1- Podendo ser considerados organismos de utilidade pública as pessoas coletivas de direito privado que são objeto de uma declaração de utilidade pública, tal não basta para que possa ser atribuída a classificação funcionário, para efeitos da lei penal, nos termos previstos na al. d), do n.º 1 do artigo 386º do Código Penal, ao agente que aí exerça funções, sendo, ainda, necessário que o agente desempenhe uma atividade de utilidade pública, complementar das desenvolvidas pelas entidades públicas, em determinadas áreas, atividade essa que envolve o uso de fundos públicos.
2 - A dimensão material da actividade desenvolvida é que será decisiva para a qualificação do agente como funcionário.
3 - A conduta típica que integra o crime de peculato consiste na apropriação ilegítima, em proveito próprio ou de terceiro, de dinheiro ou coisa móvel alheia que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou a que o funcionário aceda, em