RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário

- A restituição provisória constitui um meio de defesa da posse ao serviço do possuidor contra actos violentos como garantia da reconstituição da situação provisória anterior, de modo célere e eficaz, facultando-se ao lesado a devolução da posse, impedindo a persistência da situação danosa e /ou o agravamento dos danos.

- O esbulho consiste na privação por parte de alguém do exercício do direito de retenção ou fruição do objecto possuído ou da possibilidade de o continuar.

- O direito de retenção pressupõe um poder de facto sobre um objecto/coisa, ou seja, pressupõe a sua posse.

- O empreiteiro que tenha saído da obra e resolvido o contrato, não goza do direito de retenção sobre esta.

Texto Integral

Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


A [....Exemplares, Lda., e B [....Unipessoal, Lda.], intentaram contra C [Vítor ....] e D [Sónia .......], em apenso a acção nº 3574/20.6T8SNT, providência cautelar de restituição provisória da posse pedindo que fosse decretada a imediata restituição, aos requerentes, da posse da obra instalada na Urbanização dos C..., S... C... C..., Lote ...., em B..., confrontando a Norte coma rua, a Sul com os lotes 29 e 30, a Nascente com o lote 23 e a Poente com o lote 25, prédio inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de Q... e B... sob o art. 6... ou, caso assim se não entenda, seja o procedimento cautelar convolado em procedimento cautelar comum e, a final, ser decretada a restituição imediata da obra às requerentes e a proibição dos requeridos procederem a qualquer alteração na mesma até prolação da sentença nos autos principais.

Alegaram, para tanto, que no âmbito da sua actividade, celebraram com os requeridos um contrato de empreitada de construção da moradia identificada supra, pelo valor de € 130.000,00, acrescido de IVA.

No final de 2018, em cumprimento do acordado, os requerentes acederam ao terreno de implantação da obra e iniciaram os trabalhos, tendo estes sido realizados ao longo do ano de 2019, usando os materiais de construção por si adquiridos.

Assim, desde o início da obra as requerentes sempre detiveram a posse da obra e de todos os materiais adquiridos e nela incorporados e que aí se encontravam, ou seja, detinham o acesso exclusivo ao terreno da construção, à obra em curso e aos materiais que se encontravam guardados naquele espaço exterior e no interior da obra.

Acontece que após a realização dos autos de medição da obra e sua apresentação aos requeridos, estes não procederam ao seu pagamento, até hoje, o que acarretou a suspensão dos trabalhos de execução da obra, a partir de Setembro de 2019 – falta de provisionamento por parte dos requeridos dos montantes necessários para a realização das despesas daí decorrentes.

Com fundamento no incumprimento grave, as requerentes resolveram o contrato de empreitada, por carta registada, datada de 6/12/19 e recepcionada, em 10/12/19.

À data da resolução estava em dívida pelos requeridos o valor de € 81.529,00 (autos de medição 1218, 1226 e despesas de aquisição de materiais para aplicação ou instalação na obra).

Na acção principal as requerentes pediram a condenação dos réus no pagamento desta quantia acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, bem como o reconhecimento do direito de retenção sobre a obra, até ao pagamento integral da quantia em dívida.

As requerentes tiveram agora conhecimento de que os requeridos ocuparam a obra, tendo contratado terceiros, os quais mandataram para que se introduzissem na obra tendo, para isso, destruído as protecções, redes e painéis instalados para acesso à mesma.

Os requeridos encontram-se actualmente a executar trabalhos no local, tendo destruído e/ou modificado a obra construída pelas requerentes utilizando, para isso, os próprios materiais de sua pertença.

Os requeridos contrataram estes terceiros para finalizar a obra, pese embora o alvará de construção se mantenha, até hoje, emitido em nome das requerentes, ou seja, são estas as titulares da única licença de construção da obra.

Esta situação acarreta prejuízos sérios, uma vez que as requerentes podem ser responsabilizadas, civil, penal e contra-ordenacional, por quaisquer problemas ou ilegalidades na obra.

As alterações que estão a ser efectuadas na obra prejudicam não só o direito de retenção das requerentes, uma vez que estão desapossadas da mesma, e da garantia que beneficiavam contra os requeridos, como prejudicam também toda a prova a produzir na acção principal, mormente, alegando existência de putativos defeitos na obra.

Após inquirição de testemunhas foi a providência decretada, ordenando-se a notificação dos requeridos para, querendo, deduzirem oposição - fls. 45 e sgs.

Na oposição, os requeridos impugnaram o alegado pelas requerentes, sustentaram a não verificação dos pressupostos do procedimento, concluindo pela revogação da decisão que decretou a providência e pela condenação solidária das requerentes como litigantes de má-fé – fls. 61 e sgs.

Após audiência final foi prolatada decisão que, julgando procedente a oposição apresentada pelos requeridos, revogou a decisão de restituição provisória da posse - fls. 191 e sgs.

