BENFEITORIAS
RECONVENÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário


I- Tendo sido considerada prejudicada a apreciação do pedido reconvencional, tendo em conta a decisão de improcedência da acção, com a revogação desta decisão deve a Relação, sendo possível, apreciar aquele pedido, em regime de substituição, nos termos do art. 665º, nº 2, do CPC.
II- Essa apreciação pela Relação assenta naturalmente na matéria de facto julgada provada na sentença da 1ª instância que, nesse âmbito, não sofreu qualquer impugnação.
III- O pedido de indemnização por benfeitorias pressupõe a identificação e caracterização das obras que as revelem e concretizem, para o tribunal poder aferir da sua natureza (para aplicação do regime legal pertinente).

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

MASSA INSOLVENTE DE DEOMARSOL - AQUECIMENTO E ENERGIA SOLAR, LD.ª, veio, por apenso ao processo de insolvência desta, propor a presente acção, sob a forma de processo comum, contra PARADIGMA PERFEITO, LDA, NRG - SISTEMAS DE ENERGIAS RENOVÁVEIS, LDA, e BANCO SANTANDER TOTTA, S.A.

Pediu que:

- Sejam as Rés condenadas a reconhecer que quando a 1ª Ré outorgou a escritura de compra e venda, a 31.12.2015, não tinha poderes e legitimidade para o fazer quanto ao respectivo prédio por este ser um bem alheio ao seu património;

- Seja declarada nula e de nenhum efeito essa escritura de compra e venda, que teve como objecto o prédio urbano descrito na ……. Conservatória do Registo Predial …… sob o número ……, da freguesia …. e inscrito na matriz sob o artigo ……...01;

- Seja declarada nulo e de nenhum efeito o contrato de locação financeira outorgado no dia 31.12.2015, entre a segunda e terceira Rés que teve como objecto o referido prédio urbano;

- Seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos operados com base nos documentos aqui impugnados;

- Sejam as Rés condenadas a reconhecer que o referido prédio urbano composto de armazém destinado a actividade industrial, denominado ………, é propriedade da insolvente Deomarsol, Ld.ª:

Como fundamento, alegou que a Administradora da Insolvência procedeu à resolução da venda de dois prédios de que a insolvente era proprietária, efectuada pelos então sócios-gerentes desta, agindo em representação da mesma; apesar de a resolução ter sido notificada à 1ª ré em 21.08.2015, esta, por escritura pública de 31.12.2015, sete dias após a entrada em juízo da acção de impugnação da resolução, vendeu à 3ª ré o prédio urbano descrito na CRP ……. sob o nº ……86 e, nesse mesmo dia, a 3ª ré deu o referido imóvel em locação financeira à 2ª ré; estes negócios jurídicos são nulos, dado que não só quando a 1ª ré vendeu o imóvel à 3ª ré não era já a sua dona e legitima proprietária, como, da mesma forma, esta também não o era quando deu o imóvel em locação financeira.

Citadas, contestaram as 2ª e 3ª rés, tendo aquela, em reconvenção (corrigida), pedido que:

- no caso de a resolução operar os seus efeitos, se condene a autora ao reconhecimento e pagamento dos valores despendidos pela 2ª ré no imóvel, correspondentes a imobilizado, obras de benfeitorias, rendas e leasing;

- sejam esses valores considerados créditos privilegiados na insolvência, garantidos pelo produto da venda do imóvel.

                           

A final, a acção foi julgada improcedente e, em consequência, as Rés absolvidas do pedido formulado pela autora, declarando-se inútil a apreciação do pedido reconvencional.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação que a Relação julgou procedente, nestes termos:

Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença recorrida, e, em função disso, julgando a acção totalmente procedente por provada, condenam as Rés a reconhecer que o prédio urbano composto de armazém destinado a atividade industrial denominado …, sito na Rua …, descrito … Conservatória do Registo Predial ……. sob o número ……01, da freguesia ……, inscrito na matriz sob o artigo ………. é propriedade da insolvente Deomarsol, Ld.ª; a ver declarada a ineficácia perante a A. da compra-e-venda celebrada entre a primeira e terceira Rés por escritura de 31.12.2015, tendo por objecto o prédio urbano descrito na … Conservatória do Registo Predial …. sob o número …..., da freguesia ……. e inscrito na matriz sob o artigo ……01; e, bem assim, do contrato de locação financeira outorgado no dia 31.12.2015, entre a segunda e terceira Rés, tendo como objecto o mesmo prédio urbano, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de …. sob o número ...……, da freguesia ……. e inscrito na matriz sob o artigo ……...01; mais determinam o imediato cancelamento de quaisquer registos operados a favor das Rés com base nas aludidas escritura e contrato.

