RECURSO PENAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
ESCUTAS TELEFÓNICAS
CONHECIMENTOS FORTUITOS
INCONSTITUCIONALIDADE
PROIBIÇÃO DE PROVA
PERDA DE VANTAGENS
NULIDADE
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário

Texto Integral


Acordam em Conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

I

Por Acórdão proferido nestes Autos pelo Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ....., o Arguido AA, juntamente com os co-Arguidos BB, CC e DD, foi condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, dos artigos 21º, nº 1 e 24º al.c) do Dec. Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal.

Consequentemente foi-lhe aplicada uma pena de 9 anos de prisão.

Foi decidido, ainda, julgar procedente o requerimento de liquidação para perda ampliada de bens e, consequentemente, condenar o arguido a pagar ao Estado o montante de €72.097,61, bem como declarar perdidos a favor do Estado as substâncias estupefacientes e os objetos apreendidos.

Na sequência do recurso interposto desta decisão pelo Arguido, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação …, que, julgando improcedente esse recurso, decidiu manter integralmente a decisão proferida em 1ª instância.

II

Inconformado com esta decisão, o Arguido veio interpor recurso. Da respetiva Motivação retirou as seguintes Conclusões:

1º. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação …… no âmbito do processo n.º 48/17.6GAMTJ.E1, que manteve a condenação do Recorrente numa pena de prisão de 9 (nove) anos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelo artigo pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c) do DL 15/93, de 22/01, por referência à tabela anexa I-B do mesmo diploma, julgou procedente o pedido de liquidação ampliada de bens e declarou a perda de todos os bens apreendidos à ordem do processo.

2º. O recurso que ora se apresenta a este Venerando Supremo Tribunal de Justiça é o último reduto para pôr fim a uma situação de flagrante injustiça que caiu sobre o Recorrente, que se viu enredado nos factos julgados a pedido do seu irmão e também Arguido BB, sem nunca saber a verdadeira razão dos mesmos;

3°. A realização da justiça do caso concreto implica, pois, uma minuciosa análise do texto da decisão, do qual V. Exas retirarão que a condenação do Recorrente se baseia numa análise inquinada da prova, em violação do princípio da presunção de inocência que constitui um limite à livre apreciação da prova;

4º. Demonstraremos, posteriormente, que foram utilizadas abusivamente escutas telefónicas autorizadas e realizadas ao Arguido BB contra o Recorrente, o qual, sendo suspeito, nunca foi escutado mas acabou condenado com base na escutas telefónicas levadas a cabo ao seu irmão, o que justifica o Tribunal a quo ao abrigo de uma aplicação errada do regime dos conhecimentos fortuitos (i.e., fora do seu âmbito de aplicação);

5º. Ainda que assim não se entenda, demonstraremos igualmente que a matéria de facto fixada é insuficiente para a decisão proferida, na medida em que não existe um único facto provado que impute - de forma individualizada e autónoma - qual a participação do Recorrente nos factos e, mais importante que tudo - a sua autodeterminação para participar no transporte de um carregamento de estupefacientes, elemento típico do crime pelo qual foi condenado, pelo que a decisão é nula por falta de fundamentação, devendo ser substituída por outra que absolva o Recorrente;

6°. Relativamente à declaração de perda de bens, demonstraremos, em primeira linha, que a mesma é nula por falta de fundamentação na medida em que não faz referência ao iter cognoscitivo percorrido pelo Tribunal para concluir pela perigosidade dos bens declarados perdidos e, em segunda linha, que a mesma é ilegal por inobservância dos requisitos legais de que o art. 109.º do CP faz depender a declaração de perda de bens utilizados no cometimento do crime. Com efeito,

7°. O art. 127.º do CPP anuncia um princípio basilar em matéria probatória, dispondo que «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente»;

8°. Doutrina e jurisprudência são unânimes em afirmar que o poder do julgador na livre apreciação da prova tem limites, que a motivação deverá ser sempre objectivável, susceptível de controlo, e tendente a uma busca da verdade processualmente válida, ou seja, com respeito pelas regras tendentes à aquisição probatória;

9º. O princípio da presunção de inocência, com assento constitucional no art. 32.º, n.º 2, da CRP, constitui um limite imanente ao princípio da livre apreciação da prova, proibindo que o Tribunal mantenha uma postura parcial, tendenciosa, e que presuma a culpabilidade dos Arguidos, em vez da sua inocência, partindo de premissas que naturalmente levarão à sua condenação, em vez de premissas neutras.

10º. No caso concreto, como resulta da motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo partiu para a apreciação probatória de um ponto de partida que considerou “lógico” e que foi a «apreensão efectuada em 19.03.18 no armazém sito em …….... - do qual era arrendatário o arguido BB (irmão do arguido AA) -, de cerca de trezentos de quilos de cocaína com um grau de pureza elevado (77,5 e 86,6%, respectivamente, conforme auto de busca e apreensão de fls 262 e seguintes e exame toxicológico de fls 2220 e seguintes), embalados em diversos pacotes camuflados no interior de equipamentos - v.g. arcas frigoríficas e fogões -, provenientes da Venezuela e recepcionados nesse mesmo dia, no dito armazém, minutos antes, pelo arguido DD, em nome de quem foram importados, e pelo arguido CC (irmão daquele)».

11°. Observando que os quatro Arguidos estavam presentes nesse momento, afirma que algum deles teria de saber… e, portanto, o ponto de partida lógico não poderia levar a outra conclusão, na decisão recorrida, que não à condenação dos quatro!

12º. Ora, contrariamente ao que imporia o princípio da presunção de inocência no caso concreto, o Tribunal não relevou a simples hipótese de o Recorrente estar “no sítio errado à hora errada”, o que lhe permitiria analisar a prova anterior sem ir embocar àquele momento final que apelidou como “ponto de partida lógico”.

13°. A inversão cronológica apontada acabou por inquinar toda a apreciação da prova, manifestando uma inaceitável presunção de culpabilidade do Recorrente.

14º. Natural tenha sido, pois, que toda a prova oferecida pelo Recorrente para justificar a razão da sua presença no armazém.......... no dia 19.03.2018 tenha sido descredibilizada…

15º. ... e, mais que isso, usada apenas no que interessa para condenar, acabando o Recorrente a ser condenado numa pena superior a todos os outros Arguidos, relativamente aos quais existem provas directas de que sabiam o que se encontrava dentro das máquinas transportadas até ao armazém...... .

16°. Vejamos como o Tribunal a quo esbarra num forte contra-indício, que é o de os presentes autos se terem iniciado com um esquecimento de droga, contra-indício este que o mesmo ressalva, e consegue usar do melhor e do pior para condenar o Recorrente: apenas o Recorrente possui um grau de literacia capaz de coordenar o carregamento de 300 kgs de cocaína, por um lado, mas é esse mesmo astuto que deita tudo a perder, enviado 18 kgs de cocaína para a sucata…;

17º. As duas visões não são compatíveis; apenas o foram porque, como dissemos, o Tribunal analisou a prova em violação do princípio da presunção de inocência, sempre na óptica da presença do Recorrente no armazém........... no dia 19.03.2018, assumindo por essa presença que o mesmo tinha de ter conhecimento do estupefaciente escondido dentro dos bens transportados, num verdadeiro acto de omnisciência.

18º. A verdade é que o Recorrente sempre desconheceu, até ao momento em que no dia 19.03.2018 foi surpreendido pelos elementos da investigação, que qualquer equipamento que tinha vindo da Venezuela continha produto estupefaciente no seu interior.

19º. E este é o facto relativamente ao qual não existe uma única prova directa que dite o seu contrário;

20º. Ou seja, nem o Ministério Público (nem o Tribunal) conseguiram demonstrar que o Recorrente sabia que vinha produto estupefaciente dentro dos equipamentos.

21º. O que o Tribunal a quo aceitou foi uma valoração das provas conforme lhe interessa para condenar: se por um lado diz que o grau de sofisticação do transporte estava ao alcance do Recorrente (porque o mesmo declarou em audiência que quando veio da Venezuela para Portugal trouxe algum dinheiro guardado em móveis!!), por outro lado assume que é normal, aceitável, que se enquadra nas regras da experiência, o facto de terem sido esquecidos 18 kgs de cocaína dentro de uma máquina.

22º. Ora, a conjugação destas duas premissas destrói por completo a narrativa do Tribunal a quo em sede de motivação da prova, no sentido de que respeita a presunção de inocência e não cai na “armadilha heurística” que o mesmo refere.

23º. Afirmar que pelo menos um dos Arguidos sabia do carregamento de produto estupefaciente não é premissa suficiente para que se possa suportar a condenação de quatro pessoas.

24º. O princípio da presunção de inocência impõe que o convencimento do tribunal quanto à verdade dos factos se há-de situar para além de toda a dúvida razoável;

25º. No caso sub judice, o Tribunal a quo descartou ab initio a “outra verdade possível”, convencendo-se desde logo que os Arguidos, ou pelo menos um deles, eram implicados no processo que culminou na apreensão efectuada no dia 19.03.2018 no armazém...........;

26º. Em caso de dúvida na apreciação da prova (dúvida objetivamente existente) a decisão nunca pode deixar de ser favorável ao Recorrente, porque não resulta provada a culpa do Recorrente - o Tribunal a quo não desenvolve qualquer raciocínio no sentido de demostrar a culpabilidade autónoma do Recorrente;

27º. Pelo que, por respeito à presunção de inocência, devida a qualquer arguido, exigia-se que a decisão condenatória assentasse na demonstração positiva da culpa dos arguidos, em concreto do Recorrente, e fosse obtida sem sacrifício do princípio da presunção de inocência e das suas garantias e direitos de defesa, o que de todo não sucedeu, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente.

28º. Ainda que assim não se entenda, o Tribunal baseou a condenação do Recorrente em provas (produto das escutas telefónicas) relativamente às quais existe uma proibição de utilização, em manifesta violação dos artigos 126.0, n.° 3, 187.0, 188.0 e 19o.0 do CPP;

29º. O Tribunal utilizou as escutas telefónicas para dar como provado, entre outros, os factos 25. a 28. e 33., incluindo a participação do Recorrente;

30º. Sucede que nunca foi autorizada a intercepção de comunicações telefónicas, com a observância dos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal, relativamente ao Recorrente.

31º. É consabido que as intercepções telefónicas são um meio de obtenção de prova extremamente intrusivo, ainda que necessário num Estado Democrático em que a criminalidade se torna cada vez mais complexa;

32º. A susceptibilidade de ingerência nos direitos, liberdades e garantias do cidadão exige a intervenção judicial perante a proposta do Ministério Público de se pretender valer de tal meio de obtenção de prova antes (despacho de autorização) e após (despacho de validação) a intercepção telefónica.

33º. Razão pela qual existe ampla jurisprudência no sentido de salvaguardar a posição de terceiros que sejam envolvidos nessas intercepções, sem posição formal no processo, cujas escutas devem ser destruídas;

34º. Neste caso, o que sucede é que o Recorrente é um terceiro para efeito das intercepções, mas igualmente Arguido no processo, sendo certo que é precisamente através das escutas telefónicas ao Arguido BB que o Recorrente é “arrastado” para o processo.

35°. Talvez por esta razão a decisão recorrida tenha justificado a valoração das escutas telefónicas com apelo ao regime dos conhecimentos fortuitos, mas fá-lo mal. Mal, na medida em que não há lugar a qualquer conhecimento fortuito.

36°. A valoração das escutas telefónicas contra o Recorrente mais não configura do que uma abusiva intromissão na sua esfera privada, sem qualquer crivo de intervenção do juiz de instrução competente;

37°.Se o Ministério Público pretendesse fazer-se valer das comunicações em que o Recorrente intervinha, nada mais tinha que fazer que solicitar à autoridade judicial competente o recurso ao meio de obtenção de prova; caso contrário, e como sucedeu, o Recorrente foi escutado indirectamente - apenas nas comunicações estabelecidas com o seu irmão - por decisão dos OPCs;

38º. o CPP é peremptório ao estabelecer que são nulas as intercepções telefónicas obtidas fora das condições estabelecidas nos artigos 187.º a 189.º;

39º. In casu, frisamos que não estão em causa as escutas carreadas para os autos (ou seja, não se trata de uma nulidade formal por violação dos artigos 187.º e 188.º), mas sim a sua valoração em desfavor de um Arguido não escutado, uma vez que quanto a este, por não terem sido cumpridos os requisitos daqueles artigos de uma forma autónoma, é como se o produto das escutas não existisse para efeitos de utilização.

40º. O caso decidendo cai fora do âmbito de aplicação da doutrina dos conhecimentos fortuitos porque, bem vistas as coisas, não há lugar a nenhum conhecimento fortuito, antes sim ao conhecimento de um facto (novo) da investigação – que traz o Recorrente, na qualidade de suspeito, aos autos –, e a não conformação processual com esse mesmo novo conhecimento;

41º. De resto, os casos de comparticipação são aqueles que a doutrina aponta de entre os exemplos em que se trata de um conhecimento da investigação e não de um conhecimento fortuito, o que aqui se aceita;

42º. O passo seguinte será o de determinar a possibilidade, ou não, de valoração dos conhecimentos da investigação. Nesta matéria, devemos ter como ponto de partida o da admissibilidade da valoração desses conhecimentos, ou seja, o novo facto conhecido, por pertencer ao mesmo crime que autorizou a escuta telefónica, é integrado processualmente e assim assumido de forma válida;

43º. Porém, o intérprete ao escutar a gravação, não pode alicerçar qualquer juízo de culpabilidade do suspeito (tal e qual nota do OPC…), e deve prosseguir a investigação de forma processualmente válida;

44º. Aprofundando, admitir a valoração dos conhecimentos da investigação em uma escuta, não quer significar admitir, sem limite, a valoração do produto de escutas telefónicas levadas a cabo durante meses contra uma pessoa não escutada que, mais do que “terceiro”, passa a ser suspeito e depois arguido no processo;

45º. Vejamos que a norma do art. 187.º/4 do CPP, ao determinar o núcleo relativamente ao qual as escutas podem ser autorizadas, não pode ser interpretado extensivamente, como aí se lendo autorizadas e utilizadas.

46º. O modus operandi dos autos apenas permite alcançar conclusões perniciosas, na medida em que ficam gravadas apenas as chamadas telefónicas em que o Recorrente interveio com os demais Arguidos, mas não outras das quais se pudesse perceber qual o seu móbil relativamente aos factos em investigação.

47°. A confusão era tal, que chegamos a ver o Ministério Público em julgamento a pedir ao Recorrente que explique o conteúdo de uma escuta em que o mesmo não era interveniente.

48º. Daí que o pedido do Recorrente seja claramente expresso e definido: a não valoração, contra si, de escutas telefónicas na qual o mesmo é interveniente, mas relativamente às quais não foi sujeito de autorização, muito para além do momento investigatório em que o Recorrente se tornou suspeito, fase na qual poderia admitir-se a utilização de uma escuta, por ser um conhecimento válido da investigação.

49º. Entendimento diverso do que acaba de expor-se, mais do que ilegal, é inconstitucional, tendo em conta os artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8 e 34.º, n.º 1 e 4 da CRP, mas também do art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que as escutas telefónicas são uma ingerência de uma autoridade pública no direito ao respeito pela vida privada e familiar do cidadão;

50º. O art. 18.º estipula que os direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, vinculam entidades públicas e privadas e apenas podem ser restringidos por Lei, nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-se a restrição ao mínimo necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

51º. Em sede de garantias de processo criminal, a Lei fundamental assegura que toda a instrução é da competência de um juiz e que são nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.

52º. Concretamente no que diz respeito à inviolabilidade das comunicações, diz o art. 34.º, n.º 4, que é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal;

53º. A jurisprudência do Tribunal Constitucional, tendo em conta a distinção entre conhecimentos fortuitos e conhecimentos da investigação, admite a valoração dos conhecimentos fortuitos, até para crimes que não fazem partes dos “crimes de catálogo”, no caso, a utilização de dados de localização;

54º. Como é bom de ver, a utilização permitida diz respeito a um dado que se esgota num determinado momento – não se pretende admitir o protelar de uma situação, durante vários meses da investigação;

55º. Ou seja, admitindo a escuta inicial que tornou o Recorrente suspeito nos autos, questiona-se a adequação constitucional da utilização das escutas ao Arguido BB para sustentar a condenação do Recorrente AA, sendo certo que este, a partir do momento em que se tornou suspeito, foi alvo de igual investigação, tal como foi feita ao seu irmão BB.

56º. E portanto, urge perguntar: deveria ou não, em relação ao Recorrente, ter sido cumprido o disposto nos artigos 187.º a 189.º do CPP, de forma a que o mesmo fosse escutado, não por uma via indirecta, mas sim em respeito à Constituição e à Lei?

57º. Ou, de outra forma: deveriam os novos conhecimentos ser levados ao magistrado titular do inquérito de forma que este ordenasse o que considerasse necessário, requerendo ao Juiz de Instrução a autorização para escutar também o novo suspeito, ou é lícito permitir que seja o OPC a tomar essa decisão e a aproveitar as escutas dirigidas a um Arguido para escutar dois, durante meses?

58°. Tenhamos em devida linha de conta que quer o regime dos conhecimentos fortuitos quer dos conhecimentos da investigação têm na sua génese a valoração de uma situação perfeitamente balizada no tempo, ou seja, é um momento, em que há um dado novo, e que depois se aproveita no futuro.

59°. Concretizando, no caso, estando em curso as escutas ao Arguido BB, há um momento em que intervém o Recorrente (dado novo) e que se aproveita no futuro - passa-se a investigar também o Recorrente.

6o°. Contrariamente, no caso dos autos o que a investigação decidiu fazer, a partir do momento em que percebeu que o Arguido BB comunicava com alguma regularidade com o Recorrente, foi passar a escutar também o Recorrente através de um terceiro, furtando-se ao cumprimento do regime jurídico das escutas telefónicas.

61°. Daí que não se ponha em causa o dado novo (conhecimento da investigação) mas se ponha em causa, sim, todo o período posterior, em que houve lugar a escutas telefónicas ao Arguido BB e que foram usadas para condenar o Recorrente, quando este também podia (e devia?) ter sido escutado. Da forma como o foi, foi escutado arbitrariamente.

62°. Assim, em face de todo o exposto, são inconstitucionais as normas dos arts. 187.º, nº 1 e 4 e 188.º, n.º 6, do CPP, interpretadas no sentido de que podem ser livremente valoradas as escutas telefónicas contra um Arguido não escutado e, por conseguinte, relativamente ao qual não existe um despacho de autorização do juiz de instrução, devidamente fundamentado, especificando quem, o quê e quando pode ser interceptado, validando-se uma decisão do órgão de polícia criminal de escutar o Recorrente, durante meses, por via indirecta, por violação dos artigos 32.º, n.os 1, 4, 5 e 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.

63º. Sem prescindir, a decisão é nula por insuficiência dos factos fixados para a decisão da causa;

64º. O Recorrente não praticou o crime pelo qual foi condenado, desde logo, porque em momento algum se autodeterminou com a intenção de estar a colaborar para um transporte de bens que traziam no seu interior cerca de 300 kg de cocaína.

65º. Ou seja, todos os actos de execução em que o Recorrente foi captado no decurso da investigação, mormente relatos de vigilância externos e escutas telefónicas só existem porque o Recorrente se relacionava com o seu irmão, quem, aliás, lhe havia pedido ajuda, mas sempre desconhecedor do verdadeiro objectivo desse transporte.

66º. O Tribunal a quo não fixou um único facto, porque é impossível fazê-lo, através do qual seja possível retirar que, em momento prévio aos transportes de produto estupefaciente, o Recorrente decidiu colaborar com os demais Arguidos nesse esquema e agiu com esse determinado propósito;

67º. E este elemento subjectivo não pode ser ignorado, porque é dele que se retira a intenção da prática do crime e se afere o grau de culpa, uma vez que sem culpa não pode haver lugar à aplicação de qualquer pena;

68º. Na decisão recorrida, o Tribunal a quo retira o acordo prévio da prática de actos que constituem, já, na sua óptica, a execução do facto (actos preparatórios), mas recorre apenas a prova indiciária para provar essa intenção de colaboração, o que só lhe é possível, como vimos, porque faz uma apreciação da prova invertida em termos cronológicos e, por conseguinte, toda ela “manchada” ou orientada a explicar a apreensão de 19.03.2018, violando assim o princípio da presunção de inocência.

69°. Perpassados os factos provados, apenas no facto “6” o Tribunal faz uma referência individualizada ao Recorrente; em todos os outros o AA é sempre referido como “os Arguidos” ou “os irmãos ………”;

70º. Ficamos sem saber, pois, quais os actos concretos praticados pelo Recorrente para a prática do crime.

71º. Este tipo de imputações genéricas é amplamente afastado pela doutrina e pela jurisprudência, incluindo pela Jurisprudência do Tribunal a quo que apenas lamentamos tenha ficado afastada no caso concreto: exemplificativamente, Ac. TRE de 16-03-2017 e toda a jurisprudência aí citada, sobretudo no tocante a situações de tráfico de estupefacientes;

72º. A imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que integram o tipo objectivo e subjectivo de ilícito, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar;

73°. Neste caso concreto, aplicamos a jurisprudência não perante uma multiplicidade de actos de venda, mas sim dos seus Autores… Pois que da forma como a matéria factual está fixada, ficamos sem saber quem, em cada momento, decidiu, se conformou com a prática do crime e ainda assim agiu… Não existe um único facto provado do qual possamos concluir, sem margem para dúvidas, que foi o Recorrente.

74º. Sabemos que é nula a sentença que, entre o mais, não contiver as menções referidas no n.º 2 do art. 374.º do CPP, o qual dispõe que «ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal»;

75º. A norma do art. 374.º do CPP corporiza a exigência consagrada no art. 205.º, n.º 1, da CRP e aplicável aos Acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores, tendo em conta o artigo 425.º do CPP;

76º. Em suma, na medida em que não é possível retirar do texto da decisão uma imputação individualizada do crime a cada um dos Arguidos, concretamente no que ao Recorrente se refere, que nas dezenas de factos provados aparece sempre referenciado como “os Arguidos” ou “os irmãos .........”, deverá o Acórdão ser declarado nulo e substituído por outro que supra o vicio identificado ou, perante essa impossibilidade, que absolva o Recorrente.

77º. Sem prescindir, deverá ser declarada nula, por falta de fundamentação, a decisão de perda de bens ao abrigo do art. 109.º do CP;

78º. Note-se que o Tribunal a quo tentou suprir a já apontada falta de fundamentação do Acórdão de 1ª instância, mas sem sucesso, na medida em que, naquela tentativa, acaba por fazer a um juízo de proporcionalidade “para com a gravidade do crime” que não tem qualquer respaldo legal;

79º. Em rigor, o art. 109.º do CP faz depender a declaração de perdimento do facto de os bens terem sido usados – ou poderem sê-lo – na prática de factos ilícitos típicos e na perigosidade que os mesmos bens (e não o agente ou qualquer outra circunstância) apresentam para a segurança das pessoas, a moral e a ordem públicas;

80º. Vejamos como o Tribunal a quo, uma vez mais, subverte os requisitos legais para a perda de bens, hipotetizando uma potencial perigosidade, que a Lei exige seja verificada em concreto, para assim manter a decisão proferida.

81º. A própria decisão recorrida afirma que o fundamento da medida de perda de bens assenta em exigências quer individuais, quer colectivas, de segurança e de  perigosidade  dos  objectos  apreendidos,  no   sentido,   eminentemente objectivo, de aferição da natureza dos mesmos e das circunstâncias de que, na sua detenção ou utilização, venham ou possam vir a ser atingidos a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou de serem utilizados para a prática de factos ilícitos típicos.

82º. Descendo ao caso concreto, continuamos sem perceber – porque não se encontra fundamentado – em que medida os objectos apreendidos na residência do Recorrente e declarados perdidos, tendo em conta a natureza dos mesmos e as concretas circunstâncias da detenção, possam oferecer um perigo à segurança das pessoas, moral e ordem públicas, que possa sustentar a sua declaração de perda.

83º. Esses objectos (computadores, disco rígidos, pen’s USB) fazem parte do dia-a-dia do cidadão comum, sendo perfeitamente normal a sua existência na residência familiar. De salientar que os mesmos contêm muita informação profissional quer do Recorrente quer da sua filha (à data estudante), não sendo despiciendos nem de valor venal como os adjetiva o Tribunal de 1ª instância.

84º. Focando no essencial, a decisão recorrida, no que diz respeito à perda de bens, é nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 97.º, n.ºs 1 e 2, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), todos do CPP, ex vi do artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, na medida em que não explica o percurso cognitivo subjacente resultante da aplicação dos requisitos legais, a saber, 1) que os objectos tenham sido usados para o cometimento do crime e 2) que os mesmos, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e co-natural utilidade, se mostrem especialmente vocacionados para a prática criminosa, e devam por isso considerar-se, nesta acepção, objectos perigosos.

85º. De forma a colmatar tal falha, o Tribunal a quo decidiu criar e aplicar critérios extra legem para fazer prevalecer a decisão de perda de bens, focando-se na gravidade do crime cometido, quando a Lei põe a tónica nos riscos específicos e perigosidade do próprio objecto.

86°. Assim, a decisão do Tribunal a quo em matéria de perda de bens é duplamente errada: é ilegal porque viola o artigo 109.º do CP e é nula por falta de fundamentação, por força do disposto no art. 374.º e 379.º, n.º 1, al. a), aplicáveis ex vi do art. 425.º do CPP.

87º. Recorrendo a fórmulas tabelares, furtou-se a uma verdadeira análise das questões que lhe foram colocadas, pecando por verdadeira falta de fundamentação da sua decisão: os Juízes Desembargadores ficaram-se por meras enunciações de conclusões, aparentemente sem fundamento, não chegando sequer a analisar o questionado pelo Recorrente nas respectivas motivações;

88°. O direito à fundamentação da decisão, ínsito numa ideia de due process, considera-se plasmado no artigo 20.º, n.º 4, CRP, preceito que determina que «todos têm direito a que a causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo»;

89º. Acresce que a concretização da ideia de um processo equitativo é feita também pela própria Constituição em sede de processo penal, através do artigo 32.º CRP, cujo n.º 1 determina que: «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso»;

90°. Tendo sido emitida uma decisão não fundamentada e que se limita a contornar a Lei (o art. 109.º do CP) para manter uma decisão de perda de bens que não tem apoio legal, o presente caso não foi decidido segundo padrões de justiça e transparência.

91º. Terá que concluir-se, pois, que interpretação diferente do artigo 374.º, n.° 2, do CPP (aplicável in casu por força dos artigos 379.º, n.º 1, a), ex vi do art. 425º do mesmo diploma) daquela que acaba de defender-se, ou seja, no sentido de que uma decisão com fórmulas tabelares, que não explica ao seu destinatário o porquê de a decisão ser essa, e não outra, se encontra suficientemente fundamentado, é inconstitucional, por violação dos artigos 32.0, n.° 1, 202.0, n. os 1 e 2, 204.0 e 205.0, n.° 1, da CRP.

92º. E mais: tais interpretações e aplicações da lei, contra o sentido propugnado, violariam ainda o disposto no artigo 20.º, nºs 1 e 4, da CRP, uma vez que delas resultaria, para o Recorrente, um limitado acesso ao Tribunal ad quem para o exercício no seu próprio interesse, do seu direito de recurso e do seu legítimo direito de serem devidamente apreciadas as questões que nessa sede foram por si colocadas - direito esse assegurado constitucional e legalmente pelas normas dos artigos 32.º, nº 1, da CRP e artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, als. a) e c), 399.º e 425.º, n.º 4, do CPP.

93º. Caso assim não se entenda, ou seja, caso se entenda que a decisão está devidamente fundamentada (o que não se admite, apenas se equaciona por raciocínio), é ainda de salientar que sobre os Tribunais impende o dever de não aplicar normas num sentido que infrinja o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados (art. 204.º CRP), bem como porque, in casu, se trata de verdadeiros direitos fundamentais do Recorrente, os quais, segundo o artigo 18.º, n.º 1, CRP, são directamente aplicáveis, vinculando, assim, tanto entidades públicas (entre elas os órgãos jurisdicionais), como privadas.

94º. O direito à propriedade está consagrado no art. 62.º da Lei Fundamental e uma decisão de perda que não observe os requisitos do art. 109.º do CP tem a virtualidade de restringir aquele direito à propriedade de forma inadmissível, constituindo uma verdadeira ingerência do Estado no património do particular.

95º. Pelo que é inconstitucional a interpretação do art. 109.º, n.° 1 do CP, por violação dos artigos 18.0, n.° 2 e 62.0 da CRP, no sentido de que se encontra plenamente justificada a perda de bens sem que se aprecie, em concreto, a perigosidade dos bens declarados perdidos, ou a sua virtualidade para o cometimento de novos crimes, entendendo como bastante um abstracto juízo de proporcionalidade de acordo com a gravidade do crime.

NESTES TERMOS,

E nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão,

- Deverá o Acórdão recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que supra os vícios em causa ou, na sua impossibilidade, que absolva o Recorrente do crime de tráfico de estupefacientes de que vem condenado e que julgue improcedente o incidente de perda ampliada de bens;

- Caso assim não se entenda, o que mera cautela de patrocínio se põe em hipótese, que seja declarada nula a perda de bens ao abrigo do art. 109.º do CP;

- Em qualquer dos casos, que sejam declaradas inconstitucionais:

a) as normas dos arts. 187.º, nº 1 e 4 e 188.º, n.º 6, do CPP, interpretadas no sentido de que podem ser livremente valoradas as escutas telefónicas contra um Arguido não escutado e, por conseguinte, relativamente ao qual não existe um despacho de autorização do juiz de instrução, devidamente fundamentado, especificando quem, o quê e quando pode ser interceptado, validando-se uma decisão do órgão de polícia criminal de escutar o Recorrente, durante meses, por via indirecta, por violação dos artigos 32.º, n.os 1, 4, 5 e 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa;

b) a norma do artigo 374.º, n.° 2, do CPP (aplicável in casu por força dos artigos 379.º, n.° 1, a), ex vi do art. 425o do mesmo diploma), no sentido de que uma decisão com fórmulas tabelares, que não explica ao seu destinatário o porquê de a decisão ser essa, e não outra, se encontra suficientemente fundamentado, por violação dos artigos 20.0, n.° 4, 32.0, n.° 1, 202.0, n. os 1 e 2, 204.0 e 205.0, n.° 1, da CRP.

c) a norma do art. 109.º, n.° 1, do CP, por violação dos artigos 18.0, n.° 2 e 62.0 da CRP, no sentido de que se encontra plenamente justificada a perda de bens sem que se aprecie, em concreto, a perigosidade dos bens declarados perdidos, ou a sua virtualidade para o cometimento de novos crimes, entendendo como bastante um abstracto juízo de proporcionalidade de acordo com a gravidade do crime, só assim se fazendo a necessária e devida justiça.

