RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA PARCELAR
DUPLA CONFORME
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
APRECIAÇÃO DA PROVA
INADMISSIBILIDADE
PENA ÚNICA
FURTO QUALIFICADO
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
ROUBO AGRAVADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário

Texto Integral

PROC 3845/18.1T9FAR.E1.S1[1]



Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


1. RELATÓRIO

1.1. No Juízo Central Criminal ...... – Juiz … – no processo comum com intervenção do tribunal coletivo nº 3845/18.1T9FAR foi julgado, entre outros, o arguido AA, filho de BB e de CC, nascido a ... de março de 1973, solteiro, de nacionalidade ..., residente em……, e por acórdão de 9 de março de 2020, foi deliberado:

Condenar o arguido AA:

 - pela prática, em coautoria com o arguido DD, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 395/18..., na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a) e e) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 1065/18……, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;

- pela prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pela alínea e) do n.º 1 e 3 do art.º 256 do Código Penal, no caso 1065/18……, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência à alínea a) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 571/18……, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;

- pela prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pela alínea e) do n.º 1 e 3 do art.º 256 do Código Penal, no caso 571/18……, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- pela prática, em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 466/18……, na pena de 2 (dois)anos e 6 (seis) meses de prisão;

- pela prática, em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 275/18.........., na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- pela prática, em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 699/18……, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

 - pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência à alínea a) do n.º 1 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 1041/18……, na pena de 1 (um) ano e 6(seis) meses de prisão;

 - pela prática, em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de roubo agravado, previsto e punível pela alínea b) do n.º 2 e 1 do art.º 210 do Código Penal, por referência à alínea g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 258/18........., na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 2 do art.º 40 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 1 (um) mês de prisão;

- E, em cúmulo jurídico das penas concretamente aplicadas, nos termos do artigo 77º do Código Penal, na pena única de 11 (onze) anos de prisão.

1.2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido AA para o Tribunal da Relação ...., e por acórdão de 6 de outubro de 2020 foi deliberado:

Negar provimento ao recurso e manter o acórdão recorrido.

1.3. Inconformado com este acórdão dele interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA, que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição):

«DA NULIDADE NA OBTENÇÃO DA PROVA

I. Sustenta o tribunal de 1ª instância a sua douta decisão, nos elementos obtidos através dos meios de prova de localizações celulares, conforme consta dos pontos 11 a 19, 20 a 28 e 29 a 38 da matéria provada. Sendo que a identificação do alegado número de contacto telefónico objecto da dita localização, terá sido obtida por alegada informação da polícia espanhola - alegadamente, extracto de um auto de notícia elaborado pela Guardia Civil, Sector de Trafego de Andaluzia, remetidos pelas competentes autoridades espanholas a solicitação dos OPC encarregues da investigação -, documentos que não são documentos autênticos, nem os seus alegados autores confirmaram o seu teor em sede de audiência de julgamento.

II. Foram tais informações, emanadas directamente de documentos redigidos em língua estrangeira, que sustentaram o pedido das aludidas localizações celulares. E, sem as quais, tal meio de prova (localizações celulares) não seria produzido.

III. Os documentos em causa estão redigidos em língua estrangeira e não foram objecto de tradução para a língua portuguesa, pelo que, a valoração feita pela 1ª instância, da prova obtida quer através da documentação redigida em língua estrangeira, quer da prova subsequente que dela emana, nomeadamente as localizações celulares, é nula, atento o disposto nos art. 122.º, n.º 1 e 125º do CPP, e como tal, os pontos 11 a 19, 20 a 28 e 29 a 38 da matéria dada como provada foram mal valorados, pois deviam ter sido julgados não provados, atenta a nulidade que inquina os meios de prova que a eles subjaz. Constituindo o meio de prova inválido a “árvore venenosa”,

a prova ulterior que dele flui é “fruto envenenado “.

IV. A questão não poderá ser reconduzida à nomeação de intérprete – ou a sua falta – e ao regime previsto no artigo 166º do CPP, mas sim, ao estipulado no n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo Penal, com as cominações previstas nos art. 122.º, n.º 1 e 125º também daquele normativo e assim, ao teor dos documentos, na sua inteligibilidade e a idoneidade para prova de facto – ou indício probatório -  juridicamente revelante, na validade da sua utilização como meio de obtenção de prova e na sua valoração como meio probatório, nos termos do disposto no art. 355º CPP.

V. S.d.r., mal andou o tribunal “a quo” ao considerar válida a prova obtida quer através da documentação redigida em língua estrangeira, quer a prova subsequente que dela emana, nomeadamente as localizações celulares, por a mesma ser nula, atento o disposto nos mencionados artigos 122.º, n.º 1 e 125º do CPP. Nulidade essa que é insanável, nos termos do preceituado no artigo 119º do CPP e, bem assim, nos termos do disposto no artigo 118º do mesmo diploma legal, consubstanciando uma violação do princípio da legalidade por violação do disposto no n.º 1 do artigo 92º do CPP, pelo que laborou o douto tribunal “a quo” em erro notório na apreciação da prova.

VI. Omitindo-se a tradução dos documentos, fica vedado ao Recorrente o conhecimento do teor dos mesmos, com a consequente violação do direito do acusado à total compreensão dos actos essenciais do processo, o que atinge directamente o cerne dos direitos de defesa do mesmo, como sejam os direitos ao contraditório e a um processo justo e equitativo, consagrados, entre o mais, no art. 32º da CRP e no art.º e no 6º CEDH. que assim resultam coarctados.

Sem Conceder,

Nem Prescindir,

Por dever de Patrocínio,

Caso assim doutamente se não entenda, sempre se dirá que,

DA MEDIDA CONCRETA DAS PENAS PARCELARES E DA PENA ÚNICA

VII. No que tange, quer à determinação das penas parcelares encontradas, quer quanto à pena única a final aplicada, entende o Recorrente que são demasiado severas e gravosas, e assim, desajustadas, atendendo a matéria provada e os factores sociais e pessoais do arguido, nomeadamente a integração familiar, ausência de antecedentes criminais e comportamento globalmente positivo, que se traduzem em factores de protecção contra qualquer eventual prevaricação futura do mesmo.

VIII. O douto tribunal “a quo”, embora se baseie nos critérios de determinação da medida da pena estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal, em conjugação com o art. 40.º do mesmo normativo, parece não atender devidamente às circunstâncias referidas nos nº 1 e 2 do mencionado artigo 71.º, nem ao preceituado nos nº 1 e 2 do art. 40.º, nomeadamente quanto à questão da culpa do agente e às circunstâncias que depõem a favor do mesmo, e que sempre imporiam, no entender do Recorrente, a aplicação de penas parcelares, e a final de uma pena única, bastante inferior à aplicada pela douta decisão recorrida.

IX. Para determinação da medida concreta da pena, há que atender, de acordo com o nº 2 do art. 71º, às circunstâncias do crime, nomeadamente à ilicitude e à gravidade das consequências do facto; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados pelo agente e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais e económicas do agente; a personalidade do agente e a sua conduta anterior e posterior ao crime.

X. Entende o tribunal “a quo”, quanto às exigências de prevenção geral, que são muito elevadas atendendo à gravidade dos factos e ao período temporal em causa e a repercussão na comunidade. Todavia, respeitosamente, crê o Recorrente que o que resulta da matéria provada é a homogeneidade das condutas num período temporal curto, bem como o facto de eventuais actos delituosos levados a cabo o terem sido, na sua generalidade, na ausência dos lesados, pelo que, não atingindo mais do que a esfera patrimonial das mesmos.

XI. Já quanto às exigências de prevenção especial e à aludida “… falta de interiorização da gravidade dos seus comportamentos e de sentido crítico em relação aos mesmos...”, mal andou o douto tribunal “a quo” na valoração que faz quanto à aludida matéria, já que, optando o Recorrente por não prestar declarações quanto à matéria que lhe vinha imputada, no exercício do seu direito ao silêncio, tal não pode contra si ser negativamente valorado. Ademais, a aludida “…personalidade permeável às adversidades, insensível aos valores tutelados pelo direito e ao dano causado à sociedade com as suas condutas-” e a asserção na decisão recorrida de que são

“- particularmente relevantes…” as exigências de prevenção especial, no sentido da prevenção da reincidência, não encontram sustentação na matéria provada.

Acresce que,

XII. O tempo de reclusão já suportado pelo aqui Recorrente, em cumprimento de medida de coacção de prisão preventiva, mostra-se manifestamente suficiente para reforçar as suas já existentes consciência crítica acerca da sua situação e vontade e empenho na reabilitação e reintegração sociais e laborais. Pelo que, a suspensão da execução da pena de prisão, ainda que acompanhada das medidas e das condições previstas na lei, permitirá manter as condições de sociabilidade e (re) integração do Recorrente e a manutenção da condução da vida pelo mesmo no respeito pelos valores de direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura social, familiar, laboral e comportamental, manifestos factores de exclusão. Destarte, mostrar-se-ia mais adequada às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, que o caso requer, sendo ainda suficiente para se atingir os fins insertos na norma incriminadora, contribuindo para a ressocialização do agente de forma mais eficaz.

