ACÇÃO ESPECIAL
DIVISÃO DE COISA COMUM
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Sumário

Em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas (por benfeitorias e relativas à aquisição da fração, bem como as com esta relacionadas), tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.

Texto Integral

  Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 30.6.2020, A intentou contra B ação declarativa com processo especial de divisão de coisa comum, pedindo que seja decretada a divisão de coisa comum entre a A. e o R., com as legais consequências.
Alegou, em síntese:
A. e R. são comproprietários, em partes iguais, da fração autónoma designada pela letra “A” correspondente ao r/c direito do prédio sito na Rua, nº 8, Lisboa, descrito na CRP sob o nº xxx, e inscrito na matriz sob o art. xxx, com o valor patrimonial de €33.350,00, embora tenha o valor de mercado de €196.764,00.
A fração está onerada com hipoteca a favor do Banco, SA, para garantia do empréstimo contraído para a sua aquisição, cujo montante atual é de €20.615,15.
A A. não pretende manter-se na indivisão, e a fração, pela sua natureza, não é suscetível de divisão.
Citado, o R. contestou, por impugnação, reconhecendo que a fração é indivisível em substância, e deduziu reconvenção, e terminou pedindo que a ação seja julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, deverá ser julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional, reconhecendo-se o crédito do réu-reconvinte sobre a autora-reconvinda no montante de €2.973,40, e, bem assim, condenando-se esta no pagamento de tal montante a fixar nas tornas que a comproprietária que adjudique a fração autónoma tenha de pagar ou que tal montante seja pago na alienação da fração autónoma.
A fundamentar o pedido reconvencional, alegou em síntese:
A fração comum foi obtida antes da constância do casamento entre a A. e o R. e era a casa de morada de família.
O casamento entre a A. e o R. foi dissolvido no dia 4.5.2019, e, desde essa data que a A./reconvinda apenas reside, durante duas semanas alternadas, na fração autónoma, tendo deixado de proceder ao pagamento das despesas inerentes a esta, nomeadamente, IMI, quotização de condomínio, reembolso dos mútuos bancários, fornecimento de eletricidade, gás, água e telecomunicações (pacote de televisão, telefone e internet da NOS, S.A.), sendo apenas o R./reconvinte a suportar integralmente tais despesas, que ascendem, à data ao total de €4.839,01.
Por outro lado, em agosto e setembro de 2019, o R./reconvinte fez benfeitorias na fração, mormente no quarto do menor, que ascenderam a €1.107,79.
Resulta, assim, a favor do R./reconvinte um crédito no montante de €2.973,40.
A A. replicou, sustentando ser inadmissível a reconvenção, e, à cautela, impugnou a factualidade impugnada, e terminou pugnando pela improcedência da reconvenção, por inadmissibilidade legal da mesma; ou caso assim não se entenda, pela sua improcedência, sendo a reconvinda absolvida do pedido nos termos peticionados.
Em 7.1.2021, foi proferido o despacho que rejeitou, por processualmente inadmissível, o pedido reconvencional deduzido pelo Requerido, e foi proferida sentença que julgou a ação procedente por provada, e em consequência: a) Declarou verificado o direito da Autora, A, a pedir a divisão do imóvel supra identificado; b) Declarou indivisível a fração de que as partes são comproprietários, designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão direito, do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua, nº 18, em Lisboa, Freguesia de, Concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº xxx, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo nº xxx; c) Determinou o prosseguimento dos autos para pôr termo à situação de indivisão, nos termos do artigo 929º, nº 2 do Código de Processo Civil, tendo designado data para realização de conferência de interessados.
Não se conformando com o teor do despacho, apelou o Requerido, formulando no final das suas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I. A decisão recorrida julgou processualmente inadmissível o pedido reconvencional deduzido pelo Recorrente no âmbito da ação de divisão de coisa comum proposta pela Autora e respeitante à casa de morada de família da qual as partes são comproprietárias;
II. Sempre com o devido respeito e que é muito, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 6º, nº 1, 266º, 547º e 926º e seguintes, todos do Código de Processo Civil.
III. Está em discussão o crédito de um dos comproprietários respeitante a um direito por benfeitorias, devendo, ao abrigo da economia processual, evitar-se que aquele seja compelido a recorrer à propositura de uma outra ação para ver o seu direito reconhecido;
IV. Com efeito, o Recorrente entende que o Julgador, ao abrigo dos princípios da gestão processual e adequação formal (consagrados nos artigos 6º e 547º, Código de Processo Civil), deve determinar que existe interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvam a fração dividenda, como seja o crédito invocado pelo Recorrente sobre a Autora, enquanto comproprietária;
V. Denote-se que o processo especial de divisão de coisa comum comporta, ele mesmo, a possibilidade, na sua fase não executiva, de se seguirem os termos do processo comum, o que justifica “à luz dos critérios de economia processual, de eficácia e de utilidade plasmados na parte final do nº 3 do art. 266º do CPC, um desvio à tramitação prevista para aquela ação, admitindo-se o pedido reconvencional” (cfr. jurisprudência citada na motivação);
VI. Pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que admita o pedido reconvencional deduzido nos autos.
Termina pedindo que se revogue a decisão recorrida.
A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, e manutenção da decisão recorrida.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), a única questão a decidir é se o pedido reconvencional deve ser admitido.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os constantes do relatório.
É do seguinte teor o despacho recorrido:
I. Questão prévia Da inadmissibilidade do pedido reconvencional A requerente, A, instaurou a presente ação especial de divisão de coisa comum, nos termos dos artigos 925º e seguintes do Código de Processo Civil, contra o requerido, B. Por sua vez, este último apresentou contestação, nos termos da qual apresentou um pedido reconvencional, conforme é permitido ao abrigo do artigo 583º do Código de Processo Civil. Neste seguimento, o artigo 266º, nº 1 do mesmo diploma define que “o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor” e determina, no seu nº 2, os casos em que aquela figura processual é admissível. Ora, a alínea a) daquele preceito indica que é admissível “quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa”. Referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no seu Código de Processo Civil anotado, Almedina, 1ª edição, p. 302, que “o facto jurídico que serve de fundamento à ação constitui um ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado”. De facto, o pedido de Réu, relativo a créditos emerge do facto das partes possuírem aquela fração em compropriedade, e o pedido de divisão de coisa comum peticionado pela requerente, emerge exatamente do mesmo facto. No entanto, o nº 3 do artigo 266º descreve que “não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz o autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º, com as necessárias adaptações”. Sucede que a ação de divisão de coisa comum segue a forma de processo especial, enquanto que o pedido reconvencional se refere a pedidos que constituiriam a forma de processo comum, pelo que, nos termos do preceito referido anteriormente, não será admissível a reconvenção. Nesse sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/01/2018, processo nº 386-15.2T8MFR.L2-8, referindo que “a ação de divisão de coisa comum segue a forma de processo especial sendo o seu escopo tão só o da divisão da coisa comum com exclusão de qualquer outro pedido que não este, nomeadamente, créditos”. Admite apenas a hipótese de ser admissível o pedido reconvencional “numa ação de divisão de coisa comum, no caso de ter sido prolatado despacho, já transitado, que ordenou o seu prosseguimento nos termos do processo comum”, o que não ocorreu no presente caso. Mais flexível foi a decisão plasmada no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17/01/2019, processo nº 764/18.5T8STB.E1, no qual se referiu que “de acordo com o preceituado nos nºs 2 e 3 do indicado artigo 37º, pode o juiz autorizar a reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio”. Ora, ainda assim, tratando o pedido reconvencional de despesas inerentes à fração autónoma que alegadamente o requerido terá suportado, mas não relacionadas com a compra da fração, não se considera existir um especial interesse ou uma indispensabilidade, para que se considera necessário ou conveniente apreciar esse pedido nos termos do presente processo de divisão de coisa comum. Face a tudo o exposto, o Tribunal rejeita, por processualmente inadmissível, o presente pedido reconvencional deduzido pelo Requerido. Custas, nesta parte, pelo Requerido”.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A presente ação é de divisão de coisa comum.
Dispõe o nº 1 do art. 1412º do CC que “nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”.
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, Vol. III, 2ª ed. rev. e atual. (reimpressão), pág. 386, “são os reconhecidos inconvenientes da propriedade em comum que, explicando a concessão do direito legal de preferência aos consortes e a posição deste direito entre as várias preferências legais, também justificam o direito de exigir a divisão, atribuído aos consortes”.
A divisão (substancial ou do preço) pode ser feita amigavelmente, com sujeição à forma exigida para a alienação onerosa de coisa – art. 1413º, nºs 1 e 2 do CC -, ou, não se entendendo os comproprietários quanto à divisão, nos termos da lei de processo (art. 1413º, nº 1 do CC), ou seja, seguindo os termos do processo especial de divisão de coisa comum previsto nos arts. 925º e ss. do CPC.
Efetivamente, dispõe o art. 925º do CPC que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
Como resulta deste e dos seguintes preceitos legais, o processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais, uma de natureza declarativa que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão que foi invocado, outra, de natureza executiva, na qual se vai materializar o direito que foi definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor (nos casos de divisibilidade em substância da coisa, procede-se à sua divisão mediante a fixação de quinhões e à subsequente adjudicação dos mesmos aos consortes, nos casos de indivisibilidade material da coisa, procede-se à adjudicação desta a um dos consortes e ao preenchimento em dinheiro das quotas dos restantes, ou à venda executiva da coisa com a repartição do produto da venda pelos interessados, na proporção das respetivas quotas).
Citado o requerido, o mesmo pode deduzir contestação, oferecendo logo as provas de que dispuser (art. 926º, nº 1 do CPC).
Ao contestar a ação, o requerido pode suscitar, designadamente, exceções dilatórias, impugnar a compropriedade, negar o direito do A. a qualquer quota parte ou contrariar o volume da quota indicada por este, a indivisibilidade material da coisa, ou questões que tenham a ver com as caraterísticas físico-materiais da coisa [1].
Quando suscite alguma dessas questões, o tribunal tem de conhecer e decidi-las na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental, nos termos do disposto no art. 926º, nº 2 do CPC, que remete para os arts. 294º e 295º do mesmo diploma, revestindo a questão de simplicidade, ou, entendendo que a questão se reveste de complexidade, ordena o prosseguimento dos autos segundo a tramitação prevista para o processo comum, nos termos do nº 3 do art. 926º do CPC.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 549º do CPC, os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns.
Dispõe o art. 266º do CPC que “1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor e que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. 3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º, com as necessárias adaptações”.
Por seu turno, estatui o art. 37º do CPC que “2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio. 3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada”.
Na contestação, o Requerido deduziu pedido reconvencional com vista a obter da Requerente o pagamento, na respetiva proporção, de despesas por si suportadas exclusivamente, e que serão de responsabilidade comum, nomeadamente as tidas com IMI, quotização de condomínio, reembolso dos mútuos bancários, fornecimento de eletricidade, gás, água e telecomunicações, e com benfeitorias realizadas na fração.
Seguindo a ação de divisão de coisa comum um processo especial, e cabendo à ação reconvencional em causa o processo comum, coloca-se a questão da admissibilidade desta [2], à luz dos normativos referidos (principalmente quando inexiste qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel, quanto à natureza indivisível da coisa, e não sendo invocado qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a determinar o imediato prosseguimento dos autos para a fase executiva do processo), não sendo uniforme a posição da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria.
Sendo peticionado na reconvenção o valor (na respetiva proporção) do despendido em benfeitorias por um dos consortes, entendem uns que os princípios de gestão processual e da adequação formal impõem uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e sendo relevante o interesse de ver discutidas e decididas todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, a reconvenção por benfeitorias é admissível, mesmo que a sua admissão seja a única justificação para a abertura da fase declarativa do processo comum – neste sentido, ver os Acs. do STJ de 1.10.2019, P. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2 (José Rainho), da RL de 24.9.2015, P. 2510/14.3T8OER-A.L1-2 (Vaz Gomes), da RG de 25.9.2014, P. 260/12.4TBMNC-A.G1 (Carlos Guerra), e da RG de 25.05.2017, P. 1242/09.9TJVNF-B.G1 (Ana Cristina Duarte), todos em www.dgsi.pt, e Luís Filipe Pires de Sousa, na ob. cit., págs. 97/98
Outros entendem que sendo proferida decisão sumária relativa à indivisibilidade do imóvel e determinado o prosseguimento dos autos nos termos do nº 2 do art. 929º do CPC, então não é admissível o pedido reconvencional por benfeitorias, a impor uma fase processual absolutamente distinta e incompatível, não suscetível de adequação – neste sentido ver o Ac. da RL de 25.6.2020, P. 329/18.T8FNC-A.L-8 (Teresa Sandiães), em www.dgsi.pt.
Também quando é peticionado na reconvenção o valor (na respetiva proporção) de despesas suportadas com o imóvel (nomeadamente com encargo bancário para aquisição da coisa comum), entendem uns que a abertura de uma fase declarativa para apuramento do invocado crédito do requerido sempre implicaria a introdução de uma forma processual manifestamente incompatível, se, por não ter sido contestado o pressuposto da divisão da coisa, não houvesse necessidade de qualquer fase declarativa – neste sentido, ver os Acs. da RL de 4.3.2010, P. 1392/08.9TCSNT.L1-6 (Fátima Galante), da RP de 26.1.2021, P. 1509/19.8T8GDM.P1 (Anabela Dias da Silva) e da RC de 3.11.2020, P. 1761/19.9T8PBL.C1 (Freitas Neto), ambos em www.dgsi.pt.
Entendem outros, que não existe qualquer tramitação manifestamente incompatível, porquanto, por um lado, a tramitação comum está prevista neste processo especial, e, por outro, trata-se tão só da introdução da tramitação do processo comum na fase declarativa do processo especial, retomando-se, depois, na fase executiva, a tramitação do processo especial, estando em causa princípios de economia processual, relevando o interesse de ver discutidas e decididas todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos  - ver os Acs. do STJ de 26.1.2021, P. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1 (Maria João Vaz Tomé), da RL de 15.3.2018, P. 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8 (António Valente), da RE de 17.1.2019, P. 764/18.5T8STB.E1 (Albertina Pedroso),  e da RE de 23.4.2020, P. 1449/18.8T8PTM-A.E1 (Cristina Dá Mesquita), todos em www.dgsi.pt.   
O tribunal recorrido, não afastando a admissibilidade da reconvenção, e parecendo sufragar o entendimento de que não existe tramitação manifestamente incompatível a obstar à admissão da reconvenção, não a admitiu, porém, por entender que “… tratando o pedido reconvencional de despesas inerentes à fração autónoma que alegadamente o requerido terá suportado, mas não relacionadas com a compra da fração, não se considera existir um especial interesse ou uma indispensabilidade, para que se considera necessário ou conveniente apreciar esse pedido nos termos do presente processo de divisão de coisa comum”.
Ora, parte do pedido reconvencional reporta-se, precisamente, a despesas suportadas com o empréstimo bancário para aquisição da fração, ao contrário do que refere o tribunal recorrido (para além das relacionadas com o pagamento do IMI e do condomínio), a fundamentar, precisamente, a conveniência de apreciar esse pedido no processo de divisão de coisa comum.
Em todo o caso, conforme já manifestámos no nosso Ac. de 9.3.2021, proferido no P. nº 283/19.2T8MTA-B.L1, não publicado, sufragamos o entendimento de que, em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas [3], tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.      
Razões que saem reforçadas quando está em causa, como no caso, a divisão da coisa comum na sequência de divórcio, a justificar a apreciação conjunta das pretensões que se reportam à coisa comum.
Como se escreve no referido Ac. do STJ de 26.1.2021, “…23. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido/Recorrente se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido. A admissão da reconvenção não fere, minime que seja, qualquer princípio estruturante do processo civil. 24. São claramente menores os inconvenientes decorrentes da admissão da reconvenção e da tramitação sob a forma de processo comum do que aqueles que resultariam da sua não admissão. Na verdade, na mesma ação são decididas todas as questões que ao caso importa, procede-se à divisão da coisa comum e compensa-se o invocado crédito por despesas suportadas pelo Requerido para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à Requerente, sem necessidade de propositura de nova ação”.
Em conclusão, procede a apelação, devendo revogar-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro a admitir a reconvenção, com as inerentes consequências processuais.    
As custas da apelação, na modalidade de custas de parte, são a cargo da apelada, por ter ficado vencida – art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, que se substitui por outro a admitir a reconvenção.
Custas pela Recorrida.
*
Lisboa, 2021.06.08
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara
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[1] Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa (ora 1º adjunto), em Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2016, pág. 90.
[2] Independentemente do seu mérito.
[3] No caso, por benfeitorias, mas, por identidade de razões, pelas realizadas com o imóvel, como as respeitantes a amortizações de empréstimos para aquisição, IMI e condomínio.