obrigação de alimentos ou, sequer, a sua redução.
XVII. Apenas à luz de clara má fé se pode justificar que face aos rendimentos e às despesas do A. venha o mesmo invocar que não pode continuar a prestar alimentos à Requerida!
XVIII. Ainda mais, sabendo que a Ré aufere uma pensão que não lhe permite sequer sobreviver?!
XIX. Face à prova produzida em julgamento provou-se que o mesmo aufere, actualmente (quanto ao rendimento à data da fixação da pensão, o A. não alegou o mesmo), um rendimento mensal não inferior a € 2.107,73 (ilíquido), tendo o mesmo sofrido um acréscimo de € 208,68 na sua renda, desde a data da fixação da pensão em discussão.
XX. De outra banda, foi feita prova de que a Ré, ora Apelada, aufere mensalmente o montante de € 308,03, a título de pensão de reforma, uma vez que deixara de auferir a pensão de viuvez.
XXI. É totalmente amoral e ofensivo que, o A., ora Apelado, auferindo a título de reforma o quíntuplo do montante auferido pela Ré e sabendo que o montante por ele proposto a título de pensão de alimentos é imprescindível à subsistência da mesma, venha requerer a cessação da referida pensão!
XXII.O Tribunal a quo refere que: “A lei ressalva, naturalmente, as situações em que se verifique que um dos ex-cônjuges necessita efectivamente dessa prestação de alimentos, face à dificuldade séria em os obter pelos seus próprios meios e ao patente desequílibrio de situações patrimoniais entre os dois, com inequívoca vantagem para aquele que ficará vinculado à obrigação jurídica de os prestar”, sem que depois retire as devidas conclusões.
XXIII. Finalmente quanto à pretenção do A., ora Apelado, é caso para utilizar o velho apanágio: “sol na eira e chuva no nabal” ! – o A. alega que não tem condições financeiras para pagar € 200,00, a título de pensão de alimentos (quando aufere, mais de 2.000,00 ilíquidos), para depois defender que os € 300,00, auferidos pela Ré, a título de pensão de reforma, são suficientes para esta viver!
XXIV. Face ao exposto e, sem mais considerações, dúvidas não restam que a Ré está impossibilitada de prover ao seu sustento e, ao contrário, o A. aufere rendimentos que lhe permitem uma vida muito desafogada, não tendo qualquer limitação que o impeça de pagar a pensão devida à Ré, conforme inúmera jurisprudência (a título meramente exemplificativo v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/11/2017, Proc. 2032/15.5T8BRR.L1-2 - por unanimidade), pelo que vem a Ré, ora Apelante, respeitosamente, pugnar pela revogação da sentença proferida nos termos expostos.
Nestes termos e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a sentença recorrida,
Só assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!»
*

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.
***

IIÂMBITO DO RECURSO:

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[2]) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (art. 635.º, n.º 4).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
a)- se há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;
b)- se deve manter-se a obrigação do recorrido prestar alimentos à recorrente.
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IIIFUNDAMENTOS:

3.1- Fundamentação de facto:

3.1.1A sentença recorrida considerou provado que:
«1.- O autor e a ré contraíram matrimónio em 16 de Abril de 2004.
2.- Em 20 de Janeiro de 2006, foi proferida decisão na Conservatória do Registo Civil de ___, a qual decretou o divórcio por mútuo consentimento de MG e JC, tendo ainda homologado o acordo sobre a prestação de alimentos à cônjuge mulher, nos termos do qual o autor, ficou obrigado a pagar à ré, a quantia de €200,00 (duzentos euros), a título de pensão de alimentos, a liquidar até ao dia 5 de cada mês, por depósito na sua conta bancária com o nº ____.
3.- O casamento teve a duração de um ano e nove meses e não houve partilha de vida e vivências em comum.
4.- O casamento não trouxe alteração de vida à ré.
5.- O montante de pensão de alimentos identificado no ponto n.º 2 foi aceite pelo autor como contrapartida à concretização de divórcio por mútuo consentimento.
6.-O autor tem 81 anos, vive em casa arrendada e paga mensalmente de renda o montante de € 278,15.
7.- Em Julho de 2006 pagava de renda o montante de € 69,47.
8.- Tem presentemente problemas de saúde e gasta mensalmente em medicação o montante de cerca de € 100,00.
9.- A ré tem 78 anos e aufere mensalmente o montante de € 308,03.
10.- À data do casamento com o autor era viúva e auferia o montante mensal de € 256,72.
11.- Vive sozinha em casa arrendada e paga mensalmente de renda o montante de € 81,00 e de passe social o montante de € 15,00.
12.- Tem despesas de electricidade, água e telefone no montante mensal de cerca de € 87,00.
13.- Tem despesas de alimentação no montante de cerca de € 200,00 mensais.»