XIII. Face ao exposto, a decisão recorrida, ao decidir em sentido diverso ao ora expendido, para além de outras normas e princípios violou o disposto nos artigos 14º, 40.º, 42º, 50.º, 53.º e 71.º todos do C.P., os artigos 92º/1, 118º, 119º, 122º/1, 125º e 355º todos do CPP, os artigos 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6º da CEDH.

TERMOS EM QUE REQUER-SE A V. EXAS. que concedam provimento ao presente recurso e,

consequentemente, declarem nula a douta decisão recorrida, ou quando assim doutamente se não entenda, a revoguem substituindo-a por outra que absolva o arguido, ora recorrente.

À CAUTELA, POR DEVER DE PATROCÍNIO,

QUANDO ASSIM DOUTAMENTE SE NÃO ENTENDA,

Que V. Exas. revejam quer as penas parcelares, quer a pena única, de prisão efectiva aplicada ao Recorrente pelo tribunal “a quo”, substituindo-as por outras, coincidentes com o mínimo legal, e ademais, suspendam na sua execução a pena única a aplicar a final.

Todavia, V. Exas. farão a tão costumada JUSTIÇA!».

1.4. No Tribunal da Relação ………. houve Resposta do Ministério Público, o qual se pronunciou pela rejeição e improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos: (transcrição)

«-o recurso interposto pelo recorrente deverá, no que tange à nulidade e ao vício que ao acórdão aponta, ser julgado manifestamente improcedente e, como tal, deve ser rejeitado - CPP, artigo 420º, n.º 1, alínea a), e

- quanto à medida das penas (parcelares e única), o acórdão recorrido deverá ser confirmado, por o assim decidido não violar nenhum dos normativos invocados pelo recorrente, antes comportando uma decisão justa, equilibrada e proporcional, a resposta que a comunidade tem por adequada aos factos cometidos, sua gravidade e consequências.

Vossas Excelências, porém, decidirão como for de Justiça!»

1.5. Neste Supremo Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da rejeição e improcedência do recurso nos seguintes termos:

«Do recurso

1 - O arguido e ora recorrente AA, entre outros, foi submetido a julgamento no Juízo Central Criminal ......, do Tribunal Judicial da comarca ......, vindo a ser condenado, por acórdão proferido a 9/03/2020, pela prática de:

- em coautoria com o arguido DD, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 395/18……, na pena de 4 (quatro) anos de prisão – dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a) e e) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 1065/18……, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão – dentro da moldura pena de 2 a oito anos de prisão;

- um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pela alínea e) do n.º 1 e 3 do art.º 256 do Código Penal, no caso 1065/18……, na pena de 1 (um) ano de prisão – dentro da moldura de seis meses a cinco anos de prisão ou multa de 60 a 600 dias;

- em autoria material, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência à alínea a) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 571/18……, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão – dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pela alínea e) do n.º 1 e 3 do art.º 256 do Código Penal, no caso 571/18……, na pena de 1 (um) ano de prisão – dentro da moldura de seis meses a cinco anos de prisão ou multa de 60 a 600 dias;

- em coautoria com os arguidos DD e EE, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 466/18……, na pena de 2 (dois)anos e 6 (seis) meses de prisão – dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 275/18……, na pena de 4 (quatro) anos de prisão - dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- em coautoria com os arguidos DD e EE, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 699/18…, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão - dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência à alínea a) do n.º 1 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 1041/18............., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão – dentro da moldura de um mês a cinco anos de prisão ou multa até 600 dias;

- em coautoria com os arguidos DD e EE, um crime de roubo agravado, previsto e punível pela alínea b) do n.º 2 e 1 do art.º 210 do Código Penal, por referência à alínea g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 258/18……, na pena de 4 (quatro) anos de prisão – dentro da moldura de 3 a 15 anos de prisão;

- um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 2 do art.º 40 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 1 (um) mês de prisão – dentro da moldura de um mês a 1 ano de prisão ou 10 a 120 dias de multa.

Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 11 (onze) anos de prisão – dentro da moldura de 4 anos a 27 anos e um mês de prisão.

2 - Inconformado com essa decisão da mesma interpôs recurso para o Tribunal da Relação ........., no qual arguiu a nulidade, por violação do disposto no art. 92, nº 1, do CPP, na obtenção da prova decorrente das informações da polícia espanhola, não traduzidas para português; impugnou a matéria de facto invocando erro de julgamento e os vícios previstos nas als a) e c), do nº 2, do art. 410, do CPP; e impugnou a decisão relativa à determinação da medidas das penas parcelares e única, que considerou excessivas, pretendendo a sua redução para o limite mínimo da moldura penal abstracta e a suspensão da execução da pena única.

Porém, aquele Tribunal da Relação, por acórdão de 09/06/2020, julgou totalmente improcedente o recurso e manteve na íntegra a decisão de 1ª Instância.

3 - Ainda inconformado, recorre agora o arguido AA para este Supremo Tribunal.

Renova a questão da nulidade do acórdão decorrente da valoração das informações da polícia espanhola, redigidas em espanhol e não traduzidas, considerando que a prova obtida através dessas informações, designadamente a localização celular, é nula, nos termos do disposto nos arts 122, nº 1 e 125, do CPP, pelo que, em consequência, devem ser considerados não provados os factos descritos nos pontos 11 a 38, da matéria de facto provada. Acrescenta que a não tradução daquelas informações o impediu de tomar conhecimento do respectivo conteúdo, o que atinge o cerne dos seus direitos de defesa, designadamente o direito ao contraditório e a um processo justo e equitativo, consagrados nos arts 32 da CRP e 6 da CEDH.

Subsidiariamente, questiona a medida das penas parcelares e única, que considera demasiado severas e gravosas e por isso desajustadas face à factualidade provada e aos factores pessoais do arguido.

Argumenta que o Tribunal não atendeu devidamente às circunstâncias previstas nos nºs 1 e 2, do art. 71, do Código Penal. Realça que a actividade criminosa foi desenvolvida num curto período de tempo e que atingiu, sobretudo, a esfera patrimonial dos lesados. Discorda da valoração feita pelo Tribunal quanto às exigências de prevenção especial, afirmando que essa valoração não está sustentada na matéria de facto provada e que o tempo de reclusão já sofrido, em prisão preventiva, é suficiente para reforçar a sua consciência critica e a sua vontade e empenho na reabilitação e integração social e laboral.

Termina pedindo a declaração de nulidade do acórdão, ou a sua substituição por outro que o absolva dos crimes imputados e, subsidiariamente, pede a revisão das penas parcelares e única, com a sua redução ao mínimo legal aplicável e a suspensão da execução da pena única, ainda que sujeita a obrigações.

4 - O Magistrado do Mº Pº no Tribunal da Relação ......... apresentou resposta aos recursos, pugnando pela improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.

5 - Não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso devendo o mesmo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no art. 419, n.º 3, do CPP.

Questão Prévia

6 - No entanto, o recurso interposto não pode, a nosso ver, ter a abrangência pretendida pelo recorrente.

Com efeito, o arguido e ora recorrente pretendem ver reapreciadas por este Supremo Tribunal questões decididas em definitivo pelo Tribunal da Relação.

Desde logo as que respeitam à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Com efeito, como decorre do disposto no art. 434, do CPP “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”, sem prejuízo de se conhecer oficiosamente de qualquer um dos vícios da sentença, previstos no nº 2, do art. 410, do CPP, caso se verifiquem.

Ora, o recorrente reedita perante este Supremo Tribunal a questão que já suscitara perante o Tribunal da Relação, relativa à invalidade da prova, que faz decorrer da não tradução das informações policiais espanholas, questão que reconduz à discordância sobre a decisão de facto.

7 - Por outro lado, a decisão do Tribunal da Relação é também definitiva quanto às questões de direito relativas à condenação por cada um dos crimes e respectivas penas, uma vez que essa decisão confirmou integralmente a decisão de 1ª Instância e as penas parcelares aplicadas são, todas elas inferiores a 8 anos de prisão.

Efectivamente, o art. 400, do CPP, estatui, no seu nº 1, que:

“1 - Não é admissível recurso:

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

Assim, nos termos deste normativo, conjugado com o disposto no art. 432, nº 1, al. b), também do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma as condenações da 1ª Instância (princípio da dupla conforme condenatória) e as penas parcelares aí aplicadas, uma vez que não são superiores a 8 anos de prisão.

