HABEAS CORPUS
PRESSUPOSTOS
DETENÇÃO
EXTRADIÇÃO
PRAZO
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
Sumário

Texto Integral


Acordam em Audiência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

I

AA requer que lhe seja concedida a providência de Habeas Corpus, nos termos do artigo 222º nº 2 al. c) do C.P.P., por entender como ilegal a medida de detenção provisória a que se encontra sujeito.

II

Na sua Petição expõe o que segue:

1. O Requerido foi detido a 15 de Março de 2021, pela Polícia Judiciária, em ........., ao abrigo de um mandado de detenção internacional emitido pelas autoridades judiciárias do Reino do Camboja, inserido no Sistema de Informação da Interpol a 18 de Maio de 2016 (Red Notice Control n.º A-4400/5-2016, File n.º 2016/31229).

2. Segundo a aludida Red Notice, as autoridades do Reino do Camboja comprometeram-se a efectuar o pedido de extradição, uma vez efectivada a detenção do Requerido.

3. A detenção do Requerido foi validada por despacho judicial do Meritíssimo Juiz Desembargador da ...ª Secção do Tribunal da Relação  ……, proferido a 17 de Março de 2021.

4. Após a audição do Requerido junto do Tribunal da Relação ……, observados os trâmites legais aplicáveis, foi determinada a sua detenção em estabelecimento prisional, ficando os autos a aguardar pela instrução e formalização do pedido de extradição nos prazos a que aludem os arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP.

5. O prazo legal de 18 dias contados da detenção do Requerido, previsto naquelas disposições legais, terminou no passado dia 1 de Abril.

6. O Reino do Camboja não formulou o pedido de extradição do Requerido até ao termo daquele prazo de 18 dias, ou seja, até às 24:00 horas do dia 1 de Abril de 2021.

7. No passado dia 30 de Março, deu entrada nos autos um email remetido pelo Gabinete da Interpol do Camboja (NCB Phnom-Penh, Camboja) e dirigido ao “NCB Lisbon Portugal” (endereço de email: ........@pj.pt), redigido em língua inglesa, cuja tradução integral e fiel ao original em inglês é a seguinte:

“De: NCB PHNOM-PENH Cambodja [.......@kh.igcs.int]

Enviada: terça-feira, 30 de março de 2021 3:57

Para: NCB Lisboa Portugal

Assunto: RE: ……/21 - NAI ……/21-PAS PHNOM PENH MC  

Caros Colegas,

NCB Phnom Penh apresenta os seus cumprimentos e reafirma o seu comprometimento em manter uma relação de cooperação.

Seguir aos nossos emails anteriores quanto ao assunto, informamos que estamos a trabalhar em processamento de documentos legais.

Uma vez que o suspeito tem duas nacionalidades, então nós somos difíceis a processar de forma apropriada extraditar documentos a tempo como vocês definiram.

Deste modo podem responder ao vosso procedimento nacional de aplicação da lei quando não conseguimos submeter o requerimento de extraditar a tempo.

Para qualquer informação poderão inquirir por favor não hesitar contactar ao Diretor de NCB Phnom Penh, Tel: …………46 ou email: .......@hotmail.com.

Mais uma vez, muito agradecemos a vossa melhor cooperação.

Com os melhores cumprimentos,

IP Phnom Penh”

8. O teor do referido email – de difícil inteligibilidade, dada a sua deficiente redação em língua inglesa – não traduz a manifestação inequívoca de que as autoridades do Reino do Camboja virão a apresentar um pedido formal de extradição do aqui Requerido e consigna que, a ser efectuado tal pedido, o mesmo não será formulado no prazo legal assinalado pelas autoridades portuguesas [o que decorre do trecho:“(…) we are unable to submit extradite request on time”].

9. Na verdade, da interpretação do teor literal do texto do email só poderá retirar-se que, a ser formulado pedido de extradição, o mesmo não será submetido dentro do prazo máximo comunicado para esse efeito.

10. Por apresentação do pedido de extradição “em tempo” só poderá entender-se dentro do prazo legal de 40 dias, estabelecido nos arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP, cujo término ocorrerá, no caso dos autos, a 23 de Abril de 2021.

11. Diga-se, a este propósito, que a informação sobre o prazo legal foi correctamente transmitida e explicada pelo Gabinete da Interpol em Portugal, por email enviado a 19 de Março, ao NCB Camboja, aí se deixando claro que, caso o pedido de extradição não fosse recebido em 18 dias após a detenção do Requerido (até 1 de Abril de 2021), o mesmo seria libertado. No entanto, conforme também se consignou expressamente nessa comunicação, tal prazo poderia ser prolongado até 40 dias após a data da detenção (23 de Abril de 2021) se razões justificáveis fossem invocadas - “please note that, if the request for extradition shall not be received within 18 days after the date of his arrest (i.e. to 01-04-2021), above-mentioned individual will be released. Please note, however, that this time-limit may be extended up to 40 days after the date of arrest (i.e. until 23-04-2021) if duly justified reasons shall be invoked”.