3.1.2–A sentença recorrida considerou não provado que:
«a)- o autor gasta em medicação cerca de € 200,00 mensais.
b)- foi o autor quem, à data, propôs pagar à ré uma pensão de alimentos no valor de € 200,00.
c)- a ré deixou de auferir pensão de viuvez no montante de cerca de € 180,00.
d)- a ré gasta em medicação o valor de cerca de € 30,00.
e)- o autor, actualmente, aufere uma pensão de reforma, superior a € 2.107,73.»
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3.2MÉRITO DO RECURSO:

3.2.1-Considerandos prévios:
Com a singela referência «ao disposto no artigo 593., n.º 1 do CPC», a senhora juíza a quo dispensou a realização da audiência prévia, tendo proferido despacho saneador, no qual, fixou o objeto do litígio[3] e enunciou assim os temas da prova:
«b)- Temas de Prova:
Matéria de Facto Provada
b1)- Em 20 de Janeiro de 2006, foi proferida decisão na Conservatória do Registo Civil de ____, a qual decretou o divórcio por mútuo consentimento de MG e JC, tendo ainda homologado o acordo sobre a prestação de alimentos à cônjuge mulher, nos termos do qual o autor, ficou obrigado a pagar à ré, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de pensão de alimentos, a liquidar até ao dia 5 de cada mês, por depósito na sua conta bancária com o nº ____.
b2)- O autor e a ré contraíram matrimónio em 16 de Abril de 2004.
b2)- Matéria de Facto Controvertida:
a)-Identificar os rendimentos do autor, as suas despesas mensais e os respectivos montantes?
b)- Identificar os rendimentos da ré, as suas despesas mensais e os respectivos montantes?
c)- Qual a contribuição que cada um deu para o casamento e para a vida familiar?»
A senhora juíza a quo labora, salvo o devido respeito, em evidente equívoco, em matéria de enunciação dos temas da prova.

Tal como referido na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 113/XII «relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais de uma quesitação atomística e sincopada de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa.»
Conforme salienta Paulo Pimenta, «por isso é que o art. 410.º, sobre o objecto da instrução, diz que esta tem por objeto “os temas da prova enunciados”. Como é evidente, a prova recai sobre factos e não sobre temas. O que o art. 410.º pretende significar é que, na produção de prova, os factos a considerar serão todos os que tenham atinência com os temas da prova enunciados.» [4].
Afirma ainda o Autor que «quando mais adiante o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual.
Estamos aqui perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo direto entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos[5], seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos autos, se limite a “responder” a questões que não é suposto serem sequer formuladas.
Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos temas da prova, cumpre dizer que o modelo a empregar é fluído, não sendo suscetível de se submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as relativas ao questionário e à base instrutória.
Agora, a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas. Nessa conformidade, os temas da prova serão aqueles que os exactos termos da lide justifiquem. (...) pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos integradores do tipo ou dos tipos legais accionados pelas alegações das partes, o que implica que o juiz e os mandatários atentem nisso. Para essa ponderação contribuirá também a circunstância de, nos termos do CPC de 2013, a enunciação dos temas da prova ocorrer em seguida à identificação do objecto do litígio, já que esta identificação logo demandará uma adequada consciencialização daquilo que está realmente em jogo em cada acção.»[6].
A este respeito, refere Lebre de Freitas que «(...) a decisão de facto continua a incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais: o tribunal relata tudo o que, quanto ao tema controvertido, haja sido provado, ainda sem qualquer preocupação quanto à distribuição do ónus da prova.
Sobre esta distinção apenas a decisão de direito se preocupará. Consequentemente, se o tribunal de recurso, em apelação ou em revista, vier a fazer uma interpretação diferente da do tribunal da 1.ª instância, da norma, geral ou especial, de distribuição do ónus da prova, os factos que interessem a esta noa perspetiva constarão todos da decisão de facto, que por esse motivo deverá ser alterada ou completada[7].
A distinção entre matéria de facto e matéria de direito esbate-se no despacho do art. 596, que poderá enunciar temas da prova usando qualificações jurídicas que na anterior base instrutória eram inadmissíveis.»[8].

Ou seja, com a enunciação dos temas da prova (art. 596.º, n.º 1), o legislador pretendeu erradicar, de uma vez por todas, da prática judiciária portuguesa, a cultura durante décadas arreigada à figura do questionário, elegendo os temas da prova como a vertente normativa ou jurídica dos factos principais integradores da causa de pedir ou das exceções (ou seja, factos essenciais, complementares e concretizadores - art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. b)) que subsistem controvertidos.
Os temas da prova constituem, por isso, a vertente normativa ou jurídica dos factos principais integradores da causa de pedir ou das exceções (ou seja, factos essenciais, complementares e concretizadores - art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. b)) que subsistem controvertidos, factos esses sobre os quais incidirá a produção da prova, enquanto atividade desenvolvida em juízo com vista ao convencimento do julgador acerca da realidade de um determinado facto, e que passa utilização de meios de prova.
Os temas da prova, constituindo a dita vertente normativa ou jurídica dos factos principais, assumem, normalmente um cariz vago, genérico, por vezes conclusivo e até jurídico, representando um instrumento delimitador do âmbito da atividade instrutória da causa, que terá por objeto mediato, como se frisou, não os temas da prova enunciados, mas os concretos factos jurídicos em que eles se traduzem e desdobram, e sobre os quais incidirá o juízo probatório, nos termos dos arts. 607.º, n.ºs 3 e 4[9].
Por outras palavras, apesar do art. 410.º dispor que a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os concretos factos jurídicos incorporados no processo que incide a produção de prova através da atuação dos respetivos meios de prova, tal como decorre dos arts. 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, e não, repete-se, sobre os temas de prova enunciados.
Isto, para além de, como já referido, serem os enunciados fáticos e não os temas da prova, que o art. 607.º, nos seus n.ºs 3 e 4, impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença.
Tal como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 13.11.2014, Proc. n.º 444/12.5TVLSB.L1.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, perante uma enunciação puramente conclusiva dos temas da prova, cabe ao juiz, na fase de julgamento, ao considerar provada ou não provada a concreta matéria de facto a que eles se reportam, a tarefa de especificar e densificar tal factualidade concreta, fundamentando a sua decisão, não podendo limitar-se a considerar provada ou não provada a matéria, puramente conclusiva, que na fase de saneamento e condensação havia sido enunciada.
É claro que se algum dos temas da prova corresponder a um concreto facto jurídico, nomeadamente, a um facto constitutivo ou excetivo, será ele o alvo direto da instrução[10].
Importa, no entanto, ter presente que apesar de nada obstar a que os temas de prova surjam enunciados como factos jurídicos concretos, isso não pode, nem deve constituir a regra, apenas se admitindo tal prática em casos pontuais, que verdadeiramente o justifiquem, sob pena de se adulterar a vontade do legislador e se desvirtuarem princípios basilares orientadores do processo civil português vigente.
No caso concreto, a senhora juíza a quo inclui entre os «b) Temas de Prova», «Matéria de Facto Provada:
«b1)- Em 20 de Janeiro de 2006, foi proferida decisão na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, a qual decretou o divórcio por mútuo consentimento de MG e JC, tendo ainda homologado o acordo sobre a prestação de alimentos à cônjuge mulher, nos termos do qual o autor, ficou obrigado a pagar à ré, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de pensão de alimentos, a liquidar até ao dia 5 de cada mês, por depósito na sua conta bancária com o nº ____.
b2)- O autor e a ré contraíram matrimónio em 16 de Abril de 2004.»