Em conformidade, as questões suscitadas pelo recorrente relativas à apreciação da matéria de facto, por força da invalidade da prova que preconiza com a arguição da nulidade das informações provindas da polícia espanhola não traduzidas para língua portuguesa, mas também as relativas à decisão relativa à determinação da medida das penas parcelares, estão subtraídas ao conhecimento do STJ (cfr, a título de exemplo os acórdãos deste Supremo Tribunal de 26/06/2014, proc. 160/11.5JAPRT.C1.S1 e de 10/09/2014, proc. 223/10.4SMPRT.P1.S1, ambos citados em anotação ao art. 400, do CPP Comentado, 2016, 2ª ed. revista).

Desta forma, no caso dos autos, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, é, apenas, recorrível no que concerne ao segmento relativo à determinação da pena única aplicada, uma vez que é superior a 8 anos de prisão. Quanto às demais questões suscitadas deve o recurso ser rejeitado, nos termos do que dispõem os arts 400, nº 1, al. f), 420, nº 1, al. b), 414, nºs 2 e 3 e 432, nº 1, al. b), todos do CPP.

Do mérito

8 - Acompanhamos o entendimento e as considerações constantes da resposta ao recurso apresentada pelo Magistrado do Mº Pº no Tribunal recorrido no que se refere à medida da pena única aplicada e também consideramos que não há qualquer fundamento para a sua redução.

9 - A medida da pena do concurso de crimes, tal como vem sendo unanimemente afirmado pela jurisprudência e doutrina, é determinada, tal como nas penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, a que acresce, como decorre do nº 1, do art. 77, do Código Penal, um critério específico – “a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente”.

Como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 21/11/2012, “III. , com a fixação da pena conjunta (se) pretende(-se) sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto,(e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.”(Proc. 86/08.0GBOVR.P1.S1, disponível em dgsi.pt.)

No mesmo sentido o acórdão, também deste Supremo Tribunal, de 16/06/2016 (Proc.2137/15.2T8EVR.S1, disponível em dgsi.pt.), em que se sumariou: “V – A pena única visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade dos ora recorrentes, em todas as suas facetas. Ponderando o modo de execução, a intensidade do dolo, directo, as necessidades de prevenção geral e especial, (…), o passado criminal do arguido, bem como o tempo decorrido desde o último facto ocorrido.”

Sem esquecer, contudo, que a pena única também “deverá respeitar os princípios da proporcionalidade, … necessidade, adequação e proibição do excesso.” (Acórdão do STJ, de25/03/2015, sumário publicado na C.J. acórdãos do STJ, tomo I, ano 2015.)

10 - A decisão recorrida observou estes princípios na determinação da pena única aplicada ao recorrente, como decorre do texto da própria decisão, e fez, cremos, uma correcta ponderação das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, valorou correctamente o grau de culpa manifestado, a ilicitude e as exigências de prevenção especial e geral que no caso ocorrem.

Assim, a pena única fixada respeita os parâmetros decorrentes dos critérios fixados nos artigos 40, 71 e 77, do Código Penal, não é excessiva, face à moldura abstracta, ao conjunto dos factos e à gravidade dos mesmos e dá resposta às exigências de prevenção que se verificam, não havendo qualquer fundamento para que a mesma seja reduzida.

Em conformidade com o exposto, o âmbito do recurso interposto deve ser reduzido à impugnação da medida da pena única, devendo ser rejeitado quanto às demais questões suscitadas, nos termos do disposto nos arts 399, 400, nº 1, al. f), 420, nº 1, al. b), 414, nºs 2 e 3 e 432, nº 1, al. b), todos do CPP.

No que se refere ao mérito do recurso relativo à pretendida redução do quantum da pena única aplicada ao arguido recorrente emite-se parecer no sentido da sua improcedência».

1.6. Foi cumprido o art. 417º, do CPP.

1.7. Com dispensa de Vistos, não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência.


***

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos, na parte que releva: (transcrição)

(…)

NUIPC 395/18…

11. No dia ... de agosto de 2018, cerca das 23H00, mediante plano previamente delineado, os arguidos AA e DD, em conjugação de esforços e de forma concertada, conjuntamente com outras pessoas cuja identidade não foi apurada, dirigiram-se ao escritório das instalações da rent-a-car denominada C……, sita no………….

12. Nesse momento, em conjugação de esforços e de forma concertada, os arguidos AA e DD, conjuntamente com outras pessoas cuja identidade não foi apurada, serraram o gradeamento da janela frontal e acederam ao interior do escritório, de onde retiraram as chaves das autocaravanas com matrículas …-UL-… - pertencente ao Banco BIC - …-TC-…, …-UO-…. - pertencentes à firma J. C. & Parracho - e …-FA-…, pertencente a FF.

13. As autocaravanas com as matrículas …-UL-…. e ……-TC-…... tinham o valor comercial de pelo menos € 30.000,00, cada uma.

14. A autocaravana com matrícula ……-UO-…. tinha o valor comercial de € 36.000,00.

15. A autocaravana pertencente a FF tinha o valor comercial de € 32.400,00 e no seu interior estavam três bicicletas, no valor de aproximadamente € 1.200,00, uma televisão no valor de aproximadamente € 100,00, um rádio e uma máquina fotográfica sem valor comercial, um amplificador de CD de valor não apurado, diverso material de mergulho de valor não apurado, correntes de neve no valor aproximado de € 50,00 e uns óculos graduados no valor de aproximadamente € 200,00.

16. Em ato contínuo, os arguidos AA e DD, em conjugação de esforços e de forma concertada, conjuntamente com outras pessoas cuja identidade não foi apurada, acederam ao interior dessas autocaravanas, que se encontravam parqueadas à frente desse estabelecimento, com as chaves que previamente tinham retirado do escritório dessa firma, acionaram-nas e colocaram-se em fuga com esses veículos, bem como na posse dos objetos que se encontravam no interior da autocaravana com a matrícula …..-FA-….., em direção…….., integrando-os nos seus patrimónios.

17. Os arguidos AA e DD quiseram fazer suas, como fizeram, as referidas autocaravanas e os objetos que se encontrassem no seu interior, representando e conformando-se com o valor das mesmas, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização dos respetivos proprietários.

18. Mais sabiam que não estavam autorizados a aceder ao interior das instalações do referido estabelecimento de aluguer e reparação de viaturas, a que acederam mediante a quebra do gradeamento de uma janela, agindo contra a vontade e sem a permissão dos respetivos donos.

19. Os arguidos AA e DD agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, em grupo, executando um plano previamente traçado entre eles para se apoderarem dos referidos bens, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

NUIPC 1065/18…

20. No dia ... de setembro de 2018, cerca das 15H30, mediante plano previamente delineado, o arguido AA, conjuntamente com outras pessoas cuja identidade não se apurou, saltou a vedação das instalações da rent-a-car denominada Europcar, sita na avenida……, e dirigiu-se ao escritório.

21. Nesse momento, e de forma não apurada, o arguido AA acedeu ao interior do mencionado escritório e retirou as chaves dos veículos com matrículas …-TE-…, ……-TE-…, ……-SS-…… e …-TA-…. - pertencentes à firma Europcar - com o valor global de 76.000€.

22. Em ato contínuo, o arguido AA, conjuntamente com outras pessoas cuja identidade não se apurou, acederam ao interior desses veículos, que se encontravam parqueadas no interior das instalações desse estabelecimento, e, com as chaves que previamente tinham retirado do escritório dessa firma, acionaram-nos e colocaram-se fuga com esses veículos, integrando-os nos seus patrimónios.

23. Entretanto, em ... de outubro de 2018, os arguidos AA, EE e DD foram abordados em Alicante pelas autoridades policiais, quando seguiam no veículo com matrícula .... -SS-…, que trazia aposta a matrícula ... - QC- …, correspondente a outro veículo.

24. A matrícula ... - QC- .... foi colocada no veículo de matrícula .... -SS-…. pelo arguido AA.

25. O arguido AA quis fazer seus, como fez, os referidos veículos automóveis, representando e conformando-se com o valor dos mesmos, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem autorização dos respetivos donos.

26. Mais sabia que não estava autorizado a aceder ao interior das instalações do referido estabelecimento de aluguer de automóveis, a que acedeu pulando a vedação, agindo contra a vontade e sem a permissão do respetivo proprietário.

27. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

28. O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, atuando com o propósito de colocar e usar uma matrícula que não correspondia à do mencionado veículo, de modo a não ser detetado pelas autoridades policiais.

NUIPC 571/18…

29. No dia ... de setembro de 2018, cerca das 18H30, mediante plano previamente delineado, o arguido AA, fazendo-se transportar no veículo com matrícula ..........62, dirigiu-se às instalações do stand de automóveis denominado Cars & Cars, sito na Estrada Nacional………, sentido………...