12. Ora, o teor do aludido email, expedido pelo NCB Phnom-Penh, Camboja, a 30 de Março último, não configura um pedido de prorrogação do prazo para a apresentação do pedido de extradição, tão pouco invoca razões atendíveis susceptíveis de prolongar o prazo inicial de 18 dias para o de 40 dias.

13. Ao invés, o que ali as autoridades policiais cambojanas deixaram expressamente consignado foi que não lhes seria possível deduzir o pedido de extradição no prazo legal que lhes foi comunicado (o que explica que não tenham sequer solicitado o prolongamento do prazo inicial de 18 para 40 dias, nem invocado quaisquer motivos atendíveis para fundamentar tal pedido).

14. Tendo chegado aos autos a informação de que o Estado interessado não vai efectuar um pedido de extradição no prazo máximo fixado na LCJIMP, não existe fundamento legal para a manutenção da detenção do Requerido, aqui Impetrante, sujeitando-o a tal medida excepcional de privação da liberdade por mais 22 dias (os necessários a completar o prazo ampliado de 40 dias).

15. O que é, aliás, de elementar bom senso! Que sentido fará manter a detenção do Requerido até se perfazer 40 dias, a aguardar a apresentação de um pedido de extradição que, segundo informação expressa da autoridade policial do Estado interessado, não será formulado dentro de tal prazo?

16. A disposição constante do art.º 38.º, n.º 5 da LCJIMP afigura-se, a este respeito, de cristalina nitidez: “A detenção provisória cessa se o pedido de extradição não for recebido no prazo de 18 dias a contar da mesma, podendo, no entanto, prolongar-se até 40 dias se razões atendíveis, invocadas pelo Estado Requerente, o justificarem”. Os mesmos prazos são os que se encontram prescritos no art.º 64.º n.º 3 da LCJIMP, no que especificamente respeita à detenção não directamente solicitada.

17. Dada a sua natureza excepcional, por se tratar de detenção antecipada – no caso vertente, detenção não directamente solicitada – o prazo “normal” de duração da mesma sem dedução do competente pedido de extradição por parte do Estado requerente é de 18 dias.

18. O prolongamento da detenção provisória até ao prazo máximo de 40 dias sem que se verifique a formulação do pedido de extradição é – salvo mais esclarecido entendimento – de natureza excepcionalíssima, o que desde logo resulta do teor literal do primeiro dos preceitos legais acima citados, que recorre à locução “podendo, no entanto, prolongar-se até 40 dias”. 

19. Sucede que, segundo jurisprudência desse Venerando Tribunal, haverá de se proceder a uma distinção entre o âmbito de aplicação dos arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP, embora concedendo que ambos respeitam a situações de detenção antecipada (aquela que ocorre em momento anterior à dedução do pedido de extradição). O primeiro aplicar-se-ia à detenção provisória – a efectivada a pedido do Estado interessado na extradição, prevista no art.º 38.º da LCJIMP. O segundo, à detenção não directamente solicitada – efectivada sem prévio pedido do Estado interessado, prevista no art.º 39.º da LCJIMP.

20. A ratio que preside à distinção (ainda que subtil) dos regimes dos arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP é explanada no Acórdão de 19 de Março de 2015, desse Venerando Tribunal, prolatado nos autos de Habeas Corpus com o n.º 231/15.9YRLSB-A.S1 (disponível em www.dgsi.pt), em cujo texto se pode ler, na parte que aqui releva, o seguinte:

“A diferença de regimes parece justificada. No primeiro caso, o Estado requerente tem dados sobre o país onde se encontra o extraditando, pois pede-lhe a sua detenção como acto prévio do pedido formal de extradição. Estando o Estado requerente de posse desses dados e tendo já estabelecido comunicação com o Estado onde se encontra o extraditando, ser-lhe-á exigível que formule o pedido de extradição no prazo curto de18 dias, a menos que apresente razões atendíveis que tornem necessário para o efeito um prazo mais longo. No segundo caso, o Estado que pretende a extradição não conhece a localização da pessoa procurada, só vindo a tomar conhecimento desse facto quando lhe é comunicada a detenção, nos termos do nº 2 daquele artº 64º. Por isso e porque ainda não estabeleceu comunicação com o Estado da detenção, a aplicação do prazo de 40 dias depende apenas da informação de que vai formular o pedido de extradição.”

21. Nos termos desta distinção, no caso da detenção antecipada não directamente solicitada – que corresponde à espécie dos presentes autos – bastaria que, no prazo de 18 dias contados da data da detenção, o Estado interessado manifestasse a sua intenção de vir a deduzir o pedido de extradição para que o prazo de detenção se ampliasse até ao limite de 40 dias.

22. Este prazo de 40 dias, como prazo de duração máxima da detenção antecipada sem que o pedido de extradição venha a ser formulado pelo Estado interessado, é o mesmo nos arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP, mas não já as condições necessárias à ampliação do prazo inicial de 18 para 40 dias, mais restritivas no âmbito de aplicação do primeiro daqueles preceitos e menos exigentes no caso do segundo.