Na revista interposta pelas rés este acórdão da Relação foi confirmado no Supremo.

Todavia, na procedência parcial da revista da ré "NRG", anulou-se, em parte, o acórdão recorrido, determinando-se o envio dos autos à Relação para que fosse apreciado e decidido o pedido reconvencional formulado por essa ré.

Regressado o processo à Relação, foi proferido acórdão que julgou totalmente improcedente a reconvenção da ré NRG, absolvendo a autora do respectivo pedido.

De novo inconformada, veio a ré NRG pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões:

A) O acórdão recorrido é nulo, nos termos do previsto pelo artigo 615.º, n.º 1, als. d), ex vi artigo 666.º, n.º 1 do CPC.

B) Nem sequer se pronuncia quanto à aplicabilidade no caso concreto das normas do Código Civil quanto às benfeitorias, podendo fazê-lo. E para além de não o fazer, invoca erradamente uma fundamentação diversa da apresentada pela Recorrente.

C) Ficaram provadas, sem margem para dúvidas, em 1ª instância, as obras efetuadas pela Recorrente, quer com documentos, quer pela prova testemunhal.

D) O acórdão recorrido não se pronunciou sobre questões que poderia apreciar, nomeadamente as normas relativas às benfeitorias e à matéria provada em 1ª instância, mas mais que isso, não aplicou o art. 662º, nº 2, al. a) do CPC, onde deveria remeter para aquela a decisão sobre a natureza das benfeitorias, de acordo com a factualidade provada.

E) Entende assim a Recorrente que tal matéria deverá ser apreciada pela 1ª instância e não poderá aquela deixar de se pronunciar, algo que não logrou fazer na sentença por ter considerado inútil face à improcedência e absolvição dos pedidos.

F) Ou seja, considerou o Douto Acórdão, para espanto da Recorrente, que “a talho de foice” as benfeitorias, por não terem sido descritas e identificadas, deveriam ser esquecidas.

G) Fez, assim, o acórdão recorrido uma errada e/ou omissa interpretação e aplicação do estatuído no art. 662º, aplicando-se igualmente os arts. 615.º, n.º 1, als. d), ex vi artigo 666.º, n.º 1 e 674º, nº 1, al. a) do CPC.

Consequentemente, deverá ser dado provimento ao recurso interposto, devendo, em consequência, ser revogado o Douto Acordão, ordenando que os autos baixem à 1ª instância a fim de ver apreciada a questão das benfeitorias, e revogado o acórdão recorrido.

A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

- Omissão de pronúncia (existência de benfeitorias);

- Se a Relação deveria remeter para a 1ª instância a decisão sobre a natureza das benfeitorias.

III.

Estão provados os seguintes factos (indicando-se separadamente os factos que interessam especialmente à apreciação do presente recurso):

1.º Em 17.07.2014, o ex-trabalhador AA, Contribuinte fiscal n.º ……, deu entrada na secretaria do Tribunal Judicial ……. com uma petição onde requeria que fosse declarada a insolvência da sociedade DEOMARSOL – Aquecimento e Energia Solar, Lda (cfr. petição inicial dos autos principais a que os presentes se encontram apensos).

2.º Por sentença, já transitada em julgado, proferida nos autos de processo n.º 1977/14…… (no extinto …º Juízo Cível daquele Tribunal) - autos principais - em 02.12.2014, foi tal sociedade declarada insolvente e nomeada como Administradora de Insolvência da devedora, a Dr.ª BB (Cfr. Documento nº 1 junto com a petição inicial e autos principais).

