MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

Texto Integral


Acordam em Conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

I

Por Acórdão proferido nestes Autos, a 24.03.2021, foi decidido negar provimento ao recurso interposto por AA do Acórdão proferido pelo TR.… que havia julgado improcedente a sua oposição à execução do MDE emitido em 19 de Novembro de 2018, pela Juíza do Juzgado de Primeira Instância e Instrucción n°.., de ……, Espanha, para procedimento criminal, pela autoria de um crime de homicídio na forma tentada, crime previsto e punido pelos artigos 138, 16 e 62 do Código Penal Espanhol.

Inconformado com tal decisão veio o recorrente arguir a nulidade do supracitado Acórdão, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP.


II

A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta neste Alto Tribunal teve Vista nos Autos, e pronunciou-.se pelo indeferimento do requerido.


III

Realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

O requerente alega que o Acórdão proferido a 24.03.2021 se encontra ferido de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que, em seu entender não terá apreciado as seguintes questões, por si suscitadas:

b) O deferimento da execução do MDE, colide com o cumprimento de decisão transitada em julgado proferida pelo TEP, uma vez que, implica o não cumprimento de injunções que foram fixadas ao condenado e a consequente revogação da decisão.

c) Os fins a que se destina o mandado podem ser assegurados por outra via, que não a extração para Espanha.

d) Atento à situação excepcional de pandemia que se vive a nível mundial, conjugada com a situação de saúde que o mesmo apresenta e documentada nos autos, a sua remoção para Espanha atento à situação que se vive, põe em causa a saúde e a sua integridade física. Violou-se o disposto no artigo 64 da CRP-

Nestes termos o requerente conclui pela “inconstitucionalidade do Acórdão”, em virtude de, em seu entender, a “interpretação que faz do disposto nos artigos 11. 12, 12 A da Lei 65/03 de 23 de Agosto, “violar o disposto no artigo 64º da Constituição da República.

Todavia tais asserções carecem de fundamentação fáctica e legal.

Na verdade, ao ponderar, apreciar e decidir sobre as questões ora elencadas pelo requerente, escreveu-se no Acórdão em causa que: “Assim, e como corolário lógico do exposto, a uma jurisdição criminal de um Estado de execução, “in casu” o Tribunal da Relação  ……, nada mais compete do que verificar se o MDE que lhe é submetido obedece aos requisitos legais e se existem alguns factos que possam integrar os motivos, obrigatórios ou facultativos, da sua não execução, tal como elencados nos artigos 11º,12º e 12ºA da Lei nº 65/2003 de 23 de agosto.”

Todavia, o recorrente não suscita qualquer questão relativa aos pressupostos legais do presente MDE nem a causas de exclusão da sua execução mas antes argui a nulidade e vícios do MDE com base em pressupostos fácticos inexistentes. Pois que, como claramente resulta do Acórdão recorrido ao presente MDE está distintamente assinalado a sua finalidade e objetivo - o procedimento criminal por imputação ao recorrente de um crime de homicídio voluntário na forma tentada, circunstância esta que pela natureza do crime em questão determina a verificação do requisito da dupla incriminação dos factos.

Do mesmo passo se mostram visivelmente preenchidos os requisitos formais e materiais previstos nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 65/2003 de 23 de agosto. Carecendo, assim, de qualquer sorte de fundamento fáctico as alegações de nulidade ou “desrespeito dos direitos do Arguido” aduzidas pelo recorrente. Do mesmo passo, e como explicitamente se refere no Acórdão recorrido, carecem de fundamento legal o também alegado pelo recorrente quanto à dispensabilidade de emissão do presente MDE :   “As concretas circunstâncias avançadas pelo recorrente, de desnecessidade de emissão do MDE tendo em conta a sua finalidade, da visada entrega ao Estado espanhol perigar a sua saúde e integridade física, e de existência de uma anterior decisão do Tribunal de Execução de Penas que lhe fixou concretas regras de conduta, são motivos não atendíveis e que não justificam a sua não entrega, já que são situações não previstas nos artigos 11 e 12 da Lei 65/2003, não constituindo, então, causas específicas de recusa do MDE, havendo, consequentemente, plena reconhecimento mútuo e a confirmada regularidade formal daquele.” Considerações estas que se subscrevem na totalidade.

Pois que, como indicado supra, por força do princípio do reconhecimento mútuo e da confiança entre os Estados membros da União, à autoridade judiciária do Estado de execução apenas compete avaliar a regularidade formal e substancial da decisão da autoridade judiciária do Estado de emissão e executá-la, salvo nos casos de existência de algumas das causas de exclusão elencadas nos artigos 11º, 12º e 12ºA da Lei nº 65/2003 de 23 de agosto.”

Nesta conformidade, outra conclusão se não impõe que não seja a de entender por não verificada a nulidade de omissão de pronúncia invocada pelo requerente.

Sendo certo que, como muito bem alega a Ex.ma Procuradora Geral Adjunta, p Acórdão recorrido se pronuncia e decide sobre essas matérias, ainda que de molde contrário às pretensões do requerente, uma vez que estas não são atendíveis, por não constituírem causas específicas de recusa de cumprimento do MDE, nos termos do disposto nos artigos 11º, 12º e 12º-A da Lei nº 65/2003 de 23 de agosto.  

Nestes termos, improcede, igualmente a invocada arguição de “inconstitucionalidade do Acórdão” por violação do disposto no artigo 64º da Lei Fundamental, sendo certo que, como é pacífico na Jurisprudência, a arguição de uma qualquer violação dos preceitos constitucionais não se basta com a sua mera invocação, antes se torna necessário proceder à indicação do sentido da alegação violação em função do caso concreto em apreciação. Indicação esta a que manifestamente se não mostra realizada com a invocação da existência de uma pandemia.

VI

Termos em que se acorda em indeferir a nulidade arguida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.

Feito em Lisboa, aos 14 de abril de 2021


Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Dec-Lei nº 20/2020 de 1 de maio, consigno que o presente Acórdão tem voto de conformidade do Ex.mo Adjunto, Juiz Conselheiro Sénio dos Reis Alves.

Maria Teresa Féria de Almeida (Relatora)