23. Ainda que assim justificadas as diferenças do regime da ampliação do prazo de 18 para 40 dias nas duas espécies de detenção antecipada, não poderá deixar de se assinalar a coincidência de ambos os prazos (o inicial, de 18 dias e o ampliado, de 40 dias), constantes, desde logo e em primeiro lugar, do art.º 38.º, n.º 5 da LCJIMP, para o qual o seu art.º 64.º, n.º 2 – aplicável à detenção não directamente solicitada – expressamente remete.

24. Sem embargo, do teor literal da norma prevista no art.º 38.º, n.º 5 da LCJIMP resulta clara a consagração do prazo de 18 dias como o prazo regra para que, nas situações de detenção antecipada (detenção provisória e detenção não directamente solicitada), seja deduzido o pedido de extradição por parte do Estado interessado (ainda que as condições para a ampliação daquele prazo inicial para 40 dias sejam menos restritivas na previsão do art.º 64.º, n.º 3 do citado diploma legal).

25. Certo é que, de qualquer das normas legais em presença, resulta inequívoca a intenção da lei no sentido de que se proceda, no prazo inicial de 18 dias contados da data da detenção antecipada, à clara definição da posição a assumir pelo Estado interessado, sempre tendo presente o prazo de duração máxima (ampliado) de 40 dias, até ao termo do qual, em qualquer das situações, deverá ser formulado o pedido de extradição, sob pena de imediata cessação da detenção provisória ou da detenção não directamente solicitada (cfr., respectivamente, os arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP). 

26. E é compreensível que assim seja, desde logo por ser essa a única interpretação dos dois preceitos legais que se afigura conforme à Constituição.

27. Tendo presente o direito fundamental à liberdade, consagrado no art.º 27.º, n.º 1 da CRP, e atentas as excepções que expressamente lhe são consentidas (nos nºs. 2 e 3 do mesmo artigo), constata-se, por referência ao n.º 3 al. c), a inclusão, entre tais excepções, da “Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa (…) contra a qual esteja em curso processo de extradição (…).”

28. À luz deste preceito da Lei Fundamental, ambas as espécies legais de detenção antecipada, ainda que enquadráveis num conceito amplo de “processo de extradição” em curso, sempre se deverão ter por excepcionais e temporalmente limitadas, de modo que não se protele de forma intolerável a incerteza quanto à formulação (tempestiva) do pedido de extradição por parte do Estado interessado.

29. A este respeito afigura-se que, tendo por certo que o prazo máximo de duração da detenção antecipada sem formulação de pedido de extradição é, de acordo com o critério uniforme da LCJIMP, de 40 dias contados da data da detenção, não é menos certo que o prazo regra para que no processo seja prestada a informação quanto à atitude que virá a ser adoptada pelo Estado interessado relativamente à dedução tempestiva do pedido de extradição é o prazo inicial de 18 dias.

30. Só assim se logrará acautelar a mínima compressão do direito fundamental à liberdade (de harmonia com os princípios constantes do art.º 18.º nºs. 2 e 3 da CRP) e o respeito pela excepções constitucionalmente admissíveis, maxime, as contempladas no art.º 27.º, n.º 3 al. c) da CRP, no que ao processo de extradição diz respeito.

31. A este propósito, convirá aqui convocar a jurisprudência dos nossos tribunais superiores no que respeita ao prolongamento do prazo inicial de 18 para 40 dias, comum a ambas as hipóteses legais de detenção antecipada.

32. Assim, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Janeiro de 2010, processo n.º 495/09.7TRPRT (disponível em: www.dgsi.pt):

“Dispõe-se no artigo 27º da Constituição da República Portuguesa: «1. Todos têm direito à liberdade e à segurança; 2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança; 3. Exceptuam-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei o determinar, nos casos seguintes: a)…b)…. c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão».

Também nos termos do Artigo 5º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais:

 «1. Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: f) Se se tratar de prisão ou detenção leal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território ou contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição»

 Qual o procedimento legal, quais as condições legais previstas para o caso concreto?

  Responde o Artigo 38º (Detenção Provisória) da Lei 144/99 de 31 de Agosto:

 «1. Em caso de urgência, e como acto prévio de um pedido formal de extradição, pode solicitar-se a detenção provisória da pessoa a extraditar.

 5. A detenção provisória cessa se o pedido de extradição não for recebido no prazo de 18 dias a contar da mesma, podendo, no entanto, prolongar-se até 40 dias se razões atendíveis, invocadas pelo Estado requerente, o justificarem.»

 Deste normativo resulta, como parece óbvio, que não basta requerer o prolongamento.

  São, antes, condições legais do deferimento da pretensão de prolongamento da detenção:

  i. A formulação de uma tal pretensão por parte do Estado requerente;

  ii. A indicação das razões;

  iii. Que estas, por atendíveis, justifiquem (sic) o pedido formulado.

 Ora, percorrendo os factos processualmente adquiridos e acima descritos, qual a razão ou razões que o Estado requerente invocou?

 Omissão total!

Nem uma razão. Por maioria de razão, nenhuma razão atendível.