3.º Pelo menos, nessa qualidade, aquela tomou conhecimento de que, a insolvente era proprietária, até 12.04.2013, de dois imóveis, adquiridos em 12.02.2005:

- Um armazém destinado a actividade industrial denominado ………, sito na Rua ……, descrito na …. Conservatória do Registo Predial ……. sob o número ……, da freguesia …..., inscrito na matriz sob o artigo …...99

- Um armazém destinado a actividade industrial denominado ...……, sito na Rua ……, descrito na …. Conservatória do Registo Predial ……... sob o número …..., da freguesia ……, inscrito na matriz sob o artigo …......01 (Cfr. documentos juntos a fls.12 a 20-escritura pública de compra e venda e certidão da Conservatória do Registo Predial).

4.º E que, em 12.04.2013 no Cartório Notarial de CC, perante a Senhora Notária, DD, EE e a FF, na qualidade de sócios e gerentes, em representação da insolvente transmitiram por venda à sociedade PARADIGMA PERFEITO, LDA, os seguintes prédios, livres de ónus ou encargos:

I- “Pelo preço de CENTO E SETENTA E CINCO MIL EUROS, prédio urbano composto de armazém destinado a actividade industrial denominado …, sito na Rua ……, descrito na …. Conservatória do Registo Predial ……. sob o número ……, da freguesia ......…, com registo de aquisição a favor da sociedade vendedora conforme apresentação …, de doze de Dezembro de dois mil e cinco, inscrito na matriz sob o artigo ……99, com o valor patrimonial tributário de 172.771,07 euros”

II- “Pelo preço de CENTO E VINTE E CINCO MIL EUROS, prédio urbano composto de armazém destinado a actividade industrial denominado ……, sito na Rua …, descrito na …. Conservatória do Registo Predial de … sob o número ……, da freguesia de …, com registo de aquisição a favor da sociedade vendedora conforme apresentação …….., de doze de Dezembro de dois mil e cinco, inscrito na matriz sob o artigo ….01, com o valor patrimonial tributário de 123.864,92 euros” (Cfr. documentos juntos a fls.12 a 20-escritura pública de compra e venda e certidão da Conservatória do Registo Predial).

5.º A transmissão foi registada em 28.03.2013 pela Apresentação …, convertida em definitiva pela Ap …, de 15.04.2013 (Cfr. documento nºs 3 e 4 juntos com a petição inicial- certidão da Conservatória do Registo Predial).

6.º Tal venda foi resolvida pela Administradora de insolvência, fazendo exarar na contestação apresentada pela Massa Insolvente no Apenso G, Acção de Impugnação da Resolução em Benefício da Massa Insolvente, os respectivos fundamentos invocados: (…)

7.º Na sentença proferida no referido Apenso (G) foi considerado que o gerente da 1ª Ré, Paradigma Perfeito, Ld.ª foi “notificado da carta de resolução enviada pela administradora da insolvência no dia 21.08.2015” (cfr. documento nº 6 junto com a petição inicial).

8.º Pelo menos no dia 29.09.2015 a sociedade Paradigma Perfeito, Ld.ª tinha conhecimento de que a Senhora Administradora de Insolvência havia resolvido o negócio praticado por si com a insolvente. (cfr. documento nº 7, designadamente AR assinado, junto com a petição inicial).

9.º Tal resolução foi impugnada em juízo por aquela sociedade, tendo dado entrada em juízo a 23.12.2015 correndo os seus termos como apenso “G” (Cfr. petição inicial do Apenso G).

10.º Tendo em conta a contestação apresentada pela Massa Insolvente, foi proferida sentença que decidiu “julgar verificada a excepção da caducidade invocada pela ré e intempestiva a propositura da presente acção” (Cfr. sentença proferida no Apenso G).

11.º Tal sentença foi objecto de recurso que confirmou a mesma, tendo tal já transitado em julgado em 02/04/2019 (Cfr. Doutos Acórdãos proferidos no Apenso G).

12.º No dia 31.12.2015, sete dias após a entrada em juízo da aludida acção de impugnação de Resolução em Benefício da Massa Insolvente, a primeira ré vendeu à terceira o aludido Prédio urbano e descrito na ……. Conservatória do Registo Predial ……. sob o número ……, da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo …, através de escritura pública realizada no Cartório Notarial de CC, em …, pelo valor de 166.375,00€ (Cento e sessenta e seis mil, trezentos e setenta e cinco euros) (Cfr. documento nº 8 junto com a petição inicial).