III

Na sua resposta, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal “a quo” apresentou as seguintes Conclusões:

1. O presente recurso incidiu sobre o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que confirmou a decisão da 1a instância e condenou o recorrente na pena de nove anos de prisão;

2. Todas as questões, retiradas da conclusões da motivação do presente recurso, foram objecto de resposta do Ministério Público em 1a instância, às quais aderimos e acerca das quais nada mais do que, ali, já ficou expresso, se nos oferece dizer;

3. Não descortinamos, no Acórdão ora em crise, quaisquer nulidades ou inconstitucionalidades, como pretende o recorrente;

4. Da leitura do Acórdão ora recorrido ou do texto deste conjugado com as regras da experiência comum, também não encontrámos qualquer dos vícios a que se reporta o art° 410º, n.° 2, do CPP.

Pelo exposto, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se o Acórdão recorrido, assim se fazendo Justiça.

IV

Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela parcial procedência do recurso, considerando não estar devidamente fundamentada a declaração de perdimento dos objetos apreendidos, concluindo dever ser declarada a nulidade da decisão-restrita ao segmento em apreço nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, n º 3, alínea c) e 379º, n º 1, alínea c), do CPP.

V

Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

O Acórdão recorrido é do seguinte teor:

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto de cada recurso define-se pelas conclusões que o respectivo recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades do acórdão (art. 379.º, n.º 1, do CPP) e outras nulidades que se não considerem sanadas (art. 410.º, n.º 3, CPP), bem como os vícios da decisão (art. 410.º, n.º 2, do CPP), designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995, e ao acórdão do STJ de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt.

Delimitando-o, seguindo lógica cronologia, sem embargo que, da apreciação e decisão de qualquer questão, possa vir a ficar prejudicada a análise de outra(s), bem como, respeitando a devida individualização, a análise se venha a fazer conjuntamente tanto quanto a identidade dessas questões assim o aconselhe, por facilidade de exposição e fundamentação:

1) - recurso de BB:

(…)

2) - recurso de AA:

A) - da utilização de prova proibida;

B) - da nulidade por preterição de notificação;

C) - da impugnação da matéria de facto;

D) - da absolvição;

E) - da redução da medida da pena;

F) - da ausência de fundamento para a perda de objectos a favor do Estado;


3) - recurso de CC:

4) - recurso de DD:

(…)

Sem prejuízo da aludida prejudicialidade de qualquer questão, a análise obedecerá à sequência de que, primeiramente, se aprecie o invocado relativamente à utilização da prova e às nulidades, seguindo-se o atinente à matéria de facto e, finalmente, o reportado à matéria de direito.


*


Ao nível da matéria de facto, consta do acórdão recorrido:

Factos Provados:

Da Pronúncia, do Requerimento para determinação de perda ampliada de bens, das Contestações e da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. Os arguidos BB, AA e CC diligenciaram, pelo menos, por dois transportes de – pelo menos no segundo caso, mais de trezentos quilos – de cocaína, da Venezuela para Portugal, fazendo-o de comum acordo e em conjugação de esforços, sendo que o arguido DD colaborou com aqueles no último transporte, em inícios de 2018, igualmente de comum acordo e em conjugação de esforços.

2. Para o efeito, os arguidos arrendaram armazéns, nos termos infra descritos, que utilizavam para recepção, armazenamento e preparação para posterior entrega a terceiro(s) – cuja identidade é desconhecida nos autos -, de cocaína com elevado grau de pureza (entre 68% e 86%), em troca de comissão, expressa em numerário, de valor não concretamente apurado.

3. O produto estupefaciente vinha repartido em placas dissimuladas nas componentes de arcas frigoríficas, frigoríficos, fogões e fornos, que os arguidos misturavam com a restante mercadoria doméstica e bens pessoais, de reduzido valor, qualidade e utilidade, transportados sempre em contentores marítimos da empresa …, vindos da Venezuela, com destino e entrada pelo Porto Marítimo de ……, recorrendo às empresas de transporte de mudanças internacionais,  ….. e ……, a coberto de uma calculada mudança e fixação de residência em território nacional, como foi o caso de, pelo menos, os arguidos CC em 2017 e DD em 2018.

4. No âmbito da aludida conjugação de esforços e intentos, o arguido BB era responsável por coordenar as transacções identificadas com indivíduos “Colombianos” desconhecidos nos autos.

5. O arguido CC tinha a responsabilidade de financiar as despesas e os restantes arguidos, sendo ainda participante activo nos trabalhos manuais a realizar com a mercadoria, para extracção do produto estupefaciente.

6. O arguido AA era quem comunicava e executava todos os procedimentos administrativos junto das entidades envolvidas nas operações, estabelecendo um constante discernimento em todas as acções concretizadas por qualquer um dos arguidos.

7. O arguido DD, pelo menos em 2018, cooperou com os restantes arguidos, de modo a fornecer a sua identidade, com a finalidade de ser utilizada em mais um processo de mudanças internacionais, para importação de produto estupefaciente em território nacional, tal como fizera já, em Abril de 2017, o arguido CC.

8. No dia 11 de Abril de 2017, os arguidos BB e AA deslocaram-se até à agência de mediação imobiliária “V…………”, sita na Praça …………., n.º .., ……, procurando um armazém para arrendar, tendo sido um dos indicados o armazém sito nas antigas instalações …… “L…….”, no Largo ………., ......, pelo valor de 600 euros mensais, com a condicionante de não ter energia eléctrica nem água e sem grandes condições, por ser antigo e ter sido vandalizado há algum tempo atrás, o que aceitaram.

9. No dia seguinte, os arguidos BB, AA e CC deslocaram-se até às instalações daquela agência imobiliária e celebraram o contrato de arrendamento do aludido espaço em nome do arguido CC, ficando tal armazém na disponibilidade daqueles três arguidos.

10. No acto, os arguidos BB, AA e CC pagaram a quantia monetária de €1.800,00, pelo período de arrendamento de três meses: entre 15 de Abril de 2017 e 15 de Julho de 2017.

11. Em data não concretamente apurada, mas durante o período em que os arguidos BB, AA e CC tiveram a disponibilidade daquele armazém sito no ......, nos meses de Abril e Maio de 2017, estes receberam, prepararam e detiveram produto estupefaciente naquele armazém, em concreto cocaína, que entregaram a terceiro(s) de identidade desconhecida, em troca do pagamento de uma comissão de valor igualmente não apurado.

12. No dia ... de Maio de 2017, foram apreendidos 16 pacotes, com um peso bruto aproximado de 18.800 kg de Cocaína, os quais se encontravam dissimulados no interior de uma das oito arcas frigoríficas em inox, desmanteladas nas instalações da sucateira M………….., Lda., após terem sido previamente adquiridas, em 25 de Maio de 2017, aos arguidos BB e ao seu irmão AA, nas antigas instalações ……… “L……..”, no Largo ……….., ......, onde se encontravam depositadas.

13. O produto estupefaciente apreendido nessa ocasião tratava-se de cocaína (Cloridrato), constante da tabela I-B anexa ao DL 15/93 de 22.01, com um peso bruto de 16045,600 gramas e com um grau de pureza de 68% (equivalente, em média, a 54.555 doses).

14. No dia ... de Junho de 2017, o arguido BB, juntamente com outro indivíduo de identidade desconhecida, deslocou-se novamente até ao aludido armazém, onde se encontrou com uma funcionária da agência imobiliária, entregando a chave do armazém por já não necessitarem do espaço.

15. De seguida, o arguido BB abandonou aquele espaço, levando com ele 2 caixas de ferramentas e uma outra de papelão, tendo-se deslocado até a um stand automóvel, com a designação “B………”, colocando as três caixas no interior do porta bagagens do veículo de matrícula ...-EI-..., marca …, modelo ..., de propriedade do arguido BB, e abandonou aquelas instalações apeado.

16. Mais tarde, tal viatura foi removida com recurso a uma viatura Auto-Reboque, para o Parque de “R………” sito em ............

17. No dia ... de Junho de 2017, pelas 6h58m, foi dado início ao transporte do veículo de matrícula ...-EI-..., em viatura Auto-Reboque, até à localidade …, passando na Rua ..................., onde recolheu o arguido BB, seguindo até à Rua ..........................., frente ao n.º .., onde foi descarregado o veículo transportado.

18. Desde data não concretamente apurada, mas desde meados de 2017 e até data não concretamente apurada, que, pelo menos os arguidos BB e AA, fizeram uso do armazém sito na Rua .........., s/n, registado sob o artigo …, ......, .......,  …-... ...., propriedade de EE, onde armazenaram também parte da mercadoria que esteve no armazém do .......

19. Junto aquele local, na via pública, no dia 25 de Junho de 2017, encontravam-se duas etiquetas/vinhetas, de cor branca, numeradas por 035 e 099, respectivamente, com os códigos de leitura ótica e ambas com a inscrição: “CC, Venezuela – ......, 10-05-2017”, idênticas às que haviam sido apreendidas junto ao armazém da antiga discoteca “L..........”, no Largo ..............., …. – ...... e pertencentes ao mesmo lote, as quais vieram igualmente a ser apreendidas.

20. Em Fevereiro de 2018, os arguidos BB e AA deslocaram-se à localidade de ..........., para ali consultarem agências imobiliárias, nomeadamente as agências Remax e Era, no sentido de visualizarem e arrendarem um armazém que reunisse as condições para recepção, armazenamento e expedição de produto estupefaciente, à semelhança do que tinham feito na cidade......

21. Os arguidos arrendaram um armazém sito na Rua ............... em ..........., por contrato datado de 18 de Fevereiro de 2018, em nome do arguido BB.

22. O armazém arrendado pelos arguidos em ........... era o local destinado à desalfandegação da mercadoria que os arguidos iriam receber através do Porto de ….., como acontecera no armazém que arrendaram, justamente com os mesmos contornos, na Cidade.......

23. Pelo menos desde 30 de Janeiro de 2018, os arguidos BB e AA comunicavam frequentemente, através dos contactos pessoais e telefónicos - sendo que o arguido BB utilizava o cartão n.º ………34 e IMEI ………10, e o arguido AA utilizava o cartão n.º ………..60 -, em que agendavam entre si encontros, informavam-se mutuamente sobre o estado em que se encontram os contratos de arrendamento dos novos armazéns; para, em comunhão de esforços, desocuparem o armazém na localidade de ....; para juntos, se deslocarem novamente à localidade de ...........; para ali firmarem o contrato de arrendamento do armazém, pagarem a sua renda e receberem a respectiva chave; bem como ainda, para irem buscar o arguido CC.

24. Durante esse período, ocorreram também inúmeras comunicações entre os arguidos BB, AA e CC, este último utilizando o cartão SIM n.º ………24 e IMEI n.º ………….00, bem como com o arguido DD, titular dos cartões n.º ………..88 e ……….03, os quais comunicavam entre si sobre o processamento de toda a documentação exigida pela empresa que estaria a executar o transporte/mudanças da mercadoria que pretendiam receber no armazém que tinham arrendado recentemente na localidade............

25. No dia ... de Janeiro de 2018, através dos contactos telefónicos já supra mencionados, o arguido BB contactou o arguido AA, a pedir-lhe dinheiro, dizendo que “…precisa daquilo…que tem que pagar aquilo naquele dia…” bem como a solicitar encontros entre ambos, porque tem que resolver “aquilo” naquele dia.

26. No dia ... de Fevereiro de 2018, através dos contactos telefónicos supra mencionados, o arguido BB e é informado pelo seu irmão AA, sobre quando chegará o “…El amigo…”, referindo-se ao arguido CC, ou que “…esta semana está aí no porto …. pá…”, respondendo o arguido BB, “Caramba acorrer …”.

27. No dia ... de Fevereiro de 2018, através dos contactos telefónicos supra mencionados, o arguido BB contacta o arguido AA para dialogarem sobre a mercadoria que estarão para receber.

28. No dia ... de Fevereiro de 2018, através dos contactos telefónicos supra mencionados, os arguidos BB e AA descrevem parte do esquema que estavam a concretizar em nome do arguido DD e outro que haviam executado precedentemente, em nome do arguido CC, falando sobre os valores que atribuíram às cargas, sendo que chegaram a ser aconselhados por “FF”, funcionária da empresa “G………”, sobre os valores que deveriam atribuir às cargas que declaravam, para que não fosse “…nem tão mau, nem tão bom…”.

29. No dia ... de Março de 2018, os quatro arguidos encontraram-se na localidade ........., sendo que os arguidos BB e AA se fizeram deslocar até aquela localidade no veículo de matrícula ...-IE-...

30. Ainda nesse mesmo dia, os quatro arguidos deslocaram-se até ao Balcão do Banco “Santander Totta”, sito em ……, para ali levantarem e movimentarem entre si quantias em numerário.

31. No dia ... .02.18, os arguidos BB e AA deslocaram-se, no veículo de matrícula ...-IE-..., até às instalações da agência imobiliária ERA em ..........., onde o arguido BB assinou o contrato de arrendamento do armazém sito em ..........., já supra identificado.

32. No dia ... de Março de 2018, o arguido BB contacta o arguido CC, dizendo-lhe que tinha uma notícia de que não iria gostar, designadamente dinheiro, questionando o seu interlocutor se estava pronto, respondendo BB, que tinha que lá ir para JDD (referindo-se a DD) assinar e irem ao banco pagar, que já tinham o preço, mais afirmando que pagava o seu interlocutor CC e que ganhava a sua comissão, pois “…o colombiano já lhe disse se vinha rápido, porque já está limpo!...”.

33. No dia ... de Março de 2018, o arguido BB recebe contacto do arguido AA, após ter tentado contactá-lo anteriormente, para lhe dizer que “os rapazes estão a perguntar lá do outro lado”, a quem tinha dito que estavam a fazer “o mais possível que segue isso rápido”, para mostrar a eles que aquilo não era uma “jogada” e que não era por eles que estava a ocorrer o atraso, dizendo que não sabia se AA tinha lá o recibo se tinha copiado o recibo do pagamento, replicando AA afirmativamente, ao que BB lhe pede que lhe mande por WhatsApp, reforçando novamente que fosse por WhatsApp, que era como se comunicava com eles e que depois “…eles têm que tirar isso a baixo…”, respondendo AA dizendo que já lhe mandava.

34. No dia ... de Março de 2018, através dos contactos supra identificados, o arguido BB é contactado pelo arguido CC, começando por falar que já tinha visto e comprado espuma expansiva, até ao momento que CC diz que já deviam estar pelo armazém para estarem prontos a receber a mercadoria, ao que BB lhe pede que faça uma transferência para lá ir com AA, perguntando CC quem era o dono da casa e quem iria receber, ao que BB o informa que irão inspeccionar o contentor pelas 17H00, insistindo CC que já la deviam estar para o caso de vir o camião a caminho, dizendo BB que já iam para ..........., respondendo CC que também ia.

35. Ainda nessa ocasião, BB insiste com CC para lhe transferir mil euros porque não iria conseguir dinheiro no imediato, respondendo CC que ainda têm que pagar as restantes despesas quando chegar o camião da entrega, porque ambos sabiam os passos, reforçando BB para lhe arranjar algo que depois acertam quando vier o primeiro colombiano, o que leva, e depois, o segundo é que traz, dizendo CC para BB lhes levar a conta, ao que este responde que os 5600 “eles” é que lhe devem, dizendo CC que estava a falar do que havia emprestado ao seu interlocutor, pelo que prosseguem falando em acerto de contas entre ambos, sobre o valor de 5000 das passagens, depois de 5000, mais 5000, que BB tinha pedido a CC, finalizando este último dizendo que levava a conta mas que estava a refrescar para que ficasse claro.

36. No dia ... de Março de 2018, no seguimento do contacto anterior, através dos contactos telefónicos supra indicados, o arguido CC é contactado pelo arguido BB, para o informar que o contentor já estava no depósito da G........, questionando CC repetidamente se tinha passado na revisão, ao que BB responde afirmativamente, que apenas estavam a aguardar que dessem o preço das despesas que faltava liquidar, que DD já sabia, falando CC sobre possíveis valores das despesas, na ordem dos mil, quanto muito 2 mil, informando BB que não estava em casa mas que tinha indicado a DD que, se a senhora ligasse, que lhe dissesse que pagavam a factura ao motorista do camião, retorquindo BB que também se tinham oferecido para ficarem com o contentor uma vez que tinham informado que DD teria a casa em obras e era isso que ele tinha que dizer.

37. Prosseguem dialogando sobre terem que adquirir candeeiros a bateria e rebitadoras eléctricas, que já tinham comprado fibra em spray e que no dia seguinte iriam para lá, mas que tinham que saber se chegava.

38. No dia ...-03-2018, o arguido BB contacta telefonicamente o arguido AA, para “darem um salto a ...........” para levarem a chave porque estavam perdidos e não sabiam onde era, discordando AA dizendo “...tu é que mandas não é...” mas que lhe parecia precipitado, porque tinha estado a falar com CC, a quem tinha descrito e descrevendo a resposta com uma história de cobertura que iria remeter à empresa de transportes para que a mercadoria fosse conduzida para ..........., em virtude de a casa se encontrar em obras, rebatendo ambos o assunto, até que AA acrescenta que iria indicar que a direcção não seria ………, mas ..........., onde a carga será descarregada.

39. Falam sobre a possibilidade de fazerem a inspecção durante a manhã e que liberavam o contentor durante a tarde, momento em que daria a morada para entrega, dizendo BB para prepararem DD.

40. No dia ... de Março de 2018, através dos contactos telefónicos supra mencionados, BB contacta CC para lhe perguntar se está com DD, respondendo CC afirmativamente, ao que BB lhe pede que ligue, porque se estava a passar algo com aquela “tipa”, retorquindo CC para que tivesse calma, que já lhe iriam ligar para verem o que se estava a passar mas que tivesse calma, porque “...se nos desesperamos, nos fodemos...”, respondendo BB, que não se iriam desesperar mas que tinham que ficar alerta, porque se ela tinha dito que estava liberado, teria que o remeter para o seu destino, insistindo que DD tinha que ligar a dizer que tinha coisas para fazer e estava à espera daquilo, para que lhe dissessem quando é que entregavam.

41. No dia ... de Março de 2018, através dos contactos telefónicos supra mencionados, BB contacta o arguido DD, para lhe dizer que tinham que pagar no dia seguinte, retorquindo o seu interlocutor “...até às 12H00...”, continuando BB a dizer que tinham que mandar o comprovativo e sendo que aquele banco só havia em …. ou em ……, que CC lhe depositasse a si e que ele próprio iria a …….

42. Entretanto, o arguido DD passa o telemóvel ao arguido CC, a quem BB esclarece que tinham que remeter o comprovativo de pagamento até ao meio dia do dia seguinte, como haviam feito em ……, pedindo CC que lhe mandasse o número da conta por mensagem, que iria ele mesmo a ..….. depositar na manhã do dia seguinte, pedindo BB que CC levasse DD, que aquele sabia onde era o Banco, porque ele é que tinha que “pagar aquela merda”, perguntando ainda BB, se DD tinha o outro recibo, ao que CC, após perguntar àquele, responde que AA é que tinha o recibo, terminando CC a dizer que ligava a AA para lhe pedir o número.

43. No dia ... de Março de 2018, através dos contactos telefónicos supra indicados, o arguido BB contacta o arguido DD, a questionar se CC saberia executar correctamente os procedimentos do depósito dos valores das duas facturas com valores distintos, como tinha feito o seu irmão AA, sendo por isso que ele andava com o computador, para não complicar a situação e que tinha que ser o seu interlocutor, DD, a fazer o depósito, que explicasse a CC e que fossem igualmente a …. como já tinham ido, porque se cometessem um erro “iam-se foder”, retorquindo DD que não sabia o que fazer, que tinha confiado neles e que um dizia uma coisa e outro dizia outra, respondendo BB que quem mandava era ele, que fizesse as coisas como ele dizia, que tinham que pagar aquelas dívidas, respondendo o arguido DD que desconhecia o montante, ao que BB lhe diz que AA lhe explicava e que os passos tinham que ser como ele próprio dizia, que até agora tinha corrido bem, porque eles estavam cá e sabiam como era a coisa cá, respondendo o seu interlocutor que não sabia nada, insistindo BB que CC não poderia fazer aquilo por DD, questionando-o se não tinha visto o que AA tinha feito com o computador, respondendo DD que sim, que já estavam na recta final, tinham que fazer as coisas como são.

44. No período decorrido entre ...-03-2018 e o dia ... de Março de 2018, data em que foram detidos, os quatro arguidos encetaram contactos telefónicos e telemáticos entre si, no sentido de agilizarem a entrega e recepção da mercadoria que aguardavam, transportada num contentor, via marítima, pela empresa “G........”.

45. Os quatro arguidos comunicaram entre si, a fim de debaterem as circunstâncias da inspecção física ao contentor que esperavam, por parte da alfândega nacional sendo que, após terem tido conhecimento que já teria sido realizada sem incidentes, ficando no seguimento em depósito nas instalações da empresa “G........” existentes no Porto de ....., organizaram-se, apresentando inclusive uma história de cobertura de que o arguido DD teria a casa em obras e não poderia receber a carga naquele local mas sim no armazém em ..........., de forma a possibilitar-lhes a recepção atempada da mercadoria no armazém que tinham arrendado recentemente em ............

46. No dia ... de Março de 2018, entre as 9h42m e as 9h48m, os arguidos AA e DD deslocaram-se até às instalações da Agência do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA), sito na ………, em ……, onde efectuaram o depósito em numerário, da quantia correspondente às despesas cobradas pela empresa G........, pelos serviços prestados com o transporte e importação da mercadoria dos arguidos em contentor marítimo.

47. No dia ... de Março de 2018, o arguido BB contacta o arguido AA para lhe dizer que já está lá fora à sua espera, respondendo AA que já saía.

48. Posteriormente, BB contacta o arguido CC, para lhe dizer que pedisse a um táxi que o guiasse até lá, que lhe desse a direcção e pagasse €20,00, respondendo o seu interlocutor que estava a dar voltas, ouvindo-se em voz off o arguido AA, a dizer “...impercetível.............., tem que escrever o nome...”.

49. Por fim, BB é contactado pelo arguido CC, que lhe diz que o espera um minuto para saírem, respondendo o seu interlocutor afirmativamente, que mantivesse o portão aberto.

50. No dia ... de Março de 2018, através dos contactos telefónicos supra indicados, o arguido CC expede uma mensagem escrita para o utilizador desconhecido do contacto n.º …………29, com o seguinte conteúdo: “Bingo amigo bingo”.

51. No dia ... de Março de 2018, pela manhã, os quatro arguidos deslocaram-se directamente das suas áreas de residência para o armazém s/n, sito na Rua ..............., em ..........., seguindo os arguidos BB e AA no veículo de matrícula ...-IE-..., marca ……, modelo ……, propriedade do arguido BB, e os arguidos CC e DD no veículo de matrícula ...-TD-..., cujo utilizador habitual era o arguido CC.

52. Após terem descarregado alguns artigos de reduzido volume de ambos os veículos, os quatro arguidos encerraram a porta do referido armazém e ausentaram-se do local em direcção ao centro..........., onde circundaram, imobilizando, por fim, junto ao estabelecimento comercial “O ………”, onde aguardaram pela chegada nas imediações daquele local, de um veículo pesado de mercadorias com semi-reboque, de cor verde, com as inscrições “G........”, de cor amarela, que transportava um contentor marítimo de cor bordeaux, com as inscrições “…”, de cor branca.

53. Naquele local, o arguido BB dirigiu-se para junto dos dois ocupantes do veículo pesado da empresa transportadora, dialogando com estes por breves segundos, os quais prosseguiram a sua marcha logo de seguida em direcção ao armazém situado na Rua ..............., seguidos no imediato pelos arguidos CC e DD.

54. Decorridos breves minutos, compareceu também no armazém um veículo ligeiro de passageiros, tipo carrinha, marca ……, modelo ……, cor branca, com o letreiro "G........", de cor verde, ocupado por 4 indivíduos, trajando com o uniforme da referida empresa, que após terem apeado, iniciaram a descarga de toda a mercadoria contida no interior do contentor, convenientemente embalada a papelão, para o interior do armazém, juntamente com o condutor e ocupante do veículo pesado de mercadorias, ambos do sexo masculino, trajando igualmente com o uniforme da referida empresa e cuja acção de trasfega foi permanentemente acompanhada pelos arguidos CC e DD que ali permaneceram de forma a disporem os artigos pelo interior das instalações.

55. Concluída a descarga, pelas 12H19, o veículo pesado de mercadorias e o veículo ligeiro que transportavam os colaboradores da empresa "G........", ausentaram-se do local com os respectivos ocupantes no seu interior, em direcção ao centro da Cidade..........., altura em que chegaram ao local os arguidos BB e AA sendo que, ainda com o portão completamente aberto, os quatro arguidos iniciaram a abertura de um dos volumes ali presentes, correspondente a uma arca frigorífica vertical em inox.

56. Nessa sequência, foi desencadeada uma abordagem tático-policial pelo OPC, no sentido surpreender os ocupantes do armazém, o que veio a suceder pelas 12H30, momento em que os arguidos se encontravam junto da referida arca frigorífica, único volume que já se encontrava parcialmente aberto.

57. Seguidamente, no decorrer da busca foram percorridos todos os compartimentos do armazém, tendo sido encontrado e apreendido, o seguinte:

58. Prova A.A.1 – 42 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, localizado e apreendido no interior de uma arca frigorifica vertical de duas portas, de marca FRIGER, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite;

59. Prova A.A.2 – 34 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, localizado e apreendido no interior de uma arca frigorifica horizontal de três portas, sem marca, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite;

60. Prova A.A.3 – 24 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, reagiu positivamente para produto estupefaciente do tipo Cocaína, localizado e apreendido no interior de uma arca frigorifica vertical de duas portas, de marca TECOVEN, de cor branca, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite;

61. Prova A.A.4 – 22 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, localizado e apreendido no interior de um frigorifico, de marca BACCO, de cor cinza rato, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite;

62. Prova A.A.5 – 40 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, localizado e apreendido no interior de um forno elétrico, de marca STAN, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite.

63. Prova A.A.6 – 26 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de Cocaína, localizado e apreendido no interior de um frigorifico, de marca BACCO, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite.

64. Prova A.A.7 – 40 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, localizado e apreendido no interior de um expositor frigorifico, de marca FRIGER, com uma chapa que dizia “…………”, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite.

65. Prova A.A.8 – 31 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, localizado e apreendido no interior de uma vitrine frigorifico oval, sem marca, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite.

66. Prova A.A.9 – 10 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, localizado e apreendido no interior de um fogão, de cor preta, de marca GENERAL ELECTRIC, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite; Prova A.A.10 – 31 embalagens, com peso bruto aproximado de 1,100kg cada, isoladas em plástico de cor preta, fita adesiva de cor castanha e celofane, cujo conteúdo se tratava de cocaína, localizado e apreendido no interior de uma vitrine com tampa em pedra mármore, sem marca GENERAL ELECTRIC, dissimuladas entre as chapas de Inox, acondicionadas com espuma poliuretano e placas de esferovite.

67. Prova A.A.11 – 5 latas de espuma expansiva, luvas, várias ferramentas, localizado e apreendido em cima de uma mesa numa das extremidades do armazém.

68. Prova A.A.12 – Um pedaço de papel de cor castanha, com inscrição manuscrita “Friezen Bacco MB. J……………012”, localizado e apreendido no interior de uma mesa de cabeceira em madeira.