  Daí a consideração deixada expressa no despacho posto em crise:

  “Ora o que dos autos consta é uma comunicação ao Gabinete Nacional da Interpol, “proveniente de IP KIEV”, no sentido de que “os documentos relativos à extradição do referenciado serão enviados às autoridades competentes do vosso país no prazo previsto (40 dias)” [Fls.67]

  Dizer: mesmo que, com algum esforço, se deva entender que se tratou de um pedido feito pelo Estado Requerente no sentido do prolongamento do prazo até 40 dias, o certo é que não é invocada qualquer razão justificativa, atendível ou não atendível: de modo muito singelo, apenas se comunica o propósito do “envio dos documentos relativos à extradição no prazo previsto dos 40 dias”

 Nesta conformidade, face à manifesta falta de razões – sequer invocadas, repete-se – um eventual prolongamento da detenção assentaria em base totalmente falha de suporte legal, consubstanciaria uma clara violação do princípio do Estado de Direito.

 Subjacente ao tempo da decisão, esteve ainda, a consideração de que o prazo ínsito no referido artigo 38º/5 da Lei 144/99 era um prazo de detenção.

  Mesmo que se entendesse que o prazo era também para entrega do pedido de prolongamento e, que, por esta ordem de ideias, este prazo cessaria apenas no primeiro dia útil seguinte, ainda assim, na decorrente conflitualidade de interpretação, sempre teria de prevalecer, como se fez prevalecer, a interpretação que menos comprimisse direitos, liberdades e garantias.” (sublinhados nossos.)

33. Com interesse, veja-se, ainda, o douto entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 8 de Novembro de 2018, proc. n.º 2385/18.3YRLSB-A (disponível em: www.dgsi.pt):

  “(…)

  13 – A LCJIMP só admite o alargamento do prazo da detenção, de 18 para 40 dias, se houver sinais, activos e actuais, por parte da autoridade estrangeira requerente, de que, em face da detenção, o pedido de extradição vai ser apresentado.

  14 – A mera declaração, pela autoridade estrangeira, no pedido inicialmente formulado, de que, efectivada esta, o pedido de extradição será apresentado, não pode assimilar-se à exigência do comprometimento perante a concretização da detenção, cumprindo actualizar o respectivo fundamento, ademais quando aquele pedido de detenção foi formulado já em 2015.

 15 – A LCJIMP só aceita como indiciária de que o pedido de extradição vai ser apresentado a informação prestada, nesse sentido, pelo Estado que emitiu o mandado, após a efectivação da detenção, na sequência de interpelação para tanto nos termos prevenidos no n.º 2 do artigo 64.º, da LCJIMP.

 16 – Por isso que o descrito fundamento (da declaração pretérita, por parte da autoridade requerente, de que, efectuada a detenção, será apresentado pedido de extradição), não consente o determinado alargamento do prazo da detenção da requerente, de 18 para 40 dias.

 17 – Em decorrência, não pode deixar de considerar-se (por referência ao momento da petição de habeas corpus, não colhendo relevo, neste particular, o anúncio, sobreveniente, datado de 6 de Novembro de 2018, de que a autoridade estrangeira informou ter já enviado, pelos canais diplomáticos adequados, pedido de extradição da peticionante) que a requerente se encontra indevidamente detida desde o pretérito dia 4 de Novembro de 2018, e, na medida em que a detenção se mantém para além dos prazos fixados pela lei [artigo 222.º n.º 2 alínea c), do CPP], deve a mesma ser declarada ilegal e, de tal passo, determinada a imediata libertação da Requerente – sem prejuízo de quanto se dispõe, designadamente, nos artigos 63.º n.º 3 e 65.º, da LCJIMP.

(…)” (Sublinhado nosso.)

34. Regressando ao caso dos autos, afigura-se claro que inexiste qualquer sinal – actual e activo - de que o Estado interessado virá a formular o pedido de extradição do Requerido, aqui Impetrante, no prazo legalmente fixado.

35. A este respeito, o sentido que poderá ser retirado do email remetido pelo Gabinete da Interpol do Camboja (NCB Phnom-Penh, Camboja), a 30 de Março último, assemelha-se, de forma notável, à «comunicação ao Gabinete Nacional da Interpol, “proveniente de IP KIEV”, no sentido de que “os documentos relativos à extradição do referenciado serão enviados às autoridades competentes do vosso país no prazo previsto (40 dias)», que se faz alusão no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Janeiro de 2010, acima parcialmente transcrito.

36. Com a agravante de que a autoridade policial cambojana, ao contrário do que sucedeu com a sua congénere ucraniana, vem, desde logo, consignar que não está em condições de vir a formular o pedido de extradição no prazo que para o efeito lhe foi assinalado.

37. Do que vem de se alegar resulta que a prisão do aqui Impetrante é manifestamente ilegal, porquanto o prazo legal de 18 dias após a detenção do Requerido se mostra já esgotado, não tendo, no decurso de tal prazo, sido efectuado o pedido de extradição pelas autoridades do Reino do Camboja nem tendo aquelas autoridades demonstrado o propósito de, tempestivamente, vir a formular tal pedido, existindo nos autos, pelo contrário, a indicação clara e expressa de que nenhum pedido de extradição será apresentado no prazo máximo legal de 40 dias, previsto nos arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP.