30. Nesse momento, o arguido AA, acedeu ao interior do escritório do mencionado stand e retirou as chaves do veículo com matrícula .... -NJ- …, pertencente a GG, colocando-se em fuga na posse dessas chaves.

31. Posteriormente, no dia ... de setembro de 2018, cerca das 12h26, o arguido AA, em conjugação de esforços e de forma concertada, conjuntamente com alguém cuja identidade não foi apurada, fazendo-se transportar no lugar do pendura do veículo com matrícula ………62, dirigiu-se ao parqueamento da FIAAL, sito em……….

32. Em ato contínuo, o arguido AA apeou-se desse veículo com matrícula ..........62, dirigiu-se ao veículo com matrícula .... -NJ- …, abriu a respetiva fechadura, com as chaves que já tinha na sua posse, acedeu ao seu interior e acionou-a.

33. Após, o arguido AA iniciou a marcha no veículo de matrícula .... -NJ- …. e colocou-se fuga na posse do mesmo, seguindo o veículo com matrícula ..........62, conduzido por pessoa cuja identidade não foi possível apurar, integrando esse veículo no seu património.

34. O veículo de matrícula .... -NJ- …. tinha o valor de € 30.000,00.

35. No dia ... de setembro de 2018, os arguidos AA e HH foram abordados em ……. pelas autoridades policiais, quando seguiam no veículo com matrícula .... -NJ- …, que trazia colocada a matrícula ………YX, correspondente a outro veículo, para que não fosse detetada pelas autoridades policiais.

36. O arguido AA quis fazer seu, como fez, o referido veículo automóvel, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do respetivo dono, representando e conformando-se com o valor do mesmo.

37. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

38. O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, atuando com o propósito de usar uma matrícula que não correspondia à do mencionado veículo, de modo a não ser detetado pelas autoridades policiais.

(…)

NUIPC 466/18…

50. No dia ... de outubro de 2018, cerca das 21h00, mediante plano previamente delineado, os arguidos AA, DD e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, fazendo-se transportar no veículo com matrícula ..........62, dirigiram-se às instalações do estabelecimento comercial denominado TIBA, sito na área industrial…………….

51. Nesse momento, os arguidos AA, DD e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, partiram e derrubaram a porta de acesso a esse estabelecimento e acederam ao seu interior.

52. Seguidamente, os arguidos AA, DD e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, retiraram do interior desse estabelecimento comercial seis aparelhos de ar condicionado pertencentes a essa firma, com o valor global de € 4.540,00 (quatro mil quinhentos e quarenta euros).

53. Após, os arguidos AA, DD e EE colocaram-se em fuga na posse desses aparelhos, integrando-os nos seus patrimónios.

54. Os arguidos AA, DD e EE quiseram fazer seus, como fizeram, os referidos aparelhos de ar condicionado, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização dos respetivos proprietários.

55. Mais sabiam que não estavam autorizados a aceder ao interior das instalações do referido estabelecimento comercial, a que acederam partindo a porta de acesso, agindo contra a vontade e sem permissão dos respetivos donos.

56. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, em grupo, executando um plano previamente traçado entre eles para se apoderarem dos referidos bens, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

NUIPC 275/18…

57. No dia ... de outubro de 2018, cerca das 22h00, mediante plano previamente delineado, os arguidos AA, DD e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, fazendo-se transportar no veículo com matrícula ………62, dirigiram-se ao armazém das instalações da rent-a-car denominada B………, sita em……...

58. Nesse momento, em conjugação de esforços e de forma concertada, os arguidos AA, DD e EE subiram a uma das janelas desse armazém, serraram a grade e acederam ao seu interior.

59. Do interior retiraram as chaves das autocaravanas com matrículas .... -PR- …, .... -PR- …, .... -SV- …. e .... -SV- …, pertencentes a essa firma, e que tinham o valor global de € 113.000,00.

60. Seguidamente, em conjugação de esforços e de forma concertada, os arguidos AA, DD e EE, com as chaves que previamente tinham retirado do escritório dessa firma, acionaram uma dessas autocaravanas que se encontrava no interior das instalações e deslocalizaram-na para o exterior.

61. Uma vez no exterior, em conjugação de esforços e de forma concertada, os arguidos AA, DD e EE, com as chaves que previamente tinham retirado do escritório dessa firma, acionaram as demais autocaravanas e colocaram-se com as mencionadas quatro caravanas em fuga, integrando-as nos seus patrimónios.

62. Os arguidos AA, DD e EE quiseram fazer seus, como fizeram, os referidos veículos, representando e conformando-se com o respetivo valor, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização dos respetivos proprietários.

63. Mais sabiam que não estavam autorizados a aceder ao interior das instalações do referido estabelecimento de aluguer de automóveis, a que acederam serrando as grades de uma janela, agindo contra a vontade e sem permissão dos respetivos donos.

64. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, em grupo, executando um plano previamente traçado entre eles para se apoderarem dos referidos veículos, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

NUIPC 699/18…

65. No dia ... de novembro de 2018, cerca das 00h00, mediante plano previamente delineado, os arguidos AA, DD e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado M…………, sito em………...

66. Nesse momento, os arguidos AA, DD e EE subiram ao telhado dessas instalações, abriram um buraco e acederam ao interior do mencionado estabelecimento.

67. Em ato contínuo, os arguidos AA, DD e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, no período que mediou entre as 00h00/04h39, retiraram do interior desse estabelecimento os materiais descritos a fls. 18 a 23 do anexo 699/18………, que se dão por integralmente reproduzidas, com o valor global de € 23.473,70 (vinte e três mil quatrocentos e setenta e três euros e setenta cêntimos).

68. Após, os arguidos AA, DD e EE colocaram-se em fuga na posse desses objetos, integrando-os nos seus patrimónios.

69. Vários dos objetos retirados do interior desse estabelecimento comercial foram apreendidos na posse dos arguidos AA, DD e EE.

70. Os arguidos AA, DD e EE quiseram fazer seus, como fizeram, os referidos materiais, representando e conformando-se com o respetivo valor, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização dos respetivos proprietários.

71. Mais sabiam que não estavam autorizados a aceder ao interior das instalações do referido estabelecimento comercial, a que acederam mediante um buraco aberto no telhado, agindo contra a vontade e sem permissão dos respetivos donos.

72. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, em grupo, executando um plano previamente traçado entre eles para se apoderarem dos referidos bens, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

NUIPC 1041/18…

73. No dia ... de novembro de 2018, cerca das 15h20, na rua……………, sita em………………, o arguido AA acedeu ao interior do veículo com matrícula …. -IL- ......, pertencente à firma LOG 24, que estava com as respetivas chaves na ignição, acionou-o e colocou-se em fuga, integrando-o no seu património.

74. No interior do veículo encontravam-se, para além de outras, as seguintes mercadorias: 4 (quatro) armações de óculos; 3 (três) malas da marca GUESS; 1 (um) estetoscópio; 1 (uma) lanterna; 1 (um) thermoval; 1 (um) depósito de refrigeração; 1 (um) cartão de cores; 3 (três) frascos de produtos de cabelo; 11 (onze) caixas de colorantes; 1 (uma) máscara; 1 (uma) TV BOX; 1 (um) garrote; 1 (um) relógio de enfermagem; artigos informáticos; 1 (um) toner; 1 (um) martelo hidráulico; 1 (uma) rebarbadora.

75. O veículo e as mercadorias que se encontravam no interior da mesma e que estavam a ser transportadas pela LOG 24 dos expedidores para os respetivos destinatários tinham um valor global superior a € 5.100,00.

76. O arguido AA quis fazer seu, como fez, o referido veículo bem como os objetos que nele se encontrassem, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do respetivo dono, representando e conformando-se com o valor global dos mesmos.

77. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

NUIPC 258/18…

78. No dia ... de dezembro de 2018, cerca das 19h41, mediante plano previamente delineado, os arguidos AA, DD e EE, em conjugação de esforços e de forma concertada, dirigiram-se para as imediações das instalações dos estabelecimentos denominados………………, sitos………, sendo que os arguidos AA e DD se faziam transportar no veículo com matrícula ..........62, enquanto o arguido EE se fazia transportar no veículo com matrícula …………MP.

79. Depois de várias manobras, os três arguidos, deslocam-se no veículo de matrícula ………MP para uma estrada que dá para as traseiras do supermercado………...

80. Pelas 22h06, em conjugação de esforços e de forma concertada, os arguidos arrancaram com velocidade com o veículo com matrícula ………MP na direção do veículo com matrícula nº …….-BN- ………. em que se fazia transportar II, e encostou a parte da frente do carro na traseira do veículo de matrícula ……-BN-……, impedindo a condutora de manobrar esse veículo.