69. No dia ... de Março de 2018, no cumprimento dos mandados de busca à residência do arguido BB, sita na Rua ....................... - ...., foram apreendidos:

70. - Prova B.A.1 – Documento bancário relativo a um depósito no valor de 2000€, em nome de GG;

71. - Prova B.A.2 – Quatro documentos bancários, em nome de HH com os valores 2000€, 3000€, 4950€ e 1050€,

72. Prova B.B.1 – Um computador portátil da marca Asus, modelo …… com S/N ………4C, com o respectivo carregador, localizado na secretária,

73. Prova B.B.2 – Um computador da marca Toshiba, modelo………, S/N ………35, localizado no armário; Prova B.B.3 – Um computador da marca Toshiba, modelo ……. com o S/N ……8C, localizado no interior do armário;

74. Prova B.B.4 – Um disco rígido interno, da marca Hitachi Sata, modelo……, com o S/N ……UF, com 250 Gb de capacidade, localizado dentro do armário;

75. Prova B.C.1 – Um computador portátil da marca HP, modelo……, Prod ID ………B9 e respectivo carregador, localizado em cima da cama;

76. Prova B.C.2 – Um computador da marca Asus, modelo …. com o S/N ……6B, localizado em cima da cama; Prova B.D.1 – Um disco externo da marca Conceptronic, S/N 13040302776 e respectivo cabo USB, localizado no interior de uma bolsa;

77. Prova B.D.2 – Dois talões de depósito bancário do Novo Banco, em nome de JJ, no valor de 500€ cada, localizado no interior de uma bolsa;

78. Prova B.D.3 – Uma cópia do contrato de arrendamento de um armazém sito na Rua ………em ........... e talão comprovativo de depósito no valor de 100€, localizado no interior de uma bolsa, respeitante ao valor do sinal;

79. Prova B.D.4 – Um telemóvel da marca Nokia, com o IMEI …………56, com o cartão SIN da operadora Lycamobile, localizado na mesa-de-cabeceira;

80. Prova B.D.5 – Um telemóvel da marca Cat, modelo …. com os IMEI`s ………85 e …….93, com o cartão SIN da operadora Movistar, localizado na mesa-de-cabeceira; Prova B.D.6 – Uma folha tamanho A8, com várias inscrições de valores monetários, localizado no interior da mesa-de-cabeceira;

81. Prova B.D.7 – 709500 Bolívares, divididos e cem notas de mil; dezassete notas de dez mil; cinco notas de dois mil; vinte e cinco notas de cinco mil; cinco notas de vinte mil e cento e uma notas de mil, localizado no interior da mesa-de-cabeceira;

82. Prova B.D.8 – Um talão de entrega no Banco do Montepio no valor de mil euros, em nome de II; um talão de depósito no Novo Banco no valor de trezentos euros e em nome de JJ; dois talões de depósito em monetário do banco BPI no valor de quinhentos e de mil euros, respectivamente em nome de KK; um talão de pagamento no BPI no valor de três mil duzentos e oitenta e nove euros e vinte cêntimos, respeitante ao pagamento de uma divida do referido valor; três talões do Banco BPI em nome do visado, relativas a transferências bancárias, localizado no interior da mesa-de-cabeceira;

83. Prova B.D.9 – Uma máquina de contar notas, da marca Bill Couter, localizado de baixo da cama;

84. Prova B.E.1 – Um documento relativo ao transporte de um contentor proveniente da Venezuela com destino……, localizado na gaveta da sapateira;

85. Prova B.E.2 – Dois talões de depósito de numerário em nome do visado, sendo um do banco BPI, no valor de quatro mil euros e outro do banco Santander Totta, no valor de dois mil euros, localizado na gaveta da sapateira;

86. Prova B.F.1 – Uma etiqueta com a inscrição “CC Venezuela – ...... 10-05-2017”, retirada de uma caixa de cartão que se encontrava no quintal;

87. No dia ... de Março de 2018, no cumprimento dos mandados de busca à residência do arguido AA, sita na Avenida ………, Lote …, …… ...., foram apreendidos diversos objectos e documentos, nomeadamente:

88. Prova C.A.1 – Uma embalagem artesanal, de papel revestido com fita adesiva castanha, com os dizeres 20.000 numa das faces e contendo no seu interior a quantia de vinte mil Euros, dividido em quatro maços de cinco mil Euros, presos por elásticos, compostos na sua totalidade por notas de cinquenta Euros do BCE, localizado no teto falso, junto de um aplique;

89. Prova C.B.1 – Documentação referente a processo executivo, e aquisição do imóvel, sito, Bairro ………. Bloco ………, ........... Uma carta, acompanhada do respectivo envelope dirigido ao visado, contendo extratos de movimentos de 30-08-2000 a 12-02-2001 do NIB ...............01 do Banco Português de Investimento (B.P.I.), e indicações manuscritas referentes a essa conta dirigidas ao visado;

90. Prova C.B.2 - Uma pasta transparente contendo anotações manuscritas pelo visado, documentação digitalizada, um recibo emitido pela empresa “Small World” e cartões-de-visita de três residenciais no ...... e uma em ……. e ainda um cartão de visita da “Valor Exemplar”, em nome da consultora Ll. Toda a documentação é referente a uma remessa de objectos pessoais e bens usados, proveniente ………– Venezuela, onde é destinatário CC, notando-se entre os bens remetidos a existência de uma “refrigeradora”, fogões e fornos. A pasta foi localizada no interior do armário do hall de entrada;

91. Prova C.B.3 - Uma pasta transparente, contendo diversos documentos originais e digitalizados, os quais constituem um processo de remessa de bens pessoais do visado, da Venezuela para Portugal, sendo composto por cópia do passaporte do visado, atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de ...., informações de voo; cópia do Bilhete de Identidade do visado, emitido pela Republica Bolivariana da Venezuela, um documento com o título “Carta explicativa de exportacion de bienes personales”, dirigida às autoridades aduaneiras Venezuelanas, atestado de residência emitido pelo governo venezuelano; certificado de bagagem emitido pelo consulado português em Venezuela, com um descritivo geral dos bens que o visado pretendia transportar; um documento com o título “Lista dos bens constantes na bagagem”, datado de 16 de Agosto de 2016, assinado e rubricado pelo visado, onde se destaca, na folha 3 desse documento, a existência de equipamento industrial de hotelaria, uma factura da empresa “Las ……………”, onde se verifica que o visado adquiriu àquele equipamento industrial de hotelaria que corresponde ao descrito na lista referida anteriormente; contrato de seguro para os bens, onde se verifica que o visado apenas pede seguro para os bens domésticos e pessoais; contrato de mudanças com empresa de mudanças internacionais “Moving Life”, com partida de ……, ……. – Venezuela e chegada a .... – Portugal, datado de 03 de Agosto de 2016, ficha de embarque de contentor da empresa “…”, datado de 27 de Agosto de 2016, ficha de registo de embalamento e instruções de envio da empresa “Moving Life”, com o descritivo de todos os bens embalados e enviados e morada de destino; extracto de conta do BBVA – Provincial, diversas facturas de bens domésticos e mobiliários domésticos adquiridos adquiridos, documento de emitido pelo SEF a conceder acesso à zona internacional do Porto de ....., para o ano de 2016, e factura de pagamento de valores referentes à paralisação e estacionamento de contentor, emitido pela empresa G........;

92. Prova C.B.4 - Uma pasta transparente, contendo no seu interior vários documentos relativos a transferências Bancárias via Western Union, de várias datas, para o seu filho MM, localizada no interior do armário do hall de entrada;

93. Prova C.B.5 - Um disco rígido interno, de marca Western digital, modelo Sata WD3200AAJS com o número de serie AV2J572116, localizado em armário do hall da entrada;

94. Prova C.B.6 - Uma pasta transparente, contendo no seu interior um bilhete de avião ……... – Portugal, com destino a ……. – Venezuela de 16 de Setembro de 2015, um bilhete de avião ……. – Portugal, com destino a ……. – Espanha de 16 Janeiro de 2015, um bilhete de avião …… – Venezuela com destino ao Porto – Portugal, de 12 de Novembro de 2015, um bilhete de ida e volta ……... - Portugal com destino a …… – Venezuela, com respectivo boarding pass, com partida a 25 de janeiro de 2017 e regresso a 10 de março de 2017;

95. Prova C.C.1 - Um tablet de marca Samsung, modelo ……, cor preta, ID ………60, com nº de serie …………ML, localizado na mesa de cozinha;

96. Prova C.D.1 - Uma pen USB, marca umtec de 16GB, de cor preta e amarela, localizada em cima da cómoda; Prova C.D.2 - Um computador portátil, marca Toshiba, nº serie ………XB, de cor preta, localizado no interior do guarda-roupa;

97. Prova C.E.1 - Um disco rígido de marca Toshiba, modelo ………0-C, cor preta capacidade de um 1TB, n.º de serie ………XV, localizado em cima da secretária;

98. Prova C.E.2 - Um computador portátil de marca ASUS, n.º de serie ………B1, de cor cinzenta, localizado em cima da secretária;

99. Prova C.E.3 - Um cartão SIM da operadora “NOS”, associado ao número de telemóvel ............69, localizado em gaveta da secretária;

100. Prova C.E.4 - Um suporte de cartão SIM, da operadora “MEO”, com o n.º de SIM-card ………………25, localizado em gaveta da secretária;

101. Prova C.E.5 - Uma Pen USB, sem marca e modelo, de cor prateada, localizada em gaveta da secretária;

102. Prova C.E.6 - Mil e duzentos Euros em numerário, em notas do BCE, localizado em cofre que se encontrava no interior do Guarda-roupa;

103. Prova C.E.7 - Documento referente a bens importados, com o seguinte título “Declaração dos bens usados pertencentes a DD”, datado de 27 de Fevereiro de 2018 e assinado pelo titular, localizado em cima da secretária;

104. Prova C.E.8 - Duas folhas amarelas, manuscritas pelo visado, contendo indicações de valores e cálculos de valores, localizado em cima da secretária;

105. Prova C.E.9 - Um caderno de apontamentos, contendo diversas anotações, entre as quais, vários contactos de indivíduos desconhecidos e apontamentos referentes à remessa, ou viagem efectuada em nome de CC, localizado em cima da secretária.

106. Prova C.E.10 - Um comprovativo de depósito de BB a HH de valor de cinco mil euros, localizado no interior de uma caixa em madeira, em cima da secretária.

107. Prova C.E.11 - Um cartão “Ourocard”, do Banco do Brazil, com o n.º …. ….. …. 6426, com validade de 07/23, localizado no interior de uma caixa em madeira, em cima da secretária.

108. Prova C.E.12 - Sete mil trezentos e noventa e dois Bolívares, em numerário, do Banco Central da Venezuela, localizado numa caixa de madeira em cima da secretária.

109. Prova C.E.13 - Uma Pen USB de marca Sandisk de 16GB, modelo cruzer blade, localizado em porta lápis que se encontrava em cima da secretária;

No dia ... de Março de 2018, no cumprimento dos mandados de busca à residência sita no Largo ..............., n.º …...º andar, ..............., onde residiam os arguidos CC e DD, foram apreendidos:

110. Prova D.A.1. – Um (1) documento da empresa “G........”, respeitante ao aviso de chegada de uma carga de mobiliário e outros objectos de DD, o documento encontrava-se no interior da primeira gaveta da comoda do quarto do visado Manuel;

111. Prova D.A.2. – Um (1) talão de multibanco, respeitante a uma transferência multibanco no valor de dezanove mil euros (19.000€) para um individuo de nome NN;

112. Prova D.A.3. – Dois (2) documentos de requisição de transferências e cheques sobre estrangeiro em que o CC efectua dois depósitos no valor de três mil euros (3000€), um depósito na data de 27-02-2018 e outro na data de 05-03-2018, para OO residente em Espanha,

113. Prova D.B.1. – Um (1) talão da empresa “rede expressos”, respeitante a uma viagem no dia 16-03-2018 de ……… com destino a.……, o mesmo foi localizado numa secretaria que se encontrava junto à cama;

114. Prova D.B.2. – Uma (1) agenda com a capa de cor preta com as inscrições “Address boor”, contendo no seu interior diversos números de telefone inscritos, o artigo foi localizado numa secretaria que se encontrava junto à cama.

115. No dia ... de Março de 2018, no cumprimento dos mandados de busca ao veículo de matrícula ...-IE-..., marca …, modelo …..., de propriedade do arguido BB, foram apreendidos: Prova V.B.1 – Um telemóvel da marca Samsung, modelo ...…, com capa transparente, de cor prata, com o IMEI - ………12, e número de série ………2W, localizado na consola central do veículo;

116. Prova V.B.2 – Um telemóvel da marca Samsung, modelo S7, de cor dourado, com o IMEI - ...……74, e número de série …………ZF, o qua se encontrava acondicionado no interior na caixa que pertence ao telemóvel referido na Prova V.B.1, tendo sido localizado no porta luvas do veículo.

117. Prova V.B.3 – Uma saqueta almofadada dos CTT, aberta, contendo no seu interior uma carta a remeter a chave do armazém arrendado, estando a referida chave no seu interior, tendo sido localizada no porta luvas do veículo;

118. Prova V.B.4 – Uma chave de código da marca Keso, com o número de série ………44, localizado no interior do encosto de cotovelo da consola central;

119. Prova V.B.5 – Uma pasta de documentação, contendo: Dois recibos dos correios; - Duas guias de transporte dos correios; - Um recibo de reserva de passagens de avião para ……, Brasil; - Uma cópia de email relativo a despesas de paralisação de contentor, num total de 965,80€, um orçamento das despesas, duas facturas, e um recibo do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA), referente ao pagamento em numerário das despesas em nome de DD; - Um recibo do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA), relativo a um deposito no valor de 1000€, efectuado em nome de BB, para uma conta em seu nome; - Uma factura da firma G........, em nome de DD, um documento de informação de transferência bancária, um documento de métodos de pagamento e dois recibos do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA), relativo ao pagamento das despesas de processo e taxas, no valor de 5.678,29€; - Uma declaração dos bens usados pertencentes a CC, datado de 17 de abril de 2017; - Um oficio da Segurança Social, sobre a situação contributiva de DD; - Uma declaração de bens pessoais de DD; - Um print screen de uma mensagem, sobre a documentação necessária para o desalfandegamento da carga, dirigida a DD; - Uma declaração dos bens usados pertencentes a DD, datado de 27 de fevereiro de 2018, avaliados em 10,000.00€; - Uma declaração sobre a constituição da bagagem, e estimativa do valor, tendo sido atribuído por DD, o valor de 11.500,00€; - Uma cópia do cartão do cidadão de DD; - Uma cópia do passaporte de DD; - Duas declarações de Mobiliário em nome de DD; - Uma declaração de situação contributiva, em nome de DD;- Uma certidão passada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em nome de DD; - Uma declaração passada pela Segurança Social, em nome de DD; - Um documento da firma G........, referente ao controle da entrega; - Uma declaração sobre a constituição da bagagem, e estimativa do valor, tendo sido atribuído por DD, o valor de 10.000,00€; - Duas declarações dos bens usados pertencentes a DD, datado de 27 de Fevereiro de 2018, avaliados em 10.000,00€; - Um atestado de residência da junta de freguesia de ............., em nome de DD; - Uma declaração dos bens usados pertencentes a DD, datado de 27 de Fevereiro de 2018, avaliados em 10.000,00€; - Um envelope vazio do Santander Totta; tendo sido localizada no interior de uma mochila de cor preta que estava no banco traseiro do veículo;

120. Prova V.B.6 – Uma pasta da "ERA", contendo o Contrato de Arrendamento Comercial com prazo de duração efectiva; - Uma pasta da "ERA", contendo uma cópia da caderneta predial, uma certidão permanente, uma planta urbana e uma planta de residência, referente a uma habitação situada na ………, lote .......…-… ...., localizadas na bolsa do banco do condutor;

121. Prova V.B.7 – Uma caixa contendo uma rebarbadora portátil, com a respectiva bateria e um disco de corte, da marca "EINHELL", com o número de série 2017/07/P-17- 2285, localizado no interior da bagageira;

122. Prova V.B.8 – Uma caixa da marca Bosch, contendo várias brocas e acessórios para berbequim/aparafusadora, localizado no interior da bagageira;

123. Prova V.B.9 – Uma caixa da marca "PLASTIKEN", contendo vários parafusos e buchas, localizado no interior da bagageira;

124. Prova V.B.10 – Uma Caixa Da Marca "Dexter", Contendo Diversas Ferramentas, Localizada No Interior Da Bagageira. Nas buscas realizadas no dia 19 de Março de 2018, ao veículo marca ……, modelo ……, cor preta, matricula ...-TD-..., utilizado pelos arguidos CC e DD, foi apreendido o seguinte:

125. Prova V.D.1 – Um envelope contendo onze (11) documentos no seu interior escritos em língua espanhola, todos em nome de DD, os quais se passam a descriminar: 1.Um (1) documento aduaneiro em espanhol atestando que o contentor ZCSU708241-7 1X40HC, não contem qualquer substancia estupefaciente e psicotrópica; 2.Três (3) guias de transporte da empresa de transportes “ZIM Integrated Shipping Services Ltd”; 3.Cinco (5) folhas da empresa “Moving Life” referente a uma lista de empaque por preencher de artigos enviados de ....., Venezuela com destino a ….., Portugal; 4.Duas (2) folhas da empresa “Moving Life”, referente a uma lista de inventário e valores dos artigos devidamente preenchida de artigos enviados de ....., Venezuela com destino a ….., Portugal.

126. Prova V.D.2 – Um (1) GPS, de marca “TOMTOM”, de modelo “……00”, de cor preto, com respectivo cabo de ligação, o mesmo encontrava-se na consola central do veículo; Prova V.D.3 – Um (1) termo de responsabilidade em nome de CC, respeitante à compra do veículo de matrícula ...-TD-…, de marca “......”, de modelo “......”, o documento encontrava-se no porta luvas do veículo.

127. No dia ... de Março de 2018, no cumprimento dos mandados de busca emitidos ao Restaurante “B.................”, sito na Rua ..................., n.º …... – …..., explorado pelo arguido BB, foram apreendidos:

128. Prova F.A.1 – No interior do balcão, por baixo da caixa registadora foi localizado e apreendido um bloco com os resultados efectuados, relativos às vendas com início a dia 03 de Janeiro de 2018 até dia 17-03-2018; Prova F.A.2 – No mesmo local foi apreendida uma factura de aquisição de um armário de frio à firma EMAG;

129. Prova F.A.3 – Ainda no mesmo local foi localizado e apreendido um extracto relativo ao período compreendido entre o dia 01-06-2017 e o dia 30-06-2017 do banco Caixa Agrícola, relativo à conta ………………54902;

130. Prova F.A.4 – no salão do restaurante foi localizado uma cópia do recibo da renda do restaurante no valor de 1200€, recibo referente a Julho de 2016 passado ao Sr. BB.

131. Durante a abordagem ao armazém sito na Rua ..............., S/N – ..........., no dia 19 de Março de 2018, foi o arguido AA submetido a uma revista pessoal e de segurança, sendo localizado e apreendido na sua posse o seguinte:

132. Prova P.C.1 - Um telemóvel de marca Samsung, revestido de uma capa plástica transparente, modelo ……5F, com imei nº ……….36;

133. Prova P.C.2 - Duas notas de vinte Euros e duas notas de dez Euros do BCE, perfazendo o total de sessenta Euros;

134. Prova P.C.3 - Um papel manuscrito com vários contactos telefónicos e endereços de correio electrónico.

135. Durante a abordagem ao armazém sito na Rua ..............., S/N – ..........., no dia ... de Março de 2018, foi o arguido CC submetido a uma revista pessoal e de segurança, sendo localizado e apreendido na sua posse o seguinte:

136. Prova P.D.1 – Um (1) telemóvel, da marca “Samsung”, modelo “…….”, com o FCC ID ………5U, IMEI ………..07, de cor preto, o mesmo encontrava-se localizado no bolso das calças do visado; Prova P.D.2 – Cento e oitenta e cinco euros (185€), divididos em duas (2) notas de cinquenta euros (50€), três (3) notas de vinte (20€) euros, duas (2) notas de dez euros (10€) e uma nota de cinco euros (5€), dinheiro localizado no interior da carteira que o visado transportava em sua posse.

137. Durante a abordagem ao armazém sito na Rua ..............., S/N – ..........., no dia ... de Março de 2018, foi o arguido DD submetido a uma revista pessoal e de segurança, sendo localizado e apreendido na sua posse o seguinte:

138. Prova P.E.1 – 01 (um) Telemóvel do tipo Smartphone de marca SAMSUNG, modelo …….GE de cor azul com IMEI ………..04, e S/N ………YJ, que se encontrava no bolso da frente do lado direito das calças com que trajava;

139. Prova P.E.2 – 01 (um) canivete de marca ALBAINOX, com cabo de cor creme, localizado no bolso frontal do lado esquerdo, das calças com que o visado trajava;

140. Prova P.E.3 – 01 (um) conjunto de duas chaves da porta do armazém buscado, inseridas num chaveiro de cabedal com inscrição CARGOSTOCK, localizado no bolso frontal do lado esquerdo, das calças com que o visado trajava;

141. Prova P.E.4 – 1 (uma) chave da porta da residência do visado, inserida num chaveiro em com forma de PÉ com inscrição KOALA AUSTRALIA, localizado no bolso frontal do lado esquerdo, das calças com que o visado trajava; Prova P.E.6 – 340 (trezentos e quarenta) euros em numerário divididos em 6 notas com valor facial de 50 euros, uma nota com valor facial de 20 euros e 4 notas com valor facial de 5 euros, que se encontravam no interior da carteira do visado, localizada no bolso traseiro das calças do lado direito;

142. Prova P.E.7 – 22000 (vinte e dois mil) Bolívares em numerário divididos em 2 notas com valor facial de 20000, uma nota com valor facial de 2000, que se encontravam no interior da carteira do visado, localizada no bolso traseiro das calças do lado direito;

143. Prova P.E.8 – 20 (vinte) Dólares da Reserva Federal dos Estados Unidos da América, em numerário composto por uma única nota, que se encontravam no interior da carteira do visado, localizada no bolso traseiro das calças do lado direito;

144. Prova P.E.9 – 01 (uma) Guia de Transporte com o Número 11708 - 0734814, emitida pela empresa de transportes G........, referente à mercadoria entregue no armazém, que se encontravam no interior da carteira do visado, localizada no bolso traseiro das calças do lado direito; Prova P.E.10 – 01 (um) papel com Registo Único de Informação Fiscal com Nº V………83 em nome de DD, com domicilio em CALLE ……, CASA NRO …, SECTOR ……………, ………………, ZONA POSTAL …. VENEZUELA, e com Nº de Firma autorizada ………-IKK, que se encontravam no interior da carteira do visado, localizada no bolso traseiro das calças do lado direito;

145. Prova P.E.11 – 02 (dois) papeis manuscritos, um de cor branca com inscrição a tinta vermelha "USUARIO ....................@gmail.com  - contrasenã …….", e o outro de cor amarelo com inscrição a tinta de cor azul "............................@gmail.com , password: .................." e " G........: FF - .....8489 e PP - .....8488", encontrando-se ambos dobrados no interior da carteira do visado, localizada no bolso traseiro das calças do lado direito.

146. Ainda nesse mesmo dia, foram apreendidas as viaturas de matrículas ...-IE-... e …-TD-…, pertencentes, respectivamente, ao arguido BB e CC, por eles utilizadas nas descritas actividades e diligências.

147. No total, no dia ... de Março de 2018, além de outros objectos, valores e documentos, foi apreendida na posse dos quatro arguidos 300 embalagens de produto estupefaciente, cocaína (tabela I-B) com um peso total bruto de cerca de 330 KG. Tal quantidade de cocaína tem um valor estimado aproximado de cerca de 15.000.000,00€ (quinze milhões de euros).

148. No dia ... de Maio de 2018, no cumprimento dos mandados de busca ao armazém sito na Rua .........., S/N, artigo.......... – …, foi apreendido o seguinte:

149. PROVA A.1 – Um Talão/Fatura de compra no estabelecimento …, com o n.º FT……………81, datada de 05-01-2018, pelas 12:02, faturada em nome de BB, com o NIF ...........90, localizado no interior de uma montra refrigeradora, em alumínio da marca "EMAG-equipamentos de hotelaria", que se encontrava danificada;

150. PROVA A.3 – Uma lata em alumínio, de espuma de poliuretano, da marca "Hauser", em estado regular, localizada no interior de um forno industrial em alumínio de cinco gavetas; PROVA A.6 – Uma proteção de tubo de um exaustor, em alumínio; - Uma garrafa de brandy, da marca "Brandy Croft", em vidro; - Uma garrafa de icetea da marca "Nestea" em plástico; - Um garrafão de água, da marca "Pingo Doce", em plástico; Todos os objectos foram localizados sobre um fogão industrial da marca "Haier", em alumínio;

151. PROVA A.8.1 – Duas abas de uma caixa de papelão, numa contendo uma etiqueta com a inscrição “…, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", consta ainda escrito a marcador o nome CC, na outra escrito a marcador "Vajilla Comedor", identificada com a inscrição “…", localizadas no interior de um balção expositor para comida quente, em alumínio;

152. PROVA A.8.2 - Duas abas de uma caixa de papelão, numa contendo uma etiqueta com a inscrição "039, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", consta ainda escrito a marcador a inscrição "tablas mader comedor", na outra escrito a marcador "CC", identificada com a inscrição "#39", localizadas no interior de um balção expositor para comida quente, em alumínio;

153. PROVA A.8.3 - Duas abas de uma caixa de papelão, numa contendo escrito a marcador a inscrição "tablas mader comedor", identificada com o n.º #40, na outra escrito a marcador "CC", identificada com a inscrição "#40”, localizadas no interior de um balção expositor para comida quente, em alumínio; - Uma tabua de mesa em madeira com as iniciais "BL" gravadas no canto superior esquerdo, localizada no interior de um balção expositor para comida quente, em alumínio;

154. PROVA A.8.4 – Uma manta de lã de vidro, localizada no interior de um balção expositor para comida quente, em alumínio;

155. PROVA A.11 – Um par de luvas, em tecido, de cor preta, da marca "Quechua", localizado sobre um fogão industrial em alumínio, da marca "MSITAN (VAR)";

156. PROVA A.13 – Uma bicicleta decorativa, de pequenas dimensões, em metal, de cor cinzenta e amarela, localizada sobre um fogão industrial em alumínio, da marca "MSITAN (VAR)";

157. PROVA A.16 – Um cartão, com inscrição manuscrita a tinta de cor vermelha, " Sr. QQ ……. #46", localizado dentro de uma embalagem, que continha tabuleiros e que se encontrava dentro de um fugão industrial em alumínio, da marca "MSTAN (VAR)".

158. PROVA B.1 – Um Talão/Fatura de compra no estabelecimento AKI, com o n.º FT………….07, datada de 05-10-2017, pelas 18:14, faturada em nome de BB, com o NIF ...........90, referente à aquisição de uma rebarbadora sem fios e a um disco de corte; - Um Talão /Fatura simplificada de compra no estabelecimento Jumbo, com o n.º ……………..97, datada de 02--10-2017, referente ao abastecimento de 51,28Lt de gasóleo; Localizados no interior de uma gaveta de um armário em madeira,

159. PROVA B.7 – Quarenta e seis (46) invólucros em celofane, com fita adesiva de cor castanha, alguns com formato físico muito semelhante às embalagens de cocaína anteriormente apreendidos, localizados no interior de uma arca frigorífica, de cor branca, de marca " Electrolux" com o número de série ……..46;

160. PROVA B.9.1 – Uma etiqueta com a inscrição "016, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", a etiquetar uma caixa de madeira, com inscrição manuscrita "marmol", localizada junto à parede;

161. PROVA B.9.2 – Uma etiqueta com a inscrição "067, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", a etiquetar uma caixa de madeira, com inscrição manuscrita "Sr. CC Part de : Bar sala AF #67, localizada junto à parede;

162. PROVA B.9.3 – Uma etiqueta com a inscrição "015, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", a etiquetar uma caixa de madeira, com inscrição manuscrita "Sr. CC Part de : Bar #15, localizada junto à parede;

163. PROVA B.10 – Uma luva, em PVC, de cor verde, de marca "Geolia", localizada no solo; PROVA B.11 – Uma etiqueta com a inscrição "092, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", a etiquetar uma caixa de cartão, com inscrição manuscrita "2 espejos", localizada no solo;

164. PROVA B.12 – Uma etiqueta com a inscrição "105, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", a etiquetar uma caixa de cartão, com inscrição manuscrita "Sr. CC 1 Golchón", contendo um colchão, localizada no solo;

165. PROVA B.14 – Um recorte de uma caixa de cartão, contendo a inscrição manuscrita " Tablas Biblioteca Sr. BB #14", localizado junto à parede;

166. PROVA B.15 – Uma etiqueta com a inscrição"106, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", a etiquetar uma caixa de cartão, com inscrição manuscrita "#106, Sr. CC, 1 Golchon", contendo um colchão, localizada no solo;

167. PROVA B.16 – Um recorte de uma caixa de cartão, contendo uma etiqueta com a inscrição "008, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", com inscrição manuscrita "Sr. CC, 1 mesa noche com ropa rachada: #8", localizado no solo;

168. PROVA B.17 – Um recorte de uma caixa de cartão, contendo uma etiqueta com a inscrição "137, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", com inscrição manuscrita "#137", localizado no solo. PROVA C.1 – Um balde em PVC, de cor preta da marca "DECH", contendo: - Duas embalagens de desengordurante da marca "Mr. Muscle", de cor laranja; - Uma lata de WD40, de 100ml; - Uma lata, contendo liquido para limpeza de metais, de marca "Coração"; - Uma esponja abrasiva, em estado novo e na embalagem, da marca "Casacolor"; - Uma embalagem vazia, de uma esponja abrasiva da marca " Casacolor"; Localizado sobre uma mesa de madeira; PROVA C.2 – Dois recortes de uma caixa de cartão, um com a inscrição manuscrita, " Sr: …….. 2 mesa de noche" e outro com a inscrição manuscrita"#86", localizados no solo; PROVA C.3 – Um recorte de uma caixa de cartão, contendo uma etiqueta com a inscrição "051, CC, Venezuela * ......, 10/05/2017", com inscrição manuscrita "Vajilla comedor #51", localizado sobre uma estante em madeira.

169. Nos aparelhos tecnológicos apreendidos e utilizados pelos arguidos, em súmula, existem os seguintes conteúdos: - Documentos pessoais dos arguidos, passagens aéreas, transferências Bancárias, números de contas/IBAN’S; - Fotografias captadas pelo telefone de CC, em 19-03-2018, durante e após a descarga da mercadoria contendo produto estupefaciente do tipo cocaína dissimulado, no armazém situado na Rua ..............., S/N – ...........; - A existência no telefone do arguido AA, de cópia do contrato de arrendamento do armazém sito em Rua ............... – ........... e transferências Bancárias, concretamente, referentes ao pagamento de serviços nos valores de 5.678,29€ e de 965,80€, à empresa G........ e ao depósito de 5.000,00€, em 16-01-2017, pelo arguido BB, à ordem da conta pertencente a HH CS, gerente do Stand Automóvel, onde foi adquirido o veículo BMW, X5, Cinzento, matrícula ...-IE-..., pelo referido arguido. A conversação do pedido de BB a AA, para depósito desse valor e a pesquisa e partilha via WhatsApp, da notícia do correio da manhã, na data de 28-05-2017, sobre a apreensão de cerca de 19 quilos de cocaína no ......, entre os arguidos AA e BB. A existência no Disco rígido do arguido AA, de artigos e fotografias sobre drogas, do tipo cânhamo, cannabis, COCAÍNA, ópio, entre outras, bem como, índices farmacológicos, de drogas, inibidores neuromusculares, sobre a HISTÓRIA DA COCAÍNA; - A existência no telefone Samsung do arguido BB, de conversações WhatsApp, com desejos trocados entre os arguidos BB e AA, para que tudo corra bem com a importação da mercadoria transportada em contentor marítimo, no ano de 2017, o envio do arguido AA, para o arguido BB, da noticia do correio da manhã, na data de 28-05-2017, sobre a apreensão de cerca de 19 quilos de cocaína no ......, e respectivo printscreen; - A existência no telefone CAT 60, do arguido BB, de conversações WhatsApp, entre o arguido BB e um individuo RR, cujo conteúdo está maioritariamente relacionado com arcas frigorificas, frigoríficos e outros eletrodomésticos, armas de fogo, e outras conversações relacionados com arcas frigorificas, especificando preços e que têm que ser constituídas em fibra de percoliotileno; de conversações WhatsApp entre o arguido BB e um individuo SS, entre 17-03-2017 e 27-06-2017, cujo conteúdo está maioritariamente relacionado com Transferências Bancárias e preparativos para a importação de mercadoria transportada em contentor marítimo, no ano de 2017, em que o arguido BB informa o seu irmão e arguido AA, que se encontra na Colômbia, em 17-03-2017, data que precedeu à importação de mercadoria nesse mesmo ano em nome do arguido CC, referindo ainda AA, para “não meter mais nervos a CC porque irá correr tudo bem”; o envio da notícia do correio da manhã, na data de 28-05-2017, sobre a apreensão de cerca de 19 quilos de cocaína no ......, do arguido AA para o arguido BB;

170. Em ...-06-2017, AA refere a BB ter encontrado o “SS” no …………. – …, referindo AA, em continuação da conversa, que SS havia feito “perguntas muito estranhas para mim, sobre quantidades do meu trabalho e deste último…Fiquei meio constrangido. Pois não sei que devo dizer”, respondendo-lhe BB que” eles dizem que faltam 25”, questionando ainda a AA, se sabia quanto tinha trazido, respondendo AA, “o meu foi 156”, dizendo BB que o “primo dele quer cobrar…ou então é para obrigar-me a continuar porque quero retirar-me”, continuando AA, dizendo que “este último foi mais quantidade mas não sei o número”, respondendo BB, por isso SS lhe estava a perguntar, porque BB lhe havia dito isso mesmo, pedindo a AA, para não dizer nada no do CC, apenas que não sabia; Fotografias respeitantes a transferências bancárias e a uma factura datada de 09- 03-2017, respeitante ao pagamento de serviços à transportadora Moving Life, no valor de €5.432,00.