38. O prolongamento da detenção não directamente solicitada do Impetrante para além do prazo inicial de 18 dias, nas circunstâncias supra descritas, não só viola o disposto os arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP, como comprime de forma inadmissível o direito à liberdade daquele, constitucionalmente consagrado no art.º 27.º, n.º 1 da CRP, uma vez que não encontra cabimento na excepção prevista no n.º 3 al. c) in fine da citada norma constitucional.

Termos em que, não existindo nos presentes autos pedido de extradição do aqui Requerido, formulado pelo Reino do Camboja, nem pedido fundamentado de prorrogação do prazo para vir a apresentar o pedido formal de extradição nem existindo informação de que aquele Estado irá efectivar tal pedido no prazo legal (existindo, isso sim, informação expressa em sentido contrário), deverá, de harmonia com o disposto no arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3 da LCJIMP, e dos arts. 27.º, nrs. 1 e 3 al. c) e 31.º da CRP, bem assim como do art.º 222.º, nrs. 1 e 2 al. c) do CPP, ser deferida a presente petição de habeas corpus e, consequentemente, ser declarada ilegal a prisão do Requerido, aqui Impetrante e, de imediato, ser ordenada a sua restituição à liberdade, como é de Justiça!

III

O Despacho proferido nos termos do artigo 223º nº 1 do CPP, informa que:

Através deste seu requerimento o requerido/detido AA, vem apresentar uma petição de habeas corpus, alegando, em síntese, que a sua prisão é manifestamente ilegal, porquanto o prazo legal de 18 dias após a detenção se mostra já esgotado, não tendo, no decurso de tal prazo, sido efectuado o pedido de extradição pelas autoridades do Reino do Camboja nem tendo aquelas autoridades demonstrado o propósito de, tempestivamente, vir a formular tal pedido, existindo nos autos, pelo contrário, a indicação clara e expressa de que nenhum pedido de extradição será apresentado no prazo máximo legal de 40 dias, previsto nos Art.ºs 38.°, n.° 5 e 64.°, n.° 3 da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (LCJIMP).

Mais advoga que não existindo nos presentes autos pedido de extradição do aqui Requerido, formulado pelo Reino do Camboja, nem pedido fundamentado de prorrogação do prazo para vir a apresentar o pedido formal de extradição nem existindo informação de que aquele Estado irá efectivar tal pedido no prazo legal (existindo, isso sim, informação expressa em sentido contrário), deverá, de harmonia com o disposto nos Art.ºs 38.°, n.° 5 e 64.°, n.° 3 da LCJIMP, e dos Art.ºs 27.°, n.ºs 1 e 3 al. c) e 31.° da CRPortuguesa, bem assim como do Art.° 222.°, n.ºs 1 e 2 al. c) do CPPenal, ser deferida a presente petição de habeas corpus e, consequentemente, ser declarada ilegal a sua prisão e, de imediato, ser ordenada a sua restituição à liberdade.

Cabe-nos a nós, neste domínio, informar a presente providência com o destaque sobre as condições em que foi efectuada ou se mantém a detenção do aqui requerido, ora peticionante, após a sua audição nos termos do n.º 2 do Art.º 62.º, ex vi Art.º 64.º da mencionada LCJIMP.

Não se deixará de referir, desde já, que a defesa do arguido se demonstra infundada nesta sua providência, repetindo aqui requerimento anteriores, sendo que um deles veio a ser oportunamente apreciado e decidido e, um outro, entrado no dia de ontem, encontra-se com vista aberta com abertura de contraditório ao Ministério Público.

Assim, informa-se esse colendo Supremo Tribunal de Justiça, que o aqui requerido foi detido a 15 de Março de 2021, pela Polícia Judiciária, em ....., ao abrigo de um mandado de detenção internacional emitido pelas autoridades judiciárias do Reino do Camboja, inserido no Sistema de informação da Interpol a 18 de Maio de 2016 (Red Notice Control n.° A-4400/5-2016, File n.º 2016/31229).

Segundo a aludida Red Notice, as autoridades do Reino do Camboja comprometeram-se a efectuar o pedido de extradição, uma vez efectivada a detenção do Requerido.

Em 17/3/2021, após a audição do requerido junto desta Relação de Lisboa, observados os trâmites legais, a detenção não directamente solicitada foi validada e foi determinada a manutenção da sua detenção provisória em estabelecimento prisional, ficando os autos a aguardar pela instrução e formalização do pedido de extradição nos prazos a que alude o Art.º 64.º, n.º 3 da LCJIMP.

Após isso, em 26/3/2021, o NCB do Camboja informou o NCB de Lisboa que iria proceder de acordo com a informação de cooperação em causa, nos moldes que se documentam nos autos, por e-mail remetido a esta Relação.

Em 31/3/2021 o Ministério Público junto desta Relação deu entrada a um requerimento, juntando aos autos a troca de e-mails recebida pelo Gabinete de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal da PGR, com referência a três e-mails do GNI e das autoridades do Camboja, nos moldes que aí se encontram documentados.