13.º Tal aquisição foi registada na descrição do imóvel na Conservatória de Registo Predial pela Apresentação …. de 2016/01/19 (Cfr. documento nº 4 junto com a petição inicial).

14.º No mesmo dia a terceira Ré deu o imóvel referido em locação financeira à segunda Ré, declarando ambas as partes que o imóvel havia sido escolhido pela segunda Ré, que negociou a sua aquisição (Cfr. documento nº 8 junto com a petição inicial-fls.54 a 61).

15.º Tal locação foi registada na mesma descrição pela Apresentação … de 2016/01/19 (Crfr. Fls.16 verso a 20).

16º A Ré teve originariamente a sua sede em …. e em 2013 o sócio-gerente GG começou a procurar outros mercados e uma nova localização.

17º Visitou o lote onde hoje tem a sede, contactando a pessoa que se apresentou como dono dos imóveis, DD, reunindo onde funcionaria a empresa M.......

18º Foi nessa data que se conheceram, não existindo nenhuma relação pessoal ou profissional entre ambos antes, e apenas para a concretização dos negócios é que ambos se encontraram e falaram.

19º Encontra-se junto como documentos nºs 1 e 2 com a contestação da 2ª ré um denominado contrato de arrendamento do imóvel objecto da presente acção e um denominado contrato promessa de compra e venda do mesmo imóvel datados de 2 de dezembro de 2013 e assinados pela Paradigma Perfeito, S.A. e NRG-Sist. Energ.Renováveis, Lda e que se consideram integralmente reproduzidos (cfr. documentos nºs 1 e 2 juntos com a contestação da 1ª Ré), estipulando-se que “O valor do negócio de compra e venda é acordado em 200.00,00”; O segundo outorgante (2ª ré) entrega, na data da assinatura, ao primeiro outorgante (1ª ré), a quantia de 11.375,00€ devido por sinal do negócio; “Ao valor total do negócio no ponto acima indicado, é diminuído o somatório do montante liquido de impostos das rendas pagas (sendo que para o ano de 2014, e até enquadramento legal em contrário, com uma retenção de 25% de IRC, considera-se como valor liquido 75% da renda de 1.500,00, isto é, :1.125,00€) desde a celebração do contrato de arrendamento até à data da escritura, não podendo esta ultrapassar o convencionado dia de 31/12/2015” (cláusula quarta do referido contrato promessa de compra e venda).

20º Encontra-se junta como documento nº 4 na contestação da 2ª ré factura nº …... que refere “Adiantamento por compra do imóvel...”, no valor de 11.375,00€, fazendo referência: “Pago pelo v/cheque, Banco BPI, Nº …...., de 02.12.2013”.

21º De acordo com o Relatório sobre a Evolução do Mercado Imobiliário Português apresentado pelo BPI com dados do INE, que refere que se “demonstra uma prolongada tendência negativa presente nos preços praticados no mercado imobiliário durante os últimos quatro anos. (…) observamos o início de uma contracção de preços iniciada no último trimestre de 2010 (…) e que se estende até ao último trimestre de 2013 (…)”

22º O valor acordado no contrato promessa era superior ao valor patrimonial tributário da altura e da efectivação da escritura de compra e venda (Cfr. documento nº 5 junto com a contestação da 2ª Ré e escritura junta com a petição inicial).

23º A pessoa que negociou com a 2ª Ré prestou os esclarecimentos, nunca recusou qualquer informação ou documento sobre o imóvel e mostrou conhecer o mercado empresarial.

24º Apresentou-se como sócio gerente da 1ª Ré e foi sempre nessa qualidade que tudo foi negociado. (…)

27º Desde data não concretamente apurada de 2013 a 31 de dezembro de 2015, a 2ª Ré laborou na sua actividade, nunca tendo tido conhecimento de qualquer tipo de ilegalidade no negócio, desconhecendo qualquer insolvência da empresa originariamente proprietária do imóvel, e nunca tendo sido notificada de qualquer tipo de processo iminente, em curso ou encerrado onde o imóvel constasse.