171. Todos os arguidos importaram e detiveram as aludidas placas de cocaína, de valor significativo atento o elevado grau de pureza respectivo, bem conhecendo a natureza estupefaciente de tal produto e a quantidade do mesmo, e agiram em conjugação de esforços e intentos com o propósito concretizado de importar e deter a referida cocaína, e, assim, de obter um ganho económico a que sabiam não ter direito, de valor não concretamente apurado.

172. Mais sabiam os arguidos que a sua conduta era proibida e punida por lei e tinham a liberdade necessária para se determinarem de acordo com essa avaliação. 


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173. Natural ……, BB é o filho mais velho de uma fratria de seis irmãos.

174. Os dois irmãos mais velhos são germanos, o terceiro irmão é uterino e os restantes três irmãos mais novos são consanguíneos.

175. Aos dois anos de idade, BB foi separado da progenitora na sequência da guerra no ultramar, em Angola.

176. O progenitor conseguiu trazer o arguido para Portugal acabando o mesmo por ter crescido junto de uma irmã do pai aos cuidados da avó paterna, na cidade …….

177. A guerra também separou os progenitores.

178. À data, a mãe do arguido estava grávida do segundo filho sendo que o progenitor desconhecia essa situação.

179. BB só veio a conhecer a mãe quando tinha cinquenta anos de idade e passados três meses a mesma faleceu.

180. O arguido refere-se à avó como mãe, atento o afecto recebido.

181. A avó tinha terrenos cultivados e vivia dos seus rendimentos, inclusive da vinha e das oliveiras.

182. Tinha ainda uma pequena adega onde fazia vinho que vendia a pequenos comerciantes.

183. BB cresceu em contacto com o álcool, era hábito beber vinho juntamente com água e açúcar.

184. Ao nível escolar, o arguido iniciou o percurso em idade normal, não faltava às aulas e o comportamento era adequado.

185. A avó preocupava-se em manter o arguido ocupado e quando o mesmo não tinha aulas ajudava nas tarefas domésticas.

186. BB frequentava a missa juntamente com a família. Fez a catequese e ainda foi Sacristão até aos 9 anos de idade.

187. A partir dos catorze anos de idade, o arguido foi viver com o pai, a madrasta e os irmãos mais novos, na Venezuela. Ainda frequentou a escola até ao décimo ano de escolaridade, mas não concluiu, optando por começar a trabalhar com o pai no minimercado.

188. O arguido fez formação profissional na área de eletricidade industrial e de refrigeração.

189. Ao nível afectivo contraiu matrimónio aos vinte e quatro anos de idade, sendo que desta relação nasceram três filhos.

190. Com o casamento e o nascimento dos filhos o arguido teve necessidade de melhorar o seu vencimento, passando a exercer a profissão de eletricista numa fábrica de copos de vidro, “……”, durante quatro anos.

191. Não satisfeito com o horário de trabalho optou por trabalhar por conta própria, criando a empresa “M…………”.

192. Durante os dezoito anos do seu casamento, BB viveu economicamente bem.

193. A mulher era …… e os rendimentos do arguido com a prestação de serviços permitiram ao casal comprar dois carros, um apartamento e uma casa, onde passaram a viver optando por arrendar o apartamento.

194. A casa foi construída aos poucos pelo arguido.

195. Após dezoito anos de vivência em comum o casal separou-se.

196. Com a segunda relação marital do arguido, a situação económica de BB agravou-se, passando a acumular dividas.

197. Com o agravamento da crise na Venezuela, BB oficializa o casamento em 2017, com muitos anos de vida em conjunto e o agregado constituído, vem viver para Portugal para a casa da madrasta de BB em …, uma vez que não conseguiu concretizar a compra da casa que tinha negociado em ….

198. Deste casamento, o arguido BB tem mais um filho.

199. O agregado familiar de BB é constituído pela mulher, filho, enteada e um sobrinho. Juntamente com a filha da sua mulher, o arguido criou também um sobrinho.

200. O filho mais novo do arguido é estudante universitário em …, a enteada do arguido concluiu o curso …… e o sobrinho concluiu o curso …… na ……...

201. Os três filhos mais velhos de BB, do anterior casamento, constituíram família, um filho vive em Espanha e os outros dois vivem na Venezuela.

202. Como actividade de tempos livres, quando podia e era mais novo gostava de ir ao cinema, jogar futebol e basebol com o filho.

203. À data da detenção, o agregado familiar de BB era constituído pela mulher, filho, enteada e um sobrinho que criou desde criança.

204. O filho mais novo do arguido é estudante universitário em .... e recebe uma bolsa de estudo, no valor de 219 euros mensais.

205. A enteada do arguido concluiu o curso ……. e recentemente empregou-se, recebendo mensalmente o ordenado mínimo.

206. O sobrinho é ……. mas em Portugal não conseguiu equivalência encontrando-se a trabalhar num ……, auferindo 600 euros mensais.

207. O apartamento onde vive o agregado familiar do arguido, tem um valor mensal de arrendamento de 300 euros.

208. Ao nível familiar e afectivo, o arguido continua a dispor de enquadramento.

209. A situação económica do agregado familiar agravou-se, porque o agregado vivia maioritariamente da sua dependência.

210. Mensalmente o arguido recebe visitas da mulher e esporadicamente do filho.

211. Institucionalmente, o comportamento do arguido não foi alvo de sanções disciplinares, procurando interagir assertivamente com os seus pares e funcionários do estabelecimento prisional.

212. Ao nível da saúde, o arguido padece de problemas ao nível…, …… e……, sendo acompanhado pelos serviços clínicos do seio institucional onde se encontra recluído, tomando a necessária medicação.

213. Frequentou duas vezes por semana as aulas de inglês, promovidas pela organização A……. Semanalmente participa dos encontros temáticos de cidadania, promovidos pela Ordem de Malta, com a realização de missa católica.

214. BB frequenta o pátio e promove a leitura através da biblioteca do estabelecimento prisional.


*


215. Nascido na ……. onde decorreram os seus primeiros nove anos do seu desenvolvimento, o arguido DD acompanhou os pais e irmão na deslocação para a Venezuela, processo de emigração que terá tido na sua origem a procura de melhores condições de vida.

216. A adaptação do arguido terá decorrido sem problemática relevante, com enquadramento familiar marcado por laços de coesão entre os seus elementos, embora num quotidiano na altura marcado por algumas limitações económicas.

217. A dinâmica familiar viria a alterar-se na fase da sua adolescência, com o falecimento da progenitora quando contava catorze anos de idade, a que se seguiu dois anos depois o falecimento do pai.

218. Posteriormente um dos irmãos viria também a falecer, vítima de assalto.

219. DD ingressou no sistema educativo na Venezuela na idade própria, tendo frequentado apenas os primeiros anos da escolaridade.

220. Abandonou o lar familiar por volta dos catorze anos, momento em que passou a viver no local de trabalho, nas instalações providenciadas para esse efeito, num restaurante português onde iniciou funções como empregado de mesa, actividade que manteve com a mesma entidade patronal até aos vinte e seis anos de idade.

221. Terá sido por volta dos vinte anos que o arguido contraiu matrimónio com cidadã venezuelana, filha de pais portugueses, passando a viver com a mulher em apartamento próximo …… onde trabalhava.

222. Essa união viria a terminar passado dezanove anos e da qual tem duas filhas já autonomizadas, que residem em Portugal.

223. Posteriormente, o arguido encetou nova relação afectiva com cidadã venezuelana e da qual tem três filhos, o mais velho com dezassete anos e o mais novo com sete anos de idade, sendo que o presente agregado constituído continua a manter residência na Venezuela.

224. Preso no Estabelecimento Prisional ……, DD tem mantido um comportamento institucional isento de reparo e, embora o tenha solicitado, ainda não lhe foi atribuída qualquer ocupação laboral.

225. Em período precedente à actual prisão, o arguido estava a partilhar o mesmo espaço habitacional com o irmão e cunhada, apartamento arrendado na morada acima referenciada.

226. Em termos de perspectivas futuras, os planos do arguido passam por permanecer em Portugal e reorganizar a sua vida junto da família, pelo facto de não existirem mais condições de regresso à Venezuela, o que contará com a possibilidade da mulher e filhos deslocarem-se também para o nosso país.

227. Beneficia de visitas pontuais por parte de uma das filhas do seu primeiro casamento e da cunhada que se desloca ……. para visitar o marido, também preso no Estabelecimento Prisional….......


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228. Nascido na …… onde decorreram os seus primeiros anos de desenvolvimento, o arguido CC acompanhou os pais e irmão na deslocação para a Venezuela, processo de emigração que terá tido na sua origem a procura de melhores condições de vida.

229. Com apenas cinco anos de idade, a adaptação do arguido terá decorrido sem problemática relevante, em enquadramento familiar marcado por laços de coesão entre os seus elementos, num quotidiano na altura marcado por algumas limitações económicas.

230. A dinâmica familiar viria a alterar-se a partir da sua adolescência, com o falecimento da progenitora quando contava catorze anos de idade, a que se seguiu, dois anos depois, o falecimento do pai, tendo o arguido ficado entregue aos cuidados dos irmãos mais velhos.

231. Posteriormente um dos irmãos viria também a falecer, vítima de assalto.

232. CC ingressou no sistema educativo na Venezuela na idade própria, tendo apenas completado o equivalente ao ensino primário português, desistindo de seguida para dar início à sua primeira actividade laboral com apenas doze anos de idade, conseguindo assim colaborar em algumas despesas no lar familiar com o parco salário auferido da sua actividade como ajudante num supermercado.

233. Posteriormente conseguiu trabalho no sector da restauração, como empregado de mesa, actividade que viria a desenvolver nos anos seguintes, tendo trabalhado em cafés e restaurantes.

234. Com vinte e sete anos de idade o arguido viria a contrair matrimónio com cidadã venezuelana, união estável e afectivamente gratificante, sendo o agregado constituído pela mulher e quatro filhos, tendo um dos descendentes falecido há cerca de cinco anos, vítima de doença.

235. Teve sociedade com um dos irmãos (seu co-arguido), com a compra de um pequeno autocarro de passageiros que transportariam dentro da sua localidade, negócio que manteve com o irmão por mais de uma década.

236. Posteriormente, viria a promover outro negócio em sociedade com cidadão venezuelano, filho de pais portugueses, na exploração de um pequeno estabelecimento de comércio de venda de bebidas alcoólicas, gestão que contou com a colaboração da mulher e filhas do arguido no atendimento de clientes, tendo mais tarde comprado dois pequenos autocarros, desenvolvendo assim um segundo negócio próprio, este último que manteve até ter sido diagnosticada a doença de um dos seus filhos, hoje já falecido, tendo nesse contexto de avultadas despesas médicas na tentativa de recuperar-lhe a saúde, que se viu forçado à venda dos autocarros, mantendo apenas a exploração da loja de venda de bebidas alcoólicas juntamente com o sócio.

237. Alegadamente, por problemas de saúde de um outro filho e a sua incapacidade de o ajudar na Venezuela, dada a vivência caótica para a população por falta de bens de primeira mão e escassez de medicamentos, a mulher e filho optam por procurar esses cuidados médicos em Portugal, deslocação que terá sido em finais de 2017, tendo as duas filhas mais velhas emigrado para a Austrália, país de residência dos outros irmãos do arguido, que as acolheram.

238. Preso no Estabelecimento Prisional……, CC tem mantido um comportamento institucional isento de reparo e embora o tenha solicitado, ainda não lhe foi atribuída qualquer ocupação laboral.

239. Em período precedente à actual prisão, o arguido e respectivo agregado constituído encontravam-se a residir em ..............., sendo que após a sua prisão, a cônjuge, por razões laborais, passou a viver na zona de Fátima, onde trabalha num lar de terceira idade.

240. Beneficia de visitas pontuais por parte da cônjuge que vive agora na zona …… e que tem sido apoiada pelas filhas apesar de residirem em país distante.


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241. De dupla nacionalidade, portuguesa e venezuelana, o arguido AA é o filho mais novo de uma fratria de cinco irmãos, todos do sexo masculino, sendo os dois irmãos mais velhos consanguíneos e os restantes germanos.

242. O arguido cresceu no seio de uma família estruturada, afectuosa e muito unida.

243. O progenitor trabalhava na construção civil e a mãe dedicava-se às tarefas domésticas.

244. Quando o arguido tinha nove anos de idade aproximadamente, o pai iniciou-se no mercado de produtos alimentares, com a abertura de um Minimercado.

245. Este negócio aos poucos foi crescendo acabando por se tornar numa superfície maior, um supermercado. AA e o seu agregado familiar viveram em ……, ………. e por último na localidade…………, onde permaneceu com o agregado familiar até aos dezoito anos de idade, data em que passaram a viver em Portugal. O surgimento da crise económica e social vivida na Venezuela levou a que os progenitores vendessem o apartamento e o supermercado.

246. Ao nível escolar, AA iniciou o percurso em idade adequada, tendo conseguido continuar os estudos em Portugal e concluir uma licenciatura, em ……. no ano de 1986.

247. Em Portugal, o arguido e o agregado familiar, nomeadamente os pais e os três filhos do casal estabeleceram-se em ……, numa casa propriedade dos progenitores.

248. Nesta casa reside a progenitora do arguido até aos dias de hoje. Esta casa foi comprada numa das vindas dos progenitores a Portugal, sendo que os mesmos são de nacionalidade portuguesa e têm família oriunda ............

249. AA iniciou o percurso laboral no Gabinete de Apoio Técnico, “GAT”, ............, onde permaneceu durante sete anos. A convite do Presidente da Câmara, o arguido passou a coordenar a equipa do “GAT” local, durante mais dois anos. Seguidamente, AA foi trabalhar para a............, como………, durante os seis anos seguintes, tendo feito parte do plano de reabilitação da aldeia histórica .............

250. O arguido deixou as funções na …… e passou a trabalhar por conta própria, no seu ateliê, em ............., onde viveu até ao ano 2000.

251. Com o falecimento do progenitor há 19 anos, AA mudou-se para …, de forma a ficar mais perto da progenitora e do irmão TT

252. Este seu irmão apresenta alguns problemas de saúde, não acentuados uma vez que trabalha, mas é …….

253. AA arrendou a casa de um irmão mais velho, (seu coarguido) que à data se encontrava a viver na Venezuela.

254. Ao nível afectivo AA, conheceu a mãe dos seus filhos na universidade.

255. O arguido casou com vinte e oito anos de idade e no ano seguinte nasceu o primeiro dos três filhos.

256. No ano de 2011, o casamento do arguido terminou e os filhos ficaram a seu cargo.

257. Em Portugal, com o surgimento da crise, registou-se uma quebra na ……, levando o arguido a regressar ao seu país de origem, durante cinco anos, deixando ao cuidado da avó paterna os filhos.

258. Durante este período na Venezuela, AA trabalhou na construção civil, em remodelação e decoração de espaços interiores e numa empresa multinacional, “Grupo …………”.

259. Entretanto, na Venezuela surge mais uma crise e o mesmo regressa a Portugal, durante o ano de 2016. Arrendou um apartamento para viver com os filhos mais novos, porque o mais velho já trabalhava e tinha a vida organizada no Porto.

260. No ano de 2017, o arguido conseguiu adquirir o Alvará de Construção e Obras Públicas e Privadas até ao valor de trezentos e cinquenta mil euros.

261. Nesse mesmo ano, o arguido desloca-se ao Brasil após ter concorrido a um projeto de construção, de um Centro Comercial …….

262. Em junho do mesmo ano é obrigado a deslocar-se a Portugal para tratar de documentação, porque estava com dificuldades em ser reconhecido no Brasil como ……..

263. No entanto, conseguiu trabalhar na cidade ……. durante três meses aproximadamente e porque a obra tinha um engenheiro responsável.

264. Neste período no Brasil, AA estabelece uma relação afectiva com UU, proprietária de uma agência de viagens, no Brasil, com quem mantém contactos.

265. AA é religioso e praticante.

266. Nos tempos livres, o arguido gosta ...…. e ainda organizou algumas exposições.

267. Vivia num apartamento arrendado, com o agregado familiar, constituído pelo arguido e dois filhos, no valor mensal de 450 euros.

268. As despesas correntes (água, luz, gás, net) totalizavam um valor de 100 euros mensais, aproximadamente. Com a detenção do arguido, o filho mais velho, independente e autónomo, assumiu as despesas do agregado.

269. A filha, atualmente está a trabalhar em ........ mas não faz um horário completo pelo que o vencimento não atinge o ordenado mínimo. O filho mais novo ainda estuda, mas, para fazer face às despesas trabalha em parte time tal como a sua companheira, atualmente a partilhar a mesma residência.

270. Em liberdade o arguido pretende retomar a atividade profissional e integrar o agregado familiar.

271. O filho mais velho que trabalha e vive no ……, atualmente também se constitui como um efetivo suporte de apoio.

272. Dispõe de apoio familiar, registando visitas dos filhos quinzenalmente.

273. O arguido interage assertivamente com os seus pares e funcionários deste estabelecimento prisional, não registando sanções disciplinares.

274. Ao nível de saúde, AA tem problemas oftalmológicos, sendo acompanhado pelos serviços clínicos neste estabelecimento prisionais.

275. Antes da sua detenção, fazia consultas no Centro Hospitalar ……….

276. Frequentou duas vezes por semana as aulas de inglês, promovidas pela organização A…….

277. Semanalmente participa dos encontros temáticos de natureza cidadania, promovidos pela Ordem de Malta, com a realização de missa católica.

278. Solicitou a frequência semanal ……….

279. AA frequenta o pátio, promove a leitura e a escrita, utilizando a biblioteca do estabelecimento prisional.

280. O Arguido AA nasceu na Venezuela, filho de pais portugueses, onde residiu até aos 19 anos.

281. Em 1981 veio da Venezuela para Portugal, juntamente com os seus Pais e irmãos (sendo o mais novo de quatro), tendo adquirido a nacionalidade portuguesa no ano de 1987.

282. Em 1981 ingressou na Escola Superior ………. em ……, onde concluiu, em 1986, o curso……...

283. Desde então, trabalhou sempre no exercício da sua profissão, como ……, não só enquanto profissional liberal, mas também para……, tendo um reconhecido percurso profissional.

284. Em 2011, decidiu regressar à Venezuela para abraçar alguns projectos, uma vez que a economia, e concretamente o sector da construção, em Portugal, sofreu uma forte crise.

285. Desde esse País e fruto da sua actividade profissional, todos os meses enviava, a título de “remessa familiar”, dinheiro suficiente para garantir o sustento e educação dos seus três filhos.

286. O Arguido participou em vários projectos para a empresa “S………” e desenvolveu outros na qualidade de profissional Liberal, daí recebendo proventos.

287. Em Março de 2017, o Arguido ainda apresentou a sua declaração de rendimentos na Venezuela, relativa aos rendimentos de 2016.

288. Em Setembro de 2016, face à instabilidade socioeconómica que, entretanto, se começou a sentir naquele País, e também pelo facto de o Arguido ter três filhos e a sua mãe em Portugal, decidiu regressar definitivamente, tendo beneficiado da Lei que permite aos emigrantes trazer os seus pertences – declaração de bagagem emitida pelo Consulado Geral de Portugal na Venezuela – sem pagamento de impostos.

289. Nos anos que esteve na Venezuela, o Arguido manteve sempre os laços com Portugal e com a sua família, viajando a Portugal (cidade …) com regularidade.

290. Depois do regresso, voltou à Venezuela entre 25 de Janeiro de 2017 e 10 de Março de 2017, para trabalhar nas alterações a um projecto que tinha feito, na cidade……….

291. Já em Portugal, foi convidado para realizar um projecto ……. no Brasil, razão pela qual se deslocou entre os dias 7 e 26 de Junho de 2017 à cidade ...…. para uma entrevista e depois, para trabalhar, entre 19 de Outubro de 2017 e 15 de Dezembro do mesmo ano, já em ……, onde desenvolveu 3 grandes projectos.

292. Porque era um procedimento exigido pela transportadora “G........”, foi o Arguido AA que criou as contas de e-mail dos arguidos CC e do DD, exigência da empresa para facilitar a troca de documentação e informação útil, sendo que aos Arguidos CC e DD não foi apreendido qualquer computador; e informavam que na Venezuela era muito difícil ter acesso à Internet.

293. O Arguido AA providenciou pela criação da conta de email, pela celebração dos contratos, pelo pedido do atestado de residência, password das finanças, tudo em nome do arguido DD.

294. As comunicações do Arguido AA eram maioritariamente estabelecidas para com o seu irmão.

295. Na Venezuela, o Arguido AA participou na realização de grandes projectos ……..


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296. Perante a Autoridade Tributária, o arguido BB declarou ter obtido, entre Janeiro de 2013 até ao final de 2017, rendimentos que totalizavam €17.025,89.

297. Em termos de património, o arguido BB é titular dos seguintes bens:

298. - veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-IE-..., marca ……, modelo .... (……), 2993 cm3, 210 kw, gasóleo, registo inicial de Setembro de 2009 e em nome do arguido BB desde Julho de 2017.

299. Sobre o veículo existe uma reserva de propriedade em nome ……….

300. Esta IF financiou a aquisição da viatura em 14.000,00€ tendo o arguido pago 8 de 60 prestações no valor de 307,34€ cada.

301. Encontra-se em mora há pelo menos 3 prestações.

302. O valor total de aquisição foi 29.000,00€.

303. O remanescente 15.000,00€ foi pago através de 3 transferências de 5.000,00€, duas delas saídas das contas do arguido BB (Santander e BPI) e uma outra do arguido AA que saiu do BBVA.

304. O arguido comprou em Outubro de 2016 e vendeu em Janeiro de 2018 um ligeiro de passageiros, matrícula ...-EF-..., de 2007, de marca …, modelo ……,  ….42 cm3, gasolina.

305. Não é titular de imóveis e não é sócio nem tem qualquer cargo nos órgãos sociais de qualquer empresa.

306. Em termos de contas/produtos bancários, o arguido BB é titular de duas contas de depósitos à ordem no BPI PT50............13 e a PT50..............50 que tiveram movimentos no período investigado.

307. Destas, tem uma conta de depósito à ordem no Santander Totta que também registou movimentos a PT50............77 (e que, entretanto, foi liquidada).

308. Tem também uma conta de depósito à ordem nos CTT que também registou movimentos a PT50.............46.

309. Por último, tem também uma conta de depósito à ordem na Caixa Agrícola que também registou movimentos PT50...........67.

310. O arguido teve ainda relações nas instituições BNP Paribas, na Credibom e na Oney entretanto cessadas.

311. Tem ainda relações de crédito com a Cofidis e com a 321 Crédito que financiou previsivelmente parte do custo do automóvel com a matrícula ...-IE-..., da marca … e acima melhor identificado.

312. Em termos de créditos, entraram €407.074,33 nas aludidas contas.

313. Neste valor importa considerar €355.290,12, já que se subtraiu 51.784,21€ cujo montante corresponde a falsos créditos (vencimento de depósitos a prazo, transferências a crédito oriundas de outras contas do arguido, uma verba de venda de notas, por existir um movimento a débito a 16 de Dezembro de 2016 pelo valor de 977,72€ relativo à compra de moeda e no dia 20 de Dezembro de 2016 ter existido um crédito de venda de moeda pelo valor de 953,80€ e, por último, um crédito do banco para a conta ser liquidada).

314. Do valor de €355.290,12, entrados nas contas do arguido, €328.151,00 correspondem a depósitos em numerário.

315. O total de créditos entrados nas contas bancárias do arguido BB, no valor de €355.290,12, mesmo subtraindo-se os rendimentos apurados pela autoridade tributária e aduaneira (17.025,89€), totaliza o valor de €338.264,23.

316. Perante a Autoridade Tributária, o arguido AA declarou ter obtido, entre Janeiro de 2013 até ao final de 2017, rendimentos que totalizavam €2.132,76.

317. O arguido AA ainda possui o seguinte património;

318. - veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula RC-...-..., marca ……, modelo …..., registo inicial de 1988 e em nome do visado desde Novembro de 1994.

319. Não é sócio ou tem qualquer cargo nos órgãos sociais de qualquer empresa.

320. Em termos de contas/produtos bancários, o arguido AA é titular de contas nas instituições Novo Banco, Santander, Caixa Agrícola, as quais não tiveram movimentos no período analisado.

321. O arguido teve ainda relações nas instituições BNP Paribas e Credibom, entretanto cessadas.

322. A única instituição financeira com movimentos na conta à ordem foi o BBVA na conta PT50...............58.

323. Em termos de créditos a mesma registou 33.040€ de depósitos em numerário (sendo o montante maior apurado em 2017 no valor de 28.700€).

324. Existem 2.243,54€ da Segurança Social que são condizentes com os valores apurados pela AT, 3.000,00€ de um depósito a prazo, mais 15.516,00€ relativas a transferências feitas pelos filhos nos anos de 2016 a 2018.

325. Entre depósitos em numerário, venda de notas e transferências, o arguido tem €50.887,61.

326. O último saldo conhecido da conta BBVA PT50..........58, titulada pelo arguido AA, à data de 28/05/2018, era de €30,32.

327. Além dos €50.887,61, foram apreendidos no decurso das buscas realizadas ao arguido AA os seguintes valores em numerário 19.950,00€, mais 1.200,00€, mais 60,00€.

328. Tais valores totalizam €72.097,61.

329. CC, entre Janeiro de 2013 até final de 2017, não obteve rendimentos, nem é sócio ou tem qualquer cargo nos órgãos sociais de qualquer empresa.

330. O arguido CC não tem património registado em seu nome.

331. Todavia, na posse do mesmo foi apreendida a viatura, ligeira de passageiros, de matrícula ...-TD-..., da marca …, modelo ……, de 1461 cm3, gasóleo, de 81 kw, importado, do ano de 2016, registado em nome de VV, desde Julho de 2017.

332. Sobre a viatura existe uma reserva de propriedade da IF Credibom.

333. O seguro da viatura após registo em Portugal esteve em nome da proprietária até Março de 2018, altura em que passou para o CC.

334. Na conta titulada por este arguido, no Santander, apurou-se um débito no valor de 19.000,00€ a favor de NN (filho da titular da viatura e com data de nascimento a .../06/2011) na data da constituição do seguro automóvel a favor do arguido a 05/03/2018.

335. Em termos de contas/produtos bancários, o arguido CC é titular de contas no Banco Santander e abertas em Maio de 2017.

336. Destas, apenas a conta PT50.............22, registou movimentos.

337. Esta conta, em termos de créditos efectivamente entrados, resume-se a 3 depósitos no valor total de 88.000,00€ em numerário (50.000,00€, 18/05/2017, 35.000,00€, 24/05/2017 e 3.000,00€ a 02/06/2017).

338. No último movimento, o saldo era de 363,54€ em 01/06/2018.

339. O arguido CC não teve rendimentos no período investigado.

340. O arguido DD, entre Janeiro de 2013 até final de 2017, não obteve rendimentos, não é titular de contas bancárias, não é titular de quaisquer bens, nem é sócio ou tem qualquer cargo nos órgãos sociais de qualquer empresa.

341. Em 19 de Março de 2018, foi apreendido ao arguido DD a quantia de 340,00€ em numerário, no curso da revista feita ao arguido.


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342. Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos.

Factos Não Provados:

1. Com o intuito de dissimular a actividade de tráfico de estupefacientes e os proventos auferidos pela mesma, o arguido BB explorava o estabelecimento comercial de restauração denominado “B.................”, sito na Rua ..................., n.º ….

2. Não obstante, pelo menos, entre Maio de 2017 e a data em que foi detido nestes autos, o arguido BB abria e encerrava o estabelecimento que explorava em horas distintas, tendo-o encerrando, por vezes, por longos períodos de tempo, sobretudo nos últimos meses, o qual esteve permanentemente encerrado.

3. No período em que os arguidos tiveram a disponibilidade do armazém do ......, efectuaram diversos orifícios em paredes, tectos falsos e pilares, destinados a ocultarem objectos, mudaram a fechadura e reforçaram a porta traseira do armazém com madeiras, corrente e cadeado.

4. No dia ... de Junho de 2017, os arguidos BB e AA deslocaram-se até ao aludido armazém sito no ...... e retiraram do seu interior diversas caixas de papelão, de diversas dimensões, para junto de dois contentores do lixo situados no exterior, as quais tinham apostas etiquetas de cor branca, devidamente numeradas e com o código de leitura ótica, contendo a seguinte inscrição “CC, Venezuela – ......, 10-05- 2017”, abandonando o local.

5. Nas circunstâncias supra referidas do dia 19.03.18, os arguidos BB e AA acompanharam também a descarga da mercadoria e, no momento do assalto policial, todos os arguidos estavam já a manusear a mencionada arca frigorífica com recurso às ferramentas ali presentes e a iniciar o desmantelamento da mesma arca.


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6. À data da detenção, AA usufruía de um rendimento mensal aproximado de 4000 euros.

7. Todos os proveitos que o Arguido AA tem advêm do seu trabalho como ……….

8. Na Venezuela, o arguido AA chegou a auferir, por semana, cerca de 4.000 bolívares.

9. Foi a conselho do Arguido AA que BB se fixou em Portugal e montou um negócio na área da restauração (“B..........”) – foi o Arguido AA que tratou da procura do espaço, do seu arrendamento, e fez o projecto para licenciamento das obras.

10. Nos períodos em que o Restaurante “B.........” estava fechado, o arguido BB encontrava-se a prestar serviços ou a trabalhar por conta de outrem.

11. O valor total de €88.000,00 (oitenta e oito mil euros) depositado por WW, cônjuge do arguido CC, em conta por si titulada consiste no produto da venda de cinco autocarros, celebrada na Venezuela.


