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PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
Sumário
- Decorrendo a audiência de julgamento na ausência do arguido, este deve ser notificado da sentença condenatória, não se iniciando o prazo para a interposição do recurso pelo mesmo antes dessa notificação. - Tratando-se dum acto que directamente o afecta, se imponha a sua formal notificação do Acórdão condenatório (art 113°,10, "in fine", CPP), não se bastando o legislador com a (também obrigatória) comunicação ou conhecimento ao seu advogado, introduzindo, até, a tal respeito, reforçada regra de contagem do prazo recursório, ancorada no último conhecimento daqueles destinatários legais. - As razões determinantes da exigência legal de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor radicam na necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar ao segundo todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se recorre ou não e os termos em que impugna. - Tendo por referência o princípio do direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, inclusive a leitura, que decorra sem a presença do arguido, só deverá começar a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade. - No presente caso, não se mostrando em curso o prazo para interposição do recurso, por o arguido não estar notificado do acórdão condenatório (o qual só deverá começar a correr com a notificação ao próprio), mostra-se extemporâneo requerer a prorrogação do prazo de apresentação do mesmo, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida, que deverá ser mantida.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
1. No âmbito do processo comum nº 69/08.0TELSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Central Criminal de Almada - Juiz 2, o arguido TS, inconformado com o despacho de indeferimento que considerou extemporânea a prorrogação de prazo requerida para apresentação do recurso do acordão proferido, veio interpor recurso desse despacho, pretendendo que o mesmo seja revogado viabilizando o imediato direito ao recurso.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
§ 1. — O presente recurso tem por objecto o despacho, aliás douto, proferido pela Meritíssima Senhora Juíz de Primeira Instância, que indeferiu e bem, no nosso modesto entendimento, o requerimento que lhe antecede, em que o arguido pede prazo para a interposição do recurso da decisão proferida nos autos.
Sem embargo,
§ 2. — Saberão V.as Exc.a ter este processo o seu início no pretérito ano de 2008, tendo o arguido TS prestado Termo de Identidade e Residência (TIR) em 3 de Dezembro desse mesmo ano.
Ora,
§ 3 — Passado uma imensidão de tempo, sem que no entretanto ao arguido fossem chegadas novas do seu processo, terá-se-á aquele do mesmo desligado, qual o seu mandatário, não fora quanto a este último, a notificação da Acusação ocorrida em 23 de Novembro de 2017, isto quase nove anos depois do arguido saber que sobre ele incidia um inquérito criminal....
Nesta circunstância,
§ 4 — Depois de muito indagar do paradeiro do seu Constituinte a fim de se inteirar das suas condições e da forma como aquele iria enfrentar o processo, nada se conseguiu saber do paradeiro do arguido TS,
Contudo,
§ 5 — Por dever de patrocínio, sempre seguiu este advogado com todos os ulteriores termos do processo, dando continuidade àquela defesa, como aliás se constata.
Foi pois por tal que,
§6 - De modo a demonstrar ao tribunal que o TS de Sousa não tinha consciência de que estava a ser julgado, tampouco de que havia sido acusado e pronunciado e que desde havia muito não morava na morada prestada no TIR, que deu entrada em tribunal do requerimento cujo teor consta da certidão requerida e agora junta ao presente aresto e dada aqui por integralmente reproduzida.
Assim é que,
§7 — Não obstante o reconhecimento quanto à extemporaneidade da requerida prerrogação de prazo para interposição do recurso que, ad cautelam et propter officium, tinha o advogado signatário de arriscar o requerido, sob pena de por um qualquer motivo, ainda que jurídicamente relevante, viesse a posteriori pôr em causa o direito do arguido ao recurso pela preclusão do direito a fazê-lo, ademais não saber aquele que fora condenado.
Aqui chegados et a fortiori ratione,
§8 — Vem o arguido TS trazer à apreciação deste Venerando Tribunal, o despacho recorrido sujeitando-o a uma de duas razões, a saber: ou a sua revogação, viabilizando o imediato direito ao recurso, não obstante a ausência do arguido em todas as fases do julgamento que o condenou ou, em caso de improcedência, conseguir a dupla conforme, desta feita com a certeza que daí decorre.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência revogar o despacho ora recorrido.