Inconformadas, as requerentes apelaram formulando as conclusões que se transcrevem:
1.-As aqui recorrentes intentaram procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra os ora recorridos, alegando, em suma, que no âmbito de um contrato de empreitada celebrado com os recorridos para a construção de uma moradia, no qual estes assumiram a posição de donos da obra e as ora recorrentes a de empreiteiras, estas acederam ao terreno de implantação da obra e iniciaram os trabalhos de construção, usando para o efeito materiais de construção adquiridos por elas e encontrando-se desde o início da execução da empreitada na posse daquela obra e de todos os materiais que entretanto foram adquiridos e incorporados na obra e que aí se encontravam.
2.-Alegaram ainda que realizaram autos de medição, emitiram facturas e adquiriram materiais para a realização e incorporação na obra, todas devidamente apresentadas aos recorridos, mas que estes não procederam ao seu pagamento, o que obrigou as recorrentes a suspender os trabalhos de execução da obra a partir do início de Setembro de 2019, por falta de pagamento por parte dos recorridos, e posteriormente, com fundamento no incumprimento graves destes, a resolver o contrato de empreitada com justa causa por carta registada datada de 06/12/2019, na qual desde logo lhes comunicaram também que exerciam o direito legal de retenção sobre a obra para garantia do pagamento daqueles valores que lhes eram devidos, os quais ascendiam, naquela data, ao montante total de € 81.529,00 (oitenta e um mil quinhentos e vinte e nove euros).
3.-Alegaram, por fim que, entretanto, a obra foi ocupada pelos recorridos, que para tanto contrataram terceiros para aí se introduzirem, tendo para isso destruído as protecções, redes e painéis, instaladas para acesso à mesma, e se encontravam a executar trabalhos naquele local, tendo já destruído e/ou modificado parte da obra construída pelas requerentes, o que prejudicava o seu direito de retenção, por se acharem assim desapossadas da obra e da garantia que beneficiavam contra os requeridos.
4.-Por sentença proferida, em 14/08/2020, o Tribunal a quo decidiu procedente a peticionada providência cautelar especificada de restituição provisória da posse e, em consequência, determinou a imediata restituição às requerentes da posse da obra em crise nos autos.
5.-Citados, os recorridos vieram deduzir oposição, com o fundamento, para o que a este recurso interessa, de que as recorrentes tinham abandonado a obra e incumprido contratualmente com as suas obrigações decorrentes do contrato de empreitada, reconhecendo desde logo na sua oposição, que não haviam procedido ao pagamento dos valores peticionados pela recorrentes mas, escudando-se no facto de não concordarem com tais valores.
6.-Nesta sequência, em 17/01/2021, veio o Tribunal a quo alterar a decisão quanto à matéria de facto indiciariamente provada em alguns pontos e adicionando outros alegados pelos recorridos, vindo a julgar procedente a oposição apresentada pelos requeridos e revogando a decisão de restituição provisória da posse inicialmente decretada. Salvo o devido respeito, que é muito, não podem as recorrentes conformar-me com tal decisão porquanto:
7.-No que respeita à MATÉRIA DE FACTO, a prova globalmente produzida (quer a prova testemunhal gravada, quer a prova documental junta aos autos) demonstram uma realidade diferente do que veio a ser decidido pelo Tribunal a quo, nomeadamente, quanto aos três factos constantes da decisão de 14/08/2020 e que o Tribunal a quo veio a alterar posteriormente, passando a julgá-los não provados (que i) para se introduzirem na obra, terceiros a mando dos recorridos removeram as protecções de rede e painéis colocados no acesso à obra pelas recorrentes, ii) que as recorrentes deixaram materiais por si adquiridos guardados na obra; e que iii) os requeridos colocaram, em substituição das protecções de rede e painéis instalados pelas requerentes, uma vedação em madeira, com sistema de fechadura, impeditivo do acesso por parte das requerentes à obra e ao material por estas aí guardado) e que, no entender das ora recorrentes, em face da globalidade da prova testemunhal e também da prova documental produzida nos autos, não poderia o Tribunal a quo julgar tais factos como não provados, inclusivamente com os fundamentos expendidos, cabendo a este Venerando Tribunal ad quem revogar tal decisão e substituí-la por outra que os considere provados, tudo nos termos do disposto no art. 662/1 CPC, tendo o presente recurso por objecto, em primeiro lugar, a impugnação desta decisão, nos termos do disposto no artigo 640 CPC. Com efeito,
8.-O depoimento das testemunhas João .... (vd. depoimento prestado em 13/08/2020, a partir do minuto 07:53, e no dia 04/01/2021, a partir do minuto 15:56 da gravação) e Sandra ..... (vd. depoimento prestado em 13/08/2020, a partir do minuto 03:51 da gravação), e bem ainda as declarações de parte prestadas pelo gerente das recorrentes, Joaquim ...... (vd. declarações de 13/08/2020, a partir do minuto 09:52 e de 04/01/2021, a partir do minuto 21:35 da gravação), comprovam que as recorrentes mantinham a obra devidamente vedada por forma a impedir o acesso à mesma por terceiros, o que os recorridos não conseguiram infirmar através dos depoimentos das testemunhas Vasco ..... e Tiago ..... que, por sua vez, prestaram depoimentos confusos, hesitantes e manifestamente tendenciosos numa tentativa de suportar a tese dos recorridos de que as recorrentes haviam abandonado a obra;
9.-Também as fotografias juntas aos autos pelos recorridos (e impugnadas pelas recorrentes) não são suficientes para infirmar o que as testemunhas e o gerente das recorrentes vieram dizer e confirmar a tese das testemunhas apresentadas pelos recorridos. Com efeito, tais fotografias não estão datadas nem minimamente circunstanciadas, as testemunhas não foram confrontadas com as mesmas e sobre elas nada esclareceram, e nem parecem ter sido todas tiradas no mesmo dia.
10.-Pelo que mal andou o Tribunal a quo quando considerou como não provado que as recorrentes tivessem a obra vedada, devendo este Venerando Tribunal ad quem modificar a decisão da matéria de facto quanto a este ponto, passando a considerar-se provado que «para se introduzirem na obra, os terceiros a mando dos recorridos, removeram as protecções de rede e painéis colocadas no acesso à obra pelas requerentes» ou, no limite, aceitando-se que não haja prova quanto a quem removeu as protecções de rede e painéis colocados no acesso à obra pelas requerentes, pelo menos, que «as requerentes deixaram a obra vedada com rede».
11.-Na sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo veio mudar a sua primeira decisão quanto ao facto de que as recorrentes haviam deixado materiais na obra, o qual num primeiro momento considerou indiciariamente provado (cfr. ponto 17 da decisão de facto proferida em 14/08/2020) para passar a considerar não provado e provado apenas que «as requerentes apenas deixaram na obra restos de materiais» (cfr. ponto 14 da decisão proferida em 17/01/2021). Todavia,
12.-O depoimento da testemunha João .... (vd. depoimento de 13/08/2020, a partir do minuto 15:53) e as declarações de parte de Joaquim ..... (vd. declarações de 13/08/2020, a partir do minuto 14:53), demonstram este facto, bem como as testemunhas Vasco ..... (vd. a partir do minuto 35:08 da gravação) e Tiago ....(a partir do minuto 03:15 da gravação), cujos depoimentos não são suficientes para infirmar o que foi descrito e afirmado pelos primeiros, motivo pelo qual não se justifica a alteração do ponto 17 da decisão de facto proferida em 14/08/2020, o qual deve assim ser mantido nos exactos termos em que o foi, devendo este Venerando Tribunal ad quem, em conformidade, alterar a decisão de facto para passar a considerar como provado que «as Requerentes deixaram materiais por si adquiridos guardados na obra.» Por fim,
13.-Na sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo, e apesar de considerar provado que «terceiros (a mando dos recorridos) colocaram uns taipais a vedar o acesso à obra» (cfr. ponto 11 da decisão de 17/01/2021), veio todavia ainda a mudar a sua primeira decisão quanto ao facto de os recorridos terem procedido, através de terceiros, à colocação de uma vedação em madeira, com sistema de fechadura, impeditivo do acesso por parte das requerentes à obra e ao material por estas aí guardado, o qual num primeiro momento considerou indiciariamente provado (cfr. ponto 18 da decisão de facto proferida em 14/08/2020), para passar a considerar não provado (e muito embora julgue como provado que estes terceiros colocaram taipais a vedar o acesso à obra, cfr. ponto 11 da decisão de facto proferida em 17/01/2021). Todavia,
14.-Joaquim .... confirmou a existência destas vedações e explicou o seu funcionamento (vd. declarações de 13/08/2020, a partir do minuto 19:27 da gravação), o que foi igualmente confirmado pela testemunha Tiago ....(vd. a partir do minuto 07:45 do seu depoimento) e pelo próprio recorrido Vítor .... que o confessa (vd. a partir do minuto 14:10 das suas declarações). Ademais, o facto de a obra se achar fechada com taipais de madeira com um sistema de fechadura (e que o gerente das recorridas falou a verdade nas suas declarações), está, ademais, documentada nos próprios autos, tendo sido atestado pelo agente de execução que procedeu à efectivação da restituição provisória da posse às recorrentes, em 10/09/2020, pelo que mal andou o Tribunal a quo quando decidiu alterar a decisão da matéria de facto quanto a este ponto, o qual mostrando-se suficientemente demonstrado por prova testemunhal e documental, teria necessariamente que se manter nos exactos termos decididos, em 14/08/2020, pelo que deverá este venerando Tribunal ad quem alterar a decisão neste ponto, passando a julgar provado que «os Requeridos colocaram em substituição das protecções de rede e painéis instaladas pelas requerentes, vedação em madeira, com sistema de fechadura, impeditivo do acesso por parte das Requerentes à obra e ao material por estas aí guardado».
15.-No que respeita ao DIREITO, e ainda que a decisão de facto não venha a ser alterada, existe manifesto erro de julgamento na aplicação das normas relativas ao instituto do direito de retenção e na definição do conceito de esbulho com violência e, consequentemente, no julgamento da não verificação dos requisitos necessários para o decretamento da peticionada providência cautelar de restituição provisória da posse, violando assim a sentença a quo o disposto nos artigos 754 CC e 377 CPC ao não se pronunciar quanto ao direito de retenção das recorrentes e ao considerar não verificado qualquer esbulho por parte dos recorridos, confundindo o estado em que a obra se encontrava durante a execução do contrato de empreitada e/ou após a sua resolução pelas recorrentes com o estado em que a obra se encontra (mormente, se encontra no momento em que é instaurado o presente procedimento cautelar) e que resulta da própria actuação dos recorridos, confundindo ainda os factos que são relevantes para a demonstração dos requisitos necessários ao decretamento da restituição provisória da posse (os relativos à existência da posse, do esbulho e da violência), com vicissitudes da situação contratual que está por detrás do direito de retenção das recorrentes (mas ao mesmo tempo reconhecendo que tais factos não são relevantes para a discussão da procedência ou não da presente providência cautelar de restituição provisória da posse). Com efeito,