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Também não se provaram os factos que se encontram em manifesta contradição com aqueles que se julgaram apurados nem se considerou demonstrada matéria conclusiva, repetida ou de Direito.

Motivação de Facto:

O ponto de partida lógico para apreciação probatória no caso vertente é a apreensão efectuada em 19.03.18 no armazém sito em ............. - do qual era arrendatário o arguido BB (irmão do arguido AA) -, de cerca de trezentos de quilos de cocaína com um grau de pureza elevado (77,5 e 86,6%, respectivamente, conforme auto de busca e apreensão de fls 262 e seguintes e exame toxicológico de fls 2220 e seguintes), embalados em diversos pacotes camuflados no interior de equipamentos – v.g. arcas frigoríficas e fogões -, provenientes da Venezuela e recepcionados nesse mesmo dia, no dito armazém, minutos antes, pelo arguido DD, em nome de quem foram importados, e pelo arguido CC (irmão daquele).

No momento da apreensão – na sequência da qual os arguidos viriam a ser detidos -, estavam presentes os quatro arguidos no interior do armazém, dado que os arguidos BB e AA ali se juntaram aos co-arguidos após a descarga da mercadoria (esclarecimento feito, a propósito da presença dos arguidos, pela testemunha XX, agente policial que interveio na operação).

De salientar que todos estes factos são pacíficos nos autos, porquanto confirmados por todos os arguidos e sobejamente documentados quer em registos fotográficos no âmbito de diligências policiais quer na vasta documentação atinente à importação dos bens, como uma rápida leitura dos autos de busca e apreensão datados de 19.03.18 permite esclarecer.

De igual modo, é pacífico que, em Maio de 2017, tinham também sido importados da Venezuela - desta feita, em nome do arguido CC-, equipamentos semelhantes e mobiliário doméstico, transportados no dia 10 desse mês para o armazém sito no ……. e arrendado em nome de CC entre Abril e Julho de 2017 (cfr. documentos atinentes à importação, constantes de fls 41 e seguintes do apenso XIX). Findo este arrendamento, parte desse material foi transportado pelo arguido BB para o referido armazém ……. – como o próprio assume, está documentado fotograficamente nos autos de vigilância e foi contextualizado pelos agentes inquiridos, nomeadamente, por XX. Sem embargo, a isto se circunscreve a importância, por assim dizer, do armazém de .... no âmbito da presente análise, face à delimitação do objecto do processo.

É ainda consensual que, à excepção do arguido DD (que chegou a Portugal apenas em 20.02.18), todos os demais arguidos colaboraram activamente no sucesso de tal transporte de Maio de 2017 e no dito arrendamento do armazém ......, firmado a 12.04.18 – dia em que o mesmo arguido CC chegou a Portugal -, e que boa parte desses equipamentos - diversas arcas frigoríficas - foi, dias depois, em 25.05.17, vendida para sucata por cerca de duzentos euros. Preço obtido após conversa mantida entre o sucateiro – a testemunha YY que viria a vender logo tais bens à testemunha ZZ -, e os arguidos BB e AA.

O processo dispõe ainda dos autos de apreensão que despoletaram o presente procedimento criminal (patentes a fls 8 e seguintes) de cerca de dezasseis quilos de cocaína camuflados no interior de três das arcas frigoríficas vendidas para sucata nas circunstâncias descritas no parágrafo anterior. Como melhor veremos adiante mas importa referir desde já para seguimento do raciocínio, esclareceu, a este propósito, a testemunha ZZ que, no exercício de desmantelar uma dessas máquinas no cumprimento do dever legal de separação de materiais, detectou um pacote embrulhado em fita cola castanha, que levou ao posto policial. Adiante-se também desde já que não foi mencionada qualquer eventual animosidade desta testemunha, dos seus funcionários ou de qualquer outra pessoa para com os arguidos nem sendo verosímil que alguém, envolvido num esquema de tráfico, se prontificasse a ir às autoridades entregar estupefaciente.

Neste quadro, além da presunção de inocência, e tendo em conta que o essencial da prova vertente não é, como veremos, directa mas, antes, indiciária (adiante faremos o competente enquadramento teórico), é de notar que os arguidos gozam ainda de um significativo contra indício que consiste justamente no facto, pouco consentâneo com as regras da lógica e da experiência, que é alguém “esquecer-se” de dezasseis quilos de cocaína.

Contudo, tal presunção, reforçada pelo apontado contra indício, não exime da análise milimétrica, cuidada e integrada da demais prova produzida. Do prisma metodológico, a presunção de inocência dos arguidos em processo penal obriga o julgador a esgotar todas as leituras possíveis e razoáveis da prova, holisticamente considerada, alternativas à da Pronúncia ou a qualquer outra com relevo penal. É, portanto, deste pressuposto - da inocência dos arguidos -, e tendo como referência inteligível da exposição as aludidas apreensões, que partimos para a análise que segue.

Começamos por perpassar no essencial cada uma das versões dos arguidos e cada um dos depoimentos das testemunhas, analisando-os, primeiro, per se, e cruzando-os depois com a demais prova produzida, em ordem a apreciar a credibilidade e fiabilidade de cada um.

No essencial e em síntese, o arguido AA explicou que, a pedido do seu irmão, o arguido BB – que conhecia os arguidos CC e DD da Venezuela -, e porque os demais arguidos tinham dificuldades com o idioma nacional e, por conseguinte, com o preenchimento de documentos e gestão burocrática, prestou auxílio a todos nesses particulares. Acompanhou muitas vezes o irmão quer por também este se aprestar a ajudar os demais arguidos, que queriam vir para Portugal, quer porque também ele – o seu irmão BB – tinha limitações semelhantes, incluindo com a condução neste país.

Mais contextualizou o arguido AA que a sua postura de quase se substituir às pessoas em causa a cada passo dos procedimentos e de despender tanto tempo para o efeito se inscreve numa atitude cultural e educacional de interajuda e que é seu hábito guardar uma fotocópia de todos os documentos em cuja emissão intervém, assim explicando o teor das apreensões efectuadas aquando da busca à sua residência. Mais aditou neste particular que, além do mais, os restantes co-arguidos não sabem trabalhar com computadores, logrando assim contextualizar a sua actividade nos termos em que foi identificada após perícia feita ao material informático apreendido por ocasião da busca à sua residência.

Explicou ainda que o numerário encontrado no seu domicílio era produto do seu trabalho e que parte dele viera da Venezuela para Portugal camuflado em mobília (mesas de cabeceira), dada a dificuldade em fazer sair dinheiro desse país.

A propósito do armazém .... por si arrendado inicialmente, explicou este arguido que, quando em 2016 e após um período de cinco anos a residir na Venezuela, decidiu para aqui voltar de vez dada a situação sociopolítica vivida naquele país, resolveu investir em mobiliário para equipar a casa onde viveria em Portugal. Opção que atribuiu ainda e uma vez mais à dificuldade em movimentar dinheiro da Venezuela. Contudo, como a casa para onde foi habitar não era suficientemente grande, resolveu arrendar o dito armazém para ali guardar o seu mobiliário. Algum tempo depois, o armazém interessou ao seu irmão posto que, no restaurante que o último tinha em …, nem uma arrecadação existia, e também porque, além desse negócio, o seu irmão BB também se dedicava ao conserto de equipamento de frio pelo que o armazém lhe era conveniente.

Sabe igualmente que o seu irmão adquiriu máquinas ao arguido CC, as quais foram, por isso, transportadas do armazém …. para …….

Instado, respondeu que, juntamente com o seu irmão BB, também ajudou o arguido CC, em 2017, a vender máquinas para a sucata quando se aperceberam que, em Portugal, aquelas máquinas não estavam em condições de ser usadas. Sublinhou que o fez por idêntica ordem de razões: ajudar alguém com dificuldades na língua e no sistema portugueses, acabado de chegar da Venezuela.

No dia 19.03.18, tinha ido com o irmão a ........... porque este lhe pedira de véspera já que estava a chover e queria ir tratar da instalação de água e luz no armazém, sendo certo que desconheciam que nesse dia era feriado nesta cidade. Contudo, uma vez aí, o irmão ainda contactou a EDP para o efeito e dirigiram-se ambos ao armazém para verificar o quadro eléctrico.

Questionado, respondeu também o arguido que, no dia da detenção, não viu os agentes policiais a retirar pacotes dos equipamentos importados.

Por seu turno, o arguido BB explicou que o co-arguido CC queria vir para Portugal e trazer a família; que lhe falecera um filho e tinha outro doente, e que por isso o ajudou. Contextualizou que já conhecia aquele arguido da Venezuela pois que o mesmo ali tinha uma garrafeira e ele, BB, prestava-lhe serviços de refrigeração. Como CC lhe dissesse que queria montar uma loja em Portugal, aconselhou-o a estabelecer-se no ...... porque ia ser construído o aeroporto nessa localidade e pareceu-lhe, por isso, uma boa zona.

Especificou que, como CC se queixava de não estar bem da cabeça devido aos problemas de saúde do filho, ainda lhe disse que guardaria as máquinas em .... e levou algumas – v.g. duas arcas frigoríficas e dois fogões industriais. No entanto, como gastou nesse transporte seiscentos euros e entendeu que não compensava consertar as máquinas, depois acordaram em vender o resto para a sucata. Explica, assim, a apreensão de vinhetas com o nome de CC no armazém …. Mais adiante, o arguido referiu ainda a este propósito que viu que o material dele não era bom em Portugal e, por isso, levou parte dele para …. Mas, como viu que despendeu seiscentos euros nesse transporte e entendeu que “não compensava”, aconselhou-o a vender o restante equipamento para sucata e ajudou-o nisso. Algumas das máquinas que levou para .... ficaram no pátio e estragaram-se. Mais respondeu que o conselho de vender para sucata se estribou igualmente na conclusão que extraiu de que não compensava consertar aquelas máquinas. Isto, porque vinham com vidros partidos e com ferrugem, comentando o arguido que não sabia o que se passara no transporte da Venezuela para cá.

Respondeu, por outro lado, que ficou com a chave do armazém...... porque o arguido CC andava com o problema do filho.

Explicou também que era a sua filha AAA quem estava à frente do restaurante B............. e que abriu tal estabelecimento em .... para dar trabalho à família por causa das exigências do SEF. Por conseguinte, e quando confrontado com discrepâncias e incongruências do seu depoimento nesta matéria, afirmou que a sua filha saberia melhor o horário de funcionamento respectivo. Mais declarou que o B......... ainda trabalhou mais cerca de quatro meses após a sua detenção.

Mais explicou que, no dia ... .03.18, a sua caixa de ferramentas estava no armazém ........... (..........) em cima da mesa a secar, pois, que, sem querer, deixara os vidros do carro abertos, onde transportava sempre tal caixa, e a mesma estava molhada.

Confrontado em audiência com o teor de algumas das conversas telefónicas interceptadas, designadamente com a que respeita à sessão 2787 de 08.03.18, resumida a fls 60 do apenso VI, em que o interlocutor diz ao arguido BB que “el amigo” chega esta semana, respondendo este “caramba a correr ……”, o arguido não logrou explicar. Pediu várias vezes que lhe repetissem “a pergunta”, tendo-lhe o tribunal retorquido sempre que a questão que lhe estava a ser colocada era a de saber se o arguido se lembrava da conversa e do que se tratava. Contudo, numa atitude de inequívoca intenção de não responder, o arguido insistia que lhe reformulassem a pergunta. Posto que este diálogo se repetiu várias vezes, ficou patente que o arguido não quis explicar a dita conversa. Atitude que, como é bem de ver, em nada se inscreve no exercício do direito ao silêncio.

Instado sobre a questão de saber por que motivo guardava espuma expansiva no seu veículo, a qual veio a ser apreendida no armazém, o arguido respondeu que estava a reunir doze pacotes de espuma expansiva para enviar para a Venezuela porque lá não havia nada. Porém, não explicitou para quem enviava nem forneceu a este respeito qualquer outro detalhe, em manifesto contraste com a maioria das demais questões que abordou.

Mais aquiesceu que o irmão AA o ajudou a si e aos demais arguidos a seu pedido, tendo-lhe inclusivamente solicitado que contratasse uma transportadora. Isto, porque ele não sabe bem escrever em Português e, a seu ver, em Portugal, os imigrantes são maltratados e enganados.

Afirmou igualmente o arguido a instâncias, que, em ……, no armazém, andava a arranjar dois fogões. No entanto, não contextualizou de quem eram nem mencionou qualquer outro pormenor dessa actividade em Portugal, numa atitude que contrastou também com o mais que relatou (ressalva feita para a questão atrás referida), no qual foi imprimindo diversos detalhes periféricos.

A respeito do arguido DD e do armazém .........., esclareceu o arguido BB que o mobiliário deste arguido, também importado da Venezuela, foi para ........... porque este tinha a sua casa, sita em ..............., em obras.

Questionado, respondeu também o arguido que, no dia da detenção, não viu os agentes policiais a retirar pacotes dos equipamentos importados.

No essencial, as explicações dos arguidos AA e BB, irmãos, coincidiu, como vimos. Trata-se, porém, de uma versão - a destes arguidos – diversa de cada uma das versões dos co-arguidos (e também irmãos entre si) CC e DD.

Com efeito, ao contrário daqueles, cada um destes arguidos referiu que só aceitou vir para Portugal porque o arguido BB lhes pedira (ao primeiro em 2017 e, ao segundo, em 2018) que o representassem num contentor de máquinas a transportar da Venezuela para Portugal e lhes prometeu trabalho num restaurante que aqui iria abrir e para o qual se destinavam as máquinas. Por esse motivo - explicaram à vez -, deram ao arguido BB cópia dos respectivos passaporte e bilhete de identidade, ainda na Venezuela.

O arguido DD, instado, respondeu ainda que, no dia 19.03.18, estavam os quatro arguidos no café quando chegou o contentor. BB e AA deram-lhe a si a chave para ir ao armazém descarregar a mercadoria e disseram que iam tratar da luz. Explicaram-lhe então que, como ia sem seu nome, teria de ser ele a receber a mercadoria.

Referiu ainda que chegou a Portugal no dia 20.02.18; que o co arguido BB é que pagou as passagens; que no BBVA para pagar o imposto atinente à importação foi com o arguido AA que retirou dinheiro de uma mala que levava e pagou; e que, no dia da apreensão, no armazém .........., ouviu o que lhe pareceu ser estarem os agentes a “rebentar aquilo” e viu depois uma série de pacotes a sair das máquinas.

O arguido CC deu explicação semelhante para a sua vinda para Portugal, dizendo que nunca teve chave do armazém...... e que as mercadorias vinham com o nome do restaurante que BB teve na Venezuela.

De salientar que todos os agentes que intervieram na operação do dia 19.03.18 – XX (deve ler-se XX); BBB (deve ler-se BBB); CCC; DDD e EEE -, deram conta de ter avistado os arguidos junto à arca já aberta, uma das que continha estupefaciente camuflado. Disseram também que o cartão que acondicionava aquela arca estava parcialmente retirado. No entanto, com excepção de XX, instados, responderam que não viram os arguidos nela mexer. Ora, fácil seria terem dito que os avistaram a mexer na arca se o propósito destas testemunhas fosse o de “afeiçoar” os factos. Por outro lado, se a visão para o interior do armazém fosse razoável, natural seria que a ordem de assalto tivesse aguardado mais um pouco. Apenas o Agente XX, o primeiro agente a entrar, afirmou ter visto os arguidos a rasgar o papelão, não conseguindo já concretizar se todos o faziam nesse instante. Porém, instados, todos responderam negativamente à questão de saber se viram qualquer dos arguidos directamente a usar ou a empunhar ferramentas, o que se reflectiu no ponto 5 dos factos não provados.

Mais esclareceram coerentemente estas testemunhas que as máquinas eram obsoletas mas que os pacotes com estupefaciente estavam blindados e o respectivo plástico não era envelhecido. Deram ainda conta de ter utilizado as ferramentas existentes no local para proceder ao desmantelamento dos equipamentos.

Por sua vez, a testemunha EE afirmou que o B................. estava sempre fechado. Porém, não ficou clara a razão de ciência desta testemunha neste particular. Acresce que o escasso número de vigilâncias feitas pelos Agentes impediram-nos de justificar uma razão de ciência suficientemente consistente para julgar demonstrada a alegação de que o restaurante estava mais vezes fechado do que aberto ou que era sempre incerto nos horários. Deste modo, tal matéria foi elencada nos factos não provados (pontos 1 e 2).

YY, sucateiro que adquiriu máquinas que estavam no armazém do ...... e as vendeu à testemunha ZZ, explicou que falou sempre só com os arguidos BB e AA e que pelas arcas pagou cerca de duzentos euros.

ZZ, além do supra já exposto, declarou ainda que, pela sua experiência, os ditos pacotes já estariam na arca há anos, pelo menos, há mais de dois. Conclusão que retirou do aspecto da ferrugem e do esferovite, invocando a sua experiência de décadas em matéria de sucata.

Diferentemente, pelos agentes e sobretudo no tocante ao material estupefaciente apreendido no dia 19.03.18, foi dito que o plástico que acondicionava os pacotes com cocaína não estavam envelhecidos. De resto, tal material está apreendido nos autos. Não se vislumbra, assim, motivo objectivo para questionar a versão dos Agentes neste particular. Deste modo, a relevância de tal apontamento da testemunha circunscreve-se àquele concreto pacote.

De notar que todas estas testemunhas se mostraram fluentes, isentas e coerentes, pelo que inexiste motivo para questionar a respectiva credibilidade ou fiabilidade, já que foi ainda patente o cuidado de identificar os factos de que estavam seguros daqueloutros relativamente aos quais a memória estava menos clara. Pormenores como a falta de noção de datas não foram de molde a questionar tal fiabilidade já que é comum tal dificuldade já porque revela que as testemunhas não tiveram qualquer preocupação em “preparar” o relato. É, pois, da experiência dos tribunais, que, quando existe esse cuidado prévio, a data é um dos factores expresso em primeiro lugar nos depoimentos.

A testemunha de defesa FFF, filha do arguido AA explicou que, certa vez, no …, um senhor abordou o pai e que, como este ficou, nas suas palavras, “assim um bocadinho”, lhe perguntou quem era. Ora, tal episódio vai de encontro ao teor da conversação mantida entre os irmãos ......... no dia 27.06.17 (ponto 170 dos Factos Provados), na qual o arguido AA comenta com o irmão, BB, que um tal “SS” o abordou no .......... a fazer-lhe perguntas estranhas, tendo o arguido BB contextualizado tal conversa “estranha” no propósito de alguém o querer impedir a si de “sair”, referindo-se às ligações subjacentes ao plano de transporte referido.

GGG, igualmente filho do arguido AA, também referiu que o pai lhe disse que trouxera dinheiro da Venezuela no interior de uma mesa de cabeceira.

Ambos bem como as duas últimas testemunhas ouvidas – HHH, ex-companheira do arguido, e KK, irmão daquele, deram conta de o arguido AA ter intervindo em diversos projectos ……. de grande envergadura quer na Venezuela quer no Brasil. Factos que encontram respaldo em boa medida no teor da declaração fiscal apresentada por AA em 2017 e referente ao ano anterior, junta a fls 2174 e seguintes do apenso VI, da qual consta um rendimento bruto declarado de 14.445,68 bolívares. Quantia, porém, irrisória se convertida em euros. De referir ainda que os demais documentos juntos na Contestação deste arguido ou posteriormente consistem em meros prints informáticos ou não assumem relevo, como é o caso da declaração de uma Paróquia. Não há dúvida de que o arguido esteve envolvido em vários projectos ……. e de que recebeu proventos nesse âmbito. No entanto, nem dos ditos documentos nem do relato das testemunhas nem das regras da experiência, é possível inferir, sequer por aproximação, quanto é que o arguido terá ganho em concreto. Não foram referidos valores pelas testemunhas nem quaisquer outros dados que aí permitissem chegar nem foram juntos, por exemplo, com relevo neste jaez, quaisquer documentos bancários. Acresce que as moedas sul americanas em geral têm um valor irrisório face ao euro. Por outro lado, como o próprio mencionou e se julgou demonstrado, era o arguido que garantia, além do seu, o sustento dos filhos. Logo, as despesas que suportava eram expressivas. O que dificulta ainda mais concluir pelos valores de poupança alegados na Contestação.

Esclareça-se desde já que, como resulta desta análise, mostra-se sem relevância o teor dos autos de reconhecimento (até porque um deles foi feito sob reserva e, em audiência, a testemunha manteve as reservas), pelo que redundaria num acto inútil conhecer da nulidade invocada relativamente aos mesmos, ainda que se entendesse que, do prisma processual, a mesma poderia ser, nesta fase, conhecida.

Posto que os arguidos não questionam qualquer da documentação apreendida junta aos autos nem a validade da prova pericial ou das intercepções telefónicas -e, por conseguinte, não negam a actuação que tiveram nos processos de importação e de arrendamento a que alude a Pronúncia, limitando-se a infirmar a versão acusatória atinente ao propósito com que o fizeram -, torna-se pertinente sinalizar que, das declarações dos arguidos, se extraem, no essencial, duas versões distintas.

Por um lado, a versão dos arguidos BB e AA que afirmaram que tudo o que fizeram foi com vista a ajudar cada um dos demais arguidos a vir para Portugal estabelecer-se e a trazer os bens que entendessem. Isto, em razão da dificuldade que tinham em falar e escrever Português e em lidar com a burocracia exigida em tais processos. AA aduziu que só o fez porque tal lhe pedira o seu irmão, BB, o qual conhecia os demais arguidos e também tinha dificuldades similares.

Por outro lado, erigiu-se a versão saída dos depoimentos dos arguidos CC e DD, que explicaram que foi o arguido BB que pediu – a cada um- que o representassem num processo de importação de bens para Portugal, mais lhes dizendo que os mesmos se destinavam a um restaurante que iria abrir neste país e convidando-os a aí trabalhar. O que aceitaram, dada a situação socioeconómica e política dramática da Venezuela.

Destarte, na versão dos irmãos ........., a narrativa acusatória é compatível com a actuação (apenas) dos co-arguidos e vice-versa. Ou seja, na versão dos arguidos BB e AA, a factualidade imputada é compatível – e apenas – com a actuação dos arguidos CC e DD. E, de facto, atalhando desde já, as declarações dos arguidos, à luz ainda da documentação apreendida, já permitia, sem mais, observar que o certo é que ninguém se daria ao trabalho de camuflar pacotes de cocaína nas paredes de equipamentos industriais por mero gáudio e a título gratuito e, muito menos, após essa empreitada, os enviaria, sem mais, para outro país, para alguém que nada tinha que ver com esse estupefaciente, permitindo que transitassem de um continente para outro trezentos quilos de cocaína quase pura por engano ou entretenimento. Portanto, como é bem de ver, é evidente que os factos pacíficos – porquanto, repise-se, admitidos por todos os arguidos e sobejamente documentados nos autos, com apoio consistente no conjunto da prova, designadamente, testemunhal -, permitem com segurança, à luz das regras da lógica, afirmar que, pelo menos um dos arguidos estava envolvido no esquema. Importa agora prosseguir na análise crítica da restante prova em ordem a discorrer se a mesma permite extrair outras ilações.

Desde já, é de observar que o conjunto da prova produzida, nomeadamente, das declarações prestadas pelas testemunhas YY, ZZ, pelos agentes policiais e pelo arguido BB, resulta inequívoco que as máquinas ou equipamentos importados eram antigos e estavam em mau estado de conservação, necessitando, na maioria, de um qualquer conserto para funcionar.

Naturalmente que, à partida, o transporte de máquinas velhas, com todos os custos inerentes e que chegaram a rondar os milhares de euros, para depois serem vendidas por uma ou duas centenas de euros, causa estranheza. Recorde-se que foi atribuído o valor de dez mil euros aos bens importados em nome do arguido CC (v. fls 25 do apenso XIX) e que os custos dessa importação atingiram mais de metade deste valor. A saber, €5.801 (v. fls 68 e 69 do apenso XIX, respectivamente, factura da transportadora e talão de depósito). Valor semelhante, já tinha pago o arguido AA em 2016 como emana de fls 22 do apenso XVIII. Por conseguinte, seria fácil a este arguido, em face da descrição dos bens, discernir e informar o irmão ou o próprio CC no sentido em que possivelmente não compensaria trazer os bens atentas as despesas necessárias ao efeito. Ao invés, o esforço que resulta do teor das conversas interceptadas foi no sentido de procurar baixar o imposto mas também no sentido de evitar que a transportadora lhes dificultasse ou inviabilizasse o transporte por esses motivos. Ora, conforme já mencionado, boa parte desses bens foi vendida para sucata por meros duzentos euros, escassos quinze dias após a desalfandegação, ao primeiro sucateiro que se dispôs a ir ao armazém e sem grande discussão de preço, como explicou a testemunha YY.

Todavia, é de notar que esta observação é também em boa medida alicerçada numa determinada lógica e experiência do contexto socioeconómico do tribunal e que importa a este nível ter acrescidas cautelas de forma a não cair naquilo que a doutrina designa por “armadilha heurística”. Ou seja, importa ter presente que é no contexto dos arguidos que se devem identificar as “regras da experiência” a ter em conta no presente discernimento e, sobretudo, que, tendo os arguidos crescido e formado a personalidade num país em vias de desenvolvimento (na terminologia e classificação da ONU) e culturalmente muito diferente do nosso, o tribunal não domina todo esse contexto. Deste modo, no raciocínio aqui seguido, as categorias de análise da “experiência comum” foram encontradas na lógica que os próprios arguidos imprimiram às respectivas narrativas.

Assim e do mesmo modo, apesar de aparentar pouco natural, a explicação que os arguidos ...... fornecem para deterem vastíssima documentação pessoal dos co-arguidos e referente aos processos de importação dos bens, bem como para estarem presentes em quase todos os procedimentos implicados e de se terem substituído aos co-arguidos até na escolha dos armazéns, tal não seria suficiente para abalar a presunção de inocência dos arguidos nem para afirmar, com o grau de segurança necessário, a maior credibilidade de qualquer uma das duas versões apresentada.

Também a explicação dada para a abertura do restaurante B................. – arranjar emprego para os familiares e facilitar junto do SEF a legalização destes – embora algo rebuscada, não é de todo desrazoável. O que se reflectiu no ponto 1 dos factos não provados.

Os vestígios lofoscópicos (cfr. Relatório Pericial de fls 1081 e seguintes) do arguido CC numa garrafa encontrada no armazém ......, sendo certo que este tinha uma garrafeira na Venezuela como resultou do seu próprio depoimento e do dos co-arguidos, não se mostra também, de todo, conclusiva visto até que se desconhece a proveniência da garrafa.

É, porém, desde já de notar que, pese embora tudo o que foi dito acerca da literacia dos arguidos e das quantias monetárias apreendidas na residência de AA, é o último o próprio a assumir que trouxe dinheiro da Venezuela para Portugal no interior de duas mesas de cabeceira. Disse-o durante as últimas declarações, após o seu filho, a testemunha GGG o ter mencionado, não o tendo logo explicado quando prestou as primeiras declarações, apesar de ter sido longamente instado acerca da proveniência do numerário que tinha na residência.

Deste modo e ainda que em abstracto, é de observar desde já que o grau de sofisticação que se possa reconhecer ao transporte de estupefacientes a que os autos aludem estava ao alcance do arguido AA.

Sem perder nunca de vista as cautelas necessárias a evitar a apontada armadilha heurística, o certo é que, ainda assim, é forçoso observar manifestas incongruências nas declarações prestadas, em face dos demais elementos dos autos reconhecidos pelos arguidos.

Desde logo, se os arguidos CC e DD fossem os únicos responsáveis, respectivamente, por cada um dos dois transportes em questão, soubessem o que vinha dentro das máquinas e demais equipamento e agissem de acordo com um plano no qual os co-arguidos BB e AA não eram intervenientes e do qual não eram sequer conhecedores, não teriam querido certamente a presença destes nos armazéns e provavelmente não teriam confiado tão cegamente a estes a escolha do mesmo. Ora, CC chegou a Portugal no dia 12.04.17, data em que foi directamente do aeroporto para a imobiliária no ......, assinando o contrato sem nunca ter sequer visitado o imóvel. Aliás, no cenário traçado pelos irmãos ........., o mais natural até seria que os arguidos CC e DD tivessem pedido ajuda a outras pessoas. É patente que os pedidos feitos à transportadora ostentam a mesma letra e não se questionam as dificuldades de escrita dos arguidos, compatíveis com as respectivas condições pessoais, escrutinadas nos Relatórios Sociais. Contudo, o tribunal observou directamente a destreza destes arguidos, do ponto de vista da expressão oral, com a língua portuguesa. De resto, como flui dos mesmos Relatórios, os arguidos ........... tinham familiares em Portugal. Familiares que actualmente os visitam no Estabelecimento Prisional. Por conseguinte, à data, estes arguidos beneficiavam de alguma rede familiar em Portugal.

Ademais, não se vislumbra como saberiam BB e AA que o armazém do ...... - que, de acordo com a versão dos últimos, serviria para CC se estabelecer em Portugal -, seria apenas por três meses. Note-se que apenas ficou prevista renovação por períodos de um mês (cfr. contrato de arrendamento patente a fls 52 e seguintes dos autos). O que se mostra manifestamente incompatível com o aludido desiderato.

A versão do arguido CC é ainda em parte corroborada pelos esclarecimentos da testemunha LL, consultora imobiliária no ...... que explicou que o arrendamento foi por três meses que os arguidos logo pagaram. No dia em que conheceu CC, que assinou o contrato, este vinha de viagem segundo lhe pareceu. O que vai de encontro ao relato deste arguido neste jaez. Mais disse, como vimos, esta testemunha que só os arguidos BB e AA visitaram o armazém. Assim, CC assinou o contrato sem nunca antes ter visto o armazém.

Por outro lado, como flui do documento preenchido e dirigido à transportadora, de fls 8 e seguintes do apenso XVIII, apreendido ao arguido AA em sede de busca domiciliária, logo nesse documento datado de 19.02.18 – véspera da chegada do arguido DD a Portugal -, se indicara como morada deste arguido a do armazém de ........... sita em .......... – a mesma data do contrato de arrendamento do dito armazém (fls 12 do apenso XVIII). Por conseguinte, ao contrário do que disseram os arguidos, nunca esteve por si pensado levar os móveis para a sua alegada residência em ................

Se, como explicam os arguidos ......, a ideia de cada um dos co-arguidos, a seu tempo, fosse a de se estabelecerem e abrirem um negócio, o auxílio que tão exaustivamente lhes prestaram cobriria igualmente a burocracia respeitante à legalização dos arguidos e da respectiva actividade.