81. Nesse momento, em conjugação de esforços e de forma concertada dois dos arguidos, encapuzados, saíram do veículo com matrícula ............MP e dirigiram-se ao veículo utilizado por II, quebraram-lhe o vidro direito desse veículo e retiraram-lhe a sua mala que continha um telemóvel no valor de 679€ e variada documentação.

82. Após, os arguidos AA, DD e EE colocaram-se em fuga na posse desses objetos, integrando-os nos seus patrimónios.

83. Os arguidos AA, DD e EE quiseram agir da forma descrita, com o propósito de fazer sua a mala de II, e todo o seu conteúdo, sabendo que a mesma não lhes pertencia.

84. Nas referidas circunstâncias, os arguidos AA, DD e EE agiram livre, deliberada e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços, em grupo, executando um plano previamente traçado entre eles para se apoderarem dos referidos bens, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

BUSCAS

85. No dia ... de dezembro de 2018, cerca das 09HJ30, em …, …, os arguidos AA, DD e EE detinham os seguintes objetos no local onde viviam, designadamente na autocaravana com matrícula .... -FM- …, no veículo com a matrícula ............62, na roulotte e no anexo:

→1 (um) telemóvel SAMSUNG (dual SIM) com os IMEI’s: …7/6 e ……7/3;

→1 (um) telemóvel IPHONE, modelo……, com o IMEI …79, pertencente ao arguido DD;

→ 1 (um) pé-de-cabra (pertencente à firma MAXMAT);

→ 1 (uma) gambiarra;

→ 1 (um) martelo;

→ 1 (um) aparelho para trabalhar com Centralina auto;

→ 1 (um) bloco de motor;

→ vários discos de travão auto;

→ 1 (um) uma caixa de fusíveis;

→ 1 (um) filtro de ar auto;

→ 2 (dois) pares de matrículas britânicas com os caracteres ……………TZ e ……………ZU;

→ 1 (uma) mala;

→ 1 (uma) pochete;

→ 1 (um) cinto;

→ 1 (uma) mala com ferramentas, pertencente à firma MAXMAT;

→ 1 (um) depósito de líquido de radiador;

→ Diversas peças-auto;

→ 2 (dois) autorrádios;

→ 1 (uma) máquina de lavagem à pressão;

→ 1 (um) berbequim marca ….... com caixa de acessórios, pertencente à firma M…;

→ 1 (uma) caixa de ferramentas de cor amarela e preta;

→ 1 (uma) corda de reboque com ganchos de tração;

→ 1 (uma) caixa contendo 3 (três) câmaras CCTV, pertencente à firma MAXMAT;

→ 1 (um) autorrádio;

→ 1 (uma) caixa preta marca Stanley contendo no interior um conjunto de chaves, pertencente à firma MAXMAT;

→ 2 (duas) câmaras de filmar, pertencentes à firma MAXMAT;

→ 1 (uma) rebarbadora da marca Black & Decker, pertencente à firma MAXMAT;

→ 1 (uma) rebarbadora da marca Einhell, pertencente à firma MAXMAT;

→ 1 (uma) lixadeira da marca Black & Decker;

→ 1 (um) berbequim da marca Black & Decker, pertencente à firma MAXMAT;

→ 1 (um) berbequim da marca Stanley, pertencente à firma MAXMAT;

→ 1 (uma) serra elétrica marca Black & Decker;

→ 1 (uma) caixa de berbequim marca Stanley, pertencente à firma MAXMAT;

→ 1 (um) alicante extensível, pertencente à firma MAXMAT;

→ 1 (um) berbequim marca DeWalt;

→ 1 (uma) caixa de berbequim;

→ 1 (um) berbequim marca Haager;

→ 1 (um) conversor de corrente;

→1 (uma) caixa de telemóvel NOKIA………, IMEI’s ……64 e ………72;

→ 1 (um) saco Worten contendo no interior uma caixa de um telemóvel NOS……. IMEI …………30;

→ 1 (uma) lanterna marca Makitta

→ 1 (um) autocolante de um malmequer;

→ 3 (três) caixas de peças de fresa;

→ 1 (um) forro interior do teto de uma viatura;

→ 1 (um) par de chapas de matrícula portuguesas (…… -QC- ……) com respetivo documento único;

→ 1 (uma) chave de viatura (FIAT), dissimulada no interior de um pequeno vaso de plástico de cor preta;

→ 1 (uma) balança de precisão e diversos sacos herméticos em plástico;

→ 2 (dois) sacos de parafusos com tampas específicas de afixação de chapas de matrícula, dissimuladas numa parede falsa;

→ 1 (um) telemóvel………, marca Altice, IMEI ………02 e ……….10 com cartão Vodafone;

→ 1 (uma) chave de veículo Volkswagen;

→ 1 (um) GPS da marca Garmin, de cor preta, com respetivo carregador;

→ 1 (um) autorrádio com leitor de CD;

→ 1 (uma) coluna de som, marca JBL;

→1 (um) telemóvel marca Altice, dual SIM, com o IMEI ……………81 e …………99;

→ 1 (uma) consola de código de alarme de cor branca;

→ 1 (uma) lanterna de mineiro;

→ 1 (um) telemóvel IPhone com IMEI ……………97;

→ 1 (um telemóvel Samsung …………;

→ A quantia monetária de 220,00€, proveniente da atividade ilícita dos arguidos;

→ Diversas etiquetas de informação de chassis/VIN de veículos marca Land Rover;

→ 1 (um) um aparelho de medição de tensão arterial;

→ 1 (um) termómetro digital;

→ 1 (uma) lanterna;

→ 1 (um) passa montanhas de cor preta;

→ 1 (um) autorrádio Pioneer;

→ 1 (um) fato de treino com casaco com capuz de cor preta;

→ 1 (uma) etiqueta com código de barras referente a um artefacto da marca Stanley;

→ Diversas peças desmanteladas de viaturas, de cor cinza (portas, faróis, motor, embaladeiras, jantes, pneus, tubos de escape, etc…);

→ 1 (uma) etiqueta de n.º de quadro/VIN de uma viatura.

→ 1 (uma) luva de tecido de cor preta;

→ 1 (um) passa montanhas em tecido de cor preta;

→ 1 (um) par de luvas pretas em tecido;

→ 1 (um) par de luvas pretas em tecido;

→ 1 (um) passa montanhas em tecido de cor preta;

→ 1 (um) passa montanhas em tecido de cor preta;

→ 1 (uma) luva de tecido de cor preta;

→ 4 (quatro) chaves de fendas;

→ 1 (uma) chave de uma viatura Volkswagen;

→ 1 (uma) etiqueta de n.º de quadro/VIN;

→ 1 (um) casaco de capuz de cor preta;

→ 1 (uma) mala de ferramentas metálica, pertencente à firma MAXMAT;

→ Várias cintas de tração;

→ 2 (duas) armações de óculos, retirados do veículo com matrícula …. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18………);

→ 3 (três) malas da marca GUESS, retirados do veículo com matrícula …. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18……);

→ 1 (um) estetoscópio, retirado do veículo com matrícula …. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18……);

→ 1 (uma) lanterna, retirada do veículo com matrícula …. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18.............);

→ 1 (um) thermoval, retirado do veículo com matrícula …. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18.............);

→ 1 (um) depósito de refrigeração, retirado do veículo com matrícula …. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18.............);

→ 1 (um) cartão de cores, retirado do veículo com matrícula …. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18.............);

→ 3 (três) frascos de produto para cabelo, retirados do veículo com matrícula ……. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18.............);

→ 11 (onze) caixas de colorantes, retirados do veículo com matrícula …. -IL- ...... (apenso n.º 1041/18.............).

86. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA detinha ainda vários fragmentos de cannabis, com o peso de 6,200 gramas, grau de pureza de 20,3%, equivalente a 25 doses individuais, para seu consumo individual.

87. O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, atuando com o propósito de deter o mencionado estupefaciente para consumo em quantidade superior ao legalmente permitido, sem estar legalmente habilitado para o efeito.