Neste seu requerimento o Ministério Público refere que os mesmos e-mails são “comprovativos de que o Estado Requerente da Extradição - o Reino do Camboja - manifesta claramente o seu interesse em vir apresentar o pedido formal de extradição do detido, pedido esse que se encontra a instruir, manifestando até alguma preocupação com a necessidade de o completar e remeter dentro do prazo legal (de 40 dias).

Assim, mostra-se cumprida, dentro do prazo de 18 dias a contar da detenção, a exigência legal de prestação de informação pelo Estado Requerente de que mantém a vontade de efectivar a extradição do detido e que está a diligenciar no sentido da apresentação do pedido formal de extradição dentro do prazo de 40 dias (arts. 38.º nºs 5 e 64. n.º 3 da Lei n.º 144/99, de 31/08), pelo que se justifica a manutenção da detenção do Requerido AAH”.

No e-mail remetido pelo NCB do Camboja as autoridades daquele país referem “que se encontram a recolher e a trabalhar na documentação referente ao pedido de extradição”.

No entanto, comunicam igualmente que “dificilmente poderão cumprir os prazos impostos pelas autoridades portuguesas, e solicitam que esta últimas seja informadas da impossibilidade de submeter o pedido de extradição dentro desse prazo” (“In this manner you can reply your national law enforcement procedure when we are unable to submit extradite request on time”.)

No dia 1/4/2021, no decurso do turno judicial da Páscoa, vieram a ser proferidos dois despachos subsequentes, tal como insertos nos autos, pelos quais é mantida a detenção do requerido na situação de detenção provisória, nos moldes anteriormente determinados, devendo os autos aguardar o prazo de quarenta dias constante do Art.º 64.º, n.º 5, da mesma LCJIMP.

Nos presentes autos a detenção provisória em causa foi confirmada e comunicada à autoridade central portuguesa (PGR) e através desta às autoridades estrangeiras a quem ela interessava. Essas autoridades responderam que iriam formular o pedido de extradição mas suscitando dúvidas sobre a possibilidade prática de o formularem no prazo de máximo de 40 dias indicados. A interpretação da informação em causa pode ser dúbia, em face da expressão equívoca e da tradução possível, mas a intenção de vir a formular o pedido de extradição é certa, embora com muitas dúvidas quanto à capacidade de o virem a realizar naquele prazo.

Ora, as dúvidas suscitadas não podem ser interpretadas como uma desistência do pedido de extradição, sendo que as dificuldades apresentadas também servem para justificar o porquê do prolongamento do pedido para além dos 18 dias, até ao limite dos 40 dias indicados (assim, Art.º 38.º, n.º 5, da citada LCJIMP).

Assim, perante uma informação de formulação da extradição só se pode entender que a mesma é positiva, para os termos do previsto no n.º 3 do Art.º 64.º da mesma LCJIMP, sabendo-se que no final do prazo limite de 40 dias, se o pedido de extradição não for recebido, o aqui requerido será de imediato restituído à liberdade.

Daí se conclui pela falta de fundamentação fáctica e jurídica desta petição de habeas corpus apresentada pelo requerido.

A providência do habeas corpus em caso de prisão ilegal pode ter por fundamento, segundo estipula o Art.º 222.º/2 do CPPenal, a falta de competência da entidade que a efectuou ou ordenou, a falta de justificação legal do facto que a fundamentou ou a sua manutenção para além dos prazos fixados legalmente ou jurisdicionalmente.

Não se demonstra reunido qualquer dos pressupostos desta providência extraordinária e expedita, estando devidamente salvaguardadas as garantias constitucionais do direito à liberdade.

Como se pode concluir do exposto a nossa informação vai no sentido de que a detenção provisória em causa, fundada na LCJIMP, se mantém legal e fundamentada.

V. Exªs Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ajuizarão melhor, contudo, do acerto desta conclusão.


IV

Da consulta dos Autos constata-se que este se encontra instruído com certidão das seguintes peças:

1 - Requerimento do MP de apresentação do detido, nos termos e para os efeitos dos artigos 39º, 62º nº 2 e 64º nº 1 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto, datado de 16.03.21.

2 - Informação da PJ comunicando a detenção do requerente, datado de 16.03.21.

3 - Informação da UCI do Gabinete Nacional da Interpol relativa “Fugitivo procurado para fins de procedimento criminal” relativa ao requerente.

4 - Informação “Red Notice” da Interpol sobre a mesma matéria de ponto 3

5 - Despacho Judicial designando data para audição do requerente, nos termos promovidos em 1, datado de 16.03.21.

6 - Procuração forense emitida pelo requerente, datada de 16.03.21.

7 - Mandado de detenção e condução do requerente ao TRL, datado de 15.03.21.

8 - Certidão da detenção do requerente, datado de 15.03.21.

9 - Auto de constituição de Arguido e TIR, datado de 15.03.21.