Conforme já observámos, à primeira vista, o transporte de máquinas velhas, com todos os custos inerentes e que chegaram a rondar os milhares de euros, para depois serem vendidas por uma ou duas centenas de euros causa estranheza. No entanto, BB enquadra esta decisão num parco conhecimento que os co-arguidos teriam da realidade em Portugal. Como explicou, na Venezuela tudo se repara. Aqui, dadas exigências de segurança, etc, as coisas são diferentes. O que parece não ser desprovido de alguma razoabilidade.

Sucede, porém, que é pacífico que BB estivera pouco tempo antes na Venezuela e que prestava serviços de frio para o arguido CC. Conhecia, por isso, muito bem as suas máquinas numa altura em que também já sabia que em Portugal “era diferente” para os apontados efeitos. Por conseguinte, é incongruente que tivesse deixado o amigo trazê-las, gastar tanto dinheiro quando dele precisaria bastante, sem aconselhá-lo a esse nível. Ele que, juntamente com o irmão e arguido AA, na sua versão, estavam tão dispostos a ajudar, e que viajavam por toda a zona centro do país, várias vezes, só para ajudar os amigos a receber as mercadorias, substituindo-se a eles em tudo. Estavam, por isso, bastante atentos, pelo que tal negligência se demarca desta forma de proceder, revelando-se inelutavelmente incoerente.

É também de notar, porquanto incongruente com a versão dos arguidos BB e AA, que a testemunha III, consultor imobiliário, que tratou do arrendamento em ..........., explicitou que, à mínima dúvida que lhe passasse, o Senhor Arquitecto não hesitava em ligar-lhe e que ambos os arguidos lhe disseram que o armazém serviria para trazer móveis de família dada a situação da Venezuela. O contrato foi celebrado por seis meses. O que se mostra algo incongruente também com a versão de que serviria para alargar a actividade de frio do arguido BB.

Inexiste, pois, qualquer acto concludente com a ideia de que os arguidos ........... se queriam aqui estabelecer. Ou seja, nada, absolutamente nada sobre isso foi dito por qualquer dos arguidos ou resulta de qualquer documento ou conversa. Nem mesmo de uma eventual desistência dessa ideia por CC (já que, é certo que DD acabara de chegar), tem respaldo em qualquer conversa interceptada ou em qualquer detalhe periférico mencionado pelos arguidos em audiência. Apenas BB e sem contextualizar, afirma que aquele arguido estava sem cabeça devido à doença do filho. Porém, o certo é que, naturalmente, teria de obter algum sustento. Ora, ainda que estivesse abonado, sempre haveria a dificuldade repetida de trazer dinheiro da Venezuela para Portugal.

Aliás, para quem estava “sem cabeça”, o arguido CC estava bastante activo em todos os procedimentos a que aludem os autos, conforme emana das conversas interceptadas e adiante mencionadas. Também não faz sentido que o arguido BB tivesse gasto seiscentos euros no transporte de dois fogões e duas arcas frigoríficas e pouco mais se, conforme explicou aquele arguido, nem compensava repará-las. Pois, se não compensava repará-las, não teriam grande valor e não serviriam para qualquer actividade de nenhum dos arguidos. De resto, tanto assim era que, segundo BB, algumas até se estragaram por completo porque ficaram no pátio. Tivessem elas valor e certamente que o arguido não as teria deixado a descoberto.

Neste momento do seu depoimento, o arguido BB aquiesce, pois, ainda que de modo tácito, que, feitas as contas, nada do que veio da Venezuela e que implicou custos próximos de seis mil euros para além do valor do arrendamento ...... valeria mais do que escassas centenas de euros pois que viria tudo, ao fim e ao cabo, estragado. Também não é compaginável com as regras da lógica e da experiência que os arguidos se tivessem conformado com a aventada hipótese de que os bens se teriam estragado – partido e adquirido ferrugem – durante a viagem, como referiu BB, e disso não tivessem reclamado face aos elevados custos suportados.

Estranha-se ainda que, sendo este arguido CC um homem de negócios (conforme reconheceram todos os arguidos e resulta do Relatório Social) que bem falava Português - como se observou em audiência e está patente nas gravações respectivas -, não tivesse discutido o preço das máquinas com o sucateiro e testemunha YY. Testemunha que, repise-se, referiu que apenas falou com os arguidos BB e AA.

No tocante ao dia da detenção, resulta de conversas interceptadas - e adiante mencionadas e identificadas -, que o objectivo dos arguidos ...... na viagem a ........... era outro que não a ligação de água e luz no armazém. Na realidade, temiam que CC se enganasse em qualquer procedimento. Ademais, o arrendamento tinha já um mês, ao longo do qual, o arguido BB nunca se preocupou em dotar o armazém de condições mínimas de trabalho. Mostra-se, assim, manifestamente incongruente com a respectiva versão dos factos tanto desinteresse de BB no armazém que, segundo disse, serviria ao alargamento da sua actividade profissional na área da refrigeração. Actividade que, de resto, repisando, quando reportada à presença do arguido em Portugal, não tem respaldo em qualquer pormenor circunstanciado pelos arguidos ou em qualquer outro meio de prova.

Acresce que BB e AA explicaram que, nesse dia, só viram os co-arguidos após a descarga da mercadoria. Ora, resulta de registos fotográficos da derradeira vigilância policial documentada no apenso X - que dá conta da chegada do veículo de BB ao armazém antes da chegada da mercadoria -, e do depoimento dos Agentes que participaram na operação – nomeadamente, de XX -, que os arguidos já ali tinham estado a descarregar material do veículo usado por BB e que tinham estado os quatro num café até chegar a transportadora.

Estes elementos corroboram assim a versão do arguido DD neste particular.

Por conseguinte, é de concluir que AA e BB relataram a sequência dos factos de modo a ocultar e a infirmar que já tinham estado no armazém e com os demais arguidos nesse dia.

Ainda no tocante à apreensão do dia 19.03.18, é de registar que DD mencionou que ouviu o que lhe pareceu ser os agentes a quebrar as máquinas e viu, depois, diversos pacotes no armazém. Ora, não obstante a versão de DD, também este pormenor lhe seria desfavorável, sendo que fácil teria sido para o arguido escamoteá-lo. De resto, não se mostra evidentemente razoável equacionar que a polícia tivesse forjado tantos quilos de um estupefaciente tão caro e num elevadíssimo e raro estado de pureza, de repente.

Inexistindo motivo para questionar a credibilidade dos Agentes, pelos motivos já aduzidos, é de julgar também demonstrado que o cartão que acondicionava uma das aludidas arcas frigoríficas estava já parcialmente retirado, apontando para o facto de pelo menos um dos arguidos na presença dos demais o ter acabado de fazer.

Ora, se a residência de DD estava em obras, o natural seria que as mobílias ali aguardassem ainda embaladas para assim seguirem logo que as obras estivessem prontas. Até porque, posto que, na versão do arguido BB, o armazém........... serviria para este expandir a sua actividade, naturalmente que o mesmo teria interesse em que as mobílias e equipamentos permanecessem no armazém o menor período de tempo possível, pelo que, também à luz da sua versão, não faria sentido desembalá-las naquele momento. Por outro lado, estranha-se a coincidência de tais obras com a vinda da mercadoria, já que todos se queixam de pouco dinheiro (à excepção de AA) e o transporte era dispendioso.

Acresce que as regras da lógica também cunham sem esforço a ilação de que a mercadoria nunca esteve destinada à residência do arguido DD, ao contrário do que sustentaram os arguidos BB e AA – que explicaram que a mesma só não foi para casa do arguido porque o mesmo tinha a casa em obras. Isto, porque se tratava de equipamento industrial e certamente que ninguém o colocaria em casa.

Não se vislumbra, pois, qualquer movimentação dos arguidos ........... no sentido de engrenarem numa qualquer actividade, não sendo lógico que tenham vindo para Portugal sem um qualquer objectivo de rendimentos.

É, já o dissemos, também lacunosa a propalada actividade de frio do arguido BB, fazendo pouco ou nenhum sentido, seja à luz de que lógica for, que pretendesse alargar a sua actividade em ........... por ser perto de Lisboa, sendo que continuaria a residir em .... e sem que contextualizasse com qualquer publicidade ou alusão a clientes. A única alusão respeitante a esta actividade é ao conserto de dois fogões no armazém de .... sem que se percebesse onde desenvolvia o arguido tal actividade antes de ter arrendado tal armazém já que o B................. nem arrecadação tinha, como ambos os irmãos ......... explicaram. Ora, se era incipiente em …, menos sentido faz a alegada expansão que, de resto, se manteve à espera pelo menos durante um mês já que, como apontado, mesmo na versão dos irmãos ........., apenas um mês após o arrendamento é que foram procurar ligar a água e a luz. O que está reflectido no ponto 7 dos factos não provados.

Em suma, mostra-se desprovida de qualquer alicerce no tocante ao desiderato inerente ao arrendamento dos armazéns a versão dos arguidos BB e AA. De tal sorte, que, à luz das regras a lógica e da experiência e ponderando ainda o teor das conversas interceptadas a que a seguir fazemos menção, foi ostensivo que a narrativa por estes arguidos trazida logrou ludibriar o tribunal de forma a procurarem demarcar-se do plano engendrado que permitiu a importação de mais de trezentos quilos de cocaína num grau de pureza que chegou a rondar, em alguns pacotes, os 90%.

Rumamos então para a análise do teor de conversações mantidas, quer as mencionadas na Acusação quer outras que com estas se relacionam e que reforçam a interpretação afirmada no anterior parágrafo.

Desde logo, da conversa mantida entre BB e AA em 13.03.18 (resumida a fls 24 do apenso II), extrai-se com clareza quer a preponderância de BB ao menos no que tange aos contactos com o terceiro desconhecido que lhes daria a comissão, quer a divisão de tarefas entre os quatro arguidos quer que era do interesse de todos o que viria com arguido DD quer que tal mercadoria nada tinha a ver com bens pessoais deste. Pois, a dada altura, acordando em que seria preciso dar uma justificação a FF - nome que, como resulta de conversas anteriores, era o de funcionária interlocutora no processo junto da transportadora G…… (cfr., vg., mail junto a fls 25 do apenso XIX) -, quando o arguido AA refere que lhe vai dar uma desculpa, BB responde-lhe que esse é o seu trabalho (v. Sessão nº 3005 transcrita no ap.VI a fls 68 e seguintes).

Destaca-se igualmente a conversa mantida entre BB e CC em 14.03.18, (produto 3014 a fls 74 e seguintes do ap. VI) em que BB afirma, preocupado, que tem de comprar mais espuma expansiva, ao que CC responde que viu espuma dessa num supermercado, caso BB não a consiga, queixando-se ainda este de falta de gasolina.

Note-se que foi apreendida ao arguido BB (no seu veículo) espuma expansiva; que na referida conversa é a propósito do recebimento das mercadorias que o arguido BB afirma que tem de comprar mais espuma expansiva “da alta”; que demonstra urgência e preocupação com essa aquisição, a ponto de CC falar também sobre o assunto. Tal diálogo não deixa margem para duvidar que a espuma expansiva bem como as rebitadeiras eléctricas, a fibra em spray e outro material que o arguido BB menciona que “tem de levar” está relacionada com a chegada e recebimento da mercadoria vinda da Venezuela e não com o objectivo de enviar espuma expansiva para aquele país. Ora, não se vislumbra nem à luz da versão dos irmãos .............. nem à luz da narrativa dos irmãos ......... qual a necessidade de usar espuma e ferramentas para receber o material. De resto, os arguidos negaram este propósito de usar ferramentas, mostrando-se evidente que faltaram à verdade.

Significativa foi também a conversa de DD e de BB em 15.03.18 (resumida e identificada a fls 31 do aludido apenso II), a qual demonstra que, ao dizer que “estavam na recta final e tinham de fazer as coisas como são”, DD revela que está por dentro do contexto dos co-arguidos; que com eles comunica sobre o processo de importação em curso comungando das mesmas preocupações e, consequentemente, que sabe o que está subjacente a essa importação.

De realçar ainda a conversa mantida entre BB e AA em 14.03.18, em que este diz àquele “tu é que mandas, não é?” (resumida e identificada a fls 26 do apenso II).

Nesta confluência, ficou patente que também os arguidos CC e DD forjaram uma versão com vista a ludibriar o tribunal e, assim, a eximir-se à associação ao plano que logrou transportar para Portugal mais de trezentos quilos de cocaína em estado de pureza quase total.

Deste modo, os pontos 1 a 5 e 63 e seguintes da Acusação, para a qual remete integralmente a Pronúncia, ficaram, no essencial, demonstrados (cfr. pontos 1 a 11 e 170 dos Factos Provados).

As condições pessoais dos arguidos quanto ao mais do seu percurso de vida resultam das suas declarações e do teor dos Relatórios Sociais e valeram ainda os CRC dos arguidos que atestam o carácter primário dos mesmos.

Mais cirurgicamente, é ainda de esclarecer brevemente alguns aspectos. Em primeiro lugar, que os pontos 15 a 17 dos Factos provados resultam precípuos do teor do auto de vigilância de 07.06.17 (apenso X), contextualizado em audiência pelos agentes inquiridos, nomeadamente, por XX e, de resto, assumidos e descritos pelo arguido BB.

Os pontos 25 e seguintes dos Factos provados alicerçam-se no teor das conversas interceptadas, resumidas e identificadas no apenso II e transcritas nos apensos seguintes.

Os pontos 29, 30 e 51 e seguintes têm respaldo nos registos fotográficos constantes do auto de vigilância de 05.03.18 (apenso X).

A respeito do ponto 31, é de ter em conta o contrato de arrendamento do armazém de ..........., datado de 19.02.18 (véspera da chegada do arguido DD) e patente a fls 12 do apenso XVIII.

Por outro lado, importa repisar que, conforme resulta das conversas interceptadas mencionadas nos pontos 32 a 35 dos Factos Provados, já identificadas, os arguidos planearam entregar o estupefaciente a pessoa desconhecida nos autos em troca de uma comissão. Assim se explica que as conversas não aludam a qualquer outra actividade para além das relatadas. Mais resulta que os arguidos tinham consciência da divisão de tarefas que de si era esperada.

Já aquela a que alude o ponto 36 bem como os pontos 40 e seguintes demonstra que o transporte das mercadorias interessava e muito a todos os arguidos e não apenas àquele em cujo nome vinha o transporte.

Os pontos 307 e seguintes resultam das informações bancárias de fls 873 e seguintes e 906 e seguintes sendo certo que, neste particular, no exercício da apreciação probatória é imposta uma presunção pelo art. 7º da Lei 5/2002 de 11.01, conforme adiante, em sede própria, se explicitará.

O ponto 4 dos factos não provados emerge da circunstância de o teor do auto de vigilância de 05.06.17 (apenso X) não ser suficiente para concluir que os indivíduos avistados eram então os arguidos.

Subjacente à colocação do ponto três dos factos não provados está a circunstância relatada pelos agentes inquiridos, pela testemunha LL e pelos arguidos BB e AA, de que o armazém estava já em mau estado quando foi arrendado. Assim, e sem mais, ponderando ainda o escasso tempo de arrendamento, não é possível concluir, como na acusação, que os buracos visíveis nas paredes foram feitos por qualquer dos arguidos.

Os pontos 5 e seguintes dos factos não provados encontram-se nesse rol por total carência de prova.

De salientar que os documentos juntos pelo arguido CC a fls 2378 e seguintes do volume VII, juntos com a respectiva Contestação, e que consistem em “Certificados de Registo de Veículo” não alicerçam em nada a alegação de que o arguido vendera cinco autocarros na Venezuela, motivo pelo qual chegou a ter depositados na respectiva conta oitenta e oito mil euros. O arguido protestou juntar mais documentação mas não veio a juntá-la sendo que, conforme resulta do art. 7º da Lei 05.2002, de 11 de Janeiro e é jurisprudencialmente pacífico, neste particular, o ónus de inverter a presunção incide sobre os arguidos. Por conseguinte, onera os arguidos a prova da proveniência lícita de património que os rendimentos (lícitos) conhecidos não podem justificar. Ademais, em audiência, tal arguido disse até que tinha perdido um autocarro, ficado sem nada e que, por isso e face ao convite do co-arguido BB, veio para Portugal. O arguido CC não prestou declarações sobre a saúde dos filhos e os documentos juntos com a referida peça não são conclusivos sobre a filiação do doente nem sobre o alcance e implicações da patologia ali mencionada.

A restante factualidade considerada provada reporta-se ao teor de conversas interceptadas e a apreensões. Opção que não confundiu factos e meios de obtenção de prova mas que, com o rigor necessário, elencou os factos indício demonstrados que permitem afirmar outros factos. É, pois, o momento de percorrer um breve enquadramento teórico acerca da prova indiciária, de molde a clarificar o raciocínio seguido quer nesta motivação quer no elenco dos factos provados, alinhado com a dita preocupação técnica subjacente também à Acusação e à Pronúncia.

Recorrendo à distinção sintetizada e clássica do Professor Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, pág. 82) a prova directa reporta-se aos factos probandos, i. e., ao tema da prova, ao passo que a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do objecto, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto aos temas de que o mesmo objecto se decompõe.

A primeira dificuldade deste tipo de prova reside em saber distinguir indícios de meras presunções (v., por todos, para perscrutar a senda jurisprudencial nesta matéria, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.11.10, disponível em www.dgsi.pt). Dificuldade deveras premente no caso decidendo e que não escapou à maioria dos sujeitos processuais destes autos. Também por essa razão, o tema merece algum desenvolvimento.

Desde logo, é mister que o facto indício – ou um dado conjunto de “factos- indício” seja susceptível de ser associado a uma máxima da experiência – seja ela comum seja ela retirada do contexto próprio dos factos, no qual a seguir nos deteremos -, ou a uma regra da ciência. Seguidamente, o resultado deve passar pelo crivo da lógica, compreendendo-se aqui também eventual particularidade da lógica especifica dos agentes em apreço.

Note-se que, precisamente por propiciar que a convicção se forme a partir da dialéctica entre elementos objectivos e regras objectivas, alguma doutrina, sobretudo, no Direito comparado, privilegia este meio de prova por contraponto com a prova directa, em regra, testemunhal. Precisamente, pelo carácter falível da objectividade que é possível, teoricamente identificar na última. Bastará um depoimento escorreito e coerente, não infirmado pela restante prova, para que seja difícil ou impossível afastá-lo da valoração (v., a propósito, Mittermaier Tratado de la Prueba em Matéria Criminal) e André Marieta in La Prueba em Processo Penal, pág. 59).

O indício aqui relevante será então o facto ou a circunstância que se tenha comprovado e que seja susceptível de conduzir, por dedução ou inferência, ao conhecimento de outro facto – desconhecido (i.e., que não resultou directamente da prova produzida).

O que não se pode permitir é que a demonstração do facto indício que é a base da inferência seja, também ele, feito através de prova indiciária. 

A lei não consagra quaisquer regras especiais neste domínio, que fica, assim, tributário apenas do princípio da livre apreciação da prova, sem prejuízo das balizas que lhe conhecemos e que lhe retiram em absoluto qualquer nuance discricionária (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, págs. 202/203; no panorama jurisprudencial, v. ainda o Acórdão da Relação de Coimbra de 09.02.2000, publicado na Coletânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51, e o Aresto do STJ 11.07.07, disponível em www.dgsi.pt).

Sem embargo, e na sequência do que antecede, cremos que no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.11.11, disponível em www.dgsi.pt se sintetiza cristalinamente o método aqui a seguir: “Para que o juízo de inferência em relação aos factos indiciários resulte em verdade convincente, é necessário que aqueles factos se revelem suficientes e sólidos e que a argumentação sobre que assenta a conclusão probatória seja razoável, face a critérios lógicos do discernimento humano, ou seja, que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência, sendo que estas se alicerçam na observação daquilo que acontece na maioria das situações com similitude entre si, de onde resulta um juízo hipotético ou de probabilidade de conteúdo genérico de uma idêntica actuação humana (...)”.

Noutro ângulo, e porque, como vimos, as regras da experiência são uma peça fundamental neste tipo de discernimento, importar curar que o tribunal se deve rodear de determinadas cautelas no momento de recorrer às regras da lógica ou da experiência para fundação da sua convicção. Pois, trata-se de uma operação inelutavelmente eivada de algum subjectivismo com tendência para a identificação de padrões e para a generalização. O que acarreta alguns perigos, especialmente, numa era de crescente fragmentação da cultura de massas em que os vários e simultâneos processos de Globalização proporcionam fenómenos em constante dinâmica e cuja apreensão devida vai escapando às velhas instituições, ainda no seu vagaroso caminho de adaptação aos novos tempos e ritmos.

No plano probatório judicial, a doutrina enquadra esta questão na Heurística do Julgador. Categoria que desmonta em heurística da representatividade, da disponibilidade e da atitude.

A primeira traduz-se e é muitas vezes legitimada como presunção natural, i. e., faz incidir sobre a semelhança de um objecto com outro a conclusão que o primeiro actua como o segundo. A chamada heurística da disponibilidade refere-se a juízos feitos a partir da facilidade com que surge na mente do julgador certa informação ou certos exemplos específicos, por estarem mais disponíveis. Por fim, a heurística da atitude refere-se ao modo equivocado como se avalia uma situação. Equívoco que se pode traduzir em preconceitos, generalizações sem apoio científico (que revelam, não raro, desvalorização dos aportes de outras ciências sociais), ou os estereótipos. Ou seja, respeita a uma avaliação que não é suportada em dados ou regras objectivas mas, antes, em dados resultantes do posicionamento que o julgador tem em relação a certos factos, fenómenos ou objectos (com muito interesse nesta e em questões associadas, v., além do Professor F. Dias, Direito Processual Penal, I p 207, Luís Filipe Pereira in Prova Testemunhal, 2013, também disponível em https://books.google.pt/books?id=pW3UAAAAQBAJ&pg=PT168&lpg=PT168&dq=heur%C3%ADstica+da+representatividade+do+juiz&source=bl&ots=gmZx8rg-v_&sig=n_Nwqwu9nZjp4qDeDcnFGE2IFEo&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwiu6bemrfjKAhXKvBoKHfybC10Q6AEIHTAA#v=onepage&q=heur%C3%ADstica%20da%20representatividade%20do%20juiz&f=false;  e Denis Pieret, in Efficacité et efficience selon François Jullien).

Por conseguinte, quando o tribunal fundamenta determinadas ilações ou  convicções com as regras da lógica e da experiência comum, deve, previamente, atentar na situação concreta, avaliar as linhas e as entrelinhas de quem vem prestar informação – o que implica conceder uma certa margem que pode ser maior ou menor consoante o objecto do processo e os fenómenos que lhe estão subjacentes - , e desmontar o enquadramento em que interiormente “lê” a factualidade apurada - ou seja, desmontar os pressupostos do pensamento -, em ordem a aquilatar se não estará a atalhar e a cair, pois, na armadilha heurística.

Deste modo, a sinalização dos principais alicerces do contexto geral em que os factos aqui em apreço ocorreram constituiu o primeiro ditame da nossa análise probatória. Justamente porque foi em boa medida dele que extraímos as regras da lógica e da experiência como ferramentas de correcção do raciocínio e/ou como premissas maiores de deduções que os indícios (premissas menores) permitiram, como vimos.


*

Apreciando, conforme definido:

2) - recurso de AA:

A) - da utilização de prova proibida:

O recorrente AA, referindo-se ao conteúdo de conversações e mensagens entre si e o arguido BB, aludidas nos factos provados em 25 a 28 e 33, suscita que nunca foi autorizada a intercepção de comunicações telefónicas, com a observância dos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal, relativamente ao Recorrente, pelo que a sua utilização é proibida – proibição de valoração de prova, nos termos do art. 126.º, n.º 3, e 190.º do CPP, concretizando que é precisamente através das escutas telefónicas ao Arguido BB que o Recorrente é “arrastado” para o processo,  se vê confrontado com o produto desse meio de obtenção de prova, que são as conversas propriamente ditas e consubstanciam provas documentadas nos autos, valoradas contra si, mas sem que tenha existido o escrutínio do Juiz de Instrução na autorização dessas mesmas escutas, nem qualquer outro controlo formal da sua situação concreta e a prova obtida mediante escutas telefónicas, per si, é válida, na medida em que se verificam cumpridos os requisitos dos artigos 187.º e 188.º do CPP relativamente aos Arguidos BB e CC – quanto a estes, foi requerido pelo Ministério Publico a competente autorização para a realização das intercepções, foram efectuadas, e foram as mesmas levadas ao JIC, que as validou e, ainda, a partir do momento em que o Recorrente passou a suspeito – veja-se o art. 3.º do relatório intercalar de 08.02.2018, onde o OPC se refere ao Recorrente como «em comunhão de esforços e também suspeito», o mesmo esforço haveria de ter sido feito em relação ao Recorrente, caso se pretendesse também obter, contra ele, provas que viessem a ser valoradas para efeitos de fundamentação da decisão a proferir e, por isso, viu as suas garantias de defesa completamente frustradas.

Vejamos.

Decorre dos autos, tal como alegado pelo recorrente, que foram autorizadas a intercepção e a gravação das comunicações telefónicas realizadas pelos arguidos BB e CC (despachos de fls. 128 e 199), em obediência aos legais requisitos previstos nos arts. 186.º e 187.º do CPP.  

 Com efeito, nos termos do art. 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”. 

Tal proibição de ingerência assenta em que a mesma atinge o núcleo de direitos fundamentais inscrito no art. 26.º, n.º 1, da CRP (“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”).

E o artigo 126.º, n.º 3, do CPP prevê que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”, redundando em proibição de prova, insusceptível de valoração.

Concretamente, a escuta telefónica será um meio de obtenção de prova, utilizado no decurso de um processo penal, com o fim de recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, limitativo dos direitos fundamentais dos cidadãos e como tal objecto de prévia autorização ou ordem do Juiz de Instrução Criminal. Autorização ou ordem devidamente fundamentada que estabelece quem, o quê, durante quanto tempo e em que circunstâncias os órgãos de polícia criminal vão interceptar as conversas ou comunicações telefónicas efectuadas entre duas pessoas (Ana Raquel Conceição, “Escutas Telefónicas - Regime Processual Penal”, Quid Juris, 2009, pág. 24).

Assim é, como também, que a transcrição dessas gravações telefónicas, como resultado destas, consubstancia prova documental e pré-constituída, que, tendo sido respeitados aqueles requisitos, poderá ser valorada em julgamento.

A questão colocada pelo recorrente prende-se com a circunstância de que, como interlocutor nas conversas, tivesse, afinal, sido escutado, situação que entronca na problemática dos conhecimentos fortuitos no decurso da investigação e da viabilidade, ou não, da sua valoração concreta.

 Segundo Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, pág. 283, As escutas telefónicas são, na verdade, portadoras de uma danosidade social polimórfica e pluridimensional que, em geral, não é possível conter nos limites, em concreto e à partida tidos como acertados. Tanto no plano objectivo (dos bens jurídicos sacrificados) como no plano subjectivo (do universo de pessoas atingidas), as escutas telefónicas acabam invariavelmente por desencadear uma mancha de danosidade social, a alastrar de forma dificilmente controlável.

Deste modo, o respeito pelo regime legalmente imposto impõe dar satisfação, não só aos requisitos formais-procedimentais, mas também a um conjunto de pressupostos materiais e, também, no sentido de aquilatar da razoabilidade da valoração daquele tipo de conhecimentos ditos fortuitos (sobre o tema, mesmo Autor, in “Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro, na RLJ, n.º 3962, ano 139.º, Maio-Junho.2010).

E assim, conforme ainda o mesmo Autor, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal” cit., págs. 311/312, temos por bem fundado o entendimento da doutrina e jurisprudência alemãs na parte em que reclamam como exigência mínima que os conhecimentos fortuitos se reportem a um crime do catálogo, sc., a uma das infracções previstas no artigo 187.º do CPP. Para além disso, cremos, em segundo lugar, ser mais consistente a posição dos autores que, a par do crime de catálogo, fazem intervir exigências complementares tendentes a reproduzir aquele estado de necessidade investigatório que o legislador terá arquetipicamente representado como fundamento da legitimação (excepcional) das escutas telefónicas. 

Estabelecidos tais parâmetros, a que a jurisprudência tem sido sensível (entre outros, o acórdão do STJ de 06.05.2010, rel. Conselheiro Rodrigues da Costa, no proc. n.º 156/00.2IDBRG.S1, in www.dgsi.pt), afigura-se que, na situação, ambas as condições se verificam, pois, por um lado, o crime em investigação, suporte para as verificadas intercepções, era o de tráfico de estupefacientes, referido na alínea b) do n.º 1 desse art. 187.º e, por outro, atentando nos contornos do que se foi revelando, aquele estado de necessidade investigatório esteve cabalmente subjacente às indicadas intercepções, sem que se possa afirmar que o recorrente se viu injustificadamente “arrastado” para o processo.

 Acresce que, embora não tivesse sido determinada intercepção tendo como alvo meio de comunicação que fosse usado pelo recorrente, inevitavelmente porque não se entendeu imprescindível, em nada se descortina que isso redundasse em prejuízo das suas garantias de defesa.

Na verdade, tal como sublinhado pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso, o recorrente foi aos autos, por requerimento datado de 12.09.2018 (fls. 1452 a 1454), requerer que lhe fosse facultada a transcrição das conversações e comunicações interceptadas, o que foi deferido, por despacho de 18.09.2018 (fls. 1832), bem como a cópias das mesmas (cfr. despacho de fls. 1905) pelo que pôde exercer o seu direito de defesa.

Apesar do alegado, nenhum obstáculo se vislumbra em ter-se atendido, relativamente ao recorrente, à prova obtida através das intercepções das comunicações telefónicas.   

Conclui-se, pois, que foi validamente utilizada.

B) - da nulidade por preterição de notificação:

Invoca o recorrente AA a omissão de notificação da liquidação para perda ampliada de bens, em preterição dos arts. 8.º, n.º 4, e 9.º, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, de 11.01, desencadeando, na sua perspectiva, nulidade insanável, nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. d) do CPP, arguida em tempo e abalando o exercício do contraditório.

Olhando tais preceitos:

 - Artigo 8.º, sob a epígrafe “Promoção da perda de bens”:

“1 - O Ministério Público líquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado.

2 - Se não for possível a liquidação no momento da acusação, ela pode ainda ser efetuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos.

3 - Efetuada a liquidação, pode esta ser alterada dentro do prazo previsto no número anterior se houver conhecimento superveniente da inexatidão do valor antes determinado.