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Após o Ministério Público respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª
Vem o "recorrente", ainda não notificado, quer do Acórdão condenatório, quer do despacho recorrido, subsequente, que protelou (não indeferiu, notar-se-à) a eventual (provável, diremos) concessão de prazo alargado para apresentar Recurso (art 107°,6, CPP), impugnar a decisão judicial de relegar para momento oportuno (posterior à notificação da Deliberação final) essa ponderação (prorrogação de prazo).
2ª
Sendo precário e processualmente volátil o conteúdo do despacho recorrido, mal se antevê onde residirá o "interesse em agir", inerente ao direito ou à susceptibilidade de Recurso (art 401°,2, CPP).
3ª
É um facto que o arguido não teve formal conhecimento do Acórdão, cuja entrada na sua esfera pessoal é absolutamente vinculativa (art 113°,10, "in fine"), independentemente do seu Ilustre Mandatário se mostrar notificado (também obrigatoriamente), só se iniciando a contagem do prazo recursório (arts 411°,1, /107°,6, CPP) com a concretização da última comunicação.
4ª
Apesar de regular e pessoalmente notificado (nos termos conciliados do art 196°,3, b), c) d) e e), CPP), veio o arguido, "recorrente", a ser julgado na sua ausência, sendo imperativa a comunicação da Deliberação, momento a partir do qual se iniciará a contagem do prazo para Recurso (art 333°,5, mormente 2° período, CPP).
5ª
Inexiste qualquer possibilidade de formação de julgado do Acórdão, sem aquela transmissão documentada do teor da Deliberação condenatória, o mesmo é dizer nunca poderá advir, nesse pressuposto, para o "recorrente" qualquer desvantagem ou prejuízo processual, não se percebendo que efeito jurídico desfavorável visa obstar, com a impugnação, que não possa e deva ser tutelado em tempo oportuno (após a notificação do Acórdão), razão pela qual não vislumbramos "interesse em agir", dada a ausência de inevitabilidade, necessidade e indispensabilidade de imediato Recurso- art 410°,2, CPP.
6ª
Assim, pese a formal legitimidade (art 401°, 1 b), CPP), e até concordando expressamente com a decisão recorrida, di-lo na peça apresentada, agora em avaliação, quanto muito divergindo dos fundamentos do despacho, que não do seu resultado (indeferimento), carece de demonstração a imperatividade de salvaguarda de qualquer interesse processual que, doutro modo, pudesse ver-se definitivamente postergado, emergindo, outrossim, a justeza do decidido (Acs. STJ, 8.10.08, e RG, 8.05.17), por cuja manutenção se pugna.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta proferiu douto parecer no qual, subscrevendo os fundamentos da motivação do MºPº, pugna pela manutenção do despacho recorrido e pela improcedência do recurso interposto.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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2. De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, o objecto do recurso reporta-se à questão de saber se o mandatário do arguido, julgado na sua ausência, mas regularmente notificado, pode "antecipar" o exercício do direito ao Recurso relativamente à notificação do Acórdão ao seu constituinte, em cuja esfera pessoal não entrou o conhecimento daquela Deliberação final condenatória.
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3. Compulsados os autos, verifica-se que a audiência de julgamento decorreu na ausência do arguido TS, nos termos do art. 333°, n° 2 do C.P.P., e o mesmo ainda não se mostra pessoalmente notificado do acórdão exarado nos autos.
O arguido TS, prestou TIR, ficando, desde então, ciente do estatuto processual decorrente, destacando-se o dever de informar eventual mudança do domicílio ou morada indicados naquele documento, sem o que se consideraria regular e pessoalmente notificado naquele lugar inicialmente consignado, único relevante para os legais efeitos, obrigações que se manterão, inclusivamente, até ao momento extintivo da pena- cfr arts 196°,3, b), c), d) e e), CPP.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 9 e 333.º, n.º 5, do CPP, nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3 do último dos normativos referidos, decorrendo a audiência de julgamento na ausência do arguido, este deve ser notificado da sentença condenatória, não se iniciando o prazo para a interposição do recurso pelo mesmo antes dessa notificação.