10 - Auto de Audição de Extraditando, datado de 17.03.21, contendo Despacho de validação da detenção e determinação da detenção provisória do requerente em E.P., sem prejuízo da sua substituição por obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

11 - Mandado de condução ao EP, datado de 17.03.21

12 - Requerimento do requerente juntando elementos de prova relativos à sua situação profissional, pessoal e familiar, datado de 22.03.21, requerendo a revogação da medida cautelar de detenção provisória e a sua substituição.

13 - Requerimento do MP, datado de 22.03.21, promovendo a comunicação à Interpol dos elementos dos Autos.

14 - Despacho Judicial, datado de 23.03.21, deferindo o promovido.

15 - Relatório da DGRSP relativo à aplicabilidade da Vigilância Eletrónica

16 - Requerimento do MP, datado de 30.03.21, deduzindo oposição à aplicação da OPHVE e promovendo que se continue a aguardar o pedido formal de extradição.

17 - Mensagem das autoridades do Cambodja, datada de 30.03.21, informando que se encontram a processar o pedido formal de extradição e indicando não conseguirem cumprir o prazo legal para esse efeito.

18 - Requerimento do MP, datado de 31.03.21, juntando documentos para comprovação, no prazo legal, da exigência legal de prestação de informação pelo Estado requerente da manutenção da vontade de efetivar a extradição do requerente e da apresentação do pedido formal de extradição no prazo de 40 dias, promovendo a manutenção da detenção provisória do requerente.

19 - Despacho Judicial, datado de 01.04.21, mantendo a detenção do requerente com fundamento no alegado no ponto 18.

20 - Requerimento do requerente, datado de 01.04.21, deduzindo oposição à manutenção da detenção provisória e requerendo a extinção do procedimento de extradição e a sua restituição à liberdade.

21 - Despacho Judicial, datado de 01.04.21, indeferindo o requerido no ponto 20.

22 - Requerimento do requerente, datado de 05.04.21, arguindo a irregularidade dos Despacho Judiciais indicados nos pontos 19 e 21.

23 - Requerimento do requerente, datado de 06.04.21, requerendo a revogação da medida cautelar de detenção provisória e a sua substituição.

24 - Promoção do MP, datada de 06.04.21, deduzindo oposição ao requerido no ponto 22.

V

 Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 223º nº1 a 3 do CPP.

Realizada a Audiência, cumpre apreciar e decidir:

Nestes Autos, o peticionante fundamenta o seu pedido de concessão da providência de Habeas Corpus na invocação da ilegalidade da manutenção da sua detenção provisória, e consequente privação da liberdade, por, em seu entender, esta carecer de fundamento legal, pois considera que o respetivo prazo legal se mostra já esgotado, por não ter sido efetuado o pedido de extradição pelas autoridades do Reino do Camboja nem haver sido manifestado o propósito de, tempestivamente, vir a formular tal pedido.

A consagração constitucional da providência de Habeas Corpus configura-se como um meio de garantia de defesa do direito individual à liberdade, reconhecido pela Lei Fundamental no seu artigo 27º, mormente em virtude de prisão ou detenção ilegal.

Nessa conformidade, a lei processual penal elenca os fundamentos e o procedimento de tal providência, dispondo-se no artigo 222º nº 2 do CPP, poder ser invocado como fundamento da ilegalidade da prisão contra a qual se pretende reagir:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Da análise dos Autos constata-se que, no passado dia 16.03.21, a Polícia Judiciária procedeu à detenção não diretamente solicitada do Requerente, com base num alerta internacional – uma “Red Notice” da Interpol – para fins de procedimento criminal no seu país de origem, o Reino do Cambojda, por crimes de violação e homicídio, na forma tentada.

Aquela detenção - não diretamente solicitada -  encontra o seu fundamento no disposto no artigo 39º da Lei nº 144/99 de 31 de agosto, a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (LICJMP) que se aplica nos casos em que, como nos Autos, sendo desconhecido o paradeiro do/a extraditando/a, se abre a possibilidade da detenção de pessoas que, “segundo informações oficiais, designadamente da INTERPOL, sejam procuradas por autoridades competentes estrangeiras para efeitos de procedimento ou cumprimento de pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição”.

Nestes termos a detenção do Requerente foi devidamente validada por Magistrado Judicial no âmbito do competente processo de extradição, o qual ordenou que este aguardasse os ulteriores trâmites processuais em situação de detenção provisória em estabelecimento prisional.

Estes ulteriores trâmites compreendem, nos termos do disposto no artigo 64º da LICJMP, que tal detenção seja comunicada à autoridade estrangeira competente para que esta informe se irá ser formulado o respetivo pedido de extradição, e que tal procedimento seja feito de forma urgente, com observância dos prazos previstos no artigo 38º nº 5 da citada Lei – cfr. artigo 64º nº 3 da LICJMP.

Aquele dispositivo prescreve de forma taxativa que “a detenção provisória cessa se o pedido de extradição não for recebido no prazo de 18 dias a contar da mesma, podendo, no entanto, prolongar-se até 40 dias se razões atendíveis, invocadas pelo Estado requerente, o justificarem”.