4 - Recebida a liquidação, ou a respetiva alteração, no tribunal, é imediatamente notificada ao arguido e ao seu defensor.”

 - Artigo 9.º, sob a epígrafe “Prova”:

“1 - Sem prejuízo da consideração pelo tribunal, nos termos gerais, de toda a prova produzida no processo, pode o arguido provar a origem lícita dos bens referidos no n.º 2 do artigo 7.º

2 - Para os efeitos do número anterior é admissível qualquer meio de prova válido em processo penal.

3 - A presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 7.º é ilidida se se provar que os bens:

a) Resultam de rendimentos de atividade lícita;

b) Estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido;

c) Foram adquiridos pelo arguido com rendimentos obtidos no período referido na alínea anterior.

4 - Se a liquidação do valor a perder em favor do Estado for deduzida na acusação, a defesa deve ser apresentada na contestação. Se a liquidação for posterior à acusação, o prazo para defesa é de 20 dias contados da notificação da liquidação.

5 - A prova referida nos n.ºs 1 a 3 é oferecida em conjunto com a defesa.”

Resulta, assim, que a referida liquidação, segundo o n.º 4 daquele art. 8.º, é imediatamente notificada ao arguido e ao seu defensor, para o efeito de nos termos daquele art. 9.º, poder apresentar defesa, incluindo meios de prova.

Em conformidade, determinou-se, por despacho de fls. 1908, notifique os arguidos, ao abrigo do disposto no art.º 8º, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, da liquidação deduzida pelo Ministério Público a fls. 1891 a 1899, e de que poderão apresentar a sua defesa, na contestação – art.º 9º, n.º 4, da Lei n.º 5/2002.

Todavia, compulsados os trâmites subsequentes, não se descortina que essa notificação tivesse tido lugar, apesar de, como consta do relatório do acórdão, os arguidos AA, CC e DD tivessem, nesse âmbito, deduzido oposição.

Ora, essa omissão de notificação, ainda que podendo inevitavelmente afectar direitos dos visados com a liquidação, entre eles, o aqui recorrente, não constitui, porém, mais do que irregularidade, nos termos do art. 123.º do CPP, já que, integrando-se ainda em fase de inquérito, não haverá que entender-se como omissão posterior de diligência para o efeito do disposto no alegado art. 120.º, n.º 3, alínea d), do CPP e, também, mesmo que assim não fosse, tratar-se-ia de nulidade sanável à luz do art. 121.º do CPP.

Não obstante, porque lesiva em medida importante do invocado exercício do contraditório, a irregularidade não passaria sem a necessária reparação (n.º 2 daquele art. 123.º), uma vez que, tal como o recorrente refere, se está perante situação em que o Estado goza já de uma posição favorável resultante de a própria Lei lhe conceder o benefício de não ter de provar a ilicitude da proveniência do património incongruente.

Mas acontece que o recorrente, embora tivesse aludido, na sua contestação, a essa omissão (fls. 2162), veio a apresentar a sua defesa à referida liquidação, que foi admitida (fls. 2295) e sem que, tanto quanto é descortinável, essa defesa viesse a ter sido prejudicada em razão daquela omissão (nem o recorrente a tanto se reporta concretamente).

Deste modo, enveredou, afinal, por fazer uso da faculdade a que, não fosse a omissão, a notificação se destinaria, pelo que a verificada irregularidade se revela afastada.

Idêntico entendimento suporta que o Tribunal não estivesse obrigado a pronunciar-se sobre o assunto, dada a sua concreta intrínseca irrelevância.

3) - recurso de CC:

4) - recurso de DD:

 (…)

De comum a todos os recorrentes, se depara com a impugnação da matéria de facto.

Por isso, aqui cabem algumas considerações gerais.   

A modificação da matéria de facto, como decorre do art. 431.º do CPP, tanto pode resultar da reapreciação da prova, num sentido mais abrangente, através da impugnação prevista no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, como também da detecção de vícios da decisão, consagrados no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

No entanto, se reportada a tais vícios, não pode deixar de atender-se a que os mesmos têm de verificar-se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o mesmo é dizer que apenas os aspectos intrínsecos à decisão e ponderados à luz das máximas da experiência geralmente aceites são adequados aos respectivos parâmetros de análise.

Por seu lado, quanto à impugnação da matéria de facto sujeita às condições exigidas pelos n.ºs 3 e 4 daquele art. 412.º, o cumprimento das mesmas apresenta-se legalmente justificado e para a finalidade visada. 

Tanto mais quando, como é pacífico, o recurso em matéria de facto não constitui um novo julgamento, mas apenas um remédio para os erros de julgamento, através da reapreciação da prova, que não se destina, porém, a limitar (ou arredar) o princípio da livre apreciação consagrado no art. 127.º do CPP, nem pode suprir a imediação e a oralidade de que o tribunal que julgou dispôs.

Como acentuou Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo (…) Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorrectamente decididos (…) Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância e, bem assim, as provas (…) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória.

 E acompanhando o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, de 10.03, in www.dgsi.pt, a indicação exigida pela alínea b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal - (…) das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos – é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto (…) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada.

Ainda, a propósito, segundo o acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219, Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.

Para o efeito, através do acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, de 08.03, in D.R. I Série n.º 77, de 18.04.2012, vista a sua fundamentação, bem definidos, ficaram, a razão de ser das especificações previstas naquele art. 412.º e os contornos do seu adequado cumprimento.

Como tal, através dessa impugnação, pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, que não impõe, porém, uma avaliação global, tratando-se necessariamente de um reexame segmentado.

Haverá de ser sempre confrontada com aquele princípio da livre apreciação da prova, não obstante os limites, ao mesmo, inerentes.

  Por isso, mesmo quando a impugnação da matéria de facto se considere de forma processualmente válida, tal não equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida.

 E para que venha a proceder, não se bastará com a pretensão de dar-se como provada determinada versão, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre.

 Somente no caso de as provas indicadas em recurso não suportarem a motivação da convicção extraída pelo tribunal, a matéria de facto deve ser modificada, dado essas provas imporem, e não apenas permitirem, uma decisão diversa.

Intimamente ligados àquele princípio de livre apreciação probatória, estão os princípios da continuidade da audiência, ou da concentração, da oralidade e da imediação da prova.

Quanto aos dois últimos, constituem a um tempo decorrência lógica desse princípio e conditio sine qua non para a respectiva admissibilidade. Com efeito, apenas quem tenha assistido à produção da prova e às disposições assumidas pela acusação e pela defesa poderá estar capaz, no fim da discussão, de se considerar convicto de uma determinada verdade, podendo proceder ao julgamento.

Paralelamente, a oralidade permite com muito maior probabilidade aceder a um discurso directo, espontâneo, não ensaiado e vivo, o que obviamente contribui para um aumento das possibilidades de descoberta da verdade e de formação de uma correcta convicção.

Por isso, quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só estará devidamente habilitado a exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende a prova recolhida e/ou as regras da experiência comum.

De outra forma, essa livre apreciação da prova, conferida ao julgador que proferiu a decisão recorrida, ficaria prejudicada, bem como a própria função da motivação da sua convicção.

Como se afirmou no acórdão da Relação de Lisboa de 10.10.2007, no proc. n.º 8428/2007-3, in www.dgsi.pt, o princípio da livre apreciação da prova é apenas um princípio metodológico de sentido negativo que impede a formulação de «regras que predeterminem, de forma geral e abstracta, o valor que deve ser atribuído a cada tipo de prova», ou seja, o estabelecimento de um sistema de prova legal. Não obstante o seu carácter negativo, este princípio pressupõe a adopção de regras ou critérios de valoração da prova. E se o que se pretende num julgamento é conhecer um acontecimento pretérito, «a valoração há-de conceber-se como uma actividade racional consistente na eleição da hipótese mais provável entre as diversas reconstruções possíveis dos factos».

Mas a motivação fáctica, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substitutivo desses princípios da oralidade e da imediação no que tange à produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir, nela, exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório.

E ainda, segundo o acórdão do STJ de 27.05.2010, no proc. n.º 11/04.7GCABT.C1.S1, in www.dgsi.pt, Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.   

1) - recurso de BB:

               (…)

1) - recurso de AA:

C) - da impugnação da matéria de facto:

O recorrente AA entende que o Tribunal julgou erradamente os factos 1., 2., 4., 5., 6., 9., 10., 11., 12., 18., 20., 21., e 22. e, ainda, 316. e não provados em 7. e 8..

Procede à sua impugnação oferecendo transcrição de excertos da prova, incluindo de conversas telefónicas, em vista do disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, preconizando, no essencial, a reversão do juízo acolhido nesses factos, de forma que, designadamente quanto àqueles 1., 2., 4., 5., 6., 9., 10., 11., 12., 18., 20., 21., e 22, seja excluído da narrativa aí efectuada.

Assim, para o efeito do facto provado em 1, invoca as suas declarações em audiência, bem como as do irmão, o arguido BB, referindo que explicou, de forma clara e objectiva, a razão de ser da sua intervenção no transporte de mercadoria – bens pessoais e de uso familiar – e não equipamentos de frio, onde foi dissimulada cocaína. Explicou, pois, que foi a pedido do seu irmão BB, que conhecia os outros dois Arguidos da Venezuela, que os ajudou no preenchimento de documentos e gestão burocrática necessária ao desalfandegamento de bens, porquanto o seu irmão lhe transmitiu que os irmãos .............. pretendiam regressar definitivamente a Portugal e trazer consigo os bens domésticos.

Mais reporta-se às declarações do arguido DD, alegado proprietário dos bens a transportar, para sublinhar que a lista desses bens, de acordo com a versão que lhe teria sido transmitida, estava assinada por aquele.

Acerca das declarações do recorrente e do irmão, os excertos apresentados consentem a avaliação que, ao Tribunal, mereceram, notando-se, mormente, explicação algo evasiva quanto aos bens que seriam transportados, se bens móveis de casa, se outros além destes, embora tendencialmente coincidentes quanto à alegada intervenção de mera ajuda aos demais arguidos.

Não obstante, realça-se, com a motivação do Tribunal, que “certo é que ninguém se daria ao trabalho de camuflar pacotes de cocaína nas paredes de equipamentos industriais por mero gáudio e a título gratuito e, muito menos, após essa empreitada, os enviaria, sem mais, para outro país, para alguém que nada tinha que ver com esse estupefaciente, permitindo que transitassem de um continente para outro trezentos quilos de cocaína quase pura por engano ou entretenimento”, sendo que “o transporte de máquinas velhas, com todos os custos inerentes e que chegaram a rondar os milhares de euros, para depois serem vendidas por uma ou duas centenas de euros, causa estranheza”  e ”seria fácil a este arguido (o recorrente), em face da descrição dos bens, discernir e informar o irmão ou  o próprio CC no sentido em que possivelmente não compensaria trazer os bens atentas as despesas necessárias ao efeito”.

Acresce que, como se sublinha, também na motivação, “se os arguidos CC e DD fossem os únicos  responsáveis, respectivamente, por cada um dos dois transportes em questão, soubessem o que vinha dentro das máquinas e demais equipamento e agissem de acordo com um plano no qual os co-arguidos BB e AA não eram intervenientes e do qual não eram sequer conhecedores, não teriam querido certamente a presença destes nos armazéns e provavelmente não teriam confiado tão cegamente a estes a escolha do mesmo”, notando-se que “não se vislumbra como saberiam BB e AA que o armazém do ...... - que, de acordo com a versão dos últimos, serviria para CC se estabelecer em Portugal -, seria apenas por três meses. Note-se que apenas ficou prevista renovação por períodos de um mês (cfr. contrato de arrendamento patente a fls 52 e seguintes dos autos). O que se mostra manifestamente incompatível com o aludido desiderato”, que “só os arguidos BB e AA visitaram o armazém” e “flui do documento preenchido e dirigido à transportadora, de fls 8 e seguintes do apenso XVIII, apreendido ao arguido AA em sede de busca domiciliária, logo nesse documento datado de 19.02.18 – véspera da chegada do arguido DD a Portugal -, se indicara como morada deste arguido a do armazém de ........... sita em .......... – a mesma data do contrato de arrendamento do dito armazém (fls 12 do apenso XVIII). Por conseguinte, ao contrário do que disseram os arguidos, nunca esteve por si pensado levar os móveis para a sua alegada residência em ...............”, que “Inexiste, pois, qualquer acto concludente com a ideia de que os arguidos ........... se queriam aqui estabelecer” e que “as regras da lógica também cunham sem esforço a ilação de que a mercadoria nunca esteve destinada à residência do arguido DD, ao contrário do que sustentaram os arguidos BB e AA – que explicaram que a mesma só não foi para casa do arguido porque o mesmo tinha a casa em obras. Isto, porque se tratava de equipamento industrial e certamente que ninguém o colocaria em casa”.

Além de que ”da conversa mantida entre BB e AA em 13.03.18 (resumida a fls 24 do apenso II), extrai-se com clareza quer a preponderância de BB ao menos no que tange aos contactos com o terceiro desconhecido que lhes daria a comissão, quer a divisão de tarefas entre os quatro arguidos quer que era do interesse de todos o que viria com  arguido DD quer que tal mercadoria nada tinha a ver com bens pessoais deste. Pois, a dada altura, acordando em que seria preciso dar uma justificação a FF - nome que, como resulta de conversas anteriores, era o de funcionária interlocutora no processo junto da transportadora G…… (cfr., vg., mail junto a fls 25 do apenso XIX) -, quando o arguido AA refere que lhe vai dar uma desculpa, BB responde-lhe que esse é o seu trabalho (v. Sessão nº3005 transcrita no ap.VI a fls 68 e seguintes)”.

Todos os referidos aspectos confluem para o grau de intervenção atribuído ao recorrente e, identicamente, não é minimamente infirmado pelas aludidas declarações do arguido DD.

Este último, segundo o apresentado excerto do que declarou, referiu não conhecer o recorrente, situação que abonaria a posição deste, mas, no restante, embora assumindo que a assinatura da lista de bens a transportar fosse sua, uma vez que isso constava em seu nome, referiu que as coisas não eram suas, não fez a lista e sempre supôs que o recorrente tivesse disso conhecimento.

Trata-se, enfim, de discrepâncias/omissões que o transporte de bens entre diferentes países dificilmente suporta, tanto mais para permitir que a lógica fosse no alegado sentido defendido pelo recorrente.

Sobre o provado em 2, o recorrente invoca que não existe uma única prova concreta nos autos que permita provar, nem sequer retirar a ilação, de que o Recorrente iria receber qualquer “comissão, expressa em numerário, de valor não concretamente apurado”, apontando para a última comunicação interceptada -  consiste numa mensagem de texto enviada pelo Arguido CC para o número ..........29, em que afirma “Bingo, amigo, bingo” - e para outras de que não tem qualquer conhecimento, bem como para a circunstância do valor que lhe foi apreendido - € 20.000,00 - ser um “pé de meia” que foi amealhando com o produto do seu trabalho.

A mesma argumentação oferece para o provado em 11.

Ora, independentemente de que também detinha bolívares (facto provado em 108), cujo valor cambial é reconhecidamente muito baixo, resulta que a quantidade de cocaína encontrada no armazém ..........., reflectida nos factos provados em 58 a 66, aliada à referida no facto provado em 12 reportada ao armazém do ......, se apresenta bem elevada e propiciando, segundo as regras da experiência, seja transacionada e por valor considerável, sem descurar que o arrendamento dos armazéns para o efeito não permite imaginar diverso desiderato.

Quanto aos factos provados em 4, 5 e 6, o recorrente nada vem concretizar, certamente tendo por subjacente o seu alegado desconhecimento para além da colaboração prestada aos demais arguidos.

A propósito do provado em 9 e 10, alega que quem pagou o valor do arrendamento do armazém ...... foi o Arguido CC e esse armazém ficou na disponibilidade do arrendatário e do Arguido BB, mas sem que aporte argumento que o afaste do ali vertido.

Na verdade, ao invés desse suposto afastamento, tem que se considerar, como decorre da motivação do Tribunal, os “esclarecimentos da testemunha LL, consultora imobiliária ...... que explicou que o arrendamento foi por três meses que os arguidos logo pagaram. No dia em que conheceu CC, que assinou o contrato, este vinha de viagem segundo lhe pareceu. O que vai de encontro ao relato deste arguido neste jaez. Mais disse, como vimos, esta testemunha que só os arguidos BB e AA visitaram o armazém. Assim, CC assinou o contrato sem nunca antes ter visto o armazém”. 

Relativamente ao provado em 12, alega que quem vendeu as máquinas foi o Arguido BB, descurando, porém, o depoimento do sucateiro que as adquiriu, YY, que, conforme motivado, “explicou que falou sempre só com os arguidos BB e AA e que pelas arcas pagou cerca de duzentos euros”.

No que concerne ao provado em 18, convoca o depoimento de XX, para se demarcar do transporte de mercadoria ....... para ….

A testemunha, militar da GNR, elaborou o auto de notícia de fls. 5/6, com apreensão de fls. 3, relativo ao armazém ...... e interveio na busca e apreensão, de fls. 262, ao armazém ............

Acerca do armazém, o depoimento não excluiu, antes pelo contrário, o recorrente do uso do mesmo, sendo que, quanto ao suscitado transporte de mercadoria, o relacionamento entre o material de ambos os armazéns foi justificado pela testemunha na circunstância de que, como declarou, “foram apreendidas etiquetas e papelões no ...... que foram apreendidas em ……”, inferência que se denota como lógica na análise do que recolheu e das vigilâncias a que fez menção.

Ainda, na perspectiva colocada pelo recorrente de que, à data da localização das etiquetas, em 25.06.2017, esteve ausente do país, como decorre, segundo indica, do provado em 261 e 262, não se vê que isso constitua obstáculo a que, como ficou vertido, “desde meados de 2017 e até data não concretamente apurada” tivesse feito uso do armazém e armazenado parte da mercadoria vinda do armazém do .......

Relativamente aos factos provados em 20, 21 e 22, não se descortina que o recorrente apresente concreta impugnação, ainda que se admita que os situa como consequência da sua suposta conduta meramente de ajuda aos demais.

Ainda, para alicerçar a sua posição, traz à colação conversa aludida na motivação do Tribunal, “mantida entre BB e CC em 14.03.18, (produto 3014 a fls 74 e seguintes do ap. VI) em que BB afirma, preocupado, que tem de comprar mais espuma expansiva, ao que CC responde que viu espuma dessa num supermercado, caso BB não a consiga, queixando-se ainda este de falta de gasolina”.

Mais referiu o Tribunal: Note-se que foi apreendida ao arguido BB (no seu veículo) espuma expansiva; que na referida conversa é a propósito do recebimento das mercadorias que o arguido BB afirma que tem de comprar mais espuma expansiva “da alta”; que demonstra urgência e preocupação com essa aquisição, a ponto de CC falar também sobre o assunto. Tal diálogo não deixa margem para duvidar que a espuma expansiva bem como as rebitadeiras eléctricas, a fibra em spray e outro material que o arguido BB menciona que “tem de levar” está relacionada com a chegada e recebimento da mercadoria vinda da Venezuela e não com o objectivo de enviar espuma expansiva para aquele país. Ora, não se vislumbra nem à luz da versão dos irmãos .............. nem à luz da narrativa dos irmãos ......... qual a necessidade de usar espuma e ferramentas para receber o material. De resto, os arguidos negaram este propósito de usar ferramentas, mostrando-se evidente que faltaram à verdade”.

Apela, então, o recorrente para o teor integral da conversa, que reproduz, para concluir que parece decorrer desta conversa quem suportou as despesas dos transportes e quem pretendia pagar-se com os valores a receber de “algo” que estava para chegar. E a verdade é que este conteúdo de conversação nunca é tido com o Recorrente.

Com efeito, o recorrente não interveio na conversa, mas isso não significa que não estivesse ao corrente do que passava, sendo de salientar que o arguido BB refere ao arguido CC que tem de ligar ao recorrente para lhe dar conta da deslocação para ..........., bem como, não de somenos relevância, a conversa, referida também, “mantida entre BB e AA em 14.03.18, em que este diz àquele “tu é que mandas, não é?” (resumida e identificada a fls 26 do apenso II)”.

Também o recorrente se reporta à conversa entre DD e BB, mencionada na motivação do Tribunal - “Significativa foi também a conversa de DD e de BB em 15.03.18 (resumida e identificada a fls 31 do aludido apenso II), a qual demonstra que, ao dizer que “estavam na recta final e tinham de fazer as coisas como são” -, que transcreve na íntegra, para reforçar a sua versão.

No entanto, analisado o teor da mesma, não serve para a sustentar, uma vez que, além do mais, o recorrente é mencionado na conversa e no sentido de que a sua participação era identicamente relevante no âmbito da importação em causa.

Perante o que fica assinalado, afigura-se, pois, que a impugnação não pode obter sucesso, dado que as provas convocadas não impõem, de forma alguma, que diferente valoração dos factos se justificasse.

Não se aceita a argumentação do recorrente, de que  o Tribunal parte do facto de que todos os Arguidos estavam presentes no momento da apreensão efectuada a 19.03.2018 no armazém sito em .........., para dele apreciar a prova e acabar (sendo assim quase diríamos obviamente) a condenar todos os presentes pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e Ao apreciar os restantes meios de prova com base naquele ponto de partida, o Tribunal não fez uma apreciação isenta e objectiva da prova produzida, e com isso violou a presunção de inocência de que beneficiam todos aqueles que são sujeitos a julgamento, por força do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Com efeito, é manifesto que a convicção decisória não se apoiou apenas nessa apreensão. Ao invés, socorreu-se da conjugação dos vários meios de prova que elencou e avaliou, mediante linha de raciocínio lógica e consentânea com as regras da experiência.

No tocante ao alegado quanto ao facto provado em 316 e aos factos não provados em 8 e 9, o recorrente convoca documentos que juntou à contestação, bem como o depoimento de HHH, de que oferece excerto.

Pretende, por um lado, que, ao provado em 316, seja acrescentado o que declarou perante a Autoridade Tributária da Venezuela, no sentido de que se consigne que declarou ter auferido, no ano de 2016, 635.000,00 bolívares fortes, onde pagou impostos no valor de 5.595,68 bolívares e, por outro, que aqueles factos não provados se considerem como provados.

Ora, verificando a sua contestação, aí invocou (fls. 2141) que Em Março de 2017, apresentou declaração de rendimentos na Venezuela, relativa aos rendimentos de 2016, por referência ao Doc. n.º 2, que juntou (fls. 2174/2179).

Assim como juntou recibo de pagamento de serviços (fls. 2180/2181), com data de 9.11.2017, aparentemente subscrito por JJJ.

Quanto ao testemunho de HHH, que foi companheira do recorrente entre 2012 e 2017, extrai-se que teria referido que este trabalhou na Venezuela em vários projectos e com rendimentos variáveis, de pelo menos 4 mil bolívares mensais.

Decorre que o Tribunal, relativamente ao não provado em 7 e 8, mencionou a “total carência de prova”, o que se compreende pela falta de elementos que, em rigor, lograssem diferente entendimento, uma vez que não se revelou, e também segundo o invocado depoimento, que o recorrente, alegadamente, só obtivesse proventos do seu trabalho e de quais fossem esses, propriamente, resultantes do trabalho, desconhecendo-se sequer a veracidade do mencionado no dito recibo.

Com respeito à referida declaração de rendimentos na Venezuela, não existe certeza da sua autenticidade e, ainda que assim não fosse, sempre restaria saber o suporte da mesma.

Identicamente, estes últimos mencionados factos não merecem alteração. 

3) - recurso de CC:

4) - recurso de DD:

              (…)

1) - recurso de BB:

C) - da absolvição:

2) - recurso de AA:

D) - da absolvição:

3) - recurso de CC:

4) - recurso de DD:

C) - da absolvição:

 A absolvição do imputado crime, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, vem preconizada por todos os recorrentes com fundamento subjacente na modificação dos factos.

 Não se tendo encontrado razão para qualquer modificação, a questão está substancialmente afastada.

  Ainda assim, algumas considerações, tendo em conta o que os recorrentes referem:

  Ao recorrente BB não basta afirmar que Não ficou demonstrado em audiência de julgamento que o arguido tivesse o tal conhecimento do produto estupefaciente e que tivessem proveitos económicos, se a matéria de facto assente aponta, inequivocamente, no sentido inverso.

  Quanto ao recorrente AA, não se aceita, segundo a matéria de facto, que em momento algum se autodeterminou com a intenção de estar a colaborar para um transporte de bens que traziam no seu interior cerca de 300 kg de cocaína.

  Bem como as suas reticências acerca da sua imputação em co-autoria com os demais, ao referir-se a que seria sempre necessário demonstrar que o Recorrente agiu em comunhão intencional de esforços, pois, como é reiterado pela doutrina e pela jurisprudência, «a co-autoria pressupõe um elemento subjectivo – o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica – e um elemento objectivo – que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução».

  Aliás, a propósito da autoria, o Tribunal explicitou, e bem, no acórdão:

“Actualmente, no panorama legal, doutrinário e jurisprudencial, nacional e comparado, há uma massiva adesão à Teoria do Domínio do Facto. Reputa-se que esta, por focar a pedra de toque no controle final do facto como critério decisivo da acção, veio preencher as lacunas das teorias que, anteriormente, vinham fazendo escola. Destaca-se, a este nível, a Teoria da causalidade adequada, sufragada, entre nós, por Eduardo Correia (in Direito Criminal, Vol. II, Coimbra, 1965), segundo a qual, seria autor do crime todo aquele que lhe tivesse dado causa. Efectivamente, por demasiado abrangente, embora de incomparável utilidade noutros domínios, esta teoria não resolve as inúmeras questões que os casos de comparticipação criminosa colocam. Especialmente, numa era de crescente organização e sofisticação do crime.

Atendendo à teoria do domínio do facto sufragada pela doutrina e jurisprudência nacionais, três situações são possíveis no âmbito da autoria:

i) - na autoria imediata, o agente domina o facto na medida em que é ele próprio quem procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo;

ii) - na autoria mediata o agente domina o facto e a realização típica, mesmo sem nela fisicamente participar, quando domina o executante através de coação, de erro ou de um aparelho organizado de poder. É nesta medida que a doutrina reconhece ao autor mediato, dono do domínio do facto, a possibilidade de substituir o executor ou de alargar o seu número (v. Roxin, in Problemas Fundamentais do Direito Penal).

Na análise de Jeschek (in Tratado de Derecho Penal, Parte General, 5ª ed. 1996), é mediato o autor que executa o facto utilizando outra pessoa como instrumento. Apesar de se situar na apontada teoria do domínio do facto, este investigador centra-se na lógica da corrente finalista de que, justamente, emergiu aquela teorética e tem, pois, no horizonte, sobretudo, o fim da acção.

Articulando mais profundamente as categorias de análise facultadas pela teoria do domínio do facto, Roxin (in obra citada) estabelece como critério integrador da figura o do domínio da vontade. Assim, de acordo com Roxin, na autoria mediata, o “homem de trás” - o que formula o propósito criminoso e decide a sua efectivação -, domina a vontade do “homem da frente” - o instrumento ou executor do facto. Domínio que pode decorrer de coacção, indução em erro ou da lógica que preside a um aparelho organizado de poder.

Interessante é ainda a distinção que o mesmo autor faz entre domínio positivo do facto – capacidade de o fazer prosseguir até à consumação – e domínio negativo – a capacidade de o fazer gorar. Roxin é amplamente citado, desde logo, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, publicado em 18.06.09 (disponível em www.dgsi.pt). Tal como em anteriores (v., por todos, o Acórdão do STJ de 25.05.09, disponível na mesma fonte).

iii)-na co-autoria, o agente domina o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica. 

(…)

No caso vertente, é particularmente gritante que, em cada um dos recortes fácticos descritos (à excepção de DD que só interveio no último pelo que só assim procedeu dessa vez), é patente que os arguidos agiram coerente e concertadamente, apoiando ou reforçando as acções uns dos outros, interagindo, informando-se, auxiliando-se, procedendo muitas vezes em conjunto, imiscuindo-se nas tarefas uns dos outros para garantir o sucesso das mesmas. É ainda manifesto que qualquer um dos arguidos tinha suficiente domínio dos factos para fazer gorar o plano em curso (DD, obviamente, apenas quanto ao derradeiro, como vimos).

   Os recorrentes CC e DD nada referem que não fosse decorrente da pretendida ausência de prova dos factos que vieram, ao invés, a considerarem-se assentes.

 Não se vê necessidade de acrescidos esclarecimentos.

1) - recurso de BB:

D) - da não agravação do crime de tráfico:

3) - recurso de CC:

4) - recurso de DD:

D) - da não agravação do crime de tráfico:

(…)

1) - recurso de BB:

E) - da redução da medida da pena:

2) - recurso de AA:

E) - da redução da medida da pena:

3) - recurso de CC:

4) - recurso de DD:

E) - da redução da medida das penas:

Algumas considerações gerais, sem prejuízo de outras que constam do acórdão, que a todos os recorrentes se aplicam:

O sistema penal erige como critérios de aplicação da pena o reflexo das finalidades que à mesma presidem, nos termos do art. 40.º, n.º 1, do CP - a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Conforme Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena.

Segundo Fernanda Palma, in “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.

Por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui o limite inultrapassável da medida da pena e, como já referia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.  

Acompanhando Figueiredo Dias, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e seg., o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.   

Também, o mesmo Autor, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, págs. 231 e 214, salienta que a medida da pena deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena).

O modelo definido é, pois, de prevenção e os diversos factores a atender devem ser interpretados em correspondência com as finalidades em presença. 

  No juízo de culpa reside o suporte axiológico-normativo da punição.  

Tal juízo reconduz-se a um juízo de valor e apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética ou do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168), como censura ao agente por não se ter conduzido de outro modo, o que, em rigor, comporta a consideração todos os elementos do crime que nela se reflectem (Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra Editora, 1971, vol. II, pág. 320).

Ora, são plenamente reconhecidas as elevadas exigências de prevenção geral que o tráfico de estupefacientes reclama, dado o grau de perigo que lhe está inevitavelmente associado e, através da sua incriminação, protegendo-se, além do mais, a saúde pública, sem descurar as nefastas consequências que ao nível da sociedade provoca, através da proliferação de outro tipo de condutas criminosas, designadamente contra o património e a integridade física, a comunidade impõe resposta consentânea na punição a estabelecer.

Acresce o número elevado de verificação de crimes dessa natureza, tudo suscitando sentimento de insegurança na comunidade perante qualquer realidade associada ao mundo da droga e do tráfico, assumindo-se a luta contra o tráfico como objectivo, designadamente, da União Europeia.

No essencial, os recorrentes, defendendo a redução das penas que lhes foram aplicadas, alegam (para além de aspectos que teriam subjacente a modificação dos factos e, por isso, aqui não relevam):

BB, preconizando pena dentro do limite mínimo, não superior a 5 anos, que houve uma notória violação da medida da pena aplicada ultrapassado em muito a medida da culpa concreta do arguido face aos factos dados como provados, os fins de prevenção geral atendidos no douto acórdão ora em crise ultrapassam a medida da culpa, ainda reportando-se às suas condições pessoais.

AA, que o Tribunal deveria considerar também a postura do Recorrente no processo, tendo aceitado prestar os esclarecimentos que lhe foram solicitados em todas as fases processuais e a pena deverá ser substancialmente diminuída, de forma que seja feita uma correcta aplicação do art. 71.º CP.

CC e DD, pugnando que as penas não devem ultrapassar os 5 anos e 6 meses para o Recorrente DD e os 6 anos de prisão para o Recorrente CC, que não se compreende como acaba o Recorrente CC condenado na mesmíssima pena do arguido AA, o Tribunal menosprezou o muitíssimo menor grau de participação criminosa dos Recorrentes, o que coloca a culpa dos Recorrentes muito próxima do mínimo legalmente previsto e omitiu ponderar as dificuldades económicas atravessadas pelos Recorrentes e provocadas pelo clima de altíssima instabilidade que se vivia (e ainda hoje vive) na Venezuela – passível de tornar menos grave e mais compreensível que aceitassem praticar ilícitos criminais.

Designadamente, decorre do acórdão recorrido:

«Em suma, cumpre sopesar todos os factores que relevem na apreciação das categorias da ilicitude, da culpa, das necessidades de prevenção geral e das necessidades de prevenção especial.

No caso que nos ocupa, o grau de ilicitude, mesmo dentro do tipo agravado, é mediano, atentas as quantidades de cocaína transportadas – mais de trezentos quilos - e o grau de pureza da mesma. Factores que dotam os factos de potencial de extrema disseminação do estupefaciente.

Releva ainda neste particular que o plano criminoso concretizado estava ao serviço de uma rede internacional sofisticada e poderosa de tráfico de estupefacientes, capaz de ludibriar diversas autoridades policiais e entidades inspectivas, e fazer transitar de um continente para outro quantidade de estupefaciente suficiente para mais de cinquenta mil doses individuais.

Ainda que meros peões que apenas poderiam almejar uma comissão, actuando, por isso, na prática, como “correios de droga”, os arguidos bem se sabiam envolvidos na dita rede internacional sofisticada e poderosa de tráfico de estupefacientes, capaz de ludibriar diversas autoridades policiais e entidades inspectivas, e fazer transitar de um continente para outro quantidade de estupefaciente suficiente para mais de cinquenta mil doses individuais (cfr. Portaria 94/96 de 26 de Março, a que subjaz um juízo técnico emanado de conhecimentos especiais). Bem sabiam também, visto que é do conhecimento geral, o impacto profundo e negativo que o consumo de tal estupefaciente tem nas pessoas, mais sabendo que a toxicodependência é um flagelo social grave que arrasa economias e tecidos sociais. Impacto que é necessariamente acrescido num país pequeno como é o caso de Portugal. Bem sabiam igualmente que a cocaína provoca elevada dependência. Tudo isto é, pois, do conhecimento geral e a aguerrida rejeição dos factos pelos arguidos em audiência denota que era também, em particular, do conhecimento dos mesmos.

Como tal, é elevada a culpa dos arguidos. De modo mais pronunciado no caso de AA, dado o seu acrescido grau de literacia e os valores humanísticos (especialmente, na parte em que coincidem com a axiologia penal) que lhe foram transmitidos, bem como em face do poder económico (ilustrado nas quantias monetárias que lhe foram apreendidas) que tinha e que seria suficiente para dissuadi-lo da prática do crime e até para interpelá-lo a dissuadir os demais arguidos.

Menor é o grau de culpa e de ilicitude no caso do arguido DD, já que é manifesto que, ainda que actuando em comunhão de esforços e intentos, teve uma participação mais breve e apenas num dos dois episódios factuais ilícitos.

A esbater um pouco o grau de culpa dos arguidos em geral concorre a circunstância - em boa medida demonstrada nos autos (ponto 170 dos factos provados) -, de ser difícil sair destas redes sem represálias e ainda o facto de os arguidos terem lidado com fortes carências económicas na Venezuela. Facto que é notório dada a situação política e socioeconómica do país, contemporânea da prática dos factos.

Elevadas são, em particular, as necessidades de Prevenção Geral.

Pela dimensão positiva da Prevenção Geral, faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado. Do mesmo passo, visa-se a criação de um sentimento de confiança no sistema, por parte da população em geral. Pois, a segurança das pessoas resulta também da convicção de que o Direito é mesmo para ser respeitado.

Na vertente negativa, procura-se o restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados, mas através da intimidação de todos os potenciais delinquentes. Porém, de acordo com a doutrina mais autorizada, importa assinalar, como fim essencial da pena, a prevenção geral positiva ou de integração.

Ora, numa perspectiva de prevenção geral positiva, a pena tem ainda um efeito pedagógico, porquanto o esforço de resistência a eventuais solicitações para o crime que assaltem os não delinquentes é compensado com a satisfação moral de não se sofrer qualquer pena, facto contraposto à pena que se vê aplicada ao agente que prevaricou. Finalmente, assinala-se à prevenção geral positiva, um efeito de coerência lógica: a coercibilidade do Direito em geral, e do Direito Penal, em particular, impõe que o desrespeito das respectivas normas seja claramente censurado pelo sistema.

Ora, conforme já atrás observado, no contexto português, a toxicodependência é um flagelo social e está fortemente associada à criminalidade em geral (desde pequena e média até violenta), prefigurando-se como um factor de grande insegurança. Além disso, é alvo de estigmatização com efeito multiplicador, que contribui para a falta de coesão social, com todos os prejuízos que daí advém para a escassez de capital social e para o Desenvolvimento em geral.

Nesta confluência, são assinaláveis as necessidades de Prevenção Geral em qualquer das suas vertentes. O que implicará deslocar a pena do respectivo limite mínimo.

Também as necessidades de Prevenção Especial se fazem sentir de forma muito intensa no âmbito deste tipo de crime e, em concreto no tocante a estes arguidos. Isto, porque foi patente (apesar de expressarem várias vezes medo e preocupação), o risco que os mesmos aceitaram correr quer perante as autoridades policiais e alfandegárias quer perante os indivíduos, não concretamente identificados, da rede, a quem prestariam contas e a quem responderiam caso algo corresse mal, e de quem receberiam a comissão. Não obstante o primeiro transporte, os arguidos, à excepção de DD, e as comissões que terão recebido – caso contrário não se dispunham ao segundo -, os arguidos repetiram o procedimento decorridos apenas meses. A noção de que um pouco mais de sofisticação evitará novos flagrantes no futuro determinará, portanto, estes arguidos, tão dispostos a correr tantos riscos e tanto temor em troca de uma quantia monetária avultada, se a medida da pena não for significativa.

Naturalmente que estas necessidades são menos intensas no tocante ao arguido DD pelos motivos já expostos, o que terá de reflectir-se numa medida menor da pena.

Concorrem para amenizar a intensidade da necessidade da pena quer o carácter primário dos arguidos quer a sua inserção dos prismas sociofamiliar e, ainda que de modo mais incipiente, profissional. Recorde-se a este respeito que, conforme resulta da descrição de FFF e está reflectido nos factos provados, não era conhecida ao arguido AA a intervenção recente (últimos meses antes da detenção) em qualquer projecto ……... Em suma, não ficou demonstrada qualquer actividade profissional consistente por banda dos arguidos (pelo menos) nos meses que antecederam a detenção.

Repisando, a pena a aplicar terá como limite máximo a medida da culpa e como limite mínimo a medida das necessidades de prevenção geral. A medida concreta é, pois, dada pela medida das necessidades de prevenção especial. Tudo sopesado, considera-se justo e adequado fixar as penas de nove anos de prisão para o arguido AA; de oito anos de prisão para os arguidos BB e CC, e de sete anos de prisão para o arguido DD».

Afigura-se que o Tribunal teve em conta os critérios que norteiam a aplicação de penas, pormenorizando os parâmetros em que devem assentar e as finalidades a que se dirigem, sem que censura mereça.

Assim, em obediência ao art. 71.º, n.º 2, do CP, não deixou de atentar nos factores ali previstos, conjugados com as aludidas finalidades, concretamente analisadas, mediante avaliação pautada por critérios consentâneos com o que os autos revelam.

De qualquer modo, note-se que a referência feita a meros peões e como “correios de droga” haverá de ser entendida com rigor, não como redutora da sua conduta e que os favoreça, como se se tivessem limitado a providenciar pelos transportes da mercadoria, uma vez que, também, como provado, tudo fizeram, concertada e conjugadamente, com vista à importação, ao armazenamento e à extracção do produto estupefaciente, se bem que não excedendo o patamar da detenção da cocaína.

Ainda assim, sem que possa deixar de ser essa sua acção inevitavelmente integrada, como o Tribunal referiu, em rede internacional, com o desvalor que isso, em si mesmo, representa.

Quanto ao recorrente BB, não foram as suas alegadas condições pessoais capazes de o dissuadir de comportamento tão grave. 

Relativamente ao recorrente AA, não se descortina, de modo algum, que tivesse assumido postura de colaboração e/ou de interiorização.

No que concerne aos recorrentes CC e DD, o invocado grau de participação inferior aos demais foi considerado pelo Tribunal, bem como atentou na circunstância de os arguidos terem lidado com fortes carências económicas na Venezuela. Facto que é notório dada a situação política e socioeconómica do país, contemporânea da prática dos factos.

  E, também, diferenciou as penas cominadas a estes daquelas que foram aplicadas ao co-arguidos BB e AA, o que se revela justificado pela respectiva intervenção.

  Sendo certo que não cabe, na sindicância da medida das penas, anular a margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal recorrido, a não ser que se detecte alguma incorrecção das regras e princípios legais ou manifesta desproporcionalidade (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 197), entende-se que as penas encontradas estão devidamente suportadas, denotando razoabilidade perante o que se fundamentou.

   Não ocorrem razões substanciais para as alterar.

1) - recurso de BB:

F) - da suspensão da execução da prisão:

3) - recurso de CC:

4) - recurso de DD:

F) - da suspensão da execução das penas:

(…)

1) - recurso de BB:

G) - da ausência de fundamento para a perda de objectos a favor do Estado: 

2) - recurso de AA:

F) - da ausência de fundamento para a perda de objectos a favor do    Estado:

Os recorrentes BB e AA vêm contestar que o Tribunal tivesse decidido, como ficou a constar do acórdão, “Declarar perdidos a favor dos Estado os demais objectos apreendidos”.

Assim, referem, no essencial, que o acórdão padece de falta de fundamentação, nos termos do art. 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, al. a) ambos do C. P. P., é totalmente omisso relativamente aos fundamentos (de facto e de direito) que subjazem a tal decisão, em manifesta violação do artigo do Código Penal que – potencialmente – terá estado na génese de tal decisão e o decretamento da perda de bens, assumindo um carácter quase-penal e prosseguindo fins de prevenção, há-de obedecer ao princípio da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, no sentido de que os bens declarados perdidos, tenham efectivamente a virtualidade para pôr em perigo a segurança das pessoas ou para servir ao cometimento de novos crimes, sendo a declaração de perda a única medida possível para obstar a esse desiderato.

Em sede de justificação, o Tribunal consignou, quanto ao “Destino dos Objectos Apreendidos”, que “Também (além das substâncias estupefacientes a que antes alude) serão declarados perdidos a favor do Estado, à luz do art. 109º do Cód. Penal, os objectos apreendidos, sendo que, quanto aos veículos arrestados deverá proceder-se à competente avaliação e, quanto aos demais objectos, deverá ser ordenada a respectiva destruição por carência ou escassez de valor venal (art. 109º, nº 3, do Cód. Penal)”.

A matéria atinente à perda de instrumentos do crime, que aqui releva, encontra-se prevista naquele art. 109.º, dependendo da verificação cumulativa de que esses objectos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico e que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, sendo que pode ter lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.

Como já acentuava Eduardo Correia, Autor do Projecto que esteve na origem do então art. 107.º do CP na versão de 1982 (cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal – Parte Geral – II volume, AAFDL, 31.ª Sessão, de 27.04.1964, pág. 198):

«O preceito em discussão (…) parte da ideia de que nem sempre os produta e os instrumenta sceleris devem ser apreendidos, mas só quando à sua não apreensão esteja ligado um perigo típico, que se procura caracterizar exactamente. Há aqui, como de longe vem a ser evidenciado pela doutrina, uma mistura, em proporções difíceis de definir, de medida preventiva e de reacção penal, a partir daí se compreendendo que a providência não esteja limitada, na sua aplicação, pelo facto de o arguido vir a ser efectivamente condenado.   

Alterada a sua redacção por via da revisão operada pela Lei n.º 48/95, de 15.03 (que hoje se mantém), visou esta, tão-só, a substituição da expressão “crime” por “facto ilícito típico”, alicerçada na necessária correcção terminológica à luz da natureza do instituto em causa e da circunstância de ser aplicável às situações de não punição de determinado agente.

Acerca dessa natureza, de que já aquele Autor dava conta, resulta pacífico que se trata de uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança, não se confundindo com a pena acessória (já que prescinde de qualquer ligação com a culpa do agente), com efeito da pena ou condenação (nos termos já referidos) e com a medida de segurança em sentido rigoroso (esta é orientada para a perigosidade do agente e não para a perigosidade dos objectos) – cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 627 e seg..

O seu fundamento assenta, pois, em exigências, quer individuais, quer colectivas, de segurança e de perigosidade dos objectos apreendidos, no sentido, eminentemente objectivo, de aferição da natureza dos mesmos e das circunstâncias de que, da sua detenção ou utilização, venham, ou possam vir, a ser atingidos a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou de serem utilizados para a prática de factos ilícitos típicos. 

Sem prejuízo de que as circunstâncias do caso devam ser atendidas, isso constitui crivo complementar, mas não excludente, do critério, objectivo, da natureza dos objectos.

E como também salienta Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 628, o decretamento não se encontra limitado pela culpa do agente e tem de constituir providência que se revele proporcionada à gravidade do ilícito-típico e à perigosidade do objecto.

Revertendo ao concreto, não sofre dúvida que, nos termos do art. 374.º, n.º 3, alínea c), do CPP, a decisão deve conter a indicação do “destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime”, o que o Tribunal fez por referência àquele art. 109.º.

Não se trata, assim, de censurar o acórdão por omissão desse aspecto, o que, note-se, a acontecer, nem sequer seria motivo para a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

Resta, então, saber se a fundamentação naquele art. 109.º não é de aceitar, como os recorrentes preconizam, o que importa aquilatar em razão do que o acervo fáctico provado reflecte.

Aliás, sobre este último, os recorrentes nada referem com interesse no âmbito em apreço, certamente no intuito de quererem fazer prevalecer a apontada ausência de fundamentação.

Ora, pese embora se reconheça que o Tribunal foi parco nas palavras, não se pode descurar, desde logo, o provado em 146 e 169, no sentido, respectivamente, que as “viaturas” foram “utilizadas nas descritas actividades e diligências” e nos “aparelhos tecnológicos”, “utilizados” se encontravam os “conteúdos” ali descritos.

Tal significa que esses objectos serviram para a prática dos factos, sendo que, apesar de a sua perigosidade, em geral, não se descortinar, os contornos que os factos patenteiam e a gravidade do crime cometido são de molde a que se revele a perda como justificada, mormente, atentando na necessária proporcionalidade.

Quanto a outros objectos, aludidos nos factos provados em 83, 117, 121, 122, 123 e 124 e, ainda, 139 e 140, estão também inerentemente associados à actividade desenvolvida, o mesmo é dizer, identicamente, que serviram ao crime.

Afigura-se, deste modo, que a perda dos objectos teve cobertura legal.


***

Como é sabido, o âmbito de um recurso é delimitado pelo teor das Conclusões apresentadas pelo/a recorrente.

Nas Conclusões apresentadas nestes Autos, o recorrente impugna a decisão recorrida suscitando as seguintes questões:

a) Análise da prova com violação do princípio da presunção da inocência;

b) Utilização de um meio de obtenção de prova, com violação do disposto nos artigos 126º, n° 3, 187º, 188º e 190º do CPP;

c) Insuficiência da matéria de facto para a decisão;

d) Falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto;

e) Nulidade, por falta de fundamentação da declaração de perda de bens.

Como decorre do disposto 434º do CPP, ao STJ cabe exclusivamente conhecer matéria de Direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios elencados no artigo 410º nº 2 do CPP, os quais, porém, não podem constituir fundamento do recurso.

Nessa conformidade, impõe-se que os/as recorrentes impugnem as decisões de que pretendem recorrer suscitando exclusivamente a apreciação de questões relativas à matéria de Direito.

Ora, nos presentes Autos e com exceção das questões elencadas nas als. b) e e) - o recorrente cinge a sua impugnação do Acórdão recorrido a questões relativas à matéria de facto da decisão proferida em 1ª instância, olvidando não apenas o disposto no já citado artigo 434º do CPP como também a circunstância de, como prescrevem os artigos 427º e 428º do CPP, a decisão recorrida ser a proferida pelo Tribunal da Relação de Évora e não aquela outra.

Na verdade, questões como as suscitadas pelo recorrente, relativas à análise e valoração da prova produzida em Audiência de Julgamento ou vícios do artigo 410º do CPP ou ainda referentes à fundamentação da matéria de facto não consubstanciam matéria de Direito, mas sim matéria de facto e, como tal, não sindicáveis na presente sede.

É vasta e pacífica a Jurisprudência deste Alto Tribunal sobre esta temática.

Assim, veja-se por exemplo o Acórdão de 22.04.2020 ([1]), citado pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer: “X- Devendo ser o princípio in dubio pro reo configurado como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova, certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática.

XI - Nesta perspectiva, «a violação do princípio in dubio pro reo que, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art.º 410º, n º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção».

XII - Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastada a violação do princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o art.º 355º, n º 1, do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art.° 32°, n ° 1, da CRP.”

Bem como o Acórdão de 19.06.2019 ([2]): “V - Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, nomeadamente quando tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o art. 355.º n.º 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32.º, n.º 1 da CRP.

VI - Ao Supremo como tribunal de revista, e, na inexistência de vícios constantes do art. 410.º, n.º 2 do CPP apenas incumbe sindicar eventuais nulidades, se a convicção do tribunal do julgamento se fundamentou em meios de prova, e provas, proibidos por lei., atentos o princípio da legalidade das provas e os métodos proibidos de prova. –v. arts. 125.º e 126.º do CPP, já que quanto ao aspecto substancial ou modo de valoração de provas e ao modo de exercício do direito de defesa são questões fácticas, do âmbito do recurso em matéria de facto, estranhas à competência do Supremo Tribunal que reexamina exclusivamente a questão de direito, sem prejuízo do disposto nos art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP – v. art. 434.º deste diploma

VII - A impugnação da decisão em matéria de facto – factos provados e não provados e respectiva motivação da convicção do Tribunal, é feita através do recurso em matéria de facto nos termos do art 412.º n.ºs 3 e 4 do CPP.

VIII - Se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que alegada discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.

IX - Não é a vontade do recorrente que define a matéria de facto mas a ponderação das provas legalmente produzidas e examinadas pelo tribunal do julgamento no uso dos preceitos legais, nomeadamente do art. 127.º do CPP, que não é inconstitucional, como aliás já resultou do acórdão do TC de 01-07-1997, no Proc. n.º 102/96 1.ª Secção.

(…)

X - A discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia nem ilegalidade de procedimento ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre o modo e consequência da valoração dessas mesmas provas, efectuada pelo tribunal competente para apreciá-las, pelo que não integra qualquer nulidade, desde que o tribunal se orienta na valoração das provas legalmente permitidas, de harmonia com os critérios legais.

XI - Sobre os vícios contemplados nas als. do n.º 2 do art. 410.º do CPP. embora o n.º 1 do art 410.º do CPP, refira: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, vem sendo entendido por este Supremo, que os vícios constantes do art. 410.º n.º 2 do CPP, apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes.

XII - Trata-se, na realidade, de vícios ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão jurídica-factualmente correcta e, por isso, configuram vícios da própria decisão e não do julgamento, mas não se trata de vícios de lógica jurídica.

A lógica jurídica é matéria de consonância de argumentação juridicamente relevante, que não apuramento de matéria de facto.

XIII - A nulidade por omissão de pronúncia referente a provas e ao seu modo de valoração, e à fundamentação factual atinente consubstanciada na motivação da convicção do tribunal, integra objecto de recurso em matéria de facto.

XIV - Inexistindo infracção de normas constitucionais, inexiste qualquer inconstitucionalidade.

(….)

XIX - Há pois que rejeitar os recursos, em tal âmbito, nos termos dos arts. 414.º n.º 2 e 420.º n.º 1 do CPP., por inadmissibilidade legal, assim se cumprindo a lei constitucional e a lei ordinária processual penal portuguesa

XX - As questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal.”

Nesta conformidade, outra solução não resta que não seja a de rejeitar, por irrecorribilidade, nos termos do disposto nos artigos 420º nº 1 al. b) do CPP, os segmentos do recurso respeitantes às questões acima elencadas sob as alíneas a), c) e d).

b)

O recorrente alega que a decisão recorrida faz uma interpretação inconstitucional do chamado “regime do conhecimento fortuito” no tocante às escutas telefónicas de que foi objeto o co-arquido BB, seu irmão, nesta medida entendendo ter sido utilizada prova proibida.

Contudo, da análise dos Autos resulta carecer de fundamento fáctico e legal uma tal alegação.

Na verdade, as escutas telefónicas em causa nestes Autos, que, recorde-se se reportavam à investigação de um crime de tráfico de estupefacientes e, logo diretamente previsto na lei - artigo 187º nº 1 al. b) do CPP, como passível de legal utilização, foram devidamente autorizadas e validadas a interceção e a gravação das comunicações telefónicas realizadas pelos Arguidos BB e CC, em obediência aos legais requisitos previstos nos artigos 186.º e 187.º do CPP – cfr. Despachos de fls. 128 e 199.

E, como faz notar o Digno Magistrado do Ministério Público junto do TRE “o recorrente foi aos autos, por requerimento datado de 12.09.2018 (fls. 1452 a 1454), requerer que lhe fosse facultada a transcrição das conversações e comunicações interceptadas, o que foi deferido, por despacho de 18.09.2018 (fls. 1832), bem como a cópias das mesmas (cfr. despacho de fls. 1905) “.

Ora, como os factos de que a investigação veio a tomar conhecimento por via da utilização desse meio de obtenção de prova tinham uma estreita relação de conexão com os factos já em investigação nos Autos, foram os mesmos objeto de apreciação e valoração conjunta nestes Autos.

Entende o recorrente que tal procedimento será ilegal e mesmo inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º nº 2, 32º nº 8 e 34º nº 1 e 4 da Constituição da República, mas também do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Todavia tal asserção carece de fundamento legal.

Na verdade, e como indica Paulo Pinto de Albuquerque ([3]) dada a estreita relação entre os factos conhecidos através da escuta telefónica, designados como factos novos, e os já em investigação, o seu aproveitamento processual “apenas depende da aplicação dos pressupostos gerais de competência por conexão e do pressuposto específico da inclusão dos crimes novos no catálogo legal do artigo 187º, Se o crime novo tiver conexão processual com os factos já investigados e estiver incluído no catálogo legal, as escutas podem ser valoradas (…)”.

Tal é manifestamente o caso dos Autos, como resulta do acima exposto, pois que não apenas se está perante um chamado “crime de catálogo” como também, como aliás, muito bem se refere no Acórdão recorrido : “,atentando nos contornos do que se foi revelando, aquele estado de necessidade investigatório esteve cabalmente subjacente às indicadas intercepções, sem que se possa afirmar que o recorrente se viu injustificadamente “arrastado” para o processo.”

Acresce que se mostra terem sido devidamente acauteladas as garantias de defesa do recorrente pois, como se indicou já, teve possibilidade de vir aos Autos consultar e obter cópia das transcrições das interceções efetuadas a fim de as poder contraditar.

Nesta conformidade, se conclui pela improcedência do alegado entendendo-se não haver sido utilizada qualquer prova proibida e como tal se mostrarem respeitados os preceitos legais e constitucionais atinentes.

e)

Já no tocante à alegação falta de fundamentação da declaração de perda de bens aprendidos durante o inquérito, considera-se que o Acórdão recorrido, frise-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora examinou adequadamente a referida questão entendendo que : “Em sede de justificação, o Tribunal consignou, quanto ao “Destino dos Objectos Apreendidos”, que “Também (além das substâncias estupefacientes a que antes alude) serão declarados perdidos a favor do Estado, à luz do art. 109º do Cód. Penal, os objectos apreendidos, sendo que, quanto aos veículos arrestados deverá proceder-se à competente avaliação e, quanto aos demais objectos, deverá ser ordenada a respectiva destruição por carência ou escassez de valor venal (art. 109º, nº 3, do Cód. Penal)”.

A matéria atinente à perda de instrumentos do crime, que aqui releva, encontra-se prevista naquele art. 109.º, dependendo da verificação cumulativa de que esses objectos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico e que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, sendo que pode ter lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.

Como já acentuava Eduardo Correia, Autor do Projecto que esteve na origem do então art. 107.º do CP na versão de 1982 (cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal – Parte Geral – II volume, AAFDL, 31.ª Sessão, de 27.04.1964, pág. 198):

«O preceito em discussão (…) parte da ideia de que nem sempre os produta e os instrumenta sceleris devem ser apreendidos, mas só quando à sua não apreensão esteja ligado um perigo típico, que se procura caracterizar exactamente. Há aqui, como de longe vem a ser evidenciado pela doutrina, uma mistura, em proporções difíceis de definir, de medida preventiva e de reacção penal, a partir daí se compreendendo que a providência não esteja limitada, na sua aplicação, pelo facto de o arguido vir a ser efectivamente condenado.   

Alterada a sua redacção por via da revisão operada pela Lei n.º 48/95, de 15.03 (que hoje se mantém), visou esta, tão-só, a substituição da expressão “crime” por “facto ilícito típico”, alicerçada na necessária correcção terminológica à luz da natureza do instituto em causa e da circunstância de ser aplicável às situações de não punição de determinado agente.

Acerca dessa natureza, de que já aquele Autor dava conta, resulta pacífico que se trata de uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança, não se confundindo com a pena acessória (já que prescinde de qualquer ligação com a culpa do agente), com efeito da pena ou condenação (nos termos já referidos) e com a medida de segurança em sentido rigoroso (esta é orientada para a perigosidade do agente e não para a perigosidade dos objectos) – cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 627 e seg..

O seu fundamento assenta, pois, em exigências, quer individuais, quer colectivas, de segurança e de perigosidade dos objectos apreendidos, no sentido, eminentemente objectivo, de aferição da natureza dos mesmos e das circunstâncias de que, da sua detenção ou utilização, venham, ou possam vir, a ser atingidos a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou de serem utilizados para a prática de factos ilícitos típicos. 

Sem prejuízo de que as circunstâncias do caso devam ser atendidas, isso constitui crivo complementar, mas não excludente, do critério, objectivo, da natureza dos objectos.

E como também salienta Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 628, o decretamento não se encontra limitado pela culpa do agente e tem de constituir providência que se revele proporcionada à gravidade do ilícito-típico e à perigosidade do objecto.

Revertendo ao concreto, não sofre dúvida que, nos termos do art. 374.º, n.º 3, alínea c), do CPP, a decisão deve conter a indicação do “destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime”, o que o Tribunal fez por referência àquele art. 109.º.

Não se trata, assim, de censurar o acórdão por omissão desse aspecto, o que, note-se, a acontecer, nem sequer seria motivo para a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

Resta, então, saber se a fundamentação naquele art. 109.º não é de aceitar, como os recorrentes preconizam, o que importa aquilatar em razão do que o acervo fáctico provado reflecte.

Aliás, sobre este último, os recorrentes nada referem com interesse no âmbito em apreço, certamente no intuito de quererem fazer prevalecer a apontada ausência de fundamentação.

Ora, pese embora se reconheça que o Tribunal foi parco nas palavras, não se pode descurar, desde logo, o provado em 146 e 169, no sentido, respectivamente, que as “viaturas” foram “utilizadas nas descritas actividades e diligências” e nos “aparelhos tecnológicos”, “utilizados” se encontravam os “conteúdos” ali descritos.

Tal significa que esses objectos serviram para a prática dos factos, sendo que, apesar de a sua perigosidade, em geral, não se descortinar, os contornos que os factos patenteiam e a gravidade do crime cometido são de molde a que se revele a perda como justificada, mormente, atentando na necessária proporcionalidade.

Quanto a outros objectos, aludidos nos factos provados em 83, 117, 121, 122, 123 e 124 e, ainda, 139 e 140, estão também inerentemente associados à actividade desenvolvida, o mesmo é dizer, identicamente, que serviram ao crime.

Afigura-se, deste modo, que a perda dos objectos teve cobertura legal.”

Subscrevendo-se inteiramente os fundamentos assumidos no trecho acima citado, considera-se nada mais haver a aditar e, consequentemente, concluir pela improcedência do alegado.

VI

Termos em que se acorda em rejeitar, por irrecorribilidade, nos termos do disposto nos artigos 420º nº1 al. b) do CPP, os segmentos do recurso respeitantes à matéria de facto e no mais negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o Acórdão recorrido.

   

Custas pelos recorrentes, fixando-se em 4UCs a taxa de justiça.

Custas, nos termos do artigo 420º nº3 do CPP, fixando-se a taxa em 3 UCs

Feito em Lisboa, neste Supremo Tribunal de Justiça, aos 14 de abril de 2021.


Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Dec-Lei nº 20/2020 de 1 de maio, consigno que o presente Acórdão tem voto de conformidade do Ex.mo Adjunto, Juiz Conselheiro Sénio dos Reis Alves.

Maria Teresa Féria de Almeida (Relatora)


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[1] Proc. n º 44/16.0T9MJT.L1. S1-3ª Secção, Rel. Com. Manuel Augusto Matos
[2] Proc. n.º 881/16.6JAPRT.P1.S1 - 3.ª Secção. Rel. Cons. Pires da Graça in www.dgsi.pt
[3] In Comentário do CPP- UCEd Lisboa 2018 pag. 527