88. No dia ... de dezembro de 2018, cerca das 09H30, na sua residência sita em………, Caixa Postal………, …………, o arguido HH detinha os seguintes objetos:

→ 1 (um) telemóvel marca Microsoft, modelo………, como IMEI …………37;

→ Vários fragmentos de cannabis com o peso de 0,440 gramas, grau de pureza de 21,3%, equivalente a 1 dose individual;

→ Vários fragmentos de cannabis com o peso de 2,370 gramas, grau de pureza de 21,1%, equivalente a 10 doses individuais, destinado ao seu consumo;

→ Vários fragmentos de cannabis com o peso de 0,283 gramas, grau de pureza de 20,3%, equivalente a 1 dose individual, destinado ao seu consumo;

→ Várias sumidades de cannabis com o peso de 14,780 gramas, grau de pureza de 8,1%, equivalente a 23 doses individuais, destinado ao seu consumo;

→ Vários fragmentos de cannabis com o peso de 22,845 gramas, grau de pureza de 21,3%, equivalente a 97 doses individuais, destinado ao seu consumo;

→ 1 (um) par de luvas de cor verde e amarela;

→ 1 (um) telemóvel marca Alcatel, de cor preta IMEIS ………15 (cartão SIM da operadora Vodafone com o número …………94) e …………02;

→ 1 (uma) embalagem co cartão SIM como número …………32;

→ 1 (um) moinho para misturar cannabis, destinado ao consumo do arguido;

→ A quantia monetária de 820€;

→ 1 (uma) caixa de um telemóvel marca Microsoft, modelo……, como IMEI ……………37;

→ 1 (uma) catana;

→ 1 (um) bastão de basebol;

→ 1 (uma) lanterna led;

→ 1 (uma) motosserra marca Sterwins, de cor preta vermelha e cinzenta, com o número de série ……………90;

→ 1 (uma) caixa de uma balança de precisão;

→ 1 (um) moinho para misturar cannabis, utilizado para o consumo do arguido.

89. O arguido HH agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, atuando com o propósito de deter o mencionado estupefaciente para consumo em quantidade superior ao legalmente permitido, sem estar legalmente habilitado para o efeito.

Dos pedidos de indemnização civil

90. A LOG 24 tem por objeto social o exercício da atividade de transportes públicos ocasionais de mercadorias, gestão de transportes, frotas, logística, distribuição de mercadorias e aluguer de veículos de mercadorias sem condutor.

91. No âmbito da sua atividade comercial, obriga-se a deslocar mercadorias de outrem (expedidor), mediante o pagamento do preço acordado (frete) e a entregá-las ao destinatário, no local estabelecido, sem perdas, avarias ou demoras.

92. Nas circunstâncias descritas no ponto 73 dos factos provados, a demandante transportava no interior do veículo de matrícula ……-IL- ...... mercadorias com o peso bruto total de 344,96 quilogramas, pertencente aos clientes.

93. Em virtude da conduta do arguido AA, descrita no ponto 73 dos factos provados, a demandante efetuou a alguns dos seus clientes (expedidores) o pagamento de € 10,00 por cada quilograma de mercadoria em falta, designadamente:

- Ao Modelo Continente, Hipermercados, SA - € 10,00;

- À Cubique Solutions, Ld.ª- € 20,00;

- À Dislamp – Artigos de Iluminação, Ld.ª - € 10,00;

- À GLS PLT Internacional - € 50,00;

- À Phytovit - € 270,00;

- À Regenersis Portugal, Ld.ª - € 20,00;

- À Constantino Carneiro de Sousa, SA - € 110,00;

- À HS PLUS D.O.O - € 10,00;

- À Ortomed - € 10,00;

- À Cooperoptica, Ld.ª- € 10,00;

- À Servihenares Tech Data Gms-store - € 101,00;

- À Liberne – Artigos de Lazer, Ld.ª - € 110,00;

- À HS PLUS D.O.O - € 10,00;

- À Essential Approach - € 180,00;

- À JF2 – Máquinas e Ferramentas, Ld.ª - € 950,00.

94. A Zitauto – Automóveis de Aluguer sem Condutor, Ld.ª, exerce a atividade de aluguer de automóveis sem condutor.

95. A viatura de matrícula ………-PE-…. foi recuperada no dia 23 de outubro de 2018.

96. Aquando da reparação da viatura a mesma apresentava riscos e amolgadelas, cuja reparação teve um custo de aproximadamente € 1.500,00.

97. O interior do veículo encontrava-se muito sujo, tendo sido efetuada uma lavagem completa de todo o interior, e que teve um custo de € 200,00.

98. Em setembro o valor médio do aluguer de uma viatura idêntica é de € 25,00.

99. Em outubro e novembro o valor médio do aluguer de uma viatura idêntica é de € 18,00.

100. Em virtude da subtração da viatura de matrícula ……JM, a FIAAL pagou ao proprietário da mesma o montante de € 57.872,53 e recebeu da seguradora o montante de € 50.784,54.

101. Com a reparação da viatura de matrícula .... -NJ- …. a FIAAL despendeu a quantia de € 7953,51, tendo acionado o seu seguro contra todos os riscos e suportado apenas o valor da franquia de 10% mais o IVA da reparação no valor total de € 2.133,87.

Das condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos

102. O arguido AA é oriundo ……/..., provindo de um agregado familiar inscrito num quadro socioeconómico mediano.

103. À data dos factos subjacentes ao presente processo e desde há cerca de dois anos, o arguido constituiu agregado com uma companheira, cidadã ..., residindo em casa propriedade daquela, sita na morada constante dos autos em…………….

104. A companheira é empresária no ramo…………, encontrando-se temporariamente em ... .

105. O arguido mantém um relacionamento próximo com a sua família de origem e um filho maior de idade já autónomo fruto de um anterior relacionamento marital.

106. Em termos educativos/formativos o arguido concluiu 16 anos de escolaridade, e depois iniciou percurso laboral no ramo……, onde refere ter adquirido experiência e qualificação profissional como mecânico.

107. O quadro económico, em conjunto com a companheira, e caracterizado como estável, perspetivando em termos futuros, permanecer em Portugal, logo que a sua situação jurídico-penal esteja resolvida.

108. O arguido AA consome canabinoides, mas sem contornos de adição, afirmando estar atualmente abstinente.

109. Em termos da sua inserção sócio comunitária, regista-se algum isolamento e desenraizamento do arguido.

110. O arguido AA tem um relacionamento de amizade de longa data com os dois coarguidos DD e EE, no país de origem.

111. Em termos institucionais tem revelado comportamento conforme as regras e normas institucionais, detendo algum suporte de retaguarda de familiares companheira.

112. O arguido AA não tem antecedentes criminais.


***


3. O DIREITO

3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação do recorrente, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com as seguintes questões:

- nulidade do acórdão decorrente da valoração das informações da polícia espanhola, redigidas em espanhol e não traduzidas, considerando que a prova obtida através dessas informações, designadamente a localização celular, é nula, nos termos do disposto nos arts 122º, nº 1 e 125º, do CPP, pelo que, em consequência, devem ser considerados não provados os factos descritos nos pontos 11 a 38, da matéria de facto provada;

- a medida das penas parcelares e única


3.1.1. Questão Prévia:

A Exmª. Procuradora- Geral Adjunta suscitou a questão prévia da inadmissibilidade legal do recurso relativa à invalidade da prova, que faz decorrer da não tradução das informações policiais espanholas, questão, que o recorrente reconduz à discordância sobre a decisão de facto, bem como quanto questões de direito relativas à condenação por cada um dos crimes e respetivas penas, uma vez que essa decisão confirmou integralmente a decisão de 1ª Instância e as penas parcelares aplicadas são, todas elas inferiores a 8 anos de prisão, motivo pelo qual o recurso deve ser rejeitado nos termos do que dispõem os arts 400, nº 1, al. f), 420, nº 1, al. b), 414, nºs 2 e 3 e 432, nº 1, al. b), todos do CPP.

O art. 434º, do CPP define os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, consagrando que «Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito».


No AC do STJ de 29 de abril de 2020, processo nº 753/18.0JABRG.G1.S1, relator Nuno Gonçalves, que seguimos de perto, afirma-se o seguinte:

«O legislador da Lei n.º 59/98, com a alteração do regime da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quis harmonizar objetivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade. Como se justifica na Proposta de Lei n.º 157/VII, que esteve na origem daquele diploma normativo “os casos de pequena e média criminalidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça”.

Ideário reafirmado na Proposta de Lei n.º 77/XII(1.ª) (GOV), que deu lugar à Lei n.º 20/2013. Explicitando-se os motivos da visada clarificação expende-se queera essencial delimitar o âmbito dos recursos para o Supremo, preservando a sua intervenção para os casos de maior gravidade”.

No Acórdão n.º 659/2011 do Tribunal Constitucional expendeu-se:em caso de recurso relativo a decisão condenatória, seja com fundamento em nulidades processuais, seja com fundamento em erros de julgamento atinentes ao fundo da causa, o seu objeto apelante de um terceiro grau de jurisdição será sempre o acórdão condenatório em si próprio”

(…)

O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição”.

