CONTRATO DE MÚTUO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
JUROS
VENCIMENTO ANTECIPADO
INCUMPRIMENTO
EMBARGOS DE EXECUTADO
AÇÃO EXECUTIVA
Sumário


I - O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fraccionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
II - Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as fracções.

Texto Integral






Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – Relatório

1. AA, Executada no processo de execução para pagamento de quantia certa em que é Exequente CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, deduziu embargos invocando, fundamentalmente:

- a inexigibilidade da obrigação exequenda por falta de comunicação da resolução contratual; ineficácia da citação (por não ter sido enviada para o domicílio convencionado); prescrição do crédito exequendo (capital e juros) atendendo a data do incumprimento contratual (16-01-2013 e 16-12-2012) e a data em que foi citada para os termos da execução.

2. Recebidos os embargos e notificada a Embargada, foi apresentada contestação refutando, para o que neste âmbito assume cabimento, a prescrição excepcionada (por ser de 20 anos o prazo de prescrição, nos termos do disposto no artigo 309.º do Código Civil).

3. Tendo sido considerado que os autos continham os elementos suficientes para conhecer do mérito dos embargos foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem.

4. Foi proferido saneador-sentença que julgou procedentes os embargos, com fundamento na verificação da excepção da prescrição e, em consequência, julgou extinta a execução.

5. A Embargada apelou, tendo o tribunal da Relação ……, por acórdão (de 23-11-2020) e por decisão em maioria, julgado improcedente o recurso confirmando a sentença.

6. A Embargada recorre de revista, concluindo nas suas alegações (transcrição):

“a) A ora Recorrente não se conforma com a decisão do douto Tribunal.

b) Considera, a Recorrente, incorretamente julgada a matéria em crise pelas razões que abaixo se enunciarão, devendo ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação …, e devendo julgar-se procedente o recurso interposto, decidindo-se no sentido da não prescrição da quantia exequenda.

c) O Tribunal a quo decidiu que “pelo que datando a falta de pagamento das prestações em dívida de 18.01.2013 e 16.12.2012, a dívida de capital prescreveu em 16.01.2018 e em 16.12.2017”.

d) Pese embora o vencimento da dívida o Tribunal a quo, decidiu que seria aplicável a norma de prescrição dos 5 anos.

e) Como refere o Tribunal a quo “Uma vez incumprido o reembolso em prestações mensais – que incluem capital e juros – relativas aos mútuos celebrados entre a CGD, como mutuante, e BB e CC, como mutuários, figurando a embargante como fiadora e principal pagadora, a mutuante, nos termos do disposto no art.781º do C.Civil, exigiu antecipadamente o cumprimento de todas as prestações.”

f) Nos presentes autos vieram os Executados/Recorridos invocar a prescrição do direito da Exequente, ora Recorrente, nos termos do artigo 310.º, alínea e) do Código Civil.

g) Considerando o incumprimento contratual e o vencimento da dívida não poderá considerar-se a previsão legal invocada, uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, in casu, deixou de existir.

h) Os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam revestir – no caso em apreço um crédito à habitação -, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, é a chamada “prescrição ordinária“ (artigo 309.º do Código Civil).

i) Na situação em apreço, estando a dívida incorporada em títulos executivos – escrituras públicas – documentos exarados por notário que importam a constituição ou reconhecimento de uma obrigação (vide n.º 1 alínea b) do artigo 703.º do Código de Processo Civil, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311.º, n.º 1 do Código Civil,

não se aplicando a alínea e) do artigo 310.º do mesmo código),”.

j) Face à resolução do contrato de mútuo por incumprimento, a Caixa Geral de Depósitos considerou vencida toda a dívida, ficando sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de vinte anos.

k) Por consequência, a obrigação exequenda não é subsumível à alínea e) do artigo 310.º do Código Civil mas, outrossim, aos artigos 309.º e 311.º, do Código Civil.

Mais,

l) Todos os mútuos bancários têm, como regra, o reembolso em prestações mensais e sucessivas de capital, juros e demais encargos, pelo que, a ser acolhida a tese defendida na douta sentença recorrida, a regra para os empréstimos bancários passaria a ser a da prescrição do capital, no prazo de 5 anos.

m) Isto representaria uma clara desprotecção do credor que nem sequer vê o valor de capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituindo, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor e credor o que ataca o princípio de segurança jurídica e bancária.

n) A douta sentença recorrida, ao aplicar o artigo 310.°, do Código Civil, indiscriminadamente, ao capital e juros, absolvendo a Embargante do pedido, penaliza a Recorrente, que peticionando aquilo a que tem direito, capital em dívida e juros, vê os devedores serem absolvidos, até do capital que prescreve no prazo de 20 anos.

o) Esta interpretação aplicada de forma generalizada, acaba por violar o princípio de segurança jurídica pois desprotege instituições bancárias, que concedem crédito, e se veem, depois, em caso de incumprimento, impedidos de reaver, até o capital que emprestaram.

p) Tal interpretação não assegura igualmente a segurança nos mútuos bancários e no próprio ordenamento jurídico,

Pelo que,

q) É entendimento da Recorrente que ao contrato de empréstimo já resolvido é aplicável o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º, do Código Civil), pelo que o direito de crédito dos Recorrentes não se mostra prescrito.”.

7. Não foram apresentadas contra-alegações.

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC), impõe-se conhecer a seguinte questão:

Ø Da prescrição do direito exequendo

1 Os factos provados

A) Foi dado à execução o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, celebrado em 16.05.2001, onde figura como mutuante a Caixa Geral de Depósitos, SA, como mutuários BB e CC e como fiadora AA.

B) No referido contrato, a ora exequente declarou que concede a BB e CC um empréstimo da quantia de quinze milhões e quatrocentos mil escudos (76.14,88€), dos quais estes se confessaram devedores.

C) Para garantia do pagamento do capital emprestado, respetivos juros e despesas emergentes do contrato, os mutuários constituíram hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, casa de habitação, sito no …, à Rua ……, inscrito na matriz sob o artigo …..40 e descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o nº …..57

D) Do referido contrato consta ainda o seguinte:

Disse ainda a quarta outorgante (AA) que ela e o seu representado marido (DD), se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando a estipulação relativa ao extrato de conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança”.

E) A morada indicada no contrato como sendo a dos ora embargante foi o Bairro …, na freguesia e concelho de …..

F) A cláusula 9ª do documento complementar do contrato identificado em A) prevê o seguinte:

1 – O empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes com bonificação decrescente, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes (...)”.

G) Os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações de reembolso da quantia que lhes foi entregue pela exequente em 16.01.2013.

H) Foi dado à execução o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, celebrado em 16.05.2001, onde figura como mutuante a Caixa Geral de Depósitos, SA, como mutuários BB e CC e como fiadora AA.

I) Foi dado à execução o contrato de empréstimo, celebrado em 16.05.2001, onde figura como mutuante a Caixa Geral de Depósitos, SA, como mutuários BB e CC e como fiadores AA e DD.

J) No referido contrato, a ora exequente declarou que concede a BB e CC um empréstimo da quantia de dois milhões e cem mil escudos (10.474,76€), dos quais estes se confessaram devedores.

K) A cláusula 7ª do contrato prevê que:

1 – O pagamento do capital emprestado e dos respetivos juros será feito em trezentas e sessenta prestações mensais, constantes, cujo montante será oportunamente comunicado pela credora, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato(...)”.

L) Na cláusula 14ª, com a epígrafe Garantia – Fiança, ficou vertido o seguinte: “Os terceiros outorgantes (a ora embargante e DD) responsabilizam-se solidariamente com os segundos como seus fiadores e principais pagadores, pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido à Caixa e consequência deste contrato e dão desde já o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a Caixa e a parte devedora, e bem assim, às alterações da taxa de juro permitidas por este contrato.”.

M) A morada indicada no contrato como sendo a da ora embargante foi o Bairro …, na freguesia e concelho de …….

N) Para garantia do pagamento deste empréstimo, em 24 de maio de 2013 foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio identificado em C).

O) Os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações de reembolso do empréstimo referido em H) em 16.12.2012.

P) Em 24.05.2019, o banco exequente enviou carta registada com aviso de recepção para a ora embargante para a seguinte morada: “Flat ………, …”, com o seguinte teor:

Perda do benefício do prazo, Contrato n.º PT ……985 e PT ………885

Face ao incumprimento das obrigações de V. Exa. decorrentes dos contratos em epígrafe, consubstanciado na falta de pagamento de 77 e 44 prestações sucessivas, solicita-se a V. Exa. que, no prazo improrrogável de 30 dias, proceda ao pagamento das prestações em atraso, atualmente no valor de 27.525,08€ e de 3.353,61€ a que acresce a mora de 2,49€ e 0,33€ respetivamente, até integral pagamento, sob pena da perda do benefício do prazo.

Adverte-se expressamente que a perda do benefício do prazo determinará o vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas para efeito da celebração do referido contrato, as quais serão imediatamente devidas (...)”.

Q) Em 01.07.2019, a exequente enviou carta para a mesma morada da referida em P) para a embargante, com o seguinte teor:

Contrato n.º PT …….985 Perda do Benefício do Prazo

(...)

Não obstante a nossa comunicação anterior, datada de 2019/05/24, persiste o incumprimento das obrigações de V. Exa. decorrentes do contrato em epígrafe, pelo que na presente data se invoca a perda do benefício do prazo, nos termos legalmente previstos.

Cabe informar que a perda do benefício do prazo determina o vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas no âmbito do referido contrato, as quais ascendem, nesta data, a 67.655,61€, sendo imediatamente devidas (...)”

R) E na mesma data, enviou carta registada com aviso de recepção para a mesma morada, para a embargante, dizendo o seguinte:

Contrato n.º PT ……..985 Perda do Benefício do Prazo

(...)

Não obstante a nossa comunicação anterior, datada de 2019/05/24, persiste o incumprimento das obrigações de V. Exa. decorrentes do contrato em epígrafe, pelo que na presente data se invoca a perda do benefício do prazo, nos termos legalmente previstos.

Cabe informar que a perda do benefício do prazo determina o vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas no âmbito do referido contrato, as quais ascendem, nesta data, a 10.698,80€, sendo imediatamente devidas (...)”.

2. O direito

1. O acórdão recorrido[1], reiterando a fundamentação jurídica da sentença, entendeu que o direito da Exequente se encontrava prescrito por considerar ser aplicável ao caso o prazo prescricional de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.

Teve subjacente raciocínio que se consigna sob as seguintes premissas:

- estando em causa a obrigação de restituição de quantia emprestada resultante de contrato de mútuo com hipoteca, que foi fraccionada em prestações mensais (que incluíam capital e juros), é de cinco anos o prazo de prescrição a aplicar, nos termos previstos na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil;

 - alicerçando a Exequente o pedido exequendo no vencimento antecipado das prestações, ocorrendo a falta de pagamento das prestações em dívida em 16-01-2013 e 16-12-2012, quando da instauração da execução, já havia decorrido o prazo de prescrição de cinco anos.

- o vencimento antecipado do crédito em resultado do incumprimento não altera a respectiva natureza (amortização do capital mutuado a ser paga em prestações mensais compostas por capital e juros) para efeitos de enquadramento em termos de prescrição

Insurge-se a Embargante persistindo na defesa de que o prazo de prescrição a ter em conta é de 20 anos nos termos do artigo 311.º, n.º 1, do Código Civil, por estar em causa dívida incorporada em títulos executivos – escrituras públicas – documentos exarados por notário, que importam a constituição ou reconhecimento de uma obrigação, e por a totalidade da dívida se encontrar vencida face à resolução dos contratos de mútuo por incumprimento, ficando sem efeito o plano prestacional acordado.

Tal entendimento desmerece a caracterização da obrigação materializada no título executivo, conforme passaremos a justificar.

2. Relembremos os contornos da acção.

Em causa estão dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança em que a Embargante, aqui Recorrida, interveio como fiadora e principal pagadora, nos termos dos quais o pagamento do capital mutuado e juros convencionados era feito em prestações mensais constantes.

Incumpridos os contratos pelos devedores principais, a Exequente, entidade mutuante, instaurou execução contra a fiadora visando obter o pagamento do crédito correspondente ao capital não amortizado dos empréstimos contraídos e respectivos juros.

No seguimento do alegado pela Exequente (ainda que juridicamente perspectivado em termos de resolução dos contratos), as instâncias construíram o seu raciocínio jurídico inferindo que, a partir de 16-01-2013 e de 16-12-2012, respectivamente, se verificou, quanto a todos os devedores (incluindo a fiadora), o vencimento de todas as prestações respeitantes aos contratos de mútuo em causa[2].

Tratando-se de matéria que não mereceu controvérsia pelas partes e que neste âmbito não cabe sindicar, importará levá-la em linha de conta para efeitos de considerar que a Embargante, tendo intervindo nos contratos como fiadora e na qualidade de principal pagadora, assumiu, também, contratualmente, em detrimento da norma supletiva do artigo 782.º, do Código Civil, a responsabilidade pela amortização do mútuo no caso de perda do benefício do prazo em relação aos devedores principais.

Consequentemente, a perda de benefício do prazo perante o não pagamento das prestações do capital mutuado, conferindo ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital, mostra-se aplicável quer aos mutuários, quer à fiadora, aqui Embargante, a partir das referidas datas: 16-01-2013 e 16-12-2012[3].

3. Contrariamente ao pugnado pela Embargada, o entendimento do acórdão recorrido de considerar aplicável no caso o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, mostra-se consentâneo com o posicionamento que este tribunal tem vindo reiteradamente a defender em situações similares às dos presentes autos[4], dado estarem em causa contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fraccionada (prestações) o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), não relevando para o enquadramento em termos de prescrição a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento.

Há, assim, que acompanhar tal posicionamento.

Com efeito, o que releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é a forma por que a obrigação exequenda se mostra titulada como defende a Recorrente nas suas alegações (cfr. conclusões i), mas a estrutura do direito de crédito da Embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos[5].

Nestes casos, conforme salienta Ana Filipa Morais Antunes[6]não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.”

Como explicita ainda o mesmo acórdão de 09-02-2021, “desde há muito, que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspetivada de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos, para a verificação da prescrição.

Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).

Neste âmbito, o legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como no mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do CC.

Com efeito, a razão que justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.

Dada tal equiparação de regime, compreende-se que, ao caso, não possa ser aplicável o prazo ordinário da prescrição de vinte anos, previsto no art. 309.º do CC.

A natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato com a perda do benefício do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual.

A tal propósito explica o acórdão deste tribunal de 09-02-2021[7], que a perda do benefício do prazo traduzida no vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas não altera a natureza da dívida, mas repristina “a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (in DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.

(…) O fundamento da prescrição quinquenal não deixa de subsistir com tal vencimento, continuando a verificar-se a necessidade da sua aplicação, por forma a evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.”.

Assim sendo, levando ainda em linha de conta que, no caso dos autos, a apreciação do direito da Exequente se mostra analisado à luz do pedido em sede de requerimento executivo - vencimento antecipado das prestações nos termos previstos no artigo 781.º, do Código Civil - não merece acolhimento o entendimento da Recorrente de pretender ver aplicável à situação dos autos (que agora integra em termos de contrato de empréstimo já resolvido) o prazo ordinário de prescrição de vinte anos ao abrigo do artigo 309.º, do Código Civil.

Improcedem, por isso, as conclusões da revista.

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, mantendo o acórdão recorrido.

Custas pela Embargada.


Lisboa, 28 de Abril de 2021

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

_______________________________________________________


[1] Na percepção que se faz do voto de vencido por parte do Exmo. Desembargador Adjunto, o mesmo, não obstante concordar com o entendimento do acórdão quanto ao prazo prescricional a ter em conta no caso (cinco anos), defendeu que a prescrição não se verificava relativamente à totalidade do crédito exequendo por considerar que o início do prazo relativamente ao montante resultante da perda do benefício do prazo só ocorreria após notificação da Embargante, se a mesma não for automática.
[2] Alegou a Exequente que os mutuários não satisfizeram as prestações a partir de 16 de Janeiro de 2013 (contrato ref. PT …….985) e de 16 de Dezembro de 2012 (contrato ref. PT …....885), o que determinou o vencimento das restantes, nos termos do disposto no artigo 781.°, do Código Civil.
[3] Nessa medida, não pode merecer apoio o entendimento defendido no voto de vencido por parte do Exmos. Desembargador Adjunto.
[4] Cfr. entre outros, acórdãos de 09-02-2021 (Processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1), de 12-11-2020 (Processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1) e de 18-10-2018 (Processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1), acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.
[5] Refere este respeito o recente acórdão de 09-02-2021 supra indicado “o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.”.
[6] Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º, do Código Civil, Coimbra editora, 2ª edição, Junho de 2014, p. 127, citada acima indicado o acórdão deste tribunal de 09-02-2021.
[7] Referenciando o acórdão deste tribunal de 10-09-2020, Processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1.