Seguindo de muito perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-02-2012, no âmbito do processo n.º 161/03.7GAMIR.C2 (publicada em www.dgsi.pt.), afigura-se incontroverso que a notificação da sentença ao arguido, nos específicos casos previstos no n.º 5 do artigo 333.º, deve assumir natureza pessoal – cfr. Acs. do TC n.ºs 312/05 e 422/05, in www.tribunalconstitucional.pt, da Relação do Porto de 21-02-2007 (proc. n.º 0646069), da Relação de Coimbra de 26-09-2007 (proc. n.º 255/01-1PBTMR-A.C1) e da Relação de Guimarães de 10-03-2003, os dois últimos publicados no sítio www.dgsi.pt.
Daí que, tratando-se dum acto que directamente o afecta, se imponha a sua formal notificação do Acórdão condenatório (art 113°,10, "in fine", CPP), não se bastando o legislador com a (também obrigatória) comunicação ou conhecimento ao seu advogado, introduzindo, até, a tal respeito, reforçada regra de contagem do prazo recursório, ancorada no último conhecimento daqueles destinatários legais.
É esse o entendimento corrente jurisprudencial (Acs. STJ, 18.12.08, RC, 8.02.12, RL, 17.01.18 e RE, 8.01.08), que não admite a formação de julgado sem a transmissão formal e pessoal da Deliberação ao principal visado (arguido), ou seja, ainda que ao advogado haja sido dado tal conhecimento, devidamente documentado nos autos.
O que se pode questionar é se, na eventualidade de o mandatário/defensor interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente na audiência de discussão e julgamento, antes deste da mesma ter sido notificado, deve o recurso ser objecto de admissão e, nesse caso, de conhecimento pelo tribunal superior.
Diversamente da posição assumida, em sentido positivo, por Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 821), entendemos que não.
Efectivamente, as razões determinantes da exigência legal de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor radicam na necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar ao segundo todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se recorre ou não e os termos em que impugna.
Além disso, no campo das hipóteses, uma vez notificado da sentença, pode o arguido cortar a ligação antes estabelecida, por via do mandato conferido ou da nomeação oficiosa, com o mandatário já constituído ou com o defensor que lhe fora nomeado, conferindo a sua defesa, alargada à interposição de recurso, a diversa individualidade.
Assim, tendo por referência o princípio do direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, inclusive a leitura, que decorra sem a presença do arguido, só deverá começar a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade.
O mesmo entendimento foi assumido no Ac. da Relação do Porto n.º 1349/06.4TBLSB, onde ficou referido: «… No caso de julgamento na ausência do arguido … (artigo 333.º, do CPP), o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao arguido. Este prazo é peremptório …, estabelece o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem) …; é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido …» e Ac. da R. de Coimbra de 10.05.2017, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário é possível ler-se o seguinte: “ O recurso da sentença condenatória, interposto pelo arguido, por intermédio do seu ilustre mandatário, é intempestivo, uma vez que, tendo a recorrente sido julgada na sua ausência, ainda dela não foi pessoalmente notificada, pelo que se verifica, in casu, uma circunstância que obsta ao seu conhecimento “.
Em síntese conclusiva, é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido.
No presente caso, não se mostrando em curso o prazo para interposição do recurso, por o arguido não estar notificado do acórdão condenatório (o qual só deverá começar a correr com a notificação ao próprio), mostra-se extemporâneo requerer a prorrogação do prazo de apresentação do mesmo, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida, que deverá ser mantida.
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4. Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes que compõem a Secção Criminal (5ª) deste Tribunal, em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 [duas] UCs.
Lisboa, 18 de Maio de 2021
Cid Geraldo
Ana Sebastião