RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
FALTA DE TÍTULO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
MORTE
ARGUIDO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
CASO JULGADO
INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
Sumário

Texto Integral





Proc. nº. 435/13.9JDLSB-C.L1.S1

Recurso Penal

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça.

I – Relatório:

1. As exequentes AA, BB, CC e DD apresentaram, em 8.1.2018, requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra as executadas EE, FF e GG, com base em título executivo constituído por acórdão, de 9 de Novembro de 2016 e de 25 de Julho de 2017, proferidos pelo Tribunal da Relação ……. e pelo acórdão de 19 de Junho de 2014, proferido pela 1ª instância – Juízo Central Criminal ………. (Juiz...), Comarca .............., no âmbito do Proc. nº. 435/13…...

No acórdão proferido pela 1ª instância, em 19.6.2014, foi o arguido HH, condenado:

1 - Como autor material de um crime de homicídio qualificado, cometido com arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artº.s 131º e 132º, nº.s 1 e 2, al. i), do CP, e 86º, nº.s 3 e 4 da Lei nº. 5/2006, de 23.2, que aprovou o regime jurídico das armas e munições (RJAM), na pena de 19 (dezanove) anos de prisão, como autor material de um crime de homicídio qualificado, cometido com arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artº.s 131º e 132º, nº.s 1 e 2, al. i), do CP e 86º, nº.s 3 e 4 da Lei nº. 5/2006, de 23.2, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão e, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão e, ainda na da pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas nos termos do disposto no artº. 90º, nº.s 1 a 6 da Lei nº. 5/2006, de 23.2, pelo período de 15 (quinze) anos.

2 - Foi ainda julgado o pedido de indemnização civil deduzido por AA parcialmente procedente por provado e, consequentemente, condenado o arguido/demandando a pagar á mesma a quantia de 105.000 € (cento e cinco mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento;

3 - Julgado o pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes BB, DD e CC procedente por provado e, consequentemente, condenado o arguido/demandado a pagar às mesmas as seguintes quantias:

a) Às demandantes BB, DD e CC, solidariamente, 75.000 € (setenta e cinco mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;

b) À demandante BB a quantia de 30.000 € (trinta mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;

c) À demandante DD a quantia de 20.000 € (vinte mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento;

d) À demandante CC a quantia de 20.000 € (vinte mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

2. As embargantes/executadas EE, FF e GG, por apenso à execução, deduziram oposição à execução, mediante embargos de executado, aduzindo um conjunto de fundamentos que entendem serem bastantes para determinar a extinção da instância executiva.

3. O Tribunal da 1ª instância, por sentença proferida em 10 de Fevereiro de 2020 no Juízo Central Criminal ……. (Juiz...) - Comarca .............., julgou inteiramente procedentes aqueles embargos de executado, declarando a inexistência de título executivo, tendo, em consequência, declarado extinta a execução de sentença que por aquelas exequentes havia sido instaurada contra as ora embargantes, determinando o subsequente levantamento da penhora realizada sobre o imóvel sito na localidade  ………., lote de terreno para construção urbana, com a área de 1.149,50 metros2, designado por lote n°. .., sito em ………., ................., Freguesia ..........., Concelho  ….., inscrito na matriz sob o artigo ….17, com o valor patrimonial tributário de €: 34.270 (trinta e quatro mil duzentos e setenta euros), descrito na Conservatória do Registo Predial  ..... sob o n°. ….

Esta sentença da 1.ª instância julgou extinta a execução movida por AA, CC, BB e DD, por considerar que “carecem (...) os exequentes de título executivo, em face da decisão proferida pelo Tribunal da Relação ……….., tendo os direitos cíveis que assistam aos exequentes que ser exercidos em acção de natureza cível, a instaurar em separado (não obstante a habilitação, com valor intraprocessual, de herdeiros realizada nos autos)”.

4. Inconformadas com a sentença da 1ª instância, as embargadas/exequentes AA, BB, CC e DD recorreram para o Tribunal da Relação.

5. Pelo acórdão da Relação ……. de 10.11.2020 foi decidido “julgar-se procedente o recurso das embargadas/exequentes AA, BB, CC e DD, revogando-se a decisão recorrida, a qual deverá se substituída por outra que tenha em consideração a presente decisão”. Constando deste acórdão, em suma, que, “(…) Mostrando-se transitada em julgado a decisão condenatória, a execução teve por base título executivo, conforme decorre do artigo 703.º, n.º 1 al. a) do CPC, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, impondo-se a revogação desta e o prosseguimento dos autos com prolação de nova decisão. O que implica a procedência do recurso”.

6. Inconformadas com este acórdão do Tribunal da Relação  …….., as embargantes/executadas interpõem o presente recurso de revista.

Com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. Com o devido respeito por opinião contrária, não decidiram bem os Mmos. Juízes Desembargadores, ao julgarem totalmente procedente o recurso apresentando.

2. Entenderam os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores, que se mostrou transitada em julgado a decisão condenatória e que a execução teve por base título executivo, conforme decorre do artigo 703.º, n.º 1 al. a) do CPC, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, impondo-se a revogação desta e o prosseguimento dos autos com prolação de nova decisão. O que implicou a procedência do recurso.

3. O que não se concorda, já que o Tribunal de primeira instância fez uma correta, ponderada e criteriosa análise dos elementos constantes dos autos.

4. E, carecem, pois, os exequentes de título executivo, em face da decisão proferida pelo Tribunal da Relação …….., tendo os direitos cíveis que assistam aos exequentes que ser exercidos em ação de natureza cível, a instaurar em separado (não obstante a habilitação, com valor intraprocessual, de herdeiros realizada nos autos).

5. Não podemos esquecer que, nos termos do art.º 71.º CPP, vigora no nosso sistema processual penal o chamado princípio de adesão segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

6. Resulta deste preceito e princípio que o pedido de indemnização civil que adere ao processo penal é apenas aquele que tem como causa um crime. Se este vem a desaparecer, como in casu e o procedimento criminal é, em consequência, julgado extinto, então o pedido de indemnização formulado morre também.

7. Por outro lado, como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa da 9ª Secção, de 21/6/2001 in CJ, ano XXVI – 2001, tomo III, pág. 156, “Extinto o procedimento criminal, por falecimento do arguido, antes do trânsito em julgado da sentença, o processo não pode prosseguir para apreciação do pedido cível que tenha sido formulado”.

8. Adianta tal acórdão, na argumentação expendida, a tese defendida por Maia Gonçalves in CPP anotado 1999, pág. 128: “a alínea b) do art.º 72º CPP, aplica-se a todos os casos de extinção do procedimento criminal antes de a sentença transitar em julgado, quaisquer que sejam, e ainda ao caso do processo ficar provisoriamente ficar suspenso nos termos do art.º 281º”.

9. O Tribunal da Relação ………. na …ª secção decidiu por acórdão proferido a 9 de Novembro de 2016 que: “extinto o procedimento criminal por falecimento do arguido antes do transito em julgado da sentença, o processo não pode prosseguir para apreciação do pedido cível que tenha sido formulado”, e, Julga-se extinto o procedimento criminal e a instância cível quanto ao arguido recorrente nos autos declarando a inutilidade superveniente dos recurso interposto por este com as legais consequências.”

10. O tribunal de 1º Instância em sede de oposição à execução proferiu a decisão que: A decisão condenatória não transitou em julgado (não obstante o contrário se encontrar erroneamente certificado a fls. 5) uma vez que, após a instauração de recurso, o procedimento – criminal e civil, como resulta do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……. – foi declarado extinto por falecimento do arguido e que carecem, pois, os exequentes de título executivo, em face da decisão proferida pelo Tribunal da Relação ………., tendo os direitos cíveis que assistam aos exequentes que ser exercidos em ação de natureza cível, a instaurar em separado (não obstante a habilitação, com valor intraprocessual, de herdeiros realizada nos autos).”

11. Do requerimento executivo, verifica-se que o título dado à execução é a sentença condenatória proferida no âmbito do processo penal n.º 435/13.9JDLBS, mas na prática e por outro lado, as ora recorrentes não são o sujeito de condenação na sentença que constitui o título dado à execução nestes autos, não sendo as recorrentes executadas na execução propriamente devedoras.

12. Aliás por esse motivo se percebe que o tribunal de primeira instância refira na decisão “invocando-se no requerimento inicial como título executivo decisão condenatória transitada em julgado, o que…não corresponde à realidade”.

13. Na verdade, a decisão condenatória nunca transitou em julgado, uma vez que a após a instauração do recurso penal o procedimento criminal e cível, como resulta do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……. na …ª secção em Novembro de 2016 – foi declarado extinto por falecimento do arguido. Carecendo as exequentes ora recorridas de título executivo!

14. Como resulta do art. 71º, do C. Proc. Penal, o pedido de indemnização que adere ao processo penal é apenas o que tem como causa um crime. Se este vem a desaparecer, por morte do arguido e consequente extinção do procedimento criminal, então o pedido de indemnização formulado morre também, a não ser que uma lei especial preveja a continuação da ação de indemnização.

15. Ainda no sentido de declarado extinto o procedimento criminal por morte do arguido, não pode o tribunal criminal conhecer do pedido cível enxertado no processo crime, ficando neste caso facultado ao lesado o recurso aos meios cíveis – cf. Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do C. Proc. Penal, anotação ao art. 72; RP 16.03.94 cj, t. 2, 220; RC 16.05.94, cj, t. 3, 50, RP 8.06.94 (Emídio Teixeira) www.dgsi., RL 15.04.98 (Santos de Sousa) www.dgsi., RL 21.06.2001, CJ, t. 3, 156, RL 25.01.2007 (João Carrola) www.dgsi.pt.

16. De resto, esta solução é a que, no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, coloca em igual situação os lesados, independentemente da natureza da ilicitude (criminal e/ou cível).

17. Pelo que entendemos que o acórdão ora recorrido deveria ter outra decisão confirmando a sentença do processo executivo pugnando pela falta de título executivo pelas exequentes, considerando totalmente procedente os embargos de executado

O que pugnamos!

Sem prescindir do Douto Suprimento de V. Exas deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência ser reformulado o douto Acórdão recorrido nos termos da Motivação e Conclusões antecedentes, julgando procedente o presente recurso considerando a falta de título executivo pelas exequentes, considerando totalmente procedente os embargos de executado”.

7. Por sua vez, as recorridas apresentaram contra-alegações, defendendo que o acórdão recorrido não comporta recurso de revista, sendo inadmissível o recurso, nos termos do artº. 671º e seguintes do CPC.

8. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, na vista aberta para o efeito, apôs “como o presente recurso tem por objeto unicamente matéria civil, falece o MP de legitimidade para intervir.

9. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, cumpre, agora, decidir.

II - Fundamentação:

1. É jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (artº. 412º, nº. 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do Tribunal Superior.

Assim são as seguintes as questões a decidir:

No presente caso, as recorrentes pretendem a revogação do acórdão recorrido por este assentar no pressuposto de que, o acórdão condenatório do pedido de indemnização civil de 19.6.2014, que servia de título executivo, não transitara em julgado, inexistindo, por isso, título executivo a dar à execução intentada.

Na resposta ao recurso, as recorridas defendem que o acórdão do Tribunal da Relação, ora recorrido, não comporta recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do face ao disposto no artº. 671º e segs. do CPC, pelo que também haverá que apreciar esta questão prévia.

Importa assim decidir as seguintes questões:

a) – A admissibilidade de recurso de revista.

b) – A existência ou inexistência de título executivo dado à execução, intentada pelas exequentes.

2. Vejamos a matéria de facto relevante para a presente decisão:

1. Sentença do Tribunal de 1.ª instância proferida em 10.1.2020, sobre a qual incidiu o decidido no acórdão recorrido:

…III - Factos provados relevantes para a decisão a proferir:

1 - Por decisão proferida em 19 de junho de 2014, foi HH condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado, cometido com arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea i), do Código Penal, e 86.º, nºs 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprovou o regime jurídico das armas e munições (RJAAA), na pena de 19 (dezanove) anos de prisão, como autor material de um crime de homicídio qualificado, cometido com arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, nºs 1 e 2, alínea i), do Código Penal, e 86.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprovou o regime jurídico das armas e munições (RJAAA), na pena de 17 (dezassete) anos de prisão e, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão; para além da pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas nos termos do disposto no artigo 90.º, n.ºs 1 a 6 do RJAM pelo período de 15 (quinze) anos.

2 - Foi ainda julgado o pedido de indemnização civil deduzido por AA parcialmente procedente por provado e, consequentemente, condenado o arguido/demandando a pagar á mesma a quantia de 105.000 € (cento e cinco mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento; julgado o pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes BB, DD e CC procedente por provado e, consequentemente, condenado o arguido/demandado a pagar às mesmas as seguintes quantias:

a. Às demandantes BB, DD e CC, solidariamente, 75.000 € (setenta e cinco mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;

b. À demandante BB a quantia de 30.000 € (trinta mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;

c. À demandante DD a quantia de 20.000 € (vinte mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento;

d. À demandante CC, a quantia de 20.000 € (vinte mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

3 - Da decisão condenatória proferida nos autos viria o arguido a interpor recurso, oportunamente admitido por despacho proferido nos autos em 23-07-2014.

4 - Entretanto viria a ser junta aos autos informação de que o arguido havia falecido em 14-08-2014 e, uma vez instruídos os autos com a pertinente documentação, foi proferido despacho, em 26-08-2014, declarando extinto o procedimento criminal, relativamente ao mesmo, nos termos dos artigos 127.º e 128.º do CP.

5 - Foi instaurado por Apenso incidente de habilitação de herdeiros, no âmbito do qual foi proferida decisão nos termos que constam do Apenso B e os autos foram remetidos para o Tribunal da Relação ………. para prolação de decisão.

6 - Tendo os autos subido ao Tribunal da Relação ……. para conhecimento do recurso interposto, pode ler-se no acórdão proferido que resulta do disposto no art. 71.º do CPP que ali expressamente se cita, que o pedido de indemnização civil que adere ao processo penal é apenas aquele que tem como causa um crime. E, prossegue em sublinhado no mesmo acórdão:

“Se este vem a desaparecer, como in casu em virtude do mencionado art. 127° do Código Penal, e o procedimento criminal é, em consequência, julgado extinto, então o pedido de indemnização formulado morre também, a não ser que uma lei especial preveja a continuação da ação de indemnização (caso de leis da amnistia que em alguns casos mencionam tal especialidade, v.g. Lei 29/99, de 12/5, seu art. 11.º).

Em consonância com tal entendimento, perfila-se o disposto no art. 72.º CPP que menciona no seu n.º:

1- O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando".

(...)

b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento; (...).

Por outro lado, extinto o procedimento criminal, por falecimento do arguido, antes do trânsito em julgado da sentença, o processo não pode prosseguir para apreciação do pedido cível que tenha sido formulado”.

7 - Mais se colhe na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação ……….. que se não deverá inferir do entendimento expresso - qual seja o que de que o pedido de indemnização "morre", em regra quando ocorre uma causa de extinção do procedimento criminal - que o lesado fica sem poder exercer o seu direito à indemnização, uma vez que, como ali se expressa: “o mesmo pode ser exercido, conforme resulta deste preceito processual, agora contra eventuais herdeiros do arguido depois de devidamente habilitados”, o que, conforme se explicita, “não encontra obstáculo na jurisprudência estabelecida pelo Acórdão do STJ n° 3/2002, de 17/1/02, in DR Ia Série, n° 54, de 5/3/2002, pois ali se refere unicamente a extinção da instância crime por prescrição, persistindo, pois, a pessoa física responsável criminal e civilmente”.

8 - Em jeito de conclusão ali mais se consigna que: “Resulta do acima mencionado que se verifica, em função da extinção do procedimento criminal, extinção da instância cível no tocante ao arguido recorrente (...) julgando-se “extinto o procedimento criminal e a instância cível quanto ao arguido recorrente nos autos declarando a inutilidade superveniente do recurso interposto por este com as legais consequências”.

9 - Solicitados esclarecimentos pelos recorrentes e correção do teor do acórdão proferido, ao abrigo do disposto no art. 380.º do CPP, viria a ser proferida decisão confirmatória da transitada, no sentido da “desnecessidade de conhecer do pedido cível deduzido também pela sua natureza subsidiária”. Aí se expressa novamente que o conhecimento da matéria atinente ao pedido de indemnização civil se encontrava dependente da possibilidade de conhecimento da matéria criminal. Extinto o procedimento criminal, igual sorte cabe à instância cível, sendo que “tendo o arguido interposto recurso e vindo a falecer logo após, extinguiu-se a instância de recurso com a matéria nele contida com a sua morte”.

10 - Uma vez proferida a mencionada decisão, foram os autos devolvidos à 1.ª Instância, tendo sido proferidos despachos atinentes ao destino a conferir aos objetos apreendidos.

«IV – Apreciação

Atentando na sequência que se deixou descrita, assoma-se ao Tribunal como manifesto que, uma vez ultimada a matéria atinente ao destino a conferir aos objetos penhorados, se imporia o arquivamento dos autos.

Não obstante, foi instaurada execução de sentença, sem despacho liminar, organizado em Apenso que assumiu o n° 435/13.9JDLSB.1, invocando-se no requerimento inicial como título executivo decisão condenatória transitada em julgado, o que, como decorre do que se deixou exposto, não corresponde à realidade.

A decisão condenatória não transitou em julgado (não obstante o contrário se encontrar erroneamente certificado a fIs. 5) uma vez que, após a instauração de recurso, o procedimento - criminal e civil, como resulta do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ………. - foi declarado extinto por falecimento do arguido.

Carecem, pois, os exequentes de título executivo, em face da decisão proferida pelo Tribunal da Relação ………, tendo os direitos cíveis que assistam aos exequentes que ser exercidos em ação de natureza cível, a instaurar em separado (não obstante a habilitação, com valor intraprocessual, de herdeiros realizada nos autos).

V – Decisão

Assim, importa julgar inteiramente procedentes os presentes embargos, determinando-se, em consequência:

i. a extinção da execução;

ii. o levantamento da penhora realizada no âmbito da execução instaurada ao imóvel sito na localidade ..........., com a descrição de: Lote de terreno para construção urbana, com a área de 1.149,50 metros quadrados, designado por lote n° ..., sito em ........, ................., freguesia do ..........., concelho …......, inscrito na matriz sob o artigo ……, com o valor patrimonial tributário de €34.270,00, descrito na Conservatória do Registo Predial …… sob o n° ……59.

Custas a suportar pelos embargados.

Registe e notifique”.

2. Pelo Tribunal da Relação …….., no âmbito do Proc. nº. 435/13.9JDLSB.L1, foi proferido em 9.11.2016 o seguinte acórdão:

Nos presentes autos veio o arguido recorrer.

No entanto, durante o desenrolar do processo e após interposição do recurso, veio o arguido a falecer.

A extinção do procedimento pode ocorrer por via da prescrição (cf. art.ºs 118° e ss.) falecimento do arguido (cf. art.ºs 127.º e 128.º), amnistia (art. s 127. º e 128.º), renúncia e desistência da queixa ou da acusação particular (art.s 116.º e 117.º), ou revogação da lei que prevê e pune a infração (art. 2.º, n.º 2), disposições todas do C. Penal.

Nestes casos, se houver já pedido de indemnização cível formulado, o processo penal apenas continua para conhecimento desse pedido, se já houver sido proferido o despacho a que se refere o art. 311.º, conforme foi decidido no Ac. Fixação de Jurisprudência de 02.01.17 (...) - [cf. Código de Processo Penal Anotado, Vol. I, 3.ª edição, 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 501].

Também assim se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 17.04.2002 [CJ, ASTJ, XI, 2, pág. 171] enquanto consigna: Se antes do julgamento a ação penal se extinguir por descriminalizacão da conduta, amnistia ou prescrição do procedimento criminal e o fundamento da responsabilidade civil for extracontratual ou pelo risco, aplica-se a jurisprudência do STJ n.° 3/2002: a admissão liminar do pedido tem a consequência de o tribunal dever proferir decisão sobre o mérito do pedido, mesmo que o procedimento criminal venha a extinguir-se por prescrição ou por qualquer outra causa de natureza semelhante antes de realizado o julgamento. Esta jurisprudência vale mesmo para o caso em que a descriminalização ou a prescrição do procedimento criminal é declarada no próprio despacho de recebimento do processo.

Nos termos do art. 71.º CPP, vigora no nosso sistema processual penal o chamado princípio de adesão segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

Resulta deste preceito e princípio que o pedido de indemnização civil que adere ao processo penal é apenas aquele que tem como causa um crime. Se este vem a desaparecer, como in casu em virtude do mencionado art. 127° Código Penal, e o procedimento criminal é, em consequência, julgado extinto, então o pedido de indemnização formulado morre também, a não ser que uma lei especial preveja a continuação da acção de indemnização (caso de leis da amnistia que em alguns casos mencionaram tal especialidade, v. e. Lei 29/99 de 12/5, seu art. ° 11°).

Em consonância com tal entendimento, perfila-se o disposto no art.  72.º CPP que menciona no seu n.º:

“1- O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:

(...)

b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento; (...)”.

Por outro lado, extinto o procedimento criminal, por falecimento do arguido, antes do trânsito em julgado da sentença, o processo não pode prosseguir para apreciação do pedido cível que tenha sido formulado.

Maia Gonçalves in CPP anotado 1999, pág. 128 - “a alínea b) do art. 72.º CPP, aplica-se a todos os casos de extinção do procedimento criminal antes de a sentença transitar em julgado, quaisquer que sejam, e ainda ao caso do processo ficar provisoriamente suspenso nos termos do art. 281.º”.

Não se infira deste entendimento que o lesado fica sem poder exercer o seu direito à indemnização; o mesmo pode ser exercido, conforme resulta deste preceito processual, agora contra eventuais herdeiros do arguido depois de devidamente habilitados.

O entendimento seguido, e por nós perfilhado, não encontra obstáculo na jurisprudência obrigatória estabelecida pelo Acórdão do STJ n. ° 3/2002 de 17/1/02, in DR I série, n, ° 54, de 5/3/2002, pois ali se refere unicamente a extinção da instância crime por prescrição, persistindo, pois, a pessoa física responsável criminal e civilmente.

Resulta do acima mencionado que se verifica, em função da extinção do procedimento criminal, extinção da instância cível no tocante ao arguido recorrente e, consequentemente, inutilidade superveniente do recurso a esse respeito interposto podendo, quem com interesse e legitimidade para tanto, reclamar aquilo a que tem direito e está contido na decisão, no momento correto e através da figura da habilitação de herdeiros.

Assim sendo julga extinto o procedimento criminal e a instância cível quanto ao arguido recorrente nos autos declarando a inutilidade superveniente do recurso interposto por este com as legais consequências”.

3. Pelo Tribunal da Relação ……….., no âmbito do Proc. nº. 435/13……, foi proferido em 25.7.2017 o seguinte acórdão:

AA, CC, BB e DD, Demandantes e/ou Assistentes nos autos à margem identificados, vieram requerer, ao abrigo do artigo 380° do CPP, uma correção do Acórdão.

Levantavam-se-lhes a dúvida sobre a validade da habilitação de herdeiros.

Falecido que seja o arguido, o lesado pode exercer o seu direito à indemnização, agora contra eventuais herdeiros do arguido uma vez devidamente habilitados.

O entendimento seguido, e por nós perfilhado, não encontra obstáculo na jurisprudência obrigatória estabelecida pelo Acórdão do STJ n.º 3/2002 de 17/1/02, in DR F série, n. ° 54, de 5/3/2002, pois ali se refere unicamente a extinção da instância crime por prescrição, persistindo, pois, a pessoa física responsável criminal e civilmente.

Resulta do acima mencionado que se verifica, em função da extinção do procedimento criminal, extinção da instância crime no tocante ao arguido recorrente e, consequentemente, inutilidade superveniente do recurso a esse respeito.

O recurso da parte cível é subsidiário, assente no pressuposto de que procedia o recurso na parte criminal.

Tendo o arguido interposto recurso e vindo a falecer logo após, extinguiu-se a instância de recurso com a matéria nele contida com a sua morte.

Assim, não pode nem deve este Tribunal de recurso conhecer da parte crime assim como não deve conhecer da parte cível já que, nem os herdeiros do recorrente, notificados que foram, se pronunciaram.

Daí decorrer a desnecessidade de conhecer do pedido cível também pela sua natureza subsidiária.

Aliás, tendo os herdeiros do arguido deixado decorrer o prazo de recurso do acórdão da Relação (e podiam ter recorrido, atendendo ao valor da indemnização), conformaram-se com a decisão proferida e, consequentemente, deixaram transitar em julgado a sentença condenatória na sua totalidade com as legais consequências.

Assim sendo, mantém-se o decidido por se verificar a inutilidade superveniente do recurso interposto pelo arguido na parte cível, com as legais consequências”.

Do Direito:

a) - A admissibilidade do recurso de revista:

1. Importa apreciar, como questão previa, a admissibilidade do recurso de revista, uma vez que, na resposta ao recurso, as recorridas defendem que o acórdão da do Tribunal da Relação em causa, não comporta recurso de revista, nos termos do artº. 671.º e segs. do CPC.

2.  Ora, dispõe o artº. 400º, nº. 2, do CPP que, “2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. E, atento o nº. 3, “3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”.

Por seu turno, é jurisprudência constante, que os pressupostos de admissibilidade do recurso da parte cível, são os enunciados no CPC, a que se deverá apelar, por força do artº. 4º do CPP.

3. De acordo com o artº. 852º do CPC, “Aos recursos de apelação e revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes”.

Por sua vez, dispõe o artº. 854º do CPC que, “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Assim, tendo em conta o disposto neste artº. 854º do CPC, o legislador prevê a possibilidade de recurso de revista dos acórdãos da Relação proferidos no âmbito de oposição deduzida contra a execução[1], nos termos gerais, ou seja, verificados os requisitos de admissibilidade, como sejam, as regras da alçada, da sucumbência e da inexistência de dupla conforme.

Dispõe o artº. 671º, nº. l, do CPC que, “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da l.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

4. O acórdão do Tribunal da Relação, no que respeita ao objeto do recurso, conheceu do fundamento que levou a decisão do Tribunal da 1ª instância a decidir pela procedência dos embargos de executado - (in)existência de título executivo [artº. 729.º, al. a) do CPC] dado à execução baseada em sentença.

A oposição à execução baseada em sentença, como procedimento de natureza declarativa enxertado na ação executiva e com autonomia, ou algo extrínseca em relação àquela, tem um objecto da causa delimitado nos fundamentos previstos no artº. 729º do CPC.

Conforme prevê o artº. 729º do CPC, “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos”.

Nos presentes autos, o objecto do recurso funda-se na apreciação do fundamento que levou o Tribunal da 1.ª instância a decidir pela procedência dos embargos de executado e que motivou o Tribunal da Relação a revogar tal decisão – concretamente apreciar e decidir da (in)existência de título executivo dado à execução, nos termos do artº. 729º, al. a), do CPC.

5. Ora, o acórdão recorrido, ao conhecer daquele fundamento de oposição à execução, previsto no artº. 729º, al. a), do CPC – existência de título executivo dado à execução –, revogando a sentença da 1.ª instância que tinha julgado procedentes os embargos, com esse fundamento de inexistência de título executivo e declarado extinta a execução, conheceu do mérito da causa[2].

Quanto ao que se considera “conhecer do mérito da causa” acompanhamos a posição de Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 5.ª edição, Almedina, Coimbra, págs. 350-351, onde afirma: “É admitido recurso de revista dos acórdãos que, incidindo sobre decisões da 1.a instância, conheçam do mérito da causa. O ponto de referência para a admissibilidade da revista deixou de ser a decisão de 1.a instância, sendo agora inequívoco que importa sobretudo o conteúdo do acórdão da Relação que sobre aquela incidiu. Se a Relação, ao apreciar o recurso de apelação interposto da decisão de 1.a instância, conheceu do mérito da causa, no todo ou em parte, cabe recurso de revista, verificados que sejam os pressupostos legais.
De facto, não encontrava justificação racional a solução que literalmente decorria do art. 721°, n.° 1 do CPC de 1961 (na redacção introduzida pela reforma de 2007), que enunciava como critério de admissibilidade da revista o facto de o acórdão da Relação, independentemente do resultado produzido, incidir sobre decisão da 1.
a instância que tivesse posto termo ao processo ou sobre despacho saneador que tivesse conhecido do mérito da causa. Foi, assim, recuperada a solução que, antes da reforma de 2007 iá figurara na redacção do art. 721.° do CPC de 1961, focando o recurso de revista nos acórdãos da Relação que se traduzissem na apreciação do mérito da causa, independentemente do teor da decisão de 1.a instância.". E continua: "Como já se referiu à margem do artigo 644°, relativamente à delimitação das decisões que incidem sobre o "mérito da causa" não existe no CPC de 2013 uma norma semelhante à do art. 691°, n.° 2 do CPC de 1965 (antes da reforma de 2007) que concretizava tal conceito. Assim, a ponderação do elemento histórico permite concluir que ficam abarcados por tal segmento normativo os acórdãos em que a Relação se tenha envolvido efectivamente na resolução material do litígio, no todo ou, em parte, máxime nos casos em que julga procedente ou improcedente o pedido ou algum dos pedidos ou aprecia a procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória (v.g. prescrição, caducidade, nulidade, anulabilidade, compensação, etc). Já não se integram nesse segmento normativo os acórdãos em que a Relação aprecie simplesmente alguma excepção dilatória ou qualquer outro aspecto de natureza puramente formal ou adjectiva, a não ser que, na sequência do que for decidido sobre tais aspectos, haja motivos para prosseguir com a apreciação de mérito, prevalecendo, a final, esse resultado. O mesmo acontece com o acórdão da Relação que determine o prosseguimento dos autos, com sua remessa à 1.ª instância, para apreciação da matéria de facto controvertida e que a relação considere relevante para a integração jurídica do caso”.

Posto isto, o Tribunal da Relação, ao conhecer e decidir pela existência de título executivo, – fundamento de oposição à execução quando o título executivo é uma sentença – julgando procedente o recurso e, ao revogar a sentença da 1.ª instância que tinha julgado procedente o pedido de embargos de executado (e em consequência julgado extinta a execução), envolveu-se na resolução material do litígio, proferindo um acórdão que conheceu do mérito da causa dos embargos.

Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STJ de 26.11.2019, Revista nº. 866/14.7TBPVZ-A.P1.S1 - 1.ª Secção, relator Cons. Acácio das Neves “I  Em sede de saneador-sentença, o juiz deve, nos termos do n.º 1 do art. 608.º do CPC, começar por conhecer das exceções dilatórias de que lhe cumpra conhecer, designadamente da competência do tribunal em razão da matéria para, só depois – e apenas na hipótese de vir a concluir no sentido da competência –, conhecer das demais questões, designadamente aquelas que apenas têm a ver com o mérito da causa, como é o caso da existência ou não de título executivo”.

Com a mesma posição, Acórdão deste STJ, de 19.2.2019, Revista nº. 3503/16.1T8VIS-A.C1.S1, 1ª Secção, relator Cons. Fernando Samões, referindo que “À luz, pois, da finalidade e do pedido dos embargos de executado, insere-se no mérito da causa, rectius, no mérito da causa dos embargos, todo o fundamento que, independentemente da sua natureza, substantivo ou processual, tem potencialidade abstracta para, a ser julgado procedente, fazer extinguir a execução”, como é o caso da (in)exequibilidade do título executivo.

E, ainda, o Acórdão deste STJ, de 14.1.2021, Revista 159/16.5T8PRT-A.P1.S1, 2.ª Secção, relator Cons. Tomé Gomes, destacando: “o que releva para efeitos do cabimento da revista reportado ao mérito da causa, em sede de embargos de executado, é o conhecimento, no acórdão da Relação, do mérito dos embargos, seja ele respeitante a fundamentos de natureza adjetiva – nomeadamente, a falta de pressupostos processuais da instância executiva –, seja ele referente a fundamentos de matriz substantiva, como são os relativos à existência, validade ou subsistência da obrigação exequenda. No caso vertente, o acórdão recorrido ocupou-se, além do mais, da questão da inexequibilidade do título dado à execução (…) Nessa base, a Relação divergiu da decisão da 1.ª instância, que considerara verificada a inexequibilidade do título, concluindo que o assim decidido não podia subsistir e, por isso mesmo, julgando parcialmente procedente a apelação. E foi nessa decorrência que, tendo em conta as demais questões tidas por prejudicadas pela 1.ª instância, como as respeitantes à existência e à liquidação da obrigação exequenda, em consonância, de resto, com os temas da prova enunciados, se decidiu “anular” a decisão recorrida a fim de serem fixados os factos provados e não provados, alegados pelas partes, relativos a tais questões. Muito embora se afigure tecnicamente pouco rigorosa a fórmula empregue de “anular a decisão recorrida” para ordenar o prosseguimento dos embargos para efeitos do conhecimento das questões tidas por prejudicadas, mas, de todo o modo, não tendo o acórdão recorrido posto termo ao processo, o certo é que ali foi tomado conhecimento de questão incidente sobre o objeto dos embargos como é a respeitante ao invocado fundamento da inexequibilidade do título, perfeitamente distinto dos demais fundamentos também alegados, relativos à existência e liquidação da obrigação exequenda. Assim, à luz do critério acima exposto, estamos perante acórdão da Relação que conheceu, em parte, do mérito dos embargos, o que torna a revista admissível nos termos do artigo 671.º, n.º 1, ex vi do art.º 854.º do CPC.[3]

6. O acesso ao recurso de revista impõe a verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão (artº. 671º), do valor do processo e da sucumbência (artº. 629º, nº. 1), legitimidade (artº. 631º) e tempestividade (artº. 638º) [4].

Nos presentes autos, estamos perante um acórdão do Tribunal da Relação, proferido sobre decisão da lª instância, que conheceu do mérito da causa, os autos possuem sucumbência e alçada, as recorrentes têm legitimidade e o recurso é tempestivo, pelo que estão verificados todos os pressupostos de admissibilidade do presente recurso de revista.

b) – A existência ou inexistência de título executivo dado à execução, intentada pelas exequentes.

7. Como supra exposto, a presente revista tem por objecto apenas decidir se as exequentes, aqui embargadas/recorridas possuem, ou não, título executivo dado à execução para pagamento de quantia certa que intentaram. Isto é, se o acórdão condenatório proferido pela 1.ª instância em 19.6.2014, no âmbito do Proc. nº. 435/13……, relativamente ao pedido de indemnização civil, transitou em julgado.

Ora, se por um lado, a sentença da 1.ª instância proferida em 10.1.2020 defendeu que, o acórdão de 9.11.2016 do Tribunal da Relação ……….., proferido no âmbito do Proc. nº. 435/13……, ao declarar extinto o procedimento criminal, bem como a instância cível, em consequência da morte do arguido, inexistiu trânsito em julgado daquele anterior acórdão proferido pela 1.ª instância em 19.6.2014, do qual o arguido havia recorrido, e que o havia condenado em pena de prisão e a pagar indemnização acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento e, consequentemente, inexiste título executivo para dar à execução.

Por outro lado, o acórdão agora recorrido entendeu que, face ao decidido no Tribunal da Relação nos seus acórdãos de 9.11.2016 e de 25.7.2017 e respetivas notificações, conjugado com o acórdão condenatório proferido pela 1.ª instância, em 19.6.2014, no âmbito do Proc. nº. 435/13……, este acórdão da 1ª instância transitou em julgado, mantendo-se válida e eficaz a condenação no pedido de indemnização civil e, consequentemente, possuem as exequentes/embargadas título executivo. Concluindo, assim, pela procedência do recurso e subsequente revogação da sentença proferida pela 1.ª instância em 10.1.2020 e a sua substituição por outra que considere a existência de título executivo.

8. Deste modo, entendem as recorrentes, em síntese, que a decisão da 1.ª instância, que julgou os embargos de executado inteiramente procedentes, deve ser mantida e revogado o acórdão recorrido, considerando-se que inexiste título executivo na presente execução, por inexistir acórdão condenatório, proferido no âmbito do Proc. nº. 435/13……, transitado em julgado.

Cumpre, então, conhecer da única questão objecto do recurso, a saber:

9. A existência ou inexistência de título executivo dado à execução. Ou seja, se o acórdão condenatório proferido em 19.6.2014, pela 1.ª instância, no âmbito do Proc nº. 435/13……, se encontra ou não transitado em julgado na sua vertente civilística, impondo-se os seus efeitos – condenação em quantia líquida – às embargantes/executadas.

10. O incidente da habilitação visa determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litígio a posição/lugar do falecido e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância. Assim, após a habilitação, e operada a modificação subjectiva, no lugar em que estava o falecido passa a estar uma outra, o seu sucessor.

Como resulta da própria letra da lei, no artº. 351º, nº. 1, do CPC, a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa tem um objectivo: estes “prosseguirem os termos da demanda”.

Devidamente habilitadas para o Proc. nº. 435/13………, as executadas, as ora embargantes/recorrentes, foram notificadas, no âmbito do Proc. nº. 435/13……, para virem informar naqueles autos de recurso se mantinham interesse no recurso interposto. Porém, nada vieram dizer.

Notificadas do acórdão do Tribunal da Relação de 25.7.2017, que expressamente declarou que “Aliás, tendo os herdeiros do arguido deixado decorrer o prazo do recurso do acórdão da Relação (e podiam ter recorrido, atendendo ao valor da indemnização), conformaram-se com a decisão proferida e, consequentemente deixaram transitar em julgado a sentença condenatória na sua totalidade com as legais consequencias, nada disseram.

Uma vez transitado em julgado aqueles acórdãos do Tribunal da Relação de 9.11.2016 e, mormente, o de 25.7.2017, proferido no âmbito do Proc. nº. 435/13……, qualquer eventual irregularidade ou erro de julgamento que o mesmo encerrasse, encontra-se sanada com o seu trânsito em julgado.

Com efeito, a presente instância (de recurso de embargos de executado) não funciona como instância de recurso daquele acórdão de 25.7.2017 proferido pelo Tribunal da Relação.

Conforme se referiu no acórdão recorrido, “É certo que o acórdão em causa não prima pela clareza, podendo suscitar dúvidas numa primeira leitura ao julgar extinto «o procedimento criminal e a instância cível quanto ao arguido recorrente nos autos declarando a inutilidade superveniente do recurso interposto por este com as legais consequências».

Dúvidas que acabariam por ser expostas em reclamação apresentada pelas exequentes e ora recorrentes, a qual mereceu os esclarecimentos prestados pelo acórdão do mesmo tribunal (3.ª secção criminal), de 25/07/2017 (cfr. fls. 32v.º e 33 do apenso de execução).”

E mais à frente quando decidiram “Razão pela qual foi emitida a certidão de fls 5v.º e seguintes, certificando o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida contra o arguido, nomeadamente na sua vertente cível, sendo a decisão proferida oponível, nessa parte, às executadas/recorridas, ao terem-se conformado com aquelas decisões da Relação e nada terem requerido quanto ao prosseguimento do recurso do arguido, quanto à aludida matéria”.

Podiam as recorrentes ter reagido quando foram notificadas, no âmbito do Proc. nº. 435/13……, na qualidade de habilitadas, sobre se tinham interesse na manutenção do recurso interposto. E podiam ter reagido ao conteúdo do acórdão do Tribunal da Relação de 25.7.2017. Porém, não reagiram – tendo aqui plena aplicação a máxima latina sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit (Que se culpe a si mesmo, se não fez o que poderia prever e evitar - in Codex Iustiniani 4.29.22.1).

E mais. Podiam, inclusivamente, no próprio incidente de habilitação de herdeiros, insurgir-se, suscitando a sua tese de inexistência de lide cível passível de ser prosseguida processualmente.

Pelo que, conforme resulta do acórdão recorrido, a interpretação conjunta de todas essas decisões judiciais, aponta para a formação de caso julgado, no sentido de que a instância cível somente se extinguiu em relação ao arguido, em virtude do seu falecimento, e quanto aos herdeiros/habilitados, ao não demonstrarem interesse no conhecimento (prosseguimento) do recurso interposto pelo arguido, implicou a extinção da instância recursória cível, e a consequente “consolidação” da condenação civil, respondendo, pois, os bens herdados, para ressarcimento da indemnização civil.

           

11. Sem prejuízo do que atrás se referiu e se quisermos ainda ser mais “cirúrgicos”, a questão fundamental centra-se na bondade da interpretação levada a cabo pelo acórdão recorrido.

Com efeito, as recorrentes argumentam nas suas conclusões que inexiste título executivo, pelo facto de inexistir trânsito em julgado, aduzindo um conjunto de doutrina e jurisprudência para tentar demonstrar que essa conclusão emerge do facto de o arguido ter falecido na pendência do processo criminal.

Sucede, porém, que o fulcro da motivação do acórdão recorrido não é a questão da admissibilidade de prosseguimento da instância civil enxertada no processo criminal em relação a herdeiros do arguido falecido ou se, pelo contrário, o falecimento deste redunda na extinção da lide cível na sua plenitude, não só em relação este, mas também relativamente a herdeiros. Para sermos mais claros, se a morte do arguido após condenação implica que a discussão do pagamento de indemnização civil pelos herdeiros já não se possa fazer no processo penal, mas apenas em acção autónoma, em Tribunal cível.

Se perscrutarmos o acórdão recorrido, a sua análise é um pouco distinta. O arrimo decisório tem por base a interpretação conjunta que faz de diversas decisões judiciais e vicissitudes processuais, que o levam a concluir no sentido de que a condenação civil transitou em julgado em relação aos herdeiros, pelo que, por força do caso julgado, não pode ser rediscutida, e é vinculativa para estes.

Ora, assim sendo, apenas competirá ao Supremo Tribunal Justiça, enquanto Tribunal de revista, aferir se o acórdão recorrido padece de algum vício na interpretação que fez, e que o levou a concluir, em virtude de uma interpretação conjugada de decisões judiciais e encadeamento de actos processuais que, o segmento decisório que condenou o arguido ao pagamento de uma indemnização civil, vinculava os herdeiros, por força do caso julgado.

Pelo que, a interpretação jurídica é o cerne do objecto deste recurso, destarte aferir se a hermenêutica jurídica permite sustentar, como o fez o acórdão recorrido, que existe título executivo em relação às embargantes/executadas, por força do trânsito em julgado em relação a si, com os efeitos do caso julgado que daí advêm.

12. As decisões judiciais e os actos processuais são actos jurídicos, a que se aplicam os critérios de interpretação dos negócios jurídicos – vd., nomeadamente, o artº. 236º do CC, por remissão do artº. 295º do CC.

Ora, dispõe o artº. 236.º, nº. 1, do CC, que a “declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Releva, ainda, atentar no artº.  238º, n.º 1, do CC, segundo o qual, nos “negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

No entanto, como se nota no Acórdão deste Tribunal de 08.1.2020, no Proc. nº. 689/12.8JAPRT.P1.G1.S1 - 3.ª Secção,   relator Cons. Raúl Borges, “importará ter em consideração que não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não se traduz numa declaração pessoal da vontade do julgador, mas antes exprimindo uma “injunção aplicativa do direito”, uma “vontade da lei no caso concreto”, situando-se o declarante numa específica área técnico jurídica”. E conforme se refere no Acórdão deste Tribunal de 5.3.2019, Revista nº. 331/09 - 2.ª Secção, relator Cons. Oliveira Rocha, “III - As normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são válidas para a interpretação da sentença, pois esta constitui um verdadeiro acto jurídico e, por isso, está sujeita às regras reguladoras dos negócios jurídicos (art. 295.º do CC). IV - A interpretação da sentença exige que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva: a identificação do objecto da decisão passa pela definição da sua própria estrutura, constituída pela correlação teleológica entre a motivação e o dispositivo decisório, elementos que reciprocamente se condicionam e determinam, fundindo-se em síntese normativa concreta”.

13. Vejamos como o acórdão recorrido motivou a sua interpretação:

É certo que o acórdão em causa não prima pela clareza, podendo suscitar dúvidas numa primeira leitura ao julgar extinto «o procedimento criminal e a instância cível quanto ao arguido recorrente nos autos declarando a inutilidade superveniente do recurso interposto por este com as legais consequências»”.

Dúvidas que acabariam por ser expostas em reclamação apresentada pelas exequentes e ora recorrentes, a qual mereceu os esclarecimentos prestados pelo acórdão do mesmo tribunal (3.ª secção criminal), de 25/07/2017 (cfr. fls. 32v.º e 33 do apenso de execução). (…) «Resulta do acima mencionado que se verifica, em função da extinção do procedimento criminal, extinção da instância cível no tocante ao arguido recorrente e, consequentemente, inutilidade superveniente do recurso a esse respeito interposto podendo, quem com interesse e legitimidade para tanto, reclamar aquilo a que tem direito e está contido na decisão, no momento correto e através da figura da habilitação de herdeiros.»

Decisão que foi complementada pelo esclarecimento prestado posteriormente, em resposta à reclamação dos exequentes:

«AA, CC, BB e DD, Demandantes e/ou Assistentes nos autos à margem identificados, vieram requerer, ao abrigo do artigo 380.º do CPP, uma correção do Acórdão.

Levantavam-se-lhes a dúvida sobre a validade da habilitação de herdeiros.

Falecido que seja o arguido, o lesado pode exercer o seu direito à indemnização, agora contra eventuais herdeiros do arguido uma vez devidamente habilitados.

O entendimento seguido, e por nós perfilhado, não encontra obstáculo na jurisprudência obrigatória estabelecida pelo Acórdão do STJ n.0 3/2002 de 17/1/02, in DR F série, n. ° 54, de 5/3/2002, pois ali se refere unicamente a extinção da instância crime por prescrição, persistindo, pois, a pessoa física responsável criminal e civilmente.

Resulta do acima mencionado que se verifica, em função da extinção do procedimento criminal, extinção da instância crime no tocante ao arguido recorrente e, consequentemente, inutilidade superveniente do recurso a esse respeito.

O recurso da parte cível é subsidiário, assente no pressuposto de que procedia o recurso na parte criminal.

Tendo o arguido interposto recurso e vindo a falecer logo após, extinguiu-se a instância de recurso com a matéria nele contida com a sua morte.

Assim, não pode nem deve este Tribunal de recurso conhecer da parte crime assim como não deve conhecer da parte cível já que, nem os herdeiros do recorrente, notificados que foram, se pronunciaram.

Daí decorrer a desnecessidade de conhecer do pedido cível também pela sua natureza subsidiária.

Aliás, tendo os herdeiros do arguido deixado decorrer o prazo de recurso do acórdão da Relação (e podiam ter recorrido, atendendo ao valor da indemnização), conformaram-se com a decisão proferida e, consequentemente deixaram transitar em julgado a sentença condenatória na sua totalidade com as legais consequências.

Assim sendo, mantém-se o decidido por se verificar a inutilidade superveniente do recurso interposto pelo arguido na parte cível, com as legais consequências.»

Como decorre expressamente de ambas as decisões e independentemente dos considerandos que nelas são feitos e que poderiam eventualmente induzir noutro sentido, o que o Tribunal da Relação decidiu foi declarar extinto o procedimento criminal, em consequência da morte do arguido, bem como, a «extinção da instância cível no tocante ao arguido recorrente», decidindo-se nessa conformidade, ou seja, declarando «extinto o procedimento criminal e a instância cível quanto ao arguido recorrente nos autos».

Sublinhamos as expressões «no tocante ao arguido» e «quanto ao arguido», em cada uma das afirmações citadas.

E recordamos que ocorreu, entretanto, a habilitação, tendo sido reconhecidas como herdeiras do falecido as ora recorridas.

Em consequência daquela extinção, foi declarada a inutilidade superveniente do recurso, também no que respeita ao pedido cível, «podendo, quem com interesse e legitimidade para tanto, reclamar aquilo a que tem direito e está contido na decisão, no momento correto e através da figura da habilitação de herdeiros».

Tal como referido no próprio acórdão acima citado:

«Não se infira deste entendimento que o lesado fica sem poder exercer o seu direito à indemnização; o mesmo pode ser exercido, conforme resulta deste preceito processual, agora contra eventuais herdeiros do arguido depois de devidamente habilitados.»

Ideia que é reafirmada no esclarecimento posterior, mencionando-se que «se verifica, em função da extinção do procedimento criminal, extinção da instância crime no tocante ao arguido recorrente e, consequentemente, inutilidade superveniente do recurso a esse respeito», mais se acrescentando:

«Assim, não pode nem deve este Tribunal de recurso conhecer da parte crime assim como não deve conhecer da parte cível já que, nem os herdeiros do recorrente, notificados que foram, se pronunciaram.

Daí decorrer a desnecessidade de conhecer do pedido cível também pela sua natureza subsidiária.

Aliás, tendo os herdeiros do arguido deixado decorrer o prazo de recurso do acórdão da Relação (e podiam ter recorrido, atendendo ao valor da indemnização), conformaram-se com a decisão proferida e, consequentemente deixaram transitar em julgado a sentença condenatória na sua totalidade com as legais consequências».

Em suma:

A extinção da instância cível diz apenas respeito ao arguido, como parte demandada, já que faleceu, havendo, em consequência, inutilidade superveniente do recurso por ele interposto, o qual abrangia as partes criminal e cível da decisão.

Porque houve habilitação de herdeiros do falecido, estes foram notificados, segundo aquela decisão, para se pronunciarem quanto à prossecução do recurso, no que concerne ao pedido de indemnização civil.

As executadas/embargantes e ora recorridas nada disseram naquela qualidade de herdeiras, o que legitimou o tribunal a não conhecer do recurso também na parte cível, concluindo do seguinte modo:

«Aliás, tendo os herdeiros do arguido deixado decorrer o prazo de recurso do acórdão da Relação (e podiam ter recorrido, atendendo ao valor da indemnização), conformaram-se com a decisão proferida e, consequentemente deixaram transitar em julgado a sentença condenatória na sua totalidade com as legais consequências».

Razão pela qual foi emitida a certidão de fls 5v.º e seguintes, certificando o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida contra o arguido, nomeadamente na sua vertente cível, sendo a decisão proferida oponível, nessa parte, às executadas/recorridas, ao terem-se conformado com aquelas decisões da Relação e nada terem requerido quanto ao prosseguimento do recurso do arguido, quanto à aludida matéria.

Consequentemente, a decisão aqui impugnada errou ao declarar que o acórdão condenatório de primeira instância não transitou em julgado, contrariando o acórdão desta Relação, sendo certo que este não foi impugnado, quer pelas demandantes, quer pelas ora recorridas, estas na qualidade de herdeiras do arguido/demandado, respondendo, por força de tal qualidade, pelo pagamento da indemnização em que este havia sido condenado.

Mostrando-se transitada em julgado a decisão condenatória, a execução teve por base título executivo, conforme decorre do artigo 703.º, n.º 1 al. a) do CPC, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, impondo-se a revogação desta e o prosseguimento dos autos com prolação de nova decisão.

O que implica a procedência do recurso”.

Posto isto, não se vislumbra que o acórdão agora recorrido tenha violado quaisquer regras interpretativas. Partindo da letra de decisões prolatadas pelo Tribunal da Relação sopesando, nomeadamente, que estas referem que: a) a extinção da instância civil apenas foi declarada em relação ao arguido (e não aos herdeiros); b) esclareceu-se que se podiam valer os direitos em relação aos herdeiros por via de habilitação de herdeiros; c) mencionou-se que, por não terem manifestado qualquer interesse em manter o recurso do arguido/demandado, se extinguiu a instância recursória (civil), transitando a condenação na vertente civil em relação a estes; a conclusão dos Senhores Juízes Desembargadores coincide com o exarado nas referidas decisões e corresponde àquilo que se extrai do conjunto dos acórdãos e esclarecimentos supra mencionados, bem como, com a sequência processual.

14. Ainda, tal conclusão é consonante, nomeadamente, com o incidente de habilitação de herdeiros. Como se salienta no Acórdão deste Tribunal de 16.2.2012, Revista n.º 11/1999.L1-A.S1 - 7.ª Secção, relator Cons. Orlando Afonso, “I - A pedra de toque da formação de caso julgado da decisão é a sua imodificabilidade da decisão, definida pela insusceptibilidade de recurso ordinário. II - O efeito do caso julgado também se estende à decisão final dos incidentes, que não é mera decisão interlocutória na acção principal.  III - A decisão proferida em incidente de habilitação de herdeiros confere ao habilitando a qualidade de sujeito processual, pelo que, uma vez transitada em julgado, apenas pode ser objecto de rectificação, suprimento de nulidades, esclarecimento, reforma ou recurso extraordinário”.

Ora, a decisão que habilitou como herdeiros as embargantes/executadas, formou caso julgado, e teve como efeito que aquelas ocupassem o lugar do demandado civil falecido. Pelo que, a única interpretação coerente com tal decisão seja, justamente, a que vai no sentido de que a declaração de extinção cível apenas abarcou o sujeito processual arguido/demandado, mas não os herdeiros que lhe sucederam.

Sendo que, no que concerne a estes, nos esclarecimentos prestados pelo Tribunal da Relação – ponto 3. dos factos dados como provados – , se exarou que a condenação civil transitou em julgado.

 

III – Decisão.

Por todo o exposto, julga-se improcedente o presente recurso interposto por EE, FF e GG, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – artº. 8º nº. 9 do RCP e Tabela III anexa.

Consigna-se que foi observado o disposto no artº. 92º, nº. 4 do CPP.

João Guerra (Relator)

Helena Moniz

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[1] Nesse sentido Acórdão deste STJ de 28.1.2020, Revista nº. 7968/04.6YYLSB-A.L1.S1 - 6.ª Secção, relator Cons. Raimundo Queirós.



[2] Veja-se o que se entende “não conhecer do mérito da causa” Acórdão deste STJ de 30.6.2020, proferido na Revista n.º 3089/18.2T8LSB-A.L1.S1 - 6.ª Secção, relatora Cons. Maria Olinda Garcia “I - O acórdão da Relação que determina a continuação dos autos de embargos de executado, para obtenção dos elementos necessários à decisão sobre a questão da compensação de créditos, não conhece do mérito da causa, pelo que não se encontram reunidos os pressupostos para a admissibilidade de revista, exigidos pelo art. 671.º, n.º 1, do CPC. “


[3] Destaque nosso.

[4] Cfr. o Acórdão deste STJ de 28.1.2020, Revista nº. 7968/04.6YYLSB-A.L1.S1 - 6.ª Secção, relator Cons. Raimundo Queirós, quando se refere ao recurso de acórdão da relação que incida sobre sentença de oposição à execução “II - O acesso à revista não prescinde, porém, da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão (art. 671.º), do valor do processo e da sucumbência (art. 629.º, n.º 1), legitimidade (art. 631.º) e tempestividade (art. 638.º).