16.-O Tribunal a quo entende que não existe sequer esbulho porquanto, e essencialmente, considera que a obra estava “aberta” (…) sempre ao livre acesso das requerentes [ora recorrentes]. Apenas o deixou de estar quando os requeridos, notificados da resolução do contrato de empreitada por parte dos requerentes e da sua intenção de não continuar/terminar a mesma, decidiram contratar um outro empreiteiro para o fazer. E nessa altura o novo empreiteiro colocou as vedações que entendeu fazer.». Ora, mais do que o facto de a obra estar previamente vedada ou não pelas recorrentes, é precisamente a colocação destas novas vedações pelos recorridos que constitui o esbulho violento sobre a posse do direito de retenção das recorrentes!
17.-Independentemente de os recorrentes terem ou não a obra vedada (apesar de, como acima já defendemos, tal ponto da matéria de facto ter necessariamente que ser alterado para se considerar que a obra se achava vedada pelas recorrentes), a verdade é que o esbulho violento das recorrentes se concretizou com a instalação de novas vedações pelos requeridos (ou pela empresa que estes contrataram para o efeito), vedações estas que só poderiam ser retiradas se fossem destruídas ou abertas com uma chave.
18.-O direito de retenção consiste na faculdade de uma pessoa reter ou não restituir uma coisa alheia, que possui ou detém, até ser paga do que lhe é devido, por causa dessa coisa pelo respectivo proprietário (cfr. artigo 754. CC).
19.-É hoje entendimento pacífico da nossa jurisprudência superior que «o empreiteiro goza do direito de retenção para pagamento do preço da obra, quer esta tenha sido acabada, quer não» (vd. Ac. do STJ, de 29/01/2014, relator João Bernardo).
20.-«O direito de retenção confere ao empreiteiro a posse correspondente a esse direito real, a qual lhe permite conservar a coisa em seu poder recusando-se a restitui-la ao respectivo dono, até que esteja garantido o seu crédito, conferindo ainda ao seu titular o pagamento preferencial pelo valor da coisa.» Assim, «É-lhe lícito [ao empreiteiro] conservá-lo em seu poder, maugrado quaisquer pretensões que sobre ele se desejem exercitar, venham donde vierem. O titular do direito de retenção tem posse. Não a posse correspondente ao direito de propriedade, que não é seu, mas a correspondente a esse direito real menor ou sobre coisa alheia em que se cifra o ius retentionis. (…)
Cumpre esse direito, as suas funções de garantia através de um efeito compulsório – o decorrente da pressão psicológica que a retenção exerce sobre o dono da coisa – e, sobretudo, através de um efeito de realização pecuniária, relacionado com as faculdades executivas, que conferem ao seu titular pagamento preferencial pelo valor da coisa. A requerida, enquanto titular do direito de retenção e possuidora dos direitos inerentes a tal garantia real, tem o direito de lançar mão das acções possessórias, designadamente as previstas nos arts.1276 C. Civil, incluindo contra a requerida, como decorre do disposto na alínea a) do art.670, aplicável ex vi nº3 do art.759 CC » (vd. este importante Ac. do TR de Lisboa, de 18/10/2012, relatora Maria Amélia Ameixoeira). Pelo exposto,
21.-Independentemente do litígio existente entre as recorrentes e os recorridos quanto aos autos de medição elaborados e quanto ao valor que efectivamente poderá estar em dívida pelos recorridos (o qual constitui mero fait divers nos presentes autos), sendo ponto assente (e confessado nestes autos pelos próprios recorridos) que, no âmbito do contrato de empreitada, as recorrentes tomaram posse da obra, realizaram trabalhos e haverá, pelo menos, algum valor a pagar por estes às recorrentes, dúvida não pode haver que estas beneficiam, nos termos gerais previstos no artigo 754 e seguintes do Código Civil, de direito de retenção sobre a obra enquanto tais quantias não se acharem pagas.
22.-Tendo as recorrentes alegado e demonstrado (cfr. pontos 5, 6, 7, 9, 10, 11 e 32 da matéria de facto provada, acrescidos eventualmente ainda os três pontos cuja alteração se defende) todos os requisitos para o reconhecimento da existência de direito de retenção, é manifesto que este se verifica, o que não podia deixar de ser conhecido e reconhecido pelo Tribunal a quo, o qual, na verdade, nem chega a pronunciar-se sobre este instituto na sentença de que ora se recorre e passando directamente à análise da existência ou inexistência de esbulho. Ora,
23.-«O esbulho corresponde a um ato pelo qual alguém priva outrem da posse de uma coisa determinada. Há esbulho, para efeito de aplicação do referido art. 377, sempre que alguém foi  privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar (…)» - vd. Ac. TR Porto de 09/05/2019 (relator Filipe Caroço) e, no mesmo sentido, por exemplo, o Ac. TR Évora de 07/12/2017 (relator Tomé de Carvalho), o Ac. TR Évora de 20/10/2016 (relatora Florbela Moreira Lança) e no Ac. TR Guimarães de 03/11/2011 (relator António Sobrinho).
24.-Já «Quanto à violência, Alberto dos Reis (…) defendia que «tanto pode exercer-se sobre as pessoas, como sobre as coisas; é esbulho violento o que se consegue mediante o uso da força contra a pessoa do possuidor; mas é igualmente violento o que se leva a cabo por meio de arrombamento ou escalamento, embora não haja luta alguma entre o esbulhador e o possuidor». (…)» - vd. o já citado   Ac. TR Porto de 09/05/2019 (relator Filipe Caroço) onde se refere ainda que: « (…) E segundo o Prof. Lebre de Freitas, (…) “ é, pois, violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador. (…)».
25.-Em conclusão, «Na visão dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal de justiça, a acepção mais lata do conceito de esbulho é aquela que melhor se adequa à defesa da posse, posto que, nessa perspectiva, a violência não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia [Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2016, de 27/01/2001 e de 03/05/2000, in www.dgsi.pt.]. – vd. Ac. TR Évora de 07/12/2017 (relator Tomé de Carvalho).
26.-Assim, «(…) ”É de concluir pela existência de esbulho violento sempre que haja necessidade de vencer um obstáculo, como seja o resultante da substituição de fechaduras de instalações”» (Ac. RL de 23.4.02, CJ Ano XXVII, T. II, pág. 120). » - vd. o já mencionado Ac. TR Guimarães de 03/11/2011 (relator António Sobrinho) e, no mesmo sentido, por exemplo, o Ac. TR de Évora, de 19/06/2014 (relator Francisco Xavier), o Ac. TR de Lisboa de 05/06/2008 (relator António Valente) e o Ac. TR Guimarães, de 17/10/2019 (relator Paulo Reis). Ora,
27.-Na sentença de que se recorre considerou-se provado que os recorridos acordaram com terceiros, em data não concretamente apurada mas não posterior a Maio de 2020, a sua introdução na obra e a execução de novos trabalhos por estes terceiros (cfr. ponto 9 da matéria de facto indiciariamente provada), encontrando-se os recorridos (à data da propositura da acção) a continuar a obra (cfr. ponto 10 da matéria de facto indiciariamente provada) e tendo estes colocado taipais a vedar o acesso à obra (cfr. ponto 11). Assim,
28.-Ainda que este venerando Tribunal ad quem não venha a considerar (ao contrário do que esperamos) como provados os três pontos constantes da impugnação da decisão quanto à matéria de facto, a verdade é que a matéria de facto já julgada provada é já, por si só, suficiente para constituir e demonstrar a verificação de esbulho e de violência porque, na verdade, o esbulho violento consumou-se a partir do momento em que os recorridos, através de terceiros que contrataram para continuar a obra, aí entraram e instalaram vedações (ou taipais) que impediam o acesso das recorrentes à mesma e, assim, continuaram a sua execução porquanto, estando em causa, não a propriedade ou outro direito real de gozo, mas tão só um direito real de garantia como o é o direito de retenção, o simples facto de as recorrentes não poderem aceder à obra (sendo irrelevante a questão de os recorridos afirmarem que as recorrentes podiam aceder à obra para retirarem os seus materiais, porquanto o direito de retenção das recorrentes era sobre a totalidade da obra e não apenas sobre os materiais que aí se achavam), tem como consequência directa a perda do domínio da obra em si (e ainda que os recorridos, como alegam, lhes “autorizassem” simpaticamente – diga-se – o acesso à obra para tirarem os materiais).
29.-Através do exercício do direito de retenção, o credor pretende exercer pressão sobre o devedor para que este cumpra a obrigação, retendo a coisa até que o pagamento ocorra e podendo fazer-se pagar através dela. Ora, a partir do momento em que os recorridos (devedores) entram na obra e a vedam, continuando a execução da obra que as recorrentes (credoras) pararam por falta de pagamento, é manifesto que os recorridos esgotam e atingem irremediavelmente, com esta acção, o direito das recorrentes.
30.-«Na providência cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento» - vd. Ac. TR Porto de 18/06/2020 (relator Carlos Portela).
31.-«Reconhecido [o direito de retenção do empreiteiro] e verificado que está o esbulho consubstanciado na retirada forçada da posse legitimamente exercida pelas requerentes em relação ao edifício de apartamentos e escritórios, não podemos deixar de concluir que a restituição provisória de posse, é o meio processual correcto para repor o direito violado pela requerente.» - cfr. Ac. TR Lisboa, de 16/07/2009 (relator Afonso Henrique).
32.-Em suma, o que temos na presente acção é um dono da obra que quis usar expedientes dilatórios para não pagar ao empreiteiro, o que confessadamente não pagou, e que, tendo-lhe este comunicado que iria parar a obra a exercer sobre a mesma o seu legítimo direito de retenção, ao fim de algum tempo, e bem sabendo disto, contrata terceiros para se introduzirem na obra, vedarem-na com novos taipais (e uma fechadura de segurança) e continuarem a construção da obra em benefício exclusivo do dono da obra, numa clara manifestação de má fé e de desrespeito clamoroso pelo empreiteiro e pelo Direito.
33.-Pelo exposto, mal andou o douto Tribunal a quo quando entendeu não verificado o esbulho com violência das recorrentes relativamente à obra em crise nos autos, pelo que tal decisão deve ser revogada por este Venerando Tribunal ad quem e substituída por outra que, reconhecendo verificados todos os pressupostos e requisitos para o decretamento da providência cautelar especificada de restituição provisória da posse, nomeadamente, a posse, o esbulho e a violência, a decrete, tal como já fora decretada num primeiro momento. 
34.-Assim, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto indiciariamente provada alterada nos termos propugnados pelas recorrentes, bem como a decisão.