No entendimento consolidado do Tribunal Constitucionalé de reconhecer, assim, como interesse público legitimador da restrição do direito ao recurso, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, por forma a impedir a paralisação do órgão, reservando a intervenção do tribunal cimeiro da orgânica judicial aos casos de maior merecimento penal, desde que preservado o núcleo essencial das garantias de defesa. Como se sublinhou no Acórdão n.º 324/2013 (que se debruçou sobre a mesma dimensão normativa aqui em análise, …)”.


No caso subjudice, o recorrente inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação ......... que negou provimento ao recurso por si interposto, invoca a nulidade do acórdão decorrente da valoração das informações da polícia espanhola, redigidas em espanhol e não traduzidas, considerando que a prova obtida através dessas informações, designadamente a localização celular, é nula, nos termos do disposto nos arts 122, nº 1 e 125, do CPP, pelo que, em consequência, devem ser considerados não provados os factos descritos nos pontos 11 a 38, da matéria de facto provada.

Ou seja, o recorrente pretende discutir de novo o julgamento da matéria de facto e a valoração das provas, insurgindo-se contra a convicção do Tribunal.

O Supremo Tribunal de Justiça tem a natureza de um tribunal de revista, versando os recursos que lhe sejam dirigidos exclusivamente matéria de direito. (art. 434º, do CPP).

No que respeita à matéria de facto compete ao Tribunal da Relação, nos termos do art. 428º, do CPP, «As relações conhecem de facto e de direito».


O acórdão do Tribunal da Relação .... conheceu da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 428º, do CPP, que define os poderes de cognição dos Tribunais da Relação, «As relações conhecem de facto e de direito».

Tal constitui uma concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto - reapreciação por um Tribunal superior das questões relativas à ilicitude e à culpabilidade.


De harmonia com o disposto no art. 400º, nº 1, do Código do Processo Penal:

«Não é admissível recurso: (…)

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

Conforme se afirma no AC do STJ de 26-06-2019, processo nº 380/17.9PBAMD.L1.S1, Relator Nuno Gonçalves,[2] «A denominada “dupla conforme” não permite impugnar perante o STJ acórdão da Relação que confirma a condenação da 1ª instância em pena de prisão igual ou inferior a 8 anos.

Este Supremo Tribunal tem entendido, à luz do artigo 400.º, n.º 1, al.ª f), do CPP, que são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, em medida igual ou inferior a oito anos de prisão, impostas pela 1ª instância, confirmadas pela Relação, restringindo-se a revista do STJ às penas de prisão, parcelares e/ou única, aplicadas em medida superior a oito anos de prisão.

Sustenta-se no AC. de 28-11-2018, deste Supremo Tribunal: “O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

V - As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a CRP, no seu art. 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo» [3]

A conformidade à Constituição da chamada dupla conforme tem sido uniformemente validada pelo Tribunal Constitucional, vejam-se a título de exemplo, os Acórdãos n.º 659/2018, de 12 de dezembro, n.º 212/2017, de 2 de maio, n.º 687/2016, de 14 de dezembro, n.º 239/2015, de 29 de abril, n.º 107/2015, de 11 de fevereiro, n.º 269/2014, de 25 de março, n.º 186/2013, de 4 de abril, n.º 189/2001, de 3 de maio, n.º 451/2003, de 14 de outubro, n.º 495/2003, de 22 de outubro, n.º 640/2004, de 12 de novembro, e n.º 649/2009, de 15 de dezembro.


De igual modo decidiu o AC do STJ de 10MAR21, processo nº 330/19.8GBPVL.G1.S1, do mesmo Relator Nuno Gonçalves, que seguimos de perto:

«Na expressão do Ac. de 19-02-2014, deste Supremo Tribunal, significa que só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico[4].

Irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à aplicação do direito, confirmadas pelo acórdão da Relação, contanto a pena aplicada, parcelar ou conjunta, não seja superior a 8 anos de prisão.

Trata-se de jurisprudência uniforme destes Supremo Tribunal, adotada e seguida no Ac. de 19/06/2019, desta mesma secção, onde se decidiu: “As questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal”.

XXI - O acórdão da Relação de que foi interposto recurso é, pois, pelo exposto, irrecorrível, quanto às penas parcelares aplicadas, com exceção da pena pelo crime de homicídio qualificado (…)”[5].

Também assim no Ac. de 4/07/2019, onde se decidiu: “2. Para efeitos do disposto no art. 400º, nº 1, e), do CPP, a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP. 3. Irrecorribilidade que abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a tais crimes) tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, os vícios indicados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades das decisões (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspetos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova – v.g., as proibições de prova, o princípio da livre apreciação da prova e, enquanto expressão concreta do princípio da presunção de inocência, o in dubio pro reo –, à qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares 4. Conexamente, a alínea f) do n.º 1 do art. 400.º, do CPP, impossibilita o recurso de decisões da Relação que confirmem decisão condenatória da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, pelo que, em caso de “dupla conforme”, o STJ não pode conhecer de qualquer questão referente aos crimes parcelares punidos com pena de prisão inferior a 8 anos, apenas podendo conhecer do respeitante aos crimes que concretamente tenham sido punidos com pena de prisão superior a 8 anos e da matéria relativa ao concurso de crimes, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso [6]

Nestas situações, o acórdão da Relação que, apreciando as questões suscitadas nos recursos confirma a decisão da 1ª instância, garante e esgota o direito ao recurso, tanto em matéria de facto como em sede de aplicação do direito. Ainda que o recurso do acórdão confirmatório da condenação se circunscreva a questões de direito, não deve ser admitido perante o STJ, que não deve reapreciar questões que já foram duplamente apreciadas e uniformemente decididas, a não ser quando e na parte em que o duplo grau de recurso está expressamente ressalvado.

Quando seja admitido mais um grau de recurso ordinário, então a decisão recorrida é a confirmatória daquela condenação. O recorrente, dissentindo do acórdão confirmatório, não deve insistir na reiteração das questões que motivaram a impugnação da decisão da 1ª instância porque, - apreciadas e decididas no acórdão da Relação -, relativamente a elas foi, assim aí garantido o duplo grau de jurisdição, consagrado na Constituição da República e no direito convencional universal e europeu. Essas mesmas questões não podem, por isso, salvo disposição legal que expressamente as ressalve, legitimar mais um grau de recuso e, consequentemente, ser reexaminadas em mais um grau de recurso, pelo Tribunal da cúspide judiciária comum.

No caso, o recorrente limita-se a reiterar na impugnação da decisão da 1ª instância, sem argumentos distintos dos que esgrimiu no recurso perante a 2ª instância. O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, ademais do julgamento da matéria de facto, reapreciou, especificadamente, cada uma das questões apresentadas pelo recorrente na impugnação da decisão condenatória da 1ª instância. E decidiu pela improcedência de todas as pretensões recursórias, confirmando, ipsis literis, a decisão condenatória do tribunal coletivo do juízo central criminal de Guimarães.

Por isso, verifica-se dupla conformidade relativamente integral.

Pelo que, nestes segmentos do recurso, anteriormente colocados perante a Relação e por esta decididos no acórdão confirmatório recorrido, não é admissível sindicância através de recurso em segundo grau, para um triplo grau de jurisdição, isto é, perante Tribunal da cúspide judiciária comum».

Assim sendo, no caso subjudice, o acórdão do Tribunal da Relação ...., relativamente á invocada nulidade, bem como quanto à valoração da prova, matéria de facto provada, e à medida das penas parcelares, já foram analisadas pelo expressamente, pelo Tribunal da Relação, pelo que o acórdão é irrecorrível nesta parte, motivo pelo qual não pode ser admitido o recurso, nos termos dos arts. 414 º, nº 2 e 420 º, nº 1, al. b), do CPP, e terá que ser rejeitado, pois, o facto de ter sido admitido, não vincula o Tribunal Superior (art. 414 º, nº 3 do CPP).

3.1.2. Analisando a dosimetria da pena única

Pretende o recorrente que a pena única, de 11 (onze) anos de prisão aplicada ao recorrente pelo tribunal “a quo”, deve ser substituída coincidente com o mínimo legal, e suspensa na sua execução.