Tais enunciados não são, obviamente, temas da prova.
Se é certo que não está vedado ao juiz a enunciação, após contraditório, dos factos já assentes, sobre os quais não terá que incidir mais prova[11], é evidente que a enunciação desses factos já plenamente provados, não pode ser apresentada como se de temas da prova se tratassem.
Os temas da prova são, como se disse, a vertente normativa ou jurídica dos factos principais integradores da causa de pedir ou das exceções (ou seja, factos essenciais, complementares e concretizadores - art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. b)) que subsistem controvertidos, e não, naturalmente, dos factos já plenamente provados, p. ex., por documentos dotados de força probatória plena ou por confissão.
Essa matéria, aquela que já se encontra plenamente provada aquando da prolação do despacho a que alude o n.º 1 do art. 596.º, não pode, nem deve, desde logo por manifesta inutilidade, ser objeto dos temas de prova.
Embora a lei o não diga expressamente, os factos que naquele momento já se encontrem assentes devem ser como tal enunciados no despacho saneador, de modo a evitar que as partes, por cautela e receio, na audiência final venham a produzir sobre eles prova testemunhal, sem qualquer resultado útil.
O que nunca podem é, reitera-se, ser enunciados como temas da prova.

Além disso, no mesmo despacho, ainda sob a epígrafe «b) Temas de Prova», a senhora juíza a quo exarou o seguinte:
«b2)- Matéria de Facto Controvertida:
a)- Identificar os rendimentos do autor, as suas despesas mensais e os respectivos montantes?
b)- Identificar os rendimentos da ré, as suas despesas mensais e os respectivos montantes?
c)- Qual a contribuição que cada um deu para o casamento e para a vida familiar?»
Os três temas da prova enunciados são, todos eles, de cariz genérico, pelo que o tribunal nunca poderia limitar-se a considerá-los provados ou não provados e, muito menos, obviamente, a responder-lhes positiva ou negativamente.
É, por isso, incompreensível a razão de ser da aposição de «pontos de interrogação» no final de cada tema da prova, como se de quesitos se tratassem.
A inadequada técnica de colocação de «pontos de interrogação» no final de cada tema da prova, como se de quesitos se tratassem, é suscetível de constituir um fator de perturbação da instrução do processo, podendo dar azo a dúvidas acerca aquilo sobre que deve incidir a produção de prova através da atuação dos respetivos meios probatórios.
Aquilo que se exige e impõe ao tribunal na prolação de qualquer decisão (e a enunciação dos temas da prova é matéria de primordial relevância para a boa decisão da causa), é que prime pela clareza, objetividade e certeza, com propriedade terminológica e de modo tecnicamente rigoroso, por forma a não deixar dúvidas, nomeadamente de interpretação ou de procedimento, a quem quer que seja, sobretudo, às partes.
Tudo isto, além de se nos afigurar não fazer sentido, à luz do tipo previsto na al. b) do n.º 1 art. 2013.º do Cód. Civil, o tema enunciado sob a al. c).

3.2.2 - Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Postos os considerandos que antecedem, os quais, não fazendo parte do objeto do recurso, se nos afiguraram importantes, tendo em conta a particular importância que atualmente reveste a enunciação dos temas da prova, entremos, então, na apreciação das questões a decidir e que constituem o objeto do presente recurso.
A apelante, dando cumprimento aos ónus fixados no art. 640.º, impugna, como se viu, a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que:
a)- sejam considerados não provados:
i)- o seguinte segmento do ponto 3. dos factos provados:
«3.- O casamento (...) não houve partilha de vida e vivências em comum.»
ii)- o ponto 4. dos factos provados:
«4.- O casamento não trouxe alteração de vida à Ré.»
ii)- o ponto 5. dos factos provados:
«5.- O montante de pensão de alimentos identificado no ponto nº 2 foi aceite pelo autor como contrapartida à concretização de divórcio por mútuo consentimento.»

A senhora juíza a quo motivou assim a decisão sobre estes três enunciados que considerou provados:
«Relativamente aos factos provados nos pontos n.º 3, 4 e 5 o Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações de parte do autor e da ré e no depoimento da testemunha, conjugadas com as regras da experiência comum.»
Uma palavra para referir que, conforme salienta Tomé Gomes, «a enunciação da matéria de facto traduz-se na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente por efeito legal da admissão por acordo ou da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados ou não provados durante a instrução, devendo ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas e de excessos de adjetivação.
Os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica», devendo o julgador «assumir uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas.»[12].