Não foram deduzidas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Foram apurados, perfunctoriamente, os seguintes os factos:
P.I.
1-A A, é uma sociedade por quotas que se dedica à construção de infra-estruturas desportivas, civis e obras públicas e construção de piscinas ao ar livre, consultoria arquitectónica no âmbito da elaboração de projectos de construção e de transformação de edifícios.
2-A requerente B, é uma sociedade por quotas que se dedica à construção civil e demolição de edifícios e actividades de arquitectura.
3-Encontra-se registado como único sócio e gerente das requerentes Joaquim .... e como sede social de ambas as requerentes a Rua ... ..., n.º ..., Urb... ... ..., ... - C....
4-Encontra-se registado a favor dos requeridos, na Conservatória do Registo Predial de Q..., a aquisição do prédio denominado lote 24 sito em S... C... C..., em B..., inscrito na matriz urbana da união das freguesias de Q... sob o    nº 6... e descrito na Conservatória de Registo Predial de Q... sob o nº 4....
5-No âmbito da sua actividade, as requerentes celebraram com os requeridos o acordo, que foi reduzido a escrito entre a A. e os requeridos denominado de “contrato de empreitada”, cuja cópia se mostra junta com o requerimento inicial que aqui se dá por integralmente reproduzida com o acordo dos requeridos, acederam ao terreno de implantação da obra e iniciaram os trabalhos de construção daquela moradia no final de 2018, as quais foram sendo realizadas ao longo do ano de 2019.
6-As requerentes procederam à emissão da factura 2019/40, com data de vencimento, em 02-08-2019, a qual não foi paga pelos requeridos.
7-A requerente B., remeteu aos requerentes, por meios de carta registada com aviso de recepção, em 06-12-2019, a missiva datada de 06-12-2019, cuja cópia se mostra junta com o requerimento inicial que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde se lê:
(…) ASSUNTO: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA CELEBRADO COM V. EXA.S EM 03/08/2018 PARA CONSTRUÇÃO DA MORADIA SITA NA URB... DOS C..., S... C... - C..., LOTE ....
Exmos. Senhores,
Como é do V/ conhecimento, após várias tentativas da nossa parte para que se realizasse uma reunião conjunta para elaboração de auto de medição de obra, à qual V. Exas. Sempre se escusaram, em 02/08/2019 e na sequência de vistoria realizada na presença do V/ fiscal, foi elaborado o auto de medição n.º 218 e emitida a nossa factura 2019/40, no montante total de € 43.480,50, respeitando o cronograma de pagamentos contratado.
Contudo, interpelados para o seu pagamento, V. Exas. Não procederam, nem naquela data, nem posteriormente, ao pagamento daquele valor, o que obrigou à paragem imediata dos trabalhos, com o consequente prejuízo para a conclusão da obra e também para os trabalhos já realizados, que assim se encontram a deteriorar de dia para dia.
Como é igualmente do V/ conhecimento, entretanto e na sequência das V/ solicitações, procedemos ao levantamento exaustivo do estado de conclusão de todos os trabalhos, tendo sido introduzidas as percentagens e alterações necessárias naquele auto de medição, bem como elaborado o auto de medição nº 1226, no valor de € 19.224,90 relativo a trabalhos também já realizados mas que não constavam no auto de medição de 02/08/2019, conforme aliás indicado por  V. Exas., bem como remetida uma lista completa de material de obra, encomendado para realização dos trabalhos, e já pago por nós, no valor total de € 18.823,60.
Pelo exposto, e nos termos do contrato celebrado, são V. Exas. Devedores à nossa empresa, na presente data, do montante total de  € 81.528,40.
Interpelados diversas vezes para o pagamento da factura n.º 2019/40, a última das quais através do mandatário de V. Exas., em 22/11/2019, V. Exas. Não procederam até ao momento ao seu pagamento, incumprimento de V. Exas. que, por si só, constitui justa causa de resolução do contrato.
Acresce que, consideramos que não existem condições objectivas para a continuação do contrato celebrado, estando a relação contratual irremediavelmente prejudicada porquanto V. Exas. têm sucessivamente posto em causa o trabalho realizado, a qualidade do mesmo e a imagem da Melom Horizonte perante a marca-mãe Melom – o que não podemos aceitar pois, como V. Exas. bem sabem, a Melom atribui já à Melom Horizonte dois prémios nacionais, um deles quanto à qualidade da construção, nos quais se inclui a presente obra – bem como, com o V/ comportamento (nomeadamente, os constantes atrasos na resposta às nossas solicitações para escolha de materiais ou as sucessivas ordens dadas directamente aos subempreiteiros em obra para modificação do projecto inicial, sem qualquer negociação ou informação prévias com a nossa empresa, que obrigaram a fazer e a refazer sucessivamente parte dos trabalhos) têm provocado directamente o atraso da obra, do qual rejeitamos qualquer responsabilidade.
Pelo exposto, vimos pela presente resolver o contrato de empreitada, com base no incumprimento reiterado de V. Exas.
Uma vez que existem quantias em dívida, que respeitam não só ao pagamento dos trabalhos como às despesas com aquisição de materiais para a obra a favor de V. Exas., e sem embargo do recurso imediato à via judicial para pagamento coercivo daqueles valores, exerceremos, nos termos do disposto no artigo 754.º do Código Civil, o nosso direito legal de retenção sobre a obra enquanto não se acharem totalmente pagas aquelas quantias. (…)”  
8-As Requerentes instauraram acção judicial contra os Requeridos, a que estes presentes autos se mostram apensos, onde pedem a condenação dos Requeridos no pagamento da quantia de €82.225,91, correspondentes aos autos de medição nºs. 12181226, a despesas com aquisição de materiais para aplicar na obra e juros vencidos desde 10.12.2019, quantia esta acrescida dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento da referida quantia, bem como que lhes seja reconhecido o direito de retenção sobre a obra até ao pagamento da referida quantia;  
9-Os Requerentes acordaram, em data não concretamente apurada, mas não posterior a Maio do presente ano de 2020, com terceiros a sua introdução na obra descrita em 6) e execução de trabalhos pelos mesmos em tal obra;  
10-Os Requeridos encontram-se, por meio de terceiros, a continuar a obra descrita em 6), designadamente trabalhos referentes a electricidade, sem supervisão das Requerentes;  -
11-Esses terceiros colocaram uns taipais a vedar o acesso à obra.
 