28º A 2ª Ré não estranhou quanto ao valor de compra e venda do imóvel nem quanto à legitimidade do sócio da 1ª Ré.

29º Na escritura de compra e venda celebrada a 31 de dezembro de 2015 os documentos apresentados à 2ª Ré ditavam que:

- O valor patrimonial tributário do imóvel era de 123.864,92€ (Cfr. documento nº 4 junto com a contestação da 2ª Ré).

-   A propriedade do imóvel era da 1ª Ré, Paradigma Perfeito, Lda.

30º Os referidos dados foram verificados e confirmados pela notária que realizou a escritura, perante a entidade bancária que comprou o imóvel e o deu em locação financeira, aqui 3ª Ré e todos os registos foram efectuados sem qualquer tipo de questão levantada quanto ao imóvel e sua proveniência (Cfr. documentos juntos a fls.12 a 20-escritura pública de compra e venda e certidão da Conservatória do Registo Predial).

31º O valor constante da escritura foi de 166.375,00 euros (Cfr. documentos juntos a fls.12 a 20-escritura pública de compra e venda).

32º A 2ª Ré disso não tinha conhecimento da entrada em juízo da impugnação da resolução em benefício da massa insolvente.

33º Até ao recebimento da presente acção, a 2ª Ré não teve razões para desconfiar do negócio em si, da pessoa que o realizou ou da existência de insolvências em curso que envolvessem os imóveis.

34º A 2ª Ré nunca teve negócios com a Deomarsol, nunca conheceu a actividade da empresa, não soube da iminência de insolvência e nem mesmo do decretamento da mesma à data em que efectuou tais negócios.

35º A relação estabelecida foi com o Sr. DD e com a 1ª Ré.

36º A 2ª Ré não conhecia a empresa Deomarsol, nem os seus sócios, tendo conhecido o Sr. DD e a 1ª Ré em Dezembro de 2013 e tendo concretizado nessa altura os negócios quanto ao imóvel.

37º O Sr. DD não mencionou ou comentou sequer qualquer situação, acção judicial, impedimento, problema ou impugnação quanto ao imóvel.

38º Desconhecia, à data de 31 de dezembro de 2015, a insolvência da Deomarsol, a resolução em benefício da massa insolvente operada a 21 de Agosto de 2015 e a impugnação da mesma, sete dias antes da escritura de compra e venda.

41º Os pavilhões das empresas têm entradas diferentes, são distintos e não houve sinais exteriores que indicassem que a empresa teria entrado em insolvência.

42º A 2ª Ré confiou que a pessoa e empresa proprietários do mesmo o eram de facto.

25º Em data não concretamente apurada de dezembro de 2013, a 2ª Ré iniciou, por sua conta, obras de melhoramento e adaptação do imóvel ao negócio em montante não concretamente apurado.

26º Encontram-se juntas a fls. 101 as facturas, passadas à 2ª ré, relativas a:

- Ventiloconvector ……, no valor de 1.652,57 euros;

- Fornecimento e aplicação de piso flutuante em show room, no valor de 6.177,52 euros;

- Plataforma metálica para piso (teto showroom)/trabalho, no valor de €3.535,60 euros;

- Fornecimento e aplicação e subestrutura no teto do showroom em aglomerado nero de cortiça para isolamento térmico e acústico, no valor de €6.305,52 euros;

- Estrutura em madeira 05B para teto do Showroom, no valor de 2.682,26 euros;

- Expositor central de produtos de climatização Showrool, porta rodapés, no valor de 5.928,46 euros;

- Expositor em tubo para showroom/trabalho, no valor de €1.645,12 euros;

- Reclame luminoso ……., no valor de 7.687,50 euros;

- Divisória em vidro p/showroom, no valor de 4.735,50 euros.

39º Em data não concretizada de Dezembro de 2013 a 2ª Ré iniciou as obras no imóvel pois que as suas expectativas eram as de sedimentar o crescimento da empresa naquele local.

40º Se tivesse conhecimento de quaisquer situações que implicassem a nulidade do arrendamento e do contrato promessa, não teriam liquidado o sinal, pago o imobilizado e investido em obras.