Os três anunciados acima transcritos, além de não obedecerem a tais ditames, não se enquadram em qualquer dos temas da prova enunciados (reiterando-se a impertinência do enunciado descrito em c), à luz do tipo previsto na al. b) do n.º 1 art. 2013.º do Cód. Civil), nem assumem qualquer relevo para a decisão da causa.
Acresce que a matéria de facto de uma sentença, tal como decorre do art. 607.º, n.º 4, do CPC, deve ser integrada, não por meras conclusões, abstrações, conceitos vagos ou de direito, mas apenas por factos jurídicos, tal como os definiu Rosenberg, ou seja, os acontecimentos (e circunstâncias) concretos, determinados no espaço e no tempo, passados e presentes, do mundo exterior e da vida anímica humana que o direito objetivo converteu em pressuposto de um efeito jurídico[13].
Dispunha o n.º 4 do art. 646.º do CPC/95-96, que «têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
Trata-se de uma disposição que o legislador processual civil de 2013 não manteve, pelo menos em termos de correspondência direta, na disciplina homóloga do CPC/2013.
Naquela disposição não estava contemplada a circunstância de se tratar de matéria de natureza vaga, genérica e conclusiva.
No entanto, foi-se consolidando na jurisprudência dos tribunais superiores, por se ter admitido que assume feição de recorte jurídico, a operação de escrutinar se determinada proposição de facto tem ou não natureza conclusiva, o entendimento de que apesar de o n.º 4 do art. 646.º do CPC/95-96, não contemplar, expressamente, a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, o mesmo era aplicável, analogicamente, a situações em que estivesse em causa um facto de tal natureza, o qual, em retas contas, é reconduzível à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integrasse no thema decidendum[14].
Na afirmativa, a proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, devendo, por isso, ser expurgada[15].
Ante a eliminação da norma contida no n.º 4 do art. 646.º do CPC/1995-96, vem-se entendendo poder manter-se o mesmo entendimento das coisas interpretando, a contrario sensu, o atual n.º 4 do art. 607.º, do CPC/2013, segundo o qual, «na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados (...)»[16].
Vem isto a propósito para referir que os enunciados descritos em i) e ii), para além de não se enquadrarem em qualquer um dos temas da prova enunciados e de não assumirem qualquer relevância para a decisão da causa, não configuram factos jurídicos, mas meros juízos conclusivos.

Por conseguinte, há que expurgar, considerando-os não escritos, os seguintes enunciados dados como provados na sentença recorrida:
- «3. O casamento (...) não houve partilha de vida e vivências em comum.»
- «4. O casamento não trouxe alteração de vida à Ré.»
- «5. O montante de pensão de alimentos identificado no ponto nº 2 foi aceite pelo autor como contrapartida à concretização de divórcio por mútuo consentimento.»

Os transcritos enunciados têm como fonte os artigos 4.º, 5.º e 2.º da petição inicial, respetivamente, e são como que o espelho da dita peça processual, composta, em grande parte, por alegações vagas, genéricas, conclusivas, destituídas de cariz factual.
No que tange concretamente ao ponto 5. dos factos provados, cumpra ainda questionar: será que com a expressão «(...) contrapartida à concretização de divórcio por mútuo consentimento», se pretende significar o «preço» que o autor pagou e vem pagando, ao longo de mais de 15 anos, pelo facto de o casamento que o ligou à ré ter sido dissolvido através de divórcio por mútuo consentimento?
Salvo o devido respeito, há que ter a exata noção do sentido, do alcance, das interpretações, a que podem dar as afirmações produzidas num processo judicial, sobretudo quando elas surgem numa sentença sob a capa de enunciados fáticos, copiadas sem qualquer filtro, dos articulados produzidos pelas partes.

Isto quando:
- existe nos autos um documento (fls. 8 - repetido a fls. 19), assinado pelo requerente e pela requerida, datado de 10 de janeiro de 2006, do qual consta que «(...) acordam para efeitos de divórcio por mútuo consentimento que requerente, pagará a prestação de alimentos fixa, não atualizável, com periodicidade mensal, no valor de 200 Euros (duzentos euros) à requerente até ao dia 5 (cinco) do mês a que respeita (...).»
- é o próprio requerente quem, nas declarações de parte que prestou em audiência, afirmou que ao ficar viúvo, após o um casamento de 34 anos, casou com a requerida para ter uma companhia; que «nunca houve problemas» ou «a mais pequena discussão» entre ele e a requerida, mas que pura e simplesmente «não dava», pelo que quis divorciar-se, pretendendo fazê-lo por mútuo consentimento; para o efeito, «pensou ajudar» a requerida, propondo-se «a dar os 200 euros.»
Perante isto, não tem qualquer correspondência com a realidade judiciária revelada nos autos, a afirmação, pouco dignificante, aliás, de que «o montante de pensão de alimentos identificado no ponto nº 2 foi aceite pelo autor como contrapartida à concretização de divórcio por mútuo consentimento.»
E já agora, sempre se afirma que, ao contrário do afirmado em sede de fundamentação de facto, no sentido de que:
- «3. O casamento (...) não houve partilha de vida e vivências em comum.»;
- «4. O casamento não trouxe alteração de vida à Ré.»,
a verdade é que, resulta do depoimento da testemunha ZS, assim como das declarações de parte, tanto do requerente como da requerida, que:
- no que ao ponto 3. diz respeito, enquanto durou o casamento entre ambos, houve, efetivamente, comunhão de vida entre os c;
- no que ao ponto 4. diz respeito, após a celebração do casamento com o requerente, a requerida, além do mais, deixou de receber a pensão de viuvez que até então vinha auferindo.
Seja como for, pelas razões anteriormente expostas, consideram-se não escritos os enunciados de facto considerados provados sob os n.ºs 3 a 5.
A apelante impugna ainda a decisão sobre a matéria de facto não provada, considerando que devem ser considerados provados os seguintes enunciados que o tribunal a quo considerou não provados:
- «foi o autor quem, à data, propôs pagar à ré uma pensão de alimentos no valor de € 200,00.»;
- «a ré deixou de auferir pensão de viuvez no montante de cerca de € 180,00.»
- «a ré gasta em medicação o valor de cerca de € 30,00.»
- «o autor, actualmente, aufere uma pensão de reforma, superior a € 2.107,73.»
O tribunal motivou assim a decisão sobre a matéria de facto não provada:
«Relativamente aos factos não provados cumpre apenas referir que não tendo sido produzido qualquer prova que permitisse concluir pela veracidade dos factos insertos nos factos não provados, ao Tribunal não restava outra alternativa que não fosse dar os mesmos como não provados.»

É, salvo o devido respeito, incompreensível, tanto a decisão de considerar não provados aqueles enunciados de facto, como a respetiva motivação.
A decisão proferida pelo tribunal a quo no sentido de considerar não provados aqueles enunciados, não atenta na prova produzida nos autos.
Considerou o tribunal a quo não provado que:
- «foi o autor quem, à data, propôs pagar à ré uma pensão de alimentos no valor de € 200,00.»;
Saber se foi ou não o requerente «quem, à data, propôs pagar à ré uma pensão de alimentos no valor de € 200,00», é absolutamente irrelevante para a decisão da causa, face ao teor do ponto 2. dos factos provados, onde, além do mais, se considera provado «tendo ainda homologado o acordo sobre a prestação de alimentos à cônjuge mulher, nos termos do qual o autor, ficou obrigado a pagar à ré, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de pensão de alimentos, a liquidar até ao dia 5 de cada mês, por depósito na sua conta bancária com o nº 0011 008779900 da CGD.»

No entanto, conforme já afirmado, resulta inequivocamente das declarações de parte do requerente que foi iniciativa sua a atribuição à requerida de uma pensão de alimentos no valor mensal de € 200,00.
- «a ré deixou de auferir pensão de viuvez no montante de cerca de € 180,00.»
Saber se a requerida, a seguir ao seu casamento com o requerente, ocorrido em 16 de abril de 2004, deixou de auferir uma pensão de viuvez e o respetivo montante, é matéria que também não assume qualquer relevo para a decisão da presente causa, pois, insiste-se, face ao disposto no art. 2013.º, n.º 1, al. b), do Cód. Civil, nesta ação importa apenas saber se, presentemente, mais de 15 anos decorridos desde a constituição da obrigação de alimentos, o requerente pode, ou não, continuar a prestá-los à requerida[17].
Seja como for, o próprio requerente reconhece, nas declarações de parte que prestou em audiência, que na sequência do casamento entre ambos, a requerida deixou de receber a pensão de viuvez que vinha recebendo em consequência da morte do seu anterior marido; o mesmo, aliás, sucedeu consigo, segundo afirmou, pois ao casar com a requerida deixou, também ele, de auferir a pensão de viuvez que vinha recebendo em consequência da morte da sua anterior mulher.
- «a ré gasta em medicação o valor de cerca de € 30,00.»
O tribunal a quo considera não ter sido produzida prova que permitisse considerar provado tal enunciado.
No entanto, a fls. 45 dos autos encontra-se um documento junto pela requerida com a contestação, sob o n.º 10, que consubstancia uma declaração emitida pela «Farmácia MG», datada de 28 de setembro de 2020, com o seguinte teor:
«Para os devidos efeitos se declara, que a Srª. MG gasta mensalmente na farmácia, a quantia de € 33,64 (trinta e três euros e sessenta e quatro cêntimos.»
É certo que não consta expressamente dessa declaração que a referida quantia é despendida em medicamentos.
No entanto, a requerida afirmou, em declarações de parte produzidas em audiência, que «para o colesterol», «para o sangue», gasta à volta de € 30,00 por mês.
A senhora juíza a quo poderia até, fundamentadamente, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, decidir não atribuir qualquer valor probatório àqueles meios de prova.
Porém, impunha-se-lhe que motivasse a decisão, ou seja, que deixasse expressas, com clareza, lógica e razoabilidade, as razões pelas quais aqueles meios de prova não foram, para si, merecedores de crédito para considerar provado aquele enunciado fático.
O que a senhora juíza a quo não poderia era considerar não provado aquele enunciado de facto, com a simples afirmação, que não tem correspondência com a realidade processual, de que não foi produzida qualquer prova que lhe permitisse concluir pela veracidade do mesmo.
Sucede que, analisando conjugadamente o teor daquele documento e das declarações de parte prestadas pela requerida em audiência, considerando ainda a sua avançada idade, afigura-se-nos perfeitamente razoável, lógico, à luz das regras da experiência da vida, daquilo que é normal suceder, que uma pessoa com cerca de 80 anos despenda, mensalmente, cerca de € 30,00 em medicamentos.
Considera-se, por isso, provado que «a requerida gasta atualmente em medicação cerca de € 30,00 por mês».
- «o autor, actualmente, aufere uma pensão de reforma, superior a € 2.107,73.»
O requerente fundamenta a sua pretensão de fazer cessar a obrigação de prestar alimentos à requerida, além do mais, na alegação de que não pode continuar a prestá-los (1.ª parte da al. b) do n.º 1 do art. 2013.º do Cód. Civil).
Cabia-lhe a alegação e prova dos factos constitutivos do seu invocado direito (art. 342.º, n.º 1, do Cód. Civil), no caso, do invocado direito à cessação da obrigação de prestação de alimentos à requerida.
Não pode, por isso, deixar de causar surpresa a circunstância de o requerente não quantificar, na petição inicial, os rendimentos que então auferia, limitando-se a afirmar, uma vez mais de forma vaga e genérica, que «os rendimentos do demandante mantêm-se inalterados desde aquela época».
Presumindo-se que com a expressão «aquela época» o requerente pretende reportar-se, a 20 de janeiro de 2006, data em que foi decretado o divórcio por mútuo consentimento que dissolveu o casamento que o ligava à requerida, e que representa também o termo inicial da obrigação de prestação de alimentos a esta, a verdade é que se ignora, de todo, quais eram os seus rendimentos naquela data.
É que, nem o requerente o alega, nem isso resulta de qualquer meio de prova produzidos nos autos.
Foi a requerida quem, na contestação, alegou que «o Requerente é reformado do Banco S, S.A., e aufere uma pensão do BST no valor de € 1.826,63, a qual acresce uma pensão extra banco de € 280,90 - cfr. documento, datado de 9/07/2019 que se dá por integralmente reproduzido e cuja junção se requer sob Doc 11» (art. 25.º).
Para prova do assim alegado, a requerida juntou com a contestação, um documento identificado sob o n.º 11, que se encontra a fls. 45 vº dos autos, constituído por um e-mail datado de 9 de julho de 2019, remetido pelo Banco S aos autos principais, na sequência de uma notificação judicial para o efeito, contendo uma declaração daquele Banco com o seguinte teor:
«Em resposta, informamos que o(s) executado(s) JC (...), é reformado do Banco S, S.A., e aufere uma pensão de reforma do BST no valor de € 1826,83, a qual acresce uma pensão extra banco de € 280,90, perfazendo um total de € 2.107,73 ilíquido, a qual vence a 24 de cada mês (...).»
A requerida alega ainda na contestação, que «(...) os rendimentos do demandante têm, necessariamente sofrido um aumento, em consonância com o IAS - Indexantes de Apoios Sociais» (art. 26.º), pelo que «o Requerente, atualmente, aufere, necessariamente, uma pensão de reforma superior a € 2.107,73 (dois mil cento e sete euros e setenta e três cêntimos» (art. 28.º).
É importante reiterar que não era sobre a requerida que impendia o ónus de alegação e prova dos rendimentos do requerente à data da instauração da ação; era sobre o requerente que impendia tal ónus, de modo a demonstrar que não pode continuar a prestar os alimentos (cit. art. 342º, n.º 1, do Cód. Civil).
O tribunal a quo considerou não provado que «o autor, actualmente, aufere uma pensão de reforma, superior a € 2.107,73».
A motivação é a mesma: «por não ter sido produzida prova que permitisse considerar provado tal enunciado.»
Nada mais se refere na sentença recorrida acerca dos rendimentos do requerente.
É, por isso, surpreendente, incompreensível mesmo, que o tribunal a quo tenha julgado a ação procedente, declarando cessada a obrigação do requerente prestar alimentos à requerida, com o fundamento de que «o autor logrou provar circunstâncias supervenientes - diminuição das suas capacidades económicas - relativamente àquelas que dispunha à data em que a prestação alimentar de € 200,00 mensais foi fixada», sem sequer apurar quais são, efetivamente, os seus rendimentos.
Por outras palavras, para sermos, eventualmente, mais claros: o tribunal a quo declarou cessada a obrigação do requerente prestar alimentos à requerida por entender que aquele não pode continuar a prestá-los, sem sequer saber quais são os seus atuais rendimentos.
Sucede que, também neste caso, inexplicavelmente, a senhora juíza a quo ignorou meios de prova constantes dos autos; meios de prova carreados para o processo pela requerida[18].
Não tendo, efetivamente, sido produzida prova de que o requerente aufere atualmente uma pensão de reforma superior a € 2.107,73 (conforme alegado pela requerida no art. 28.º da contestação), foi, no entanto, produzida prova do alegado no art. 25.º da mesma peça processual, ou seja, que em 9 de julho de 2019 o requerente auferia «uma pensão de reforma do BST no valor de € 1826,83, a qual acresce uma pensão extra banco de € 280,90, perfazendo um total de € 2.107,73 ilíquido, a qual vence a 24 de cada mês (...)».
Foi, assim, produzida prova de que em 9 de julho de 2019 o requerente auferia um rendimento ilíquido no montante de € 2.107,73.
É o que resulta do referido documento de fls. 45 vº, junto pela requerida com a contestação sob o n.º 11, acima transcrito, e que não foi sequer objeto de impugnação por parte do requerente.
À semelhança do que vimos suceder em relação ao documento de fls. 45 dos autos, junto pela requerida com a contestação sob o n.º 10, também aqui, quanto ao documento de fls. 45 vº, junto pela requerida com a contestação sob o n.º 11, estamos perante um documento particular, sem valor confessório, sujeito, portanto, à livre apreciação do juiz, segundo a sua prudente convicção, pelo que poderia o tribunal a quo, fundamentadamente, entender não o valorar, após uma análise serena, objetiva e ponderada, norteado pelas já mencionadas regras da ciência, do raciocínio, da lógica, das máximas da experiência da vida e da normalidade das coisa.
Simplesmente, reitera-se, sem que se vislumbre uma razão plausível para o efeito, a senhora juíza a quo, uma vez mais, ignorou por completo um meio de prova junto aos autos sob a forma de documento particular, não impugnado, e limitou-se a dar como não provado que «o autor, actualmente, aufere uma pensão de reforma, superior a € 2.107,73», com a singela afirmação de que não foi produzida qualquer prova que permitisse concluir pela veracidade deste enunciado de facto.
Verificado que se mostra, como se disse, o cumprimento dos requisitos do art. 640.º, incumbe ao Tribunal da Relação a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e modificá-la, desde que possa extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado.
Assim, na reapreciação da prova produzida, e considerando que o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito, o que significa que por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, assumirem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente[19], julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, a qual, a assim se altera, considerando-se provado que:
i) «a requerida gasta em medicação cerca de € 30,00 por mês»;
ii) «em julho de 2019 o requerente, reformado do Banco S, S.A., auferia um rendimento mensal ilíquido de € 2.107,73, sendo:
- € 1826,83, a título de pensão de reforma do BST;
- € 280,90, a titulo de pensão “extra banco”».
*

Descrição da matéria de facto definitivamente assente para efeitos do subsequente enquadramento jurídico:
Considerando as alterações efetuadas na decisão do tribunal a quo sobre a matéria facto, por uma questão de clareza, passa a descrever-se, de forma reorganizada e para efeitos de subsequente enquadramento jurídico, a factualidade que se considera definitivamente provada:
«1.- O requerente e a requerida casaram um com o outro no dia 16 de abril de 2004.
2.- Esse casamento foi dissolvido por decisão proferida no dia 20 de janeiro de 2006, pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, transitada em julgado na mesma data, a qual decretou o divórcio por mútuo consentimento entre ambos;
3.- Mediante acordo celebrado entre ambos, homologado pela decisão referida em 2., o requerente comprometeu-se a pagar à requerida, a título de pensão de alimentos, a prestação mensal de € 200,00 (duzentos euros), não atualizável, a liquidar até ao dia 5 de cada mês, por depósito na sua conta bancária com o nº ____.
4.- O requerente tem 81 anos de idade[20];
5.- É reformado do Banco S, S.A.;
6.- Em julho de 2019 auferia um rendimento mensal ilíquido de € 2.107,73, sendo:
- € 1826,83, a título de pensão de reforma do BST;
- € 280,90, a titulo de pensão “extra banco”»;
7.- Reside em casa arrendada, pagando mensalmente, a título de renda, o montante de € 278,15.
8.- Em julho de 2006 pagava a titulo de renda de casa, a quantia mensal de € 69,47.
9.- Apresenta problemas de saúde, gastando mensalmente, em medicação, um montante de cerca de € 100,00.
10.- A requerida tem 78 anos idade[21];
11.- Aufere um rendimento mensal de € 308,03;
12.- À data do casamento com o requerente, era viúva e auferia um rendimento mensal de € 256,72.
13.- Vive sozinha, em casa arrendada, pagando mensalmente, a título de renda de casa, o montante de € 81,00;
14.- Despende a quantia mensal de € 15,00, com a aquisição do passe social;
15.- Em eletricidade, água e telefone despende mensalmente a quantia de cerca de € 87,00;
16.- Em alimentação despende mensalmente a quantia de cerca de € 200,00;
17.- Despende mensalmente a quantia de cerca de € 30,00 com a aquisição de medicamentos.»
*

Uma nota para referir que estando provado que o requerente «apresenta problemas de saúde, gastando mensalmente, em medicação, um montante de cerca de € 100,00», não faz sentido enunciar como não provado que «o autor gasta em medicação cerca de € 200,00 mensais».
Uma outra nota para recordar que a matéria dada como não provada sob as als. b) e c), é irrelevante para a decisão da causa.
*

3.2.3 - Do enquadramento jurídico:
A sentença recorrida declarou cessada a obrigação de prestação de alimentos pelo recorrido à recorrente, apenas e só com fundamento na 1.ª parte da al. b) do n.º 1 do art. 2013.º do Cód. Civil, ou seja, por o recorrido não poder continuar a prestá-los.
Assim, não tendo o apelado usado da faculdade que lhe era conferida pelos n.ºs 1 e 2 do art. 636.º, neste recurso importa apenas e só decidir se, à luz da matéria de facto provada, é de concluir que o recorrido continua a poder prestar alimentos à recorrente e, consequentemente, se deve manter-se a obrigação de prestação de alimentos a que aquele se encontra vinculado para com esta desde 20 de janeiro de 2006.

Está provado que:
- o requerente e a requerida casaram um com o outro no dia 16 de abril de 2004.
- esse casamento foi dissolvido por decisão proferida no dia 20 de janeiro de 2006, pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, transitada em julgado na mesma data, a qual decretou o divórcio por mútuo consentimento entre ambos;
- mediante acordo celebrado entre ambos, homologado pela decisão referida em 2., o requerente comprometeu-se a pagar à requerida, a título de pensão de alimentos, a prestação mensal de € 200,00 (duzentos euros), não atualizável, a liquidar até ao dia 5 de cada mês, por depósito na sua conta bancária com o nº 0011 008779900 da CGD.
Sucede que o alimentante veio a juízo, através desta ação, alegar, para o que aqui e agora interessa, que a sua situação pessoal se modificou em termos de não poder continuar a prestar os alimentos à requerida.
Dispõe o art. 2013.º, n.º 1, al. b), 1.ª parte do Cód. Civil, que «a obrigação de prestar alimentos cessa (...) quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los.»
Competia ao requerente, como se disse, o ónus de alegação e prova de factos demonstrativos da modificação da sua situação pessoal, e que em consequência dessa modificação deixou de poder prestar os alimentos, enquanto factos constitutivos do seu alegado direito à cessação da prestação alimentícia (cit. 342.º n.º 1, do Cód. Civil).
Ora, o requerente, ora recorrido, não logrou fazer tal prova, salientando-se, uma vez mais, que nem sequer indicou, na petição inicial, quais os seus atuais rendimentos.
Sucede até que aquilo que efetivamente se provou é que o requerente, ora recorrido, pode continuar a prestar os alimentos à requerida, ora recorrente, inexistindo, por isso, fundamento válido para declarar cessada a obrigação alimentícia.

Na verdade, estando provado que:
- o requerente tem 81 anos de idade[22];
- é reformado do Banco S, S.A.;
- em julho de 2019 auferia um rendimento mensal ilíquido de € 2.107,73, sendo:
- € 1826,83, a título de pensão de reforma do BST;
- € 280,90, a titulo de pensão “extra banco”»;
- reside em casa arrendada, pagando mensalmente, a título de renda, o montante de € 278,15.
- apresenta problemas de saúde, gastando mensalmente, em medicação, um montante de cerca de € 100,00,
parece evidente que o recorrido pode continuar a prestar alimentos à requerida nos termos em que se vinculou para com esta, mantendo-se, por conseguinte, a respetiva obrigação alimentícia.

IVDECISÃO:

Por todo o exposto, acordam os juízes que integra, a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência da apelação, em revogar a sentença recorrida, pelo que julgam a ação totalmente improcedente, absolvendo a requerida da totalidade do pedido que contra si foi formulado pelo requerente, mantendo-se, por conseguinte, a obrigação daquele prestar alimentos a esta, nos exatos termos do acordo entre ambos celebrado, homologado por decisão proferida no dia 20 de janeiro de 2006, pela Conservatória do Registo Civil de ___, transitada em julgado na mesma data, que decretou o divórcio por mútuo consentimento entre ambos.
Custas pelo recorrido - art. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, do C.P.C.


Lisboa, 25 de maio de 2021


José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara



[1]Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2]Pertencem a este diploma todas as disposições legais que vierem a ser citadas sem indicação da respetiva fonte.
[3]«Determinar se estão verificados os pressupostos para a cessação da prestação de alimentos à Ré.»
[4]Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 281, nota 646.
[5]«Por isso é que o n.º 1 do art. 516.º, acerca do regime do depoimento testemunhal, refere que “a testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova”.»
[6]Processo Civil Declarativo cit., pp. 281-283 e nota 647.
[7]«Ao invés, num sistema de quesitos formulados na perspetiva do ónus da prova, a que haverá que responder “provado” ou “não provado”, uma nova perspetiva do tribunal de recurso pode implicar a baixa do processo à 1.ª instância para obter prova do facto, de efeito contrário ao não provado, que a Relação entenda dever ser apurado, uma vez que não é lícito retirar ilações probatórias das respostas negativas aos factos quesitados.»
[8]A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pp. 197-198 e nota 51.
[9]Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 482.
[10]Idem, ibidem. A este propósito afirma também Lebre de Freitas que «não está, porém, vedada ao juiz uma concretização dos temas da prova maior do que a que a lei lhe exige, desde que essa concretização não se traduza em espartilho que impeça ou dificulte a produção da prova sobre factos alegados, mas não mencionados pelo juiz.» - A Ação Declarativa cit., p. 198, nota 52.
[11]Cfr. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa cit., p. 198, nota 52.
[12]Da Sentença Cível, Centro de Estudos Judiciários, 2014, pp. 18-19 e 23.
[13]Cfr. Leo Rosenberg, in Tratado de Derecho Procesal Civil, tomo II, tradução espanhola de Angela Romera Vera, 1995, apud António Montalvão Machado, in O Dispositivo e os Poderes do Tribunal À Luz do Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2001, p. 113, nota 210. Para Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Ed., 1985, p. 209, juridicamente relevantes são os factos que constituem «ocorrências da vida real, isto é, os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos humanos (…) vistos à luz das normas e critérios do direito.».
[14]Cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 23.09.2008, Proc. nº 238/06.7TTBGR.S1 (Bravo Serra), in www.dgsi.pt.
[15]Cfr. Ac. do S.T.J. de 29.04.2015, Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1 (Fernandes da Silva), in www.dgsi.pt. 
[16]Cfr. o Aresto do S.T.J. citado na nota anterior.
[17]Isto porque a sentença recorrida declarou cessada a obrigação do requerente prestar alimentos à requerida apenas e só com base neste fundamento, logo, o único que se discute neste recurso.
[18]Dispõe o art. 413.º, na consagração do princípio da aquisição processual, que «o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.»
[19]Cf. Ac. da R.C. de 27.5.2014, Proc. nº. 104/12.0T2AVR.C1 (Moreira do Carmo), in www.dgsi.pt.
No Acórdão da mesma Relação de 24.4.2012, Proc. nº. 219/10.6T2VGS.C1 (Beça Pereira, in www.dgsi.pt, escreveu-se a este propósito:
«A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º».
No acórdão da mesma Relação de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, a mesma ideia é assim expressa:
«De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objeto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a ação, ou pelo réu, com a contestação.
Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objeto da ação.»
[20]Com referência à data da instauração da ação.
[21]Com referência à data da instauração da ação.
[22]Com referência à data da instauração da ação.