Do mesmo passo, o nº 3 do artigo 64º do mesmo diploma indica que o detido será posto em liberdade 18 dias após a data da detenção se não tiver chegado a informação solicitada ao Estado requerente sobre se vai ser formulado o competente pedido de extradição, ou 40 dias após a data de detenção se, tendo sido recebida aquela informação, o pedido de extradição não houver sido efetivamente recebido.

Como muito bem alega o Requerente, citando um Acórdão deste Alto Tribunal ([1]) esta diferença de regimes sobre a duração do prazo da detenção antecipada encontra a sua razão de ser na diferença entre a circunstância de o Estado requerente da extradição ter, ou não ter, um conhecimento prévio do paradeiro da pessoa que pretende que venha a ser extraditada: “A diferença de regimes parece justificada. No primeiro caso, o Estado requerente tem dados sobre o país onde se encontra o extraditando, pois pede-lhe a sua detenção como acto prévio do pedido formal de extradição. Estando o Estado requerente de posse desses dados e tendo já estabelecido comunicação com o Estado onde se encontra o extraditando, ser-lhe-á exigível que formule o pedido de extradição no prazo curto de18 dias, a menos que apresente razões atendíveis que tornem necessário para o efeito um prazo mais longo. No segundo caso, o Estado que pretende a extradição não conhece a localização da pessoa procurada, só vindo a tomar conhecimento desse facto quando lhe é comunicada a detenção, nos termos do nº 2 daquele artº 64º. Por isso e porque ainda não estabeleceu comunicação com o Estado da detenção, a aplicação do prazo de 40 dias depende apenas da informação de que vai formular o pedido de extradição.”

Assim, atenta a sua etiologia, nos casos como o dos Autos, de detenção não diretamente solicitada, a prorrogação para 40 dias do prazo inicial de 18 dias para apresentação do pedido de extradição não necessita da verificação dos requisitos constantes da parte final do nº 5 do artigo 38º da LICJMP – as razões atendíveis invocadas pelo Estado requerente – mas basta-se com uma mera declaração de que esse pedido irá ser formulado.  Declaração essa que se funda nos princípios de mútuo respeito e colaboração em que assenta a Cooperação Judiciária Internacional.

“In casu” o Estado requerente, o Reino do Cambojda, informou por mensagem de 30.03.21, constante de fls. 237, que irá formular o pedido de extradição do Impetrante, e que se encontra a recolher a documentação necessária à respetiva, tarefa que indica se apresentar trabalhosa em virtude da dupla nacionalidade do Requerente – cambodjana e francesa - , comunicando, ainda, não lhe ser possível cumprir o prazo fixado: “ (…) we are unable to submit request extradite on time”.

De todo o teor desta comunicação, outra conclusão se não pode retirar que não seja a de que o pedido de extradição irá ser formulado num prazo não previsível, mas não compatível com o prazo legal de 40 dias ínsito na LICJMP.

Tal assunção da impossibilidade de cumprimento do prazo máximo fixada na Lei para apresentação do pedido de extradição determina forçosamente que o pedido de extradição em causa não seja recebido em tempo pelo Estado Português.

Ora, tal circunstância obsta necessariamente à manutenção da detenção provisória do Requerente pois que a citada declaração de intenção de não cumprimento do prazo legal de formulação do pedido de extradição por parte Estado requerente não cria uma dúvida plausível sobre a eventual possibilidade de cumprimento do referido prazo mas antes a convicção de que tal prazo não irá ser cumprido.

Ora, face a tal facto deixa de subsistir a condição de que depende a possibilidade de prorrogação para 40 dias do prazo inicial de 18 dias fixado para a detenção provisória.

Nesta conformidade, outra conclusão não resta que não seja a de considerar que se encontra já esgotado o prazo máximo de detenção provisória do Requerente, devendo, consequentemente, ser declarada cessada tal medida e ser este colocado em liberdade, nos termos do disposto no artigo 64º nº 3 da LICJMP, sendo certo que pela informação do Estado do Camboja não há razões justificativas de prolongamento do prazo nos termos do artigo 38º nº 5da referida Lei e sem prejuízo do disposto no nº 7 do mesmo artigo 38º.

Assim, nos termos do disposto no artigo 222º nº 2 al. c) do CPP, julga-se merecer provimento a presente providência de Habeas Corpus.

VI

Termos em que se acorda em deferir a requerida concessão da providência de Habeas Corpus, nos termos do disposto no artigo 222º nº 2 al. c) do CPP.


Sem Custas.

Libertado que seja o Requerente, proceda-se à sua imediata apresentação ao Ex.mo Desembargador que procedeu à sua Audição, a fim de serem aplicadas as medidas de coação não detentivas julgadas adequadas, nos termos do disposto no artigo 38º nº 6 da LICJMP.

Feito em Lisboa, aos 14 de abril de 2021.


Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Dec-Lei nº 20/2020 de 1 de maio, consigno que o presente Acórdão tem voto de conformidade do Ex.mo Adjunto, Juiz Conselheiro Sénio dos Reis Alves.

Maria Teresa Féria de Almeida (Relatora)

António Pires da Graça (Presidente)

______

[1] Ac. 19.03.2015 – proc. nº 231/15.9YRLSB-A.S1 – Rel. M Braz – www.dgsi.pt