43º A 2ª ré efectuou pagamento de rendas e adiantamento por compra do imóvel, para além dos constantes de fls.95 verso a 100, e valores liquidados em sede de leasing em montante não concretamente apurado.

IV.

Na fundamentação do acórdão recorrido teve-se em consideração (toda) a factualidade invocada pela ré NRG na reconvenção, ou seja:

56º E, como tal, não obstante a posição mantida, sempre se dirá que, se a resolução em benefício da massa insolvente operar os seus efeitos, terá sempre de considerar no processo de insolvência que os valores investidos e gastos pela 2ª Ré serão créditos privilegiados, garantidos pelo produto da venda do imóvel.

57º Concretizando:

- o valor das rendas liquidadas: 23.675,00€

- o valor do imobilizado liquidado: 12.300,00€

- o valor do investimento em obras: 40.350,05€

- os valores liquidados em sede de leasing até à presente data.

58º Ou seja, sempre terá de ser determinado por sentença, que terá efeitos no processo de insolvência, que estes valores, enquanto valores que o terceiro de boa fé, a 2ª Ré, despendeu na aquisição e melhoramento do imóvel, serão considerados créditos privilegiados, garantidos pelo produto da venda do imóvel.

59º Tal determinação advém também do facto de o imóvel, neste momento, valer mais do que valia na altura da compra, por efeito das obras nele efectuadas. Ou seja, o valor acrescentado ao imóvel terá sempre de ser considerado em sede de ressarcimento pela Massa Insolvente ao terceiro de boa fé, a aqui 2ª Ré.

Ponderou-se igualmente o teor do pedido reconvencional formulado:

- no caso de a resolução operar os seus efeitos, se condene a autora ao reconhecimento e pagamento dos valores despendidos pela 2ª ré no imóvel, correspondentes a imobilizado, obras de benfeitorias, rendas e leasing;

- sejam esses valores considerados créditos privilegiados na insolvência, garantidos pelo produto da venda do imóvel.

Acrescentou-se depois o seguinte:

"É, por conseguinte, esta a matéria reconvencional que agora importa apreciar.

E, desde logo, como se pode constatar impõe-se sublinhar que a Ré reconvinte quer que o seu invocado crédito sobre a insolvência, abrangendo, os valores que quantifica com obras – por ela alegadamente despendido no imóvel – “imobilizado”, “rendas” e “leasing” seja qualificado de crédito “privilegiado” e “garantido”.

Ora, salvo o respeito sempre devido, temos como insofismável que a qualificação de um determinado crédito como garantido ou privilegiado tem a sua sede própria e natural no processo de insolvência. Não numa acção como a presente, em que apenas está em causa a apreciação e declaração da ineficácia de dois negócios onerosos, nos quais se inclui o da locação financeira em que a ora reconvinte surge na posição de locatária, que se realizaram após a resolução de um primeiro negócio consubstanciado numa alienação da devedora com comprovado prejuízo para a massa insolvente.

Aliás, o reconhecimento/declaração de qualquer crédito sobre a insolvência só pode ter lugar por duas vias: ou por reclamação no prazo para tal fixado na sentença de insolvência, nos termos dos art.ºs 128 e ss do CIRE; ou por verificação ulterior quando aquele prazo tenha sido ultrapassado, nos termos do art.º 146 do mesmo diploma.

Num e noutro caso, os credores da insolvência são parte necessariamente interessada, de sorte que não sendo partes na presente acção nunca poderiam opor-se à pretensão da reconvinte.

Sem prejuízo do que dito fica, também vem, por assim dizer, “a talho de foice” observar que um qualquer de pedido de indemnização por benfeitorias – como parece ser o que a Ré reconvinte deduz nesta acção – carece de adequada descrição e identificação das obras concretamente efectuadas no sentido de o tribunal poder aferir da sua natureza necessária, útil ou meramente voluptuária (com a especificação/quantificação do aumento de valor eventualmente introduzido na coisa benfeitorizada no caso das benfeitorias úteis). Elementos estes que, na sua parca alegação, a reconvinte omite por completo.

Tal como se nos afigura igualmente claro que a questão da devolução ou reembolso das rendas ou outros encargos hipoteticamente pagos pela Reconvinte por força do contrato de leasing outorgado com o R. Banco Santander Totta, S.A., integra matéria obrigacional emergente dessa responsabilidade contratual, por isso que só pode ser discutida com aquele Banco na sua qualidade de locador (qualidade em que as poderá ter recebido).

Em suma, tudo serve para concluir que o pedido reconvencional não pode deixar de ser julgado improcedente".

Decorre desta fundamentação que a decisão recorrida assenta, em síntese, nestas razões:

- O lugar próprio para a qualificação do crédito da recorrente como "privilegiado" e "garantido", não seria esta acção, mas sim o processo de insolvência;

- O reconhecimento desse crédito só poderia ter lugar pelas vias aí indicadas – reclamação (art. 128º do CIRE) ou verificação ulterior de créditos (art. 146º do CIRE) –, tendo, em qualquer dos casos, como interessados também os demais credores, que não são partes nesta acção;

- No que toca a benfeitorias, a alegação da recorrente na contestação é manifestamente insuficiente, por falta de adequada identificação e descrição das obras concretamente efectuadas, o que seria necessário para aferir da natureza dessas "benfeitorias";

- Quanto aos reembolsos de rendas ou outros encargos pagos pela recorrente, por força do contrato de leasing, a questão teria de ser dirimida apenas com o Banco, na sua qualidade de locador.

Pois bem, no recurso, a recorrente aceita expressamente a decisão recorrida quanto a esta última questão.

Mas nada refere sobre as duas primeiras questões, apesar de nos parecer que as razões invocadas a tal respeito no acórdão recorrido não suscitam a menor dúvida.

Repare-se, desde logo, que a decisão de procedência que fosse eventualmente proferida não produziria o efeito útil normal na insolvência, uma vez que não vincularia os demais credores não intervenientes nesta acção (não sendo esta situação idêntica à que foi apreciada no AUJ do STJ nº 1/2014).

Por outro lado, no que respeita a benfeitorias:

Importa ter em atenção a deficiente alegação da ré, que acima se reproduziu (e como se fez questão de reproduzir no acórdão recorrido).

Vem a recorrente agora dizer que:

"concorda em absoluto com a decisão da 1ª instância, nomeadamente onde se refere que

A) FACTOS PROVADOS

26º Encontram-se juntas a fls. 101 a 15 as facturas, passadas à 2ª ré, relativas a:

- Ventiloconvector ……, no valor de 1.652,57 euros;

- fornecimento e aplicação de piso flutuante em show room, no valor de 6.177,52 euros;

- plataforma metálica para piso (teto showroom) / trabalho, no valor de €3.535,60 euros;

- fornecimento e aplicação e subestrutura no teto do showroom em aglomerado nero de cortiça para isolamento térmico e acústico, no valor de €6.305,52 euros;

- Estrutura em madeira 05B para teto do Showroom, no valor de 2.682,26 euros;

- Expositor central de produtos de climatização Showrool, porta rodapés, no valor de 5.928,46 euros;

- Expositor em tubo para showroom/trabalho, no valor de €1.645,12 euros; - Reclame luminoso …, no valor de 7.687,50 euros;

- Divisória em vidro p/showroom, no valor de 4.735,50 euros.

Quanto aos Pontos 25º, 26º e 39º teve-se em conjugação os depoimentos das testemunhas, HH, II JJ, LL e MM que prestou serviço para a NRG, tendo iniciado a obra que foi levada a cabo no armazém em apreço e GG, representante legal da NRG, 2ª ré, que retrataram - veja-se o confronto com as fotografias do local antes e depois das obras de fls. 106 verso a 109 - como se encontrava o local, a relevância para a actividade da NGR e natureza das obras e o que foi efectuado, tendo coincidido com os documentos juntos e referidos, sendo que tais facturas fizeram-se constar da factualidade, mas sem se saber se tal corresponde ao valor efectivo e pago pelas mesmas obras, e que levaram à convicção deste tribunal pela forma como se exarou a factualidade dada como provada.”

Ou seja, em 1ª instância as obras efetuadas foram dadas como factualidade provada".

Afirma depois que a Relação poderia ter-se socorrido de presunções judiciais:

"Sempre poderia ajuizar num raciocínio de articulação dos meios de prova produzidos no processo, ponderados de acordo com a experiência comum e dentro de parâmetros de normalidade / razoabilidade, extraindo desses elementos a pertinente matéria de facto".

Acrescenta que, para além de poder ajuizar sobre as benfeitorias,

"o Tribunal da Relação poderia, e salvo melhor opinião, deveria ter remetido à 1ª instância a decisão sobre a correta natureza das benfeitorias, pois que esta considerou, na matéria provada, as obras como feitas, tendo inclusive em sede de prova testemunhal sido explicadas a natureza das obras".

Assim, nesse sentido,

"o acórdão recorrido não podia deixar de ordenar que os autos baixassem à 1ª instância a fim de se pronunciar o tribunal sobre tal pedido reconvencional, cumprindo o art. 662º, nº 2, al. d) do CPC."

Afigura-se-nos, com o devido respeito, que a recorrente incorre em evidente confusão.

Com efeito, a matéria de facto provada é aquela que acima foi indicada, com realce para este facto: a ré efectuou obras de melhoramento e adaptação do imóvel em montante não apurado (25)

Considerou-se ainda provada a existência das facturas passadas à ré, indicadas no ponto 26.

Foi tão só isto o que se provou, na sequência da deficiente alegação da ré na reconvenção, de nada relevando o que possa ter sido dito nos depoimentos prestados em audiência (em relação, obviamente, a factos essenciais para a decisão); a falta de prova de factos essenciais não poderia ser assim suprida.

Perante essa factualidade provada, é manifesto que a conclusão a retirar daí não poderia ser diferente daquela a que chegou o acórdão recorrido.

Repare-se que não se chega a afirmar sequer a existência de qualquer relação ou conexão entre o teor das referidas facturas e as obras realizadas: se os materiais ou equipamentos ali referidos foram aplicados nas obras.

Nem essa matéria, aliás, foi alegada na reconvenção.

A recorrente também não justifica, nem concretiza minimamente a possibilidade que invocou de recurso a presunções, questão que, de todo o modo, escapa ao controlo do STJ (arts. 682º, nºs 1 e 2 e 674º, nº 3, do CPC).

Parece, assim, indiscutível que, como se afirmou no acórdão recorrido, não foram alegados e provados factos que permitissem a identificação e caracterização das obras efectuadas, para se poder aferir da natureza das "benfeitorias" que aquelas pudessem revelar.

Só esta definição poderia conduzir ao reconhecimento de um eventual direito de indemnização (cfr. arts. 1273º e 1275º do CC).

Assim se concluiu no acórdão recorrido, não existindo, por isso, qualquer omissão de pronúncia sobre a questão.

Por outro lado, a decisão era da competência da Relação, no seu dever de se substituir ao tribunal da 1ª instância, uma vez que, na sentença, a apreciação dessa questão havia sido considerada prejudicada, tendo em conta a decisão aí proferida de improcedência da acção (art. 665º, nº 2, do CPC).

Refira-se, por fim, que a norma do art. 662º, nº 2, al. d) não tem aqui qualquer cabimento, por respeitar à fundamentação da própria decisão de facto, sendo certo que a recorrente não impugnou esta decisão, afirmando expressamente concordar com ela.

Em conclusão:

1. Tendo sido considerada prejudicada a apreciação do pedido reconvencional, tendo em conta a decisão de improcedência da acção, com a revogação desta decisão deve a Relação, sendo possível, apreciar aquele pedido, em regime de substituição, nos termos do art. 665º, nº 2, do CPC.

2. Essa apreciação pela Relação assenta naturalmente na matéria de facto julgada provada na sentença da 1ª instância que, nesse âmbito, não sofreu qualquer impugnação.

3. O pedido de indemnização por benfeitorias pressupõe a identificação e caracterização das obras que as revelem e concretizem, para o tribunal poder aferir da sua natureza (para aplicação do regime legal pertinente).

V.

Em face do exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Abril de 2021

F. Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

Tem voto de conformidade dos Exmos Adjuntos (art. 15ºA aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Proc. nº 1977/14…….
F. Pinto de Almeida (R. 403)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral