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ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
NATUREZA SUBSIDIÁRIA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário
Sumário (art. 663º, n.º 7, do C. P. Civil):
I. Face à natureza subsidiária da ação por enriquecimento sem causa em causa (art. 474º, do C. Civil), o prazo de prescrição previsto no art. 482º, do C. Civil, não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio (ou fundamento) que justifique a indemnização ou restituição. II. O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído – o mesmo é dizer só se inicia a partir do momento em que o empobrecido viu definitivamente frustrada a sua pretensão de ser indemnizado ou restituído através deste meio alternativo, o que acontecerá, por regra, a partir do trânsito em julgado da decisão que indefira esta sua pretensão. III. Não beneficiará de tal período o empobrecido que se socorrer de um outro meio alternativo para a restituição, mas vier a findar tal meio através de transação, em que desiste do pedido.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. RELATÓRIO
M. E. veio intentar a presente ação declarativa comumcontraBanco..., S.A. e R. P., pedindo, a final, que;
a) Seja o 1º R. Banco ... a admitir que não houve incumprimento contratual dos dois empréstimos concedidos (Crédito Habitação);
b) Seja, ainda, o 1º R. Banco ... condenado judicialmente da ilegalidade da resolução;
c) Como ainda, sejam os RR. condenados solidariamente a restituir à A. os valores (em mais de 60 mil euros) em que estes se locupletaram quer do capital como de juros no empobrecimento da A., conforme artigos 182º e 183º desta petição;
d) Mais condenados nos montantes de valores das rubricas (capital e juros) a determinar em sede de execução de sentença;
e) Ainda, sejam os RR. condenados a pagar à A. indemnização por danos não patrimoniais de valor nunca inferior a 30.000,00 €, conforme artigo 210º desta petição;
f) Em juros moratórios desde a citação até integral pagamento (…).
Para tanto alega, em síntese, que, aliciada pelo 2º réu, que lhe assegurou que passaria a gozar de condições amplamente mais favoráveis do que aquelas de que gozava no Crédito …, S.A., procedeu à transferência do crédito à habitação de que era titular nesta instituição bancária para o Banco réu, concedendo então este Banco um empréstimo à autora no valor global de € 102.000,00, titulado por duas escrituras celebradas em 27.01.2005, melhor identificadas nos autos. Na sequência, procedeu à abertura de uma conta-ordenado e de uma outra conta de DO, sendo que todos os meses, a mãe da autora, depositava cheques para pagamento das prestações mensais devidas pelo crédito à habitação concedido, o que ocorria nos primeiros dias de cada mês, quando a autora recebia o seu ordenado referente ao trabalho prestado no mês anterior, o que era do conhecimento do Banco réu.
Sucede que foi então a autora informada, passado algum tempo, de que existiam valores em dívida decorrentes de juros de mora que mensalmente lhe eram debitados, porquanto a autora não efetuava o pagamento das prestações até ao 27º dia de cada mês.
Por sua vez, teve então conhecimento que a conta-ordenado que havia aberto no Banco réu não existiria, tendo sido apenas encontrado um “documento de substituição”.
Não obstante pagar todos os meses as prestações mensais devidas, foi confrontada com uma missiva do Banco réu, em 12.04.2006, informando-a de que, em face da situação de incumprimento da autora, foi considerado vencido todo o empréstimo a partir de 27.12.2005, sendo o capital em dívida àquela data de € 62.588,20 (empréstimo com o n.º .......-165-001), e de € 35.454,32 (empréstimo n.º .......-165-002), ao qual acrescem juros de mora e demais encargos.
Bem sabia o Banco réu que já havia recebido da autora, por força do contrato de empréstimo celebrado, mais do que aquilo que teria direito receber, locupletando-se injustificadamente, à custa da autora, abusando da sua posição negocial e aproveitando-se, de forma censurável, dos receios da autora.
Não obstante todos os pagamentos efetuados, e de ter recebido da autora aproximadamente € 42.000,00, o Banco réu, para além de resolver os contratos em causa, continuou a exigir da autora o pagamento das mensalidades, até Novembro de 2009, e instaurou contra a autora, em 2010, uma execução para pagamento de valores alegadamente em dívida (€ 90.688,68), que originou o processo n.º 57/10.6TBPRG, locupletando-se injustificadamente, à custa da autora, em mais de € 60.000,00, ficando a autora privada da sua casa, por adjudicação em 2012 da mesma ao Banco réu, pela quantia de € 59.999,80, causando por tudo o exposto, danos não patrimoniais a esta (cfr. ref.ª citius 25587882 do processo principal).
O Banco réu contestou, excecionando a autoridade do caso julgado, preclusão e prescrição do direito da autora, assim como o abuso de direito por parte da autora, devendo o Banco réu ser absolvido da instância ou do pedido formulado. Mais concluiu pela improcedência da ação.
Deduziu ainda pedido reconvencional, de acordo com o qual pede a condenação da autora a pagar-lhe quantia a liquidar em incidente de liquidação de sentença, a título de indemnização pelos danos causados que venham a ser apurados quanto ao Banco réu, melhor discriminados nos arts. 171º a 175º, da contestação/reconvenção.
Mais pede a condenação da autora em multa e em indemnização, a título de litigância de má fé (cfr. ref.ª citius 2428408 do processo principal).
O réu R. P. apresentou igualmente contestação, invocando a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade passiva do réu contestante e exceção perentória da prescrição.
Impugnou a factualidade alegada pela autora, tendo concluído pela procedência das exceções invocadas e pela improcedência da ação, assim como pela condenação da ré como litigante de má fé (cfr. ref.ª citius 2436364 do processo principal).
Na sequência, foi proferido, a 16.02.2021, despacho saneador-sentença, no qual, desde logo, se admitiu o pedido reconvencional formulado, fixando-se o valor da ação.
De seguida, foi julgada improcedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial e procedente a exceção dilatória de ilegitimidade processual do 2º réu, absolvendo-se este da instância.
Apreciada a exceções de caso julgado e da preclusão, foram as mesmas julgadas improcedentes.
Por fim, foi apreciada a exceção perentória da prescrição do direito da autora, tendo a mesma sido julgada procedente e, consequentemente, foi o Banco réu absolvido do pedido.
Inconformada com o assim decidido, veio a autora M. E. interpor recurso deapelação, nele formulando as seguintes
CONCLUSÕES
I. A decisão recorrida deu procedência à invocada exceção por parte do 10 R. da prescrição, contudo, não se conforma a A. e da douta decisão proferida, recorre.
II. Passando pelos factos que compõem o litígio o douto Tribunal a quo não enquadrou da melhor forma a Lei ao caso.
III. Se, por outro lado, a posição que aqui fez vencimento, constitui um excesso de exigência quanto ao exato conteúdo dos direitos, que, as partes podem exercer pressupondo que estas deverão estar ao corrente, e conhecer com minúcia, todos os meios legais que lhe são facultados.
IV. Mas tal exigência terá de ter-se por excessiva já que põe em causa o princípio pro actione ou do direito à justiça plasmado no art. 20º da Constituição.
V. E entre a ofensa a um tal direito e o inconveniente de facultar-se às Partes, em mais do que um momento, o exercício do direito que lhe compete, não pode duvidar-se que a opção acertada é o do respeito daquele direito fundamental.
VI. Ou seja, o prazo deve ser o prazo ordinário de 20 anos, os contratos de mútuo de onde bruta a "fonte das obrigações" são do ano de 2004, logo o seu fim é a 2024.
VII. Contudo, mesmo levando a efeito o prazo da responsabilidade extracontratual o mesmo ainda decorre. Vejamos:
VIII. Por isso, no caso em apreço, terá de concluir-se que o momento em que a A. teve conhecimento do seu direito à restituição nos termos do art.º 482º do Código Civil é o do trânsito em julgado da transação da sentença que julgou a ação do Processo 753/15.1T8CHV, em 05/03/2020.
IX. O prazo para a propositura desta ação só começa a contar com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de 05/03/2020 que ocorreu em 05/04/2020. Tendo esta ação entrado em 03/04/2020, e os RR. sido citados 03/09/2020, não foi ultrapassado o prazo de três anos previsto no artigo 482.° do Código Civil.
X. Nesta perspetiva é, assim, evidente a improcedência da exceção de prescrição e, igualmente, a de caso julgado por serem perfeitamente distintas as causas de pedir nas diferentes ações.
XI. O artigo 482.° do Código Civil estabelece dois prazos de prescrição; um mais curto, de 3 anos, cuja contagem se inicia a partir do momento em que o credor tem conhecimento do seu direito e do responsável, outro, mais longo, de 20 anos, cuja contagem se inicia a partir do momento da verificação do enriquecimento;
XII. Não há qualquer razão para se fazer interpretação corretiva da Lei, e a sua literalidade impede que à expressão "o seu direito" se dê sentido diverso;
XIII. É evidente que quando está em causa um pagamento feito indevidamente ou engano na contratualização, o prazo de 3 anos a que alude o artigo 482.° do Código Civil não pode iniciar-se enquanto o credor desconhece a falta de fundamento do mesmo;
XIV. São elementos constitutivos do enriquecimento sem causa o enriquecimento, o empobrecimento, o nexo causal entre um e outro e a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada;
XV. No caso "sub judice" a recorrente desconhecia, à data em que, efetuou os pagamentos ao Banco (alguns a mais), alguns atrasados (por conhecimento do 2° R.) como desconhecia da inexistência de causa justificativa por parte do Banco para a resolução contratual (crédito Habitação e conta Ordenado) e da deslocação patrimonial verificada.
XVI. Pelo contrário, estava convicta de que a falta de pagamento de tal quantia implicaria a resolução do contrato que celebrara com o recorrido 1º R. BANCO ....
XVII. Não possuía, pois, os elementos necessários para agir, até porque o recorrido Banco aceitou transacionar nos autos no Processo 753/15.1T8CHV, em 05/03/2020 e sabia que ia ser intentada nova ação a presente demanda.
XVIII. Só após a data de 05/03/2020 a recorrente tomou conhecimento do seu direito à restituição.
XIX. É este o momento do início da contagem do prazo de 3 anos a que alude o artigo 482.º do Código Civil. O direito à restituição não se encontra prescrito.
XX. Foi incorretamente aplicado o artigo 482.º do Código Civil, pelo que deve ordenar-se que os autos baixem à la instância para prosseguirem os seus termos até final, dado que o direito à restituição não prescreveu.
XXI. Está em causa a interpretação do disposto no artigo 482.º do Código Civil que diz: "O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento".
XXII. O que se discute é o saber se a expressão "conhecimento do direito que lhe compete" quer dizer, como se sustenta acima, "conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito" ou, como se me afigura, com o devido e merecido respeito pela posição que fez vencimento, "conhecimento de ter direito é restituição".
XXIII. Normalmente o conhecimento dos elementos constitutivos do direito coincide com a data do próprio facto (o que acontece na espécie em julgamento) de onde ao drástico encurtamento do prazo no direito português dever logicamente corresponder a possibilidade de retardamento do início da contagem do prazo.
XXIV. Interpretando este preceito legal, Heck escreveu que, "quem não sabe que existe um dever de indemnização não pode saber que alguém é responsável" [cfr, A. Vaz Serra, in Rev. de Leg. e de Jur., ano 107, página 301).
XXV. Quer dizer que, perante o direito alemão (que terá sido fonte do preceito sob interpretação) o prazo de prescrição não se inicia sem que o empobrecido saiba que o enriquecido tem o dever de o indemnizar.
XXVI. Esta linha de raciocínio vale inteiramente para o direito português perante a expressão legal "conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável". Como é que o empobrecido pode saber que alguém, uma pessoa determinada, é responsável se não a partir do momento em que sabe que sobre esse alguém recai o dever de o indemnizar?
XXVII. Ora, o mesmo é o sentido de "conhecimento do direito que lhe compete" que hoje se lê no texto do artigo 482.° do Código Civil.
XXVIII. É que "o direito que lhe compete" que se lê a meio do preceito é, sem tirar nem pôr, "o direito à restituição" com que o preceito é iniciado.
XXIX. "O direito à restituição ( ... ) a contar ( ... ) conhecimento do direito ( ... )". Que "direito" é este cujo conhecimento marca o início do prazo?
XXX. É o "direito à restituição". O preceito legal refere-se ao "direito à restituição" e só a ele; não se refere em passo algum aos elementos constitutivos do direito.
XXXI. Cotejando o preceito cuja interpretação foi submetida a este Tribunal com o artigo 305.° n.º 1 do Código Civil, verifica-se que, neste segundo caso, o que estabelece a regra geral, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
XXXII. Para o caso do artigo 482.° estabeleceu-se uma diferente regra de onde se dever concluir ser diferente o alcance desta norma.
XXXIII. A prescrição do artigo 482.º do Código Civil funda-se na conveniência de compelir os empobrecidos a, podendo e querendo exercer o direito à restituição, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos, o que pode tornar-se difícil ao tribunal (cfr. Vaz Serra, in Rev. de Leg. e de Jur., ano 107, páginas 299 e 300).
XXXIV. O empobrecido pode ter conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito e não ter, todavia, conhecimento do direito à restituição; ora, é a este e não aqueles que a Lei se refere [cfr. Vaz Serra. in Rev. de Leg. e de Jur., ano 107. páginas 299 e 300). Além de Vaz Serra, este entendimento pode confortar-se com o ensino de Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", I vol., página 436: "Fixou-se o prazo de três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização (…).”
XXXV. Também o Douto STJ, por Acórdão de 6 de Outubro de 1983, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 330, página 496, seguindo Antunes Varela, já teve ocasião de decidir: "( ... ) prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete ( ... ).”
Finaliza, pugnando que se deve interpretar a expressão “o credor teve conhecimento do direito que lhe compete” do artigo 482º do C. Civil, como referindo-se ao conhecimento do direito à restituição e não apenas ao conhecimento dos elementos constitutivos de tal direito e procedendo, depois, à aplicação do direito assim interpretado à espécie sob julgamento, não se encontrando prescrito do direito da recorrente.
*
O Bancoréu apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso de apelação e, a título subsidiário, requer a ampliação do âmbito do recurso (art. 636º, n.º 1, do C. P. Civil), de modo que sejam julgadas procedentes as exceções da autoridade de caso julgado e de preclusão, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com outros fundamentos.
Finalizou, com as seguintes CONCLUSÕES
1. A sentença revidenda julgou procedente a EXCEÇÃO DE PRESCRIÇÃO invocada pelo Banco Recorrido.
2. Mas o Banco recorrido havia também deduzido a EXCEPÇÃO DILATÓRIA de AUTORIDADE DE CASO JULGADO e PEREMTÓRIA de PRECLUSÃO
3. Tais EXCEÇÕES foram julgadas improcedentes.
4. Na hipótese de procedência do RECURSO interposto pela Recorrente, assiste ao Banco Recorrido a faculdade de promover a AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO RECURSO, nos termos do artº 636º, nº 1 e 2 do C.P.C.
5. Para que possam ser acolhidas e como tal julgadas como procedentes as invocadas EXCEÇÕES e como tal confirmada a sentença revidenda, ainda que outros fundamentos.
6. É entendimento jurisprudencial pacífico que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – veja-se, por todos, o Ac. do S.T.J. de 12.07.2011, processo 129/07.4TBPST.S1 (www.dgsi.pt).
7. A par da presente ação, intentada pela Recorrente, contra o Banco Recorrido, encontra-se em curso a referida execução, supra descrita nos autos.
8. Processo no qual, como a própria Recorrente, confessou na P.I. não deduziu qualquer Oposição.
9. Tendo desistido do Pedido formulado no processo nº 753/15.1.T8CHV, pedido esse do seguinte teor:
10. “…deve a presente acção ser julgada procedente por provada e por via disso ser anulada a escritura celebrada em 27 Janeiro de 2005, no Cartório Notarial de …. entre a., e a R., com as legais consequências.”
11. É patente que, a presente ação, mais não representa que uma “oposição” àquela execução, em que a Recorrente, pretende que: “…a) Seja o 1º R. BANCO ... a admitir que, não houve incumprimento contratual dos dois empréstimos concedidos (Crédito Habitação); b) Seja, ainda, o 1 º R. BANCO ... condenado judicialmente da ilegalidade da resolução; c) Como ainda, sejam os RR. condenados solidariamente a restituir à A. os valores (em mais de 60 mil euros) em que estes se locupletaram quer do capital como de juros no empobrecimento da A., conforme artigos 182° e 183º desta petição; d) Mais condenados, nos montantes de valores das rubricas (capital e juros) a determinar em sede de execução de sentença; e) Ainda, sejam os RR. condenados a pagar à A. indemnização por danos não patrimoniais de valor nunca inferior a 30.000,00€, conforme, artigo 210º desta petição; f) Em juros moratórios desde a citação até integral pagamento;
12. Motivada, tal pretensão, como emerge da P.I., em factos que a Recorrente podia e devia ter esgrimido em sede do referido processo executivo e/ou no citado processo nº 753/15.1.T8CHV, o que não fez.
13. A Recorrente inconformada com o processo executivo deduzido e com a inviabilidade patenteada no processo nº 753/15.1.T8CHV por esta 3ª via que constitui a presente ação, tenta por meios ínvios reverter a predita situação, nos seus termos e efeitos.
14. Não é legítimo vir instaurar uma ação contra o Banco Recorrido, lá exequente, destinada a exercer a mesma ou análoga defesa que, em devido tempo e lugar, devia ter exercido, em sede de oposição à execução, e que não ocorreu, ou como pedido a formular em termos de antecedente lógico no referido processo nº 753/15.1.T8CHV.
15. Em ambos os processos: os sujeitos são os mesmos, a causa de pedir é a mesma, procede manifestamente do mesmo facto jurídico e pretende obter o mesmo efeito jurídico.
16. Como decorre do artigo 581º do C.P.C., a exceção do caso julgado supõe uma tríplice identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.
a) As partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo direito substancial: no caso são até, fisicamente, as mesmas;
b) A identidade dos pedidos é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, considerando-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, e do conteúdo e objeto do direito reclamado – veja-se o Ac. do STJ de 08.03.2007, publicado na CJ/STJ, Tomo I, pág. 98 e segts – por outras palavras, há identidade dos pedidos quando a segunda ação é proposta para exercer o mesmo direito que se exerceu mediante a primeira: Ora a oposição à execução, pelos (lá) exequentes destinou-se precisamente a obstar à produção dos efeitos dos títulos executivos nos precisos termos que o ora A., pretende nesta ação, posto o que, a decisão judicial proferida há-de valer com a autoridade do caso julgado material, impossibilitando o tribunal de se voltar a pronunciar sobre a relação jurídica em causa e vinculando outros tribunais ao que nela foi decidido;
c) Também é a mesma a causa de pedir. É a mesma a relação material de onde o A., faz derivar o pretenso direito que invocam.
17. Não oferece dúvidas que estão verificados os requisitos do caso julgado (cfr. artigo 581º do C.P.C.), pelo que a sua consequência prática traduz-se em dar por esgotado o “thema decidendum”.
18. Não podem restar quaisquer dúvidas em como a pretensão que a Recorrente trouxe a esta ação, não traduz mais que uma estafada construção de factos que, como tal, deveriam ter sido alegados em sede executiva, ou como pedido a formular, em termos de antecedente lógico, no citado processo nº 753/15.1.T8CHV.
19. Entende, pois, o Banco Recorrido, que a invocada EXCEPÇÃO DILATÓRIA de AUTORIDADE DE CASO JULGADO face à referida tramitação nos citados autos quer de EXECUÇÃO COMUM, quer de AÇÃO COMUM, deve ser julgada procedente, como tal devendo ser absolvido da Instancia nos termos legais.
20. Sem prejuízo de tal entendimento, certo é que não é legítimo à Recorrente instaurar a presente ação contra o Banco Recorrido, lá exequente, destinada a exercer a mesma ou análoga defesa que, em devido tempo e lugar, devia ter exercido, em sede de oposição à execução, e que não ocorreu.
21. Tal como foi acolhido, em situação análoga, jurisprudencialmente no Acórdão da RELAÇÃO DE ÉVORA de 08/06/2017, in dgsi, para o qual se remete.
22. Como tal, a deduzida EXCEPÇÃO PEREMTÓRIA de PRECLUSÃO, face à referida tramitação nos autos de EXECUÇÃO COMUM, deve ser julgada provada e procedente, como tal devendo o Banco Recorrido ser absolvido do pedido, nos termos legais.
23. Ao decidir pela improcedência das invocadas EXCEÇÕES violou a decisão recorrida por errada interpretação e aplicação as normas do disposto nos artº 580º, 581º e 732º, do C.P.C.
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Com relevo para o presente recurso, resulta ainda demonstrado que, em 21.04.2015, a autora M. E. intentou contra o réu Banco..., S.A., uma ação declarativa comum (a qual correu termos no Juízo Central Cível do Porto – Juiz 4, sob o n.º 753/15.1T8CHV), pedindo a anulação da escritura celebrada em 27 de Janeiro de 2005, no Cartório Notarial de …, entre a autora e o Banco réu, com as legais consequências.
Alegou, para o efeito, em síntese, que correu termos uma ação executiva para pagamento de quantia certa, no valor de € 90.688,68, instaurada pelo Banco réu contra a autora, servindo de título executivo uma escritura celebrada em 27 de Janeiro de 2005, sendo que, apesar de não ter deduzido oposição na mesma execução, assiste-lhe ainda o direito de intentar tal ação declarativa.
Mais alega que que a dita escritura celebrada entre as partes, visou a transferência do crédito à habitação que a autora possuía junto de uma outra entidade bancária para o Banco réu, por este lhe ter prometido melhores condições de crédito.
Alegando o incumprimento do contrato de mútuo, o Banco réu terá então intentado a referida execução, a qual não teve razão de existir.
De facto, não obstante proceder ao pagamento das prestações mensais devidas por conta de tal crédito concedido, a autora viu-se confrontada com débitos lançados pelo Banco réu, referente a juros de mora e outras despesas incompreensíveis, na conta bancária da autora, concluindo, assim, que, aquando a celebração da dita escritura, não foi esta a vontade negociada pela autora, que assim se encontrava em erro sobre o objeto do negócio, o qual lhe foi dolosamente causado pelo Banco réu, impondo-se a anulação da referida escritura (cfr. docs. de fls. 20 a 46).
Tal ação prosseguiu os seus termos, sendo que em sede de audiência de julgamento, realizada a 05.03.2020, pelas partes foi dito “pretenderem pôr termo aos presentes autos, mediante os seguintes TERMOS DE TRANSACÇÃO, e respetivas cláusulas que reciprocamente aceitam: 1ª A Autora desiste do pedido com a anuência da Ré Banco ... e a mesma Ré desiste da instância reconvencional, desistência que a Autora aceita. 2ª Prescindem Autora e Ré das custas de parte e das custas processuais no seu devido decaimento.”
Tal transação veio a ser homologada por sentença judicial proferida na mesma data (cfr. doc. de fls. 55 e 56).
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).
No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.
Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:
- Saber se houve erro de interpretação e de aplicação da lei por parte do tribunal recorrido ao julgar procedente a exceção de prescrição do direito da autora em vir peticionar a restituição do que pagou ao Banco réu, com fundamento em enriquecimento sem causa;
- Subsidiariamente, saber se ocorre, no caso em apreço, as exceções de caso julgado (ou de autoridade de caso julgado) ou de preclusão.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados
Os acima consignados no item Relatório, incluindo a prova documental referenciada.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Da prescrição
De acordo com a decisão recorrida, o tribunal a quo concluiu pela verificação da exceção perentória de prescrição do direito da autora, salientando mormente o seguinte:
“O réu Banco ... veio também arguir a prescrição, por terem decorrido mais de três anos desde que a autora teve conhecimento do alegado direito que lhe compete, e que o réu fixa, pelo menos, na data em que lhe foi adjudicada a fração penhorada à autora.
Vejamos:
A autora fundamenta os seus pedidos no enriquecimento sem causa e na responsabilidade contratual do réu que lhe conferirá o direito a uma indemnização por danos não patrimoniais. No que diz respeito ao enriquecimento sem causa, dispõe o artigo 482.º do Código Civil que “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento”. Por sua vez, quanto à indemnização por danos não patrimoniais, resulta do artigo 498.º, nº 1 do mesmo diploma legal, que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”. Do teor de ambos os preceitos citados podemos concluir que o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, ou seja, desde a data em que o lesado teve conhecimento que ocorreu uma qualquer violação do seu direito que lhe dá, por sua vez, o direito a uma indemnização, como a autora pretende nos autos, com a única diferença de que no caso do enriquecimento sem causa, o lesado deverá também ter conhecimento da pessoa do responsável, o que não releva na indemnização. Ora, tendo em conta a situação em causa nestes autos, e os fundamentos invocados pela autora para justificar a sua pretensão, não podemos deixar de considerar que a autora teve conhecimento dos alegados direitos, pelo menos, logo que lhe foi instaurada a segunda execução, após, como refere, várias tentativas de resolver a situação, o que ocorreu no ano de 2010. Mas, ainda que se considerasse que a autora só percebeu que não iria recuperar a fração penhorada, quando a mesma foi adjudicada à exequente, aqui réu Banco ..., sempre desde essa data já decorreram mais de três anos, já que a própria autora alega que ficou sem a sua casa no ano de 2012. Aliás, no artigo 181º da sua petição inicial, a autora alega que “Dúvidas não restam, por conseguinte, de que o 1º R. Banco ... se locupletou, injustificadamente, a expensas da A., tendo havido uma diminuição correlativa do património desta”, isto depois de alegar que perdeu a casa em 2012, quando a mesma foi adjudicada ao agora réu Banco ..., por valor que nem chegou aos sessenta mil euros. E continua a autora a alegar que tais factos, que terão sido praticados pelo réu Banco ..., e que consubstanciarão atuação ilícita, para além de lhe terem conferido um enriquecimento sem causa e o consequente empobrecimento da autora, foram causa dos danos não patrimoniais que diz ter sofrido. Ou seja, a autora teve conhecimento da factualidade na qual baseia os seus pedidos, pelo menos, no ano de 2012, há bem mais dos três anos previstos quer no art. 482º, quer no art. 498º do Código Civil. Ou seja, pelo menos desde o ano de 2012, data em que perdeu a fração para o réu Banco ..., a autora sabia, ou tinha que saber, não lhe podendo aproveitar a falta de diligência, que tinha ocorrido um facto que, no seu entender, lhe confere o direito a uma indemnização, pelo que é a partir dessa data que começa a correr o prazo de prescrição, previsto nos arts. 482º e 498º do Código Civil, o qual, tendo em conta a data da entrada em juízo da presente ação (3 de abril de 2020), tinha já decorrido, quando a ação foi instaurada. O art. 323º do Código Civil, por sua vez, dispõe que a interrupção da prescrição ocorre pela citação ou notificação judicial, pelo que só ocorreu com a citação do réu para a presente ação, já após o decurso do prazo de três anos referido. Posto isto, tendo decorrido o prazo de prescrição previsto legalmente, sem que a autora tenha vindo exercer o seu alegado direito, tem o beneficiário da prescrição, neste caso o réu Banco ..., a faculdade de recusar o cumprimento da prestação (ainda que fosse devida, o que ainda não se apurou). A procedência da exceção de prescrição, a qual, configura uma exceção perentória, nos termos do disposto no art. 576º, nº 3 do CPC, importa a absolvição total do pedido.”
A autora recorrente insurge-se contra esta decisão, no que se refere à prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, invocando, no essencial, que o momento em que a autora teve conhecimento do seu direito à restituição nos termos do disposto no art. 482º, do C. Civil, é o do trânsito em julgado da sentença que homologou a transação alcançada no processo n.º 753/15.1T8CHV, datada de 05.03.2020, pelo que, tendo a presente ação sido instaurada em 05.04.2020 e os réus sido citados em 03.09.2020, não se mostra ultrapassado o prazo de três anos previsto naquele normativo legal.
Vejamos então.
Dispõe o art. 473º, do C. Civil, que: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (n.º 1); sendo que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, de modo especial, tem por objeto “o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” (n.º 2).
Por conseguinte, a deslocação patrimonial, quando realizada sem causa justificativa, obriga à restituição que tem por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (artigo 473º, n.º 2, do C. Civil). Neste normativo legal, prevêem-se, numa enumeração exemplificativa destinada a dar uma linha de rumo interpretativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio indebiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob rem (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto). (1)
Mais se lê, no art. 474º do C. Civil, que: “Não há lugar à restituição, por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”
Daqui se conclui que a ação baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se à mesma quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação. Compreende-se, por isso, que se afirme que “se a situação de facto preenche os pressupostos do enriquecimento sem causa e de mais outro instituto, o disposto no artigo 474º do Código Civil, impede, nestes casos, o recurso às normas do enriquecimento sem causa.” (2)
Neste conspecto, Pires de Lima e Antunes Varela concluem que: “Não há que averiguar, portanto, nos casos citados, se há um enriquecimento sem causa, o que por vezes levanta problemas difíceis de resolver; a acção de enriquecimento é afastada para dar lugar a outros efeitos legais. Sublinhe-se ainda, relativamente aos exemplos apontados (acção de declaração de nulidade, de anulação, de indemnização, etc.), que o instituto do enriquecimento sem causa não será aplicável, por maioria de razão, se o enriquecimento puder e dever ser destruído mediante simples acção (contratual) destinada a exigir o cumprimento do contrato ou por meio da acção de reivindicação (vide, a este respeito, Vaz Serra, na Rev. de Leg. e de Jur., ano 102º, pág. 374).” (3)
Assim também Luís Menezes Leitão (4) afirma que: “Relativamente ao enriquecimento por prestação, a aplicação do art. 473º é naturalmente excluída sempre que exista uma pretensão fundada num negócio jurídico. Os negócios constituem causas justificativas da aquisição enquanto que a acção de enriquecimento pressupõe a ausência de causa justificativa.”
Nas palavras de Mário J. de Almeida Costa (5) “sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) que possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado. E, então, só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação, é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa (ex.: em hipóteses de responsabilidade civil).”
No Ac. STJ de 26.05.2015 (6), também se conclui que “sempre que outro meio judicial for suficiente para restabelecer o equilíbrio da situação não haverá lugar, por não verificada a subsidiariedade, à acção de enriquecimento sem causa, sob pena de ela ser admitida em praticamente todas as hipóteses de pedido condenatório, como verdadeira panaceia para decisões judiciais transitadas em julgado (e eventualmente, injustas ou apenas incompreendidas) ou até para eventuais negligências das partes na condução das respectivas posições jurídicas no processo.”
Por sua vez, lê-se no art. 482º, do C. Civil, que: “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento.”
Muito embora não tenha sido citado pela recorrente, mas certamente onde esta terá ido buscar a fonte jurisprudencial da argumentação jurídica que utilizou nas suas alegações de recurso, chamamos à colação o que, desenvolvidamente neste âmbito, se escreveu no Ac. STJ de 10.12.2019 (7):
“Como se retira da transcrita norma, decisivo é o momento do conhecimento, não um qualquer conhecimento, mas o conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa. Tem merecido discussão o saber se a expressão “conhecimento do direito que lhe compete” quer dizer “conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito” ou “conhecimento de ter direito à restituição”. Nos trabalhos preparatórios do Código Civil, da autoria de Vaz Serra, o projetado art. 730º nº 3, dizia: “O crédito resultante de enriquecimento sem causa prescreve por três anos contados da data em que o credor teve conhecimento do seu direito de repetição e da pessoa do responsável e, em qualquer caso, no prazo ordinário da prescrição”. No anteprojeto do Código Civil (primeira revisão ministerial, artigo 460º), voltava a aparecer a expressão “conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável”. A referência expressa a “direito de repetição” ou a “direito de restituição” mostra claramente que o prazo se iniciava com o conhecimento do próprio direito e não dos seus elementos constitutivos. Ora, o mesmo é o sentido de “conhecimento do direito que lhe compete” que hoje se lê no texto do artigo 482º do Código Civil. É que “o direito que lhe compete” que se lê a meio do preceito é, sem tirar nem pôr, “o direito à restituição” com que o preceito é iniciado. A segunda revisão ministerial limitou-se a passar a expressão “direito à restituição” do meio do texto do preceito para o seu início, sem alterar o seu significado: “O direito à restituição (...) a contar (...) conhecimento do direito (...)”. Ora o “direito” cujo conhecimento marca o início do prazo, é precisamente o “direito à restituição”. O preceito legal refere-se ao “direito à restituição” e só a ele; não se refere, em passo algum, aos elementos constitutivos do direito. (…) A. Vaz Serra, ob. cit.[8], págs. 299 e 300, a propósito do art. 498º, nº 1, do Código Civil, defende que se o lesado conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo da prescrição de curto prazo. É que, acrescenta, «Esta prescrição funda-se na conveniência de compelir os lesados a, podendo e querendo exercer o direito de indemnização, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos, o que pode tornar-se difícil ao tribunal. Ora, se o lesado não tem conhecimento do seu direito de indemnização, não pode, praticamente, exercê-lo». Trata-se de argumentação perfeitamente adaptável ao que dispõe o art. 482º, onde igualmente se prevê um prazo curto de prescrição, sendo, pois, de exigir, para que o mesmo comece a correr, o conhecimento, pelo empobrecido, de que é juridicamente fundado o direito à restituição, dado que, quem não tem esse conhecimento, não sabe se pode exigir a restituição, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo. Dir-se-á, citando Vaz Serra, ob. cit., pág. 300, que «... ao lesado aproveita aqui a sua ignorância da lei que lhe confira o direito de indemnização, pois a prescrição de curto prazo funda-se, como se referiu já, na vantagem de, podendo o lesado fazer apreciar em curto prazo o seu direito, assim o fazer, o que não se verifica quando ele ignora esse direito». E, ainda, que «É certo que pode ser difícil ao tribunal averiguar qual a data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização; mas, embora difícil, não é isso impossível, dados os largos meios de que o tribunal pode dispor para o efeito, e, em todo o caso, não é mais difícil do que o apuramento judicial de certos factos que ele pode ter de investigar». Aliás, também o Prof. Antunes Varela, a propósito do art. 498º, nº 1, do Código Civil, refere: «Fixou-se o prazo em três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu» (Das Obrigações em Geral, 1970, págs. 435 e 436). Cotejando o preceito cuja interpretação foi submetida a este Tribunal com o art. 306º, nº 1 do Código Civil, verifica-se que, neste segundo caso, que estabelece a regra geral, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; no caso do art. 482º estabeleceu-se uma regra diferente, o prazo de prescrição começa a correr a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito. Também a jurisprudência tem vindo a perfilhar este entendimento, a título de exemplo, neste Tribunal, o Acórdão de 6-10-1983, BMJ nº 330, pág. 496; o Acórdão de 17-3-2003 [antes de 27.11.2003], Proc. nº 03B3091, em www.dgsi.pt; e o Acórdão de 23-11-2011, Proc. 754/10.6TBMT.L1.S1, em www.dgsi.pt; e ainda Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-5-2014, Proc. nº 169/13.4TCGMR-A.G1, em www.dgsi.pt. Reputando à situação dos autos terá de concluir-se que o momento em que os autores tiveram conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do Código Civil, é o do trânsito em julgado do acórdão que julgou improcedente a reconvenção, porque até esse momento, os ora autores, para além de ainda usufruírem do imóvel em litígio, estavam persuadidos que a lei lhes reconhecia o direito de propriedade sobre o mesmo. Só com o trânsito em julgado de tal decisão e com a consequente entrega, viram consolidar-se este “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil.”
Daqui resulta, pois, que o prazo prescricional, a que se refere o art. 482º, do C. Civil, só se inicia a partir do momento em que o empobrecido tem direito à restituição por enriquecimento sem causa e não a partir do momento em que teve conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito.
Nesta senda, e face à natureza subsidiária da ação em causa (art. 474º, do C. Civil), o prazo de prescrição previsto no art. 482º, do C. Civil, não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio (ou fundamento) que justifique a indemnização ou restituição.
Por conseguinte, vários são os arestos em que se defende que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o empobrecido teve conhecimento do direito que lhe compete, não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído (9) – o mesmo é dizer só se inicia a partir do momento em que o empobrecido viu definitivamente frustrada a sua pretensão de ser indemnizado ou restituído através deste meio alternativo (em regra de natureza jurídico-processual), o que acontecerá, por norma, a partir do trânsito em julgado da decisão que indefira esta sua pretensão.
Aqui chegados, a recorrente entende assim que o prazo de prescrição em causa só se iniciou com o trânsito em julgado da sentença que homologou a transação alcançada entre as partes naquele identificado processo n.º 753/15.1T8CHV, datada de 05.03.2020, pelo que, tendo a presente ação sido instaurada em 05.04.2020 e os réus sido citados em 03.09.2020, não se mostra ultrapassado o prazo de três anos previsto no art. 482º, do C. Civil.
Acontece, porém, que, conforme supra consignamos, a dita ação n.º 753/15.1T8CHV, instaurada em Abril de 2015, não veio a terminar por sentença que julgou improcedente a pretensão que a autora aí havia deduzido; antes veio a terminar por transação celebrada entre as partes, em que a autora desistiu do pedido formulado e o Banco réu desistiu da instância reconvencional.
A ser assim, não podemos afirmar que a autora utilizou, “sem êxito”, outro meio para o efeito de ser indemnizada ou restituída, tanto quanto é certo que sequer podemos concluir que a ação anteriormente utilizada era inidónea à obtenção de tal efeito, porquanto a mesma não foi alvo de qualquer decisão de mérito.
A tal conclusão podemos ainda chegar, por via do disposto no art. 474º, do C. Civil, na medida em que, se a restituição por enriquecimento sem causa apenas é possível quando não exista para o empobrecido qualquer outro meio de ser indemnizado ou restituído, então não poderia a recorrente lançar mão da presente ação (subsidiária), enquanto não visse definitivamente decidida, em seu desfavor, a anterior ação (principal) que propusera contra o Banco recorrido. (10)
Forçoso é concluir, pois, que a recorrente não poderá beneficiar do prazo de cerca de 5 anos em que decorreu a dita ação, que acabou por terminar com a anuência da própria, mormente por via da desistência do pedido.
A recorrente ainda veio invocar, nas suas alegações de recurso, que não possuía os elementos necessários para agir, até porque o Banco recorrido aceitou transacionar naqueles autos, em 05.03.2020, e sabia que ia ser intentada nova ação à presente demanda.
Todavia, nada disso resulta da transação celebrada, nem a autora pode concluir que não possuía ainda os elementos necessários para agir, simplesmente porque o Banco recorrido aceitou transacionar na dita ação.
Ademais, da troca de correspondência entre as partes, alegada pela própria autora recorrente, designadamente entre os anos de 2006 a 2010, resulta evidente que a autora já dispunha das necessárias condições para fazer valer os seus alegados direitos.
Por conseguinte, não se podendo a recorrente aproveitar do aludido prazo de cinco anos em que decorreu a aludida ação anteriormente intentada, sendo certo que contra a mesma havia já sido instaurada uma ação executiva (processo n.º 57/10.6TBPRG), em 2010, tendo então a mesma necessariamente conhecimento de que quais os valores exequendos reclamados pelo Banco réu e de que este alegadamente se havia locupletado injustificadamente à custa da recorrente, forçoso é concluir que à data da instauração da presente ação há muito que havia decorrido o aludido prazo de três anos previsto no art. 482º, do C. Civil.
Contrariamente ao aludido pela recorrente, esta interpretação não viola qualquer preceito constitucional, designadamente o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º, da CRP, desde logo porque não nos podemos olvidar que à recorrente cabe percorrer e cumprir os ditames da lei, observando as regras próprias para o exercício desse direito, designadamente no que se refere ao período de tempo que a lei lhe concede para vir exigir a restituição com fundamento em enriquecimento sem causa, sob pena de prescrição.
Na realidade, como é defendido por Mota Pinto (11), “a prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. Por isso, encarada exclusivamente numa perspectiva de justiça, foi pelos antigos crismada de «impium remedium» ou «impium praesidium». Apesar disso, porém, sempre intervém na fundamentação da prescrição uma ponderação de justiça. Diversamente da caducidade, a prescrição arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com o velho aforismo «dormientibus non succurrit jus». Por isso, embora a prescrição – tal como a caducidade – vise desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia do titular do direito em exercitá-lo. Há, portanto, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto.” (12)
É assim de manter a decisão do tribunal a quo que julgou procedente a exceção de prescrição do direito da autora, ainda que com fundamentos não totalmente coincidentes.
Na sequência, deverá considerar-se prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do âmbito do recurso, subsidiariamente formulado pelo recorrido, o que aqui se declara (art. 608º, n.º 2, ex vi do art. 663º, n.º 2, ambos do C. P. Civil).
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pela autora recorrente, confirmando-se, pois, a decisão recorrida.
Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 20.05.2021
Este acórdão contém a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores: Relator: António Barroca Penha. 1º Adjunto: José Manuel Flores. 2º Adjunto: Sandra Melo.
1. Neste sentido, cfr., por todos, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 395.
2. Diogo Leite de Campos, A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento, Almedina, 2003, pág. 326.
3. Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª edição, págs. 459-460.
4. O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (176) Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1996, págs. 948-949.
5. Direito das Obrigações, Almedina 9ª edição, págs. 459-460.
6. Proc. 169/13.4TCGMR.G2.S1, relator João Camilo, acessível em www.dgsi.pt.
7. Proc. 1448/15.1T8STB.E1.S1, relator Assunção Raimundo, disponível em www.dgsi.pt.
8. RLJ, Ano 107.
9. Neste sentido, para além dos acima citados, cfr. Ac. STJ de 24.10.2002, proc. 02B2831, relator Neves Ribeiro; Ac. STJ de 26.02.2004, proc. 03B3798, relator Araújo de Barros; Ac. STJ de 02.12.2004, proc. 04B3828, relator Oliveira Barros; Ac. STJ de 07.11.2019, proc. 354/14.1TBALM.L1.S2, relator Nuno Pinto Oliveira; Ac. RG de 22.05.2014, proc. 169/13.4TCGMR-A.G1, relator Manso Rainho; e Ac. RC de 24.09.2019, proc. 266/18.0T8MBR.C1, relator Fonte Ramos, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
10. Conferir o que supra se considerou sobre a natureza subsidiária da ação baseada nas regras do enriquecimento sem causa.
11. In Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, págs. 375-376.
12. Neste sentido, cfr. por todos, Ac. STJ de 08.11.2005, proc. 05A3169, relator Lopes Pinto, acessível em www.dgsi.pt.