Oposição
  
12-As requerentes nunca foram impedidas de acederem à obra para retirar o resto dos seus materiais.
13-Entre Agosto de 2019 e inícios de 2020, a obra estava sem quaisquer vedações.  
14-As requerentes apenas deixaram na obra restos de materiais.  
15-Os requeridos nunca impediram os Requerentes de aceder à obra e retirar os seus materiais.
16-Em 29-04-2020, os requeridos intentaram contra as requerentes uma acção judicial, a qual corre termos neste Tribunal, Juiz 4, proc. N.º 6092/20.9T8SNT.
17-Na qual as requerentes foram citadas em 05-06-2020.
18-A facturação dos serviços de empreitada foi num primeiro momento emitida pela 1ª requerente através da emissão de recibos, nomeadamente um recibo emitido em 30-08-2018 no montante de € 17.650,00, recibo emitido em 30-12-2018 no montante de 17650,00; recibo emitido em 30-03-2019, no montante de € 7100.
19-Através da 2.ª requerente foram emitidas três facturas: (i) 18/11 de 29-08-2018, no montante de € 15 990,00, (ii) 18/19 de 30-10-2018, no montante de € 10 947,00, (iii) 25/18 de 03-12-2018 no montante de € 36 592,50.
20-Não obstante o referido na carta referida em 8) as requerentes não efectuaram qualquer auto de medição na presença do fiscal de obra dos requeridos.
21-No dia 03-07-2019, o representante legal dos requentes enviou aos requerido um e-mail comunicando que era importante a marcação de uma reunião com o director de obra e com o fiscal dos requeridos.
22-No dia 09-07-2019, os requeridos responderam informando que “ontem em conversa com o João na reunião com o fiscal de obra ficou acordado marcar-se uma reunião COM CARÁCTER DE URGÊNCIA nas vossas instalações com a presença de todos: eu e esposa, Vasco, João, Joaquim e Sandra.
Antes da reunião é indispensável enviar-nos previamente o plano de pagamentos actualizado à data de hoje.
Concretamente o fiscal precisa de verificar convosco exactamente que percentagem de cada item já foi realizado, o que falta fazer e em que altura irá acontecer.(…)
Propomos essa reunião para sexta feita às 9h.
(…)”
23-Em 15 de Julho de 2019, os requeridos insistiram referindo “Até agora ainda não recebemos os elementos solicitados no passado dia 9 por e-mail.
Precisamos com urgência desse plano antes da reunião de quarta feita próxima” (…).  
24-No dia 16-07-2019 o Eng. João .....enviou ao requerido o seguinte e-mail “ Boa tarde, Sr. Vítor, por não conseguir reunir os elementos solicitados para amanhã, fica cancelada a nossa reunião de 17-07. Assim que os elementos estejam prontos marcaremos nova reunião.”
25-Nesse mesmo dia os requeridos enviaram um e-mail ao legal representante das requerentes dizendo “Acabámos de ser informados pelo João do cancelamento da reunião de amanhã às 9h. Não compreendemos como é possível termos pedido os elementos no dia 9 e até hoje não terem na vossa posse a planificação daquilo que já foi feito, daquilo que falta fazer e quando irá ser feito.
É com base nestes elementos que iremos, conjuntamente com o nosso fiscal, avaliar a situação e estudar a vossa proposta de prorrogação do prazo de termino da obra, pois neste momento ainda estão vigentes os termos do contrato inicial.
Assim solicitamos reunião na segunda-feira pelas 9h30.
Mais informamos que pretendemos que os trabalhos na laje da cave não avancem antes desta reunião. (…)”  
26-No dia 19-07, os requeridos enviaram novo e-mail às requerentes referindo “ Aguardamos s confirmação urgente da vossa disponibilidade para a reunião da próxima segunda-feira às 9.30h. (…)”.
27-No dia 25-07, o Eng. João .... enviou um email ao requerido dizendo “ Pela não realização da reunião de obra na passada segunda-feira por não comparência na mesma do Eng. Fiscal e do Dono da Obra estou a remarcar a reunião para o dia 31-07-2019 às 10h. Se não poderem comparecer agradeço que comuniquem uma nova data e hora.
28-Em resposta ao referido email os requeridos enviaram aos requerentes um email com o seguinte teor ”A reunião com carácter de urgência que temos tentado marcar convosco, tem como objectivo a discussão da documentação solicitada desde o dia 9 de Julho, com todos os intervenientes, nomeadamente o empreiteiro Sr. Joaquim, o director obra, fiscal da obra e donos da obra.
Recordamos que a reunião que esteve agendada para o dia 17 de Julho foi cancelada por vós, na véspera às 17.09.
Ficou então reagendada nova data para segunda-feira dia 21-07.
Acontece que novamente na véspera da reunião às 17.37 recebemos um sms vindo da Sra. Cristina informando que a reunião poderia ser na segunda-feira às 9.30 mas terá de ser a obra com o Eng. João ..... O Joaquim e a Sandra estariam fora durante toda a semana.
Perante a ausência do empreiteiro, bem como da documentação solicitada, a reunião ficou sem validade. (…)
Em relação à remarcação da reunião propomos dia 1 de Agosto às 10h, onde será feito um auto de medição. (…)”
29-No dia 01-08-2019 as requerentes compareceram no local da obra, na pessoa do director da obra e de uma funcionária, sem qualquer tipo de documentação solicitada pelos requeridos e sem um mapa dos trabalhos realizados e a realizar para se aferir do estado da obra.
30-Não obstante o referido em 27, as requerentes, através da funcionária Mariana ....., no dia 02-08-2019 enviaram aos requeridos um e-mail (cf. fls. 104) referindo “Precisamos da vossa decisão em relação aos seguintes itens:
- o RAL para o cinza dos portões e gradeamentos;
- o RAL para o branco da tinta exterior;
- o RAL para o cinza da tinta interior;
- o tipo de xisto para o revestimento exterior, estarão disponíveis na obra.
Necessitamos das vossas respostas o mais urgente que vos seja possível.
Sem estas não será possível avançarmos com os trabalhos na obra. (…)”.
31-No dia 03-08-2019, sem que a reunião solicitada desde Julho se tivesse realizado, os requerentes enviaram aos requeridos um “auto de medição “ e uma factura.
32-Não obstante as insistências dos requerentes os requeridos não procederam ao pagamento da factura.
33-Em Outubro de 2019, foi combinada uma reunião no local, numa derradeira tentativa de resolver o litígio sendo que mais uma vez as requerentes se fizeram representar pelo seu director de obra, sem que tivesse consigo a documentação do mapa dos trabalhos conforme solicitado desde Julho de 2019.
34-Após a recepção da comunicação das requerentes de 06-12-2019 os requeridos enviaram aos requerentes carta registada com aviso de recepção, com o teor de fls. 129 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

Não se apurou que:

Matéria alegada no requerimento inicial:
Para além dos factos que resultaram não indiciariamente provados na decisão de fls 44 e ss. (- que os Requeridos tenham destruído ou modificado trabalhos executados pela Requerente na obra descrita no ponto 6) dos Factos Indiciariamente Provados; - Que os Requeridos se encontrem a executar trabalhos na obra descrita em 6) com materiais adquiridos e aí deixados guardados pelas Requerentes; - Que o alvará de construção referente à obra descrita no ponto 6) dos
Factos Indiciariamente Provados se mantenha emitido a favor das aqui Requerentes pela Câmara Municipal.), ainda:
- que para se introduzirem na obra os aludidos terceiros removeram as protecções de rede e painéis colocadas no acesso à obra pelas Requerentes;
- que as Requerentes deixaram materiais por si adquiridos guardados na obra; - que os Requeridos colocaram em substituição das protecções de rede e painéis descritas em 15) vedação em madeira, com sistema de fechadura, impeditivo do acesso por parte das Requerentes à obra e ao material por estas aí guardado.
Matéria alegada na oposição:

- que os requerentes nunca tivessem comprado materiais sem que os requeridos os pagassem previamente;
- que os eventuais materiais que existissem a obra fossem dos requeridos;
- que Requerentes e requerida tivessem acordado na rectificação do orçamento, tendo o mesmo sido acrescido de € 85 000,00, o que justificou o documento de reconhecimento de dívida assinado pelos requeridos.
- que os materiais de construção sempre tenham sido pagos pelos requeridos à medida do que era necessário comprar;
- que na reunião ocorrida em 15-10-2019 o Director de obra tenha afirmado que a sua função não era realizar autos de medição e que não faria qualquer auto de medição;
- Que no dia 15-10-2019 os requeridos tenham informado as requerentes, consignando a não realização da vistoria pretendida e propondo o reinicio da obra até 18-10, mediante a assinatura de uma adenda ao contrato em que se comprometiam a fazer a vistoria nos termos acordados ou rematassem as suas contas e apresentassem factura até 17-10-2019, rescindindo-se o contrato contra a aceitação da factura.
Atentas as conclusões dos apelantes que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões a decidir consistem em saber se há ou não lugar à alteração da decisão de facto e se se verificam ou não os requisitos/pressupostos do procedimento cautelar de restituição provisória da posse (posse, esbulho e violência)
Vejamos, então.

a)- Alteração da matéria de facto

O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 640 CPC a decisão com base neles proferida – art. 662 CPC
Importa desde já referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607 CPC.
No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso.
Sobre o recorrente impende o ónus de, nas alegações, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – art. 639 CPC.
Na verdade, as conclusões da alegação de recurso são a única peça processual onde, por obrigação legal, o recorrente deve expor de forma concisa mas rigorosa e suficiente, todas as questões que quer submeter à apreciação do tribunal superior. 
Versando o recurso sob a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art. 640 CPC.
O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa que um julgamento ex novo e global dessa matéria, mas sim a possibilidade do tribunal de 2ª instância fiscalizar os erros concretos do julgamento já realizado.
Dupla jurisdição não significa forçosamente repetição.
No preâmbulo do DL 35/95 de 15/2 pode ler-se que o duplo grau de jurisdição visa “apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Defende a apelante que devem ser considerados Provados os factos Não Provados, com fundamento no depoimento das testemunhas João ..., Sandra ..., Vasco ... e Tiago ..., declarações de parte de Joaquim ... (legal representante das requerentes) e das fotografias juntas, a saber:
- Para se introduzirem na obra, os terceiros a mando dos recorridos, removeram as protecções de rede e painéis colocados no acesso à obra pelos requerentes.
- Os requerentes deixaram materiais por si adquiridos guardados na obra
- Os requeridos colocaram em substituição das protecções de rede e painéis instalados pelos requerentes, vedação em madeira, com sistema de fechadura, impeditivo do acesso por parte dos requerentes à obra e ao material por estas aí guardado.
Joaquim ...., legal representante das requerentes, em declarações de parte, no que aos factos impugnados concerne, declarou que:
Ainda que não possa precisar a data, situa o início da execução da obra, no início de 2019.
A partir do momento em que terminaram os trabalhos protegeram a obra com vedação, em rede – 4 vedações – vedação norma exigida por lei.
Na obra tinham algumas coisas, mas não tinham máquinas pesadas.
Quando lá passaram (ele e o Sr. Eng. Nuno), com o fito e preocupação de verificar se teria havido vandalismo na obra, em Maio/Junho/2020, constataram que a inexistência da mesma; a rede estava posta de lado.
Encontravam dois homens a trabalhar, em cima do escadote, a mexer nos cabos eléctricos; perguntaram o que eles estavam a fazer, tendo estes lhes dito que estavam a finalizar a obra e pensando que eles seriam vizinhos disponibilizaram-se para elaborar orçamentos.
Passou lá a semana passada e estavam 2/3 homens cá fora a trabalhar.
Nas zonas da porta da entrada e garagem colocaram madeiras enormes a tapar a entrada da garagem, é uma outra maneira de vedar a obra (eles usaram uma vedação).
Não entraram na obra, para o fazer tinham que partir a madeira ou então tinham que ter a chave para poder abrir a fechadura que se encontrava na madeira.
Se quisessem ir buscar materiais teria que pedir para lhe abrirem a porta.
Tinha à vontade com o dono da obra para lhe telefonar e pedir para ir buscar as coisas.
A obra parou, em Agosto/Setembro de 2019, por falta de pagamento – encontravam-se há 3/4/5 meses, sem receber.
Conversaram com o dono da obra (Vítor), tendo este identificado algumas coisas que não estavam correctas, justificando assim o não pagamento.
Não obstante, continuaram a desenvolver a obra.
Foram conversando e dizendo que se não houvesse pagamento teriam que parar a obra, ao que o dono da obra retorquiu, então param.
Cada uma das suas empresas tem um alvará de construção.
Contactaram a Câmara e, off the record, foram informados que o alvará continuava no nome da sua empresa mas tinha havido alterado o Eng. da obra (podem fazê-lo)
Vítor...., dono da obra, em declarações de parte, no que à matéria impugnada respeita, declarou que:
Nunca foi colocada a porta de entrada da casa e a entrada da garagem estava aberta.
O muro da entrada não estava construído, não tinham portões.
Quando o novo empreiteiro recomeçou, em Abril, foi ele quem colocou os taipais nos acessos às portas de entrada e garagem.
Até 10/9/20, as caixilharias da cave – duas janelas – nunca foram colocadas, foi o novo empreiteiro que as colocou.
João ......, engenheiro civil, tem um contrato de prestação de serviços (Direcção de obra e Consultoria) com as empresas requerentes, desde Dezembro de 2018, conhece os requeridos, enquanto donos da obra e nas funções que aí desempenhava uma vez que era o Director da Obra, referiu que:
Passou a ser o Director da obra, em fins de Dezembro de 2018.
Situa a paralização dos trabalhos na obra, em fins de Agosto de 2019, por falta de pagamentos.
A obra estava vedada, vedação normal, amovível, a rede estava colocada no local onde se situava o muro exterior.
O terreno estava murado, a rede estava colocada na parte frontal da moradia, ainda não havia portões, ocupando toda a frente – 4 painéis de rede com 3 m, cerca de 12m.
A moradia era geminada, um dos lados está encostada a outra moradia.
Pelo terreno inexiste acesso à casa, este só tem lugar pela parte da frente.
Para se entrar na obra há que remover a rede.
Esteve lá, pela primeira vez, em inícios/meados de Junho e verificou que eles removeram a rede e colocaram-na na lateral, constatando que se encontravam a continuar os trabalhos para o dono da obra.
Deviam ser electricistas, estavam a mexer na fiação eléctrica – passar cabos (eles/requerentes já tinham executado as condutas para passar a rede eléctrica).
Não falou com ninguém.
Foi lá uma segunda vez, acompanhado de Joaquim ..., perguntando o que eles ali faziam, tendo-lhes sido dito que estavam a fazer os trabalhos, tinham sido contratados para fazer a obra.
Perguntou a um amigo da Câmara que lhe referiu que desde Janeiro/Fevereiro ele já não era o Director de Obra – os proprietários podem remover unilateralmente o Director – sendo que a requerente é quem detém o alvará.
Havia na obra material pertença da requerente - tijolo, areias, cimento, alguns equipamentos dos pedreiros (ferramentas).
Encontrava-se lá um painel solar que tem cobre e tinha receio que pudesse ser furtado (amigos do alheio).
Sandra ......, comercial/gestora de cliente, é funcionária da requerente B, desde fins de 2018, inícios de 2019, no respeitante à matéria impugnada, mencionou que:
Deslocou-se à obra cerca de 5 vezes (início de Maio e a última em Julho do ano passado).
Logo no início da obra colocaram uma vedação metálica, vedação de protecção.
A obra parou por falta de pagamento.
Ouviu Joaquim ... e o Eng. João dizer que estavam lá outras pessoas a trabalhar na obra e através de um rumor (situa isto após a quarentena covid) de um dos fornecedores da empresa no sentido de ter sido adquirido material para a obra similar ao que eles haviam adquirido para a mesma, mas não prestou muita atenção.
Em Agosto/19, estavam a adquirir materiais para a obra – pavimento laminado, revestimento, cerâmicas, sanitários.
Os pavimentos e revestimento estão comprados (50% pagos) e estão depositados no fornecedor.
Os sanitários e pavimento laminado estão no armazém.
Desconhece qual o material que está/ficou na obra.
A obra em questão não é da sua responsabilidade, daí não ter acompanhado.
 Vasco ....., engenheiro civil, conhece os requeridos, esteve ligado à obra no ano de 2020 (prestou serviços de assessoria para os donos da obra – fiscalização total dos trabalhos), não conhece as requerentes, no que à matéria impugnada respeita, referiu que:
Quando passou a fazer parte da obra esta já estava em andamento.
Passou a exercer as funções de fiscal em Junho/Julho de 2019.
No seguimento da obra, Junho/Julho/Setembro/19, enquanto fiscal da mesma, ia lá, no mínimo três vezes por semana.
Passou por mera curiosidade naquela moradia e constatou que desde Agosto a Dezembro a obra estava em abandono absoluto, pode dizê-lo por experiência, uma vez que é Eng. há 30 e tal anos.
A obra estava desventrada/aberta – entrou e apanhou um pássaro morto.
Podia-se entrar na obra pela cave ou pelo 1º andar.
Antes, já aí tinha passado para ver como é que estava.
Infelizmente, no caso de obras desventradas, é frequente o vandalismo.
Encontrava-se lá areia espalhada, o tempo assim o permite (vento); as areias não estavam a ser movimentadas há muito.
Não havia lá quaisquer utensílios.
Não havia materiais, nem nada na obra que indicasse que ela está ser movimentada – a obra não tinha lá nada.
Tiago ....., chefe de cozinha, conhece o dono da obra, é vizinho, habita na moradia geminada à obra (construção da moradia), no que concerne à matéria impugnada, mencionou que:
Vive junto à moradia, tem uma visão ampla.
Acompanhou a construção da moradia.
Há dois anos que estava em casa, via o que se passava todos os dias, das 9 às 17 h.
Viu sempre duas pessoas aí a trabalhar – um mais velho e outro mais novo.
Nunca viu a obra fechada, com alguma segurança.
Como a obra faz paredes meias com a sua casa tinha receio que houvesse/acontecesse alguma coisa na sua moradia.
Dava um ar que não estava lá ninguém, há já mais de 1/ 2/ 3 meses, mesmo que de dia lá estivessem 2/3 pessoas.
Sua mulher é muito paranóica com os barulhos que aconteciam na obra.
Deixou de ver pessoas a trabalhar lá – situa em Agosto/Setembro de 2019.
No início da pandemia (Março/Abril de 2020) começou a ver pessoas lá a trabalhar.
A obra não tinha cerca, nem taipais.
Passava na obra todos os dias, ia dar uma volta com o seu filho.
Não havia nada, estava tudo devassado – estava lá material como se voltassem no dia seguinte.
Não havia porta.
Estava tudo com ar de abandono.
Quando vê uma obra fechada durante cerca de 3/4 meses, à chuva, vento, sol, sem gente, causa estranheza.
Pensou que a obra tinha sido parada.
Só a partir da pandemia é que começou a ver portas fechadas e a vedação.
O muro foi levantado à volta da casa e fecharam com taipais e mais um que fica de lado, tendo colocado grades à frente para tapar a entrada da viatura.
De Agosto a Dezembro de 2019, não viu materiais na obra – o que viu foram sobras de ferro, areia (monte) -, nada com paletes de cimento, ferro.
Consegue saber se a obra está ou não parada – ruídos dos berbequins, tem crianças pequenas.
Pensava que, em Agosto, tinham ido para férias, em Agosto/2019, mas passou-se o Natal e tudo permanecia igual.
Deixou de ouvir barulhos, pessoas na obra e materiais novos a chegar à mesma.
Tendo-se procedido à audição integral dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, extractadas supra, no respeitante à matéria impugnada e o exarado supra, concluiu-se pela inalteração dos factos dados como Não Provados/matéria impugnada.
Na verdade, através dos depoimentos e declarações de parte, prestados, mormente o representante legal da requerente (Joaquim ....) não lograram as requerentes convencer o tribunal, tal com o mencionado pela 1ª instância, na sua fundamentação, que aqui se dá por reproduzida, quanto a estes factos, de que a obra estava vedada, a existência de materiais adquiridos e guardados na obra (os materiais adquiridos encontravam-se depositados ou no fornecedor ou em armazém – cfr. depoimento de Sandra ....) e a substituição da vedação de rede pela vedação de madeira impedindo o acesso das requerentes à obra.
Destarte, falece a pretensão.