Vejamos:

O arguido AA foi condenado em 1ª Instância pela prática, em coautoria com o arguido DD, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 395/18.........., na pena de 4 (quatro) anos de prisão – dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a) e e) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 1065/18........, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão – dentro da moldura pena de 2 a oito anos de prisão;

- pela prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pela alínea e) do n.º 1 e 3 do art.º 256 do Código Penal, no caso 1065/18........, na pena de 1 (um) ano de prisão – dentro da moldura de seis meses a cinco anos de prisão ou multa de 60 a 600 dias;

- pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência à alínea a) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 571/18........., na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão – dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- pela prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pela alínea e) do n.º 1 e 3 do art.º 256 do Código Penal, no caso 571/18...., na pena de 1 (um) ano de prisão – dentro da moldura de seis meses a cinco anos de prisão ou multa de 60 a 600 dias;

- pela prática, em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 466/18....., na pena de 2 (dois)anos e 6 (seis) meses de prisão – dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- pela prática, em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 275/18.........., na pena de 4 (quatro) anos de prisão - dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- pela prática, em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência às alíneas a), e) e g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 699/18.1GCFAR, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão - dentro da moldura de 2 a oito anos de prisão;

- pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 203 do Código Penal, por referência à alínea a) do n.º 1 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 1041/18....., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão – dentro da moldura de um mês a cinco anos de prisão ou multa até 600 dias;

- pela prática, em coautoria com os arguidos DD e EE, de um crime de roubo agravado, previsto e punível pela alínea b) do n.º 2 e 1 do art.º 210 do Código Penal, por referência à alínea g) do n.º 2 do art.º 204 do mesmo diploma legal, no caso 258/18…, na pena de 4 (quatro) anos de prisão – dentro da moldura de 3 a 15 anos de prisão;

- pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 2 do art.º 40 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 1 (um) mês de prisão – dentro da moldura de um mês a 1 ano de prisão ou 10 a 120 dias de multa;

- E, em cúmulo jurídico das penas concretamente aplicadas, nos termos do artigo 77 do Código Penal, na pena única de 11 (onze) anos de prisão – dentro da moldura de 4 anos a 27 anos e um mês de prisão.

O que foi confirmado pelo Tribunal da Relação ....., por acórdão de 6 de outubro de 2020.

Consagra o art. 77º, do Código Penal:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis».

O art. 78º, do Código Penal, sob a epígrafe “Conhecimento Superveniente do Concurso” determina que:

«1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

(…)


A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). Sendo as penas aplicadas umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação deste critério (artigo 77.º, n.º 3).

Penas de diferente natureza, para efeitos deste preceito, são somente as penas principais, de prisão e de multa, pelo que se à condenação anterior corresponder uma pena de substituição, a pena única conjunta há-de formar-se a partir da pena de prisão substituída.

Conforme refere o Prof Figueiredo Dias, [7] «Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art. 72º, nº 1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena do concurso, serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art. 78º, 1- 2ª parte]. (…)

Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

No mesmo sentido o AC do STJ de 27JAN16 [8] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:

«Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais.

Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânico e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável».

Acrescentando que «Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico. (…)

Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida. (…)

Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. Este critério está diretamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir fatores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.

Igualmente importante é consideração da existência de uma manifesta e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes evidenciada pelo próprio passado criminal.

Um dos critérios fundamentais na procura do sentido de culpa em sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. (sublinhado nosso)

Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a atividade criminosa expresso pelo número de infrações; pela sua perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela atividade.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.

Recorrendo á prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto de atos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos. (sublinhado nosso).

Serão esses fatores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação sendo então sim o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena».

No mesmo sentido o AC do STJ de 12FEV14 [9] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:

«O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adotando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspetiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.

Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstrato, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspetiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela atividade».

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. n.º 3177/07

Como supra se referiu. o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04».

Ou seja, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e segs.


O Tribunal da Relação ......... fundamentou da seguinte forma a pena conjunta a aplicar ao arguido:

«Também a pena única - que o tribunal fixou em onze anos de prisão, dentro da moldura de 4 anos a 27 anos e um mês de prisão – se mostra criteriosamente ponderada, considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, como se impõe no art.º 77 n.º 1 do CP.

De facto, e repetindo o que supra se deixou dito, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, “fazendo-se especialmente sentir neste tipos de crimes geradores de grande e forte sentimento de insegurança na população, sendo o furto e o roubo delitos altamente reprováveis na comunidade e elevado o grau de alarme social que a prática deste tipo de atuações criminosas vem causando, com repercussões altamente negativas também em sede de prevenção geral, justificando resposta punitiva firme e impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas”, como se escreveu na decisão recorrida;

Por outro lado, as exigências de prevenção especial, “no sentido da prevenção da reincidência”, são particularmente relevantes, tendo em conta a falta de interiorização da gravidade dos seus comportamentos e de sentido crítico em relação aos mesmos, por outro lado, relevam o período temporal em que os crimes foram cometidos – cerca de quatro meses – o que permite concluir, até, e também, pela quantidade de crimes cometidos e circunstâncias em que foram levados a cabo, que não se trata de uma mera situação de pluriocasionalidade, mas antes de condutas queridas e algumas delas previamente planeadas ao pormenor, com antecedência, e praticadas em conjunto com outros arguidos, reveladoras de uma personalidade permeável às adversidades, insensível aos valores tutelados pelo direito e ao dano causado à sociedade com as suas condutas, sendo que os objetos que vieram a ser recuperados o foram por intervenção das autoridades.

A pena única aplicada, nestas circunstâncias, e ponderando, por um lado, o conjunto dos factos ilícitos levados a cabo e período durante o qual foram praticados, por outro, a personalidade do agente – que, tal como acima se anotou, para além de fazer da prática do crime um modo de vida, revela uma manifesta insensibilidade aos valores tutelados pelo direito e ausência de atitude crítica perante os ilícitos que cometeu – mostra-se perfeitamente ajustada para fazer faze às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir».


O bem jurídico protegido relativamente aos crimes de falsificação de documento é a segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento, quanto aos crimes de furto é o património, quanto ao crime de roubo a par de bens jurídicos patrimoniais, protege-se a liberdade individual e a integridade física, a lesão destes é a preponderante, e quanto ao crime de consumo de tráfico de estupefacientes é a saúde pública.

As finalidades da aplicação de penas e medidas de segurança, visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nºs 1 e 2, do C.P), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal).

E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.

A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.

Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias[10], a propósito do critério da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais».

E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre mestre, «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...).

A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena».

As exigências de prevenção especial, em todo o contexto dos autos, assumem uma intensidade muito elevada.

Do exposto resulta que, na avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, não se trata de um caso isolado na vida do arguido, ao invés denota uma personalidade com tendência para a prática de crimes, designadamente crimes da natureza pelos quais foi condenado nos presentes autos, sendo avesso ao cumprimento de deveres, não interiorizando o desvalor das suas condutas.

As necessidades de prevenção geral que os crimes suscitam revelam-se igualmente elevadas, na medida em que tais condutas são geradoras de sentimentos de insegurança dos cidadãos, e degradação da sociedade, pondo em crise segurança a fé pública e a credibilidade do tráfico jurídico probatório dos documentos, e consequentemente contribui para o aumento da criminalidade e da insegurança dos cidadãos.

Na determinação da medida da pena o modelo mais equilibrado é aquele que comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente[11].

A moldura penal abstrata da pena conjunta situa-se entre um mínimo de 4 anos [correspondente à pena concreta mais elevada] e máximo de 27 anos e reduzida a 25 anos de prisão, atento o disposto no art. 77º, nº 2, do CP [correspondente à soma das penas parcelares], aplicável ao caso concreto, deve definir-se um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente.

O espaço contido entre esse mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e esse máximo consentido pela culpa, configurará o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração do agente.

Ponderando todas as circunstâncias acima referidas, a preponderância das circunstâncias agravantes sobre as atenuantes, atendendo às exigências de prevenção geral e especial que assumem especial relevo, de harmonia com os critérios de proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, entendemos que partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre 4 e 25 anos de prisão, atendendo ao critério e princípios supra enunciados, designadamente a consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, procedendo ao cúmulo jurídico, das penas parcelares nos termos do art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada, a pena única de 11 (onze) anos de prisão em que o arguido AA foi condenado.

Neste sentido improcede na totalidade o recurso.


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4. DECISÃO.

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Rejeitar o recurso nos termos dos arts. 414 º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), do CPP, relativamente às nulidades, valoração da prova, impugnação da matéria de facto, e penas parcelares.

b) Negar provimento ao recurso do arguido AA, quanto ao mais.

Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 6 (seis) UC’s.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 28 de abril de 2021


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves

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[1] Processo redistribuído à ora relatora em 23ABR.
[2] Disponível in www.dgsi.pt.
[3] Proc. 115/17.6JDLSB.L1.S1-www.dgsi.pt.
[4] Proc. 9/12.1SOLSB.S2, in www.dgsi.pt
[5] Proc.  881/16.6JAPRT-A.P1.S1, in www.dgsi.pt
[6] Proc. 461/17.9GABRR.L1.S1, in www.dgsi.pt
[7] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Ed. 199, páginas 290 a 291.
[8] Relator Santos Cabral, Proc. 178/12.0PAPBL.S2, disponível in dgsi.pt [9] Relator Pires da Graça, Proc. 1335/12.5JAPRT.S1, disponível in dgsi.pt
[10] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244
[11]Figueiredo Dias, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3º, Abril/Dezembro, pág. 186.