b)-Questão da verificação dos requisitos da providência cautelar de restituição provisória da posse

O possuidor que pretenda, nos termos do artigo 1279 do Código Civil, ser restituído provisoriamente à sua posse, terá de alegar - e depois provar, perfunctoriamente -, para além da posse e do esbulho, a violência (art. 377 CPC).
Os arts. 1277 a 1279 CC, regulam a tutela possessória.
A restituição provisória constitui um meio de defesa da posse ao serviço do possuidor contra actos violentos como garantia da reconstituição da situação provisória anterior, de modo célere e eficaz, facultando-se ao lesado a devolução da posse, impedindo a persistência da situação danosa e /ou o agravamento dos danos.
Desta forma, os possuidores gozam de tutela jurisdicional.
A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real – art. 1251 CC.
Como aparência jurídica a posse é configurada como sendo um direito provisório distinto do direito de propriedade e de outros direitos reais que são definitivos.
No nosso direito, doutrina e a jurisprudência, consagrou a concepção subjectiva da posse, concretizada em dois elementos, a saber: material (corpus) e psicológico (animus).
O corpus traduz-se na realização de actos materiais – detenção, fruição ou ambos conjuntamente praticados sobre a coisa, com exercício de certos poderes sobre a mesma, ou no domínio de facto sobre a coisa, traduzida no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício.
O animus traduz-se na intenção por parte do sujeito interessado em se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados ou na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto.
Estes actos materiais que o sujeito desenvolve correspondem ao exercício dos poderes que compõem o conteúdo de um direito real.
O interessado actua com a vontade de criar a convicção nas outras pessoas de que é o titular do direito a que corresponde a actividade que realiza.
Os caracteres da posse encontram-se regulados nos arts. 1258 a 1262 CC.
A acção possessória revela/reveste várias modalidades, consoante o acto violador da posse, mormente através da acção de restituição provisória da posse.
Através desta acção (art. 1277 CC) o possuidor goza de um direito cujo conteúdo consiste em impor respeito à sua situação quando se veja inquietado ou, em definitivo, prejudicado, de algum modo, pelo esbulho, assim se legitimando o direito de accionar (o esbulho violento pode ser exercido também sobre as coisas).
A tutela provisória assenta num juízo provisório no que concerne à aferição do direito, condicionado à não sobreposição de uma situação jurídica invocada pela parte contrária correspondente à titularidade de um direito real de gozo ou melhor posse.
A provisoriedade é uma característica subjacente aos procedimentos cautelares de restituição provisória da posse.
O seu deferimento pressupõe a prova sumária da posse e, por outro, a medida fica condicionada a que não seja suscitada, com sucesso, a questão da titularidade do direito real que faça decair a simples protecção do direito aparente.
O segundo requisito é o esbulho.
O esbulho traduz/abarca os actos que impliquem a perda da posse.
Manuel Rodrigues define-o como a privação por parte de alguém do exercício do direito de retenção ou fruição do objecto possuído ou da possibilidade de o continuar – cfr. A Posse,  Coimbra, 1966, Almedina – 324.
O esbulho não se confunde com actos de turbação que, embora situados para além da simples ameaça, não assume proporções que impeçam a sua conservação.
O terceiro requisito subsume-se à violência.
No que respeita a este requisito, a doutrina e a jurisprudência têm divergido, por vezes, na caracterização da violência, ou seja, se esta tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre coisas, ou se o conceito deve ser limitado à coacção exercida sobre o possuidor.
A este propósito, pode ler-se com interesse uma resenha feita no acórdão da Relação de Évora, de 22.6.89 (CJ 1989, III, pg. 279), no qual se sintetizam os parâmetros em que se movem as duas orientações.
De acordo com o disposto no art. 1261/2 CC, considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral nos termos do artigo 255.
E, conforme o nº 2 do citado artigo, a ameaça integradora da coacção moral tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro.
Deste modo, a violência sobre a coisa é relevante quando esta constitui um obstáculo ao esbulhado ou quando o possuidor fica impedido de contactar com a coisa como resultado dos actos empregues.
A violência deve ser dirigida contra o possuidor, bem como através de ataques aos seus bens – cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma ao CPC, Procedimentos Cautelares Especificados IV vol., Almedina, 2ª edição Revista a Actualizada – 44 a 47 e Ac. RL de 3/12/20, relator Arlindo Crua, in www.dgsi.pt.
A empreitada é regulada nos arts. 1207 e sgs., consistindo num contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar a coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados – art. 754 CC.
Os pressupostos do direito de retenção consistem na posse e obrigação de entregar a coisa, existência a favor do devedor, de um crédito exigível sobre o credor e a existência da conexão causal entre este crédito (resultante de despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados) e a coisa.
O direito de retenção pressupõe um poder de facto sobre um objecto/coisa, ou seja, pressupõe a sua posse – cfr. Manuel Rodrigues, in ob. cit – 187.
Discute-se se o empreiteiro, enquanto credor do preço da obra, goza do direito de retenção sobre esta.
A maioria da jurisprudência e doutrina manifesta-se no sentido afirmativo - cfr., entre outros, Galvão Telles, in  Direito de Retenção no Contrato de Empreitada, em O Direito – 106 – 119 – 13 e sgs.; Ferreira Correia e Sousa Ribeiro, in Direito de Retenção, CJ XIII, I – 16 e sgs.; Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória – 342 e sgs., entre outros, em sentido contrário P. Lima e A. Varela, in CC Anot. 3ª ed. II vol. – 799 e sgs. e Ac. STJ de 29/1/14, relator João Bernardo e Ac. RL de 16/5/19, relator António Santos, in www.dgsi.pt.
O empreiteiro que exerce o direito de retenção, ex vi art. 1251 CC, pode socorrer-se das acções possessórias – arts. 1276 e sgs. CC – contra o proprietário – cfr. Romano Martinez, in Direito das Obrigações, Parte Especial (contratos), 2ª ed.- 278.
No caso em apreço, atento os factos apurados e o exarado supra, constata-se que o requisito da posse não se mostra verificado, na verdade, as requerentes, aquando da instauração da providência, já não detinham a posse da obra – saíram da obra, em Agosto de 2019 e resolveram o contrato, em Dezembro.
Quanto ao esbulho, também não se suscitam dúvidas que este não ocorreu - a saída da obra, em Agosto/2019, resolução do contrato, em Dezembro do mesmo ano e retoma dos trabalhos na obra por parte do dono da obra, em Março/Abril de 2020 -, o dono da obra não podia ficar ad aeternum, após a resolução do contrato, aguardando o terminus da obra.
Também nenhuma violência foi exercida sobre as requrentes ou o seu direito.

Destarte, não estão verificados os requisitos de posse, esbulho e violência, soçobrando a pretensão.

Concluindo:
- A restituição provisória constitui um meio de defesa da posse ao serviço do possuidor contra actos violentos como garantia da reconstituição da situação provisória anterior, de modo célere e eficaz, facultando-se ao lesado a devolução da posse, impedindo a persistência da situação danosa e /ou o agravamento dos danos.
- O esbulho consiste na privação por parte de alguém do exercício do direito de retenção ou fruição do objecto possuído ou da possibilidade de o continuar.
- O direito de retenção pressupõe um poder de facto sobre um objecto/coisa, ou seja, pressupõe a sua posse.
- O empreiteiro que tenha saído da obra e resolvido o contrato, não goza do direito de retenção sobre esta.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 27/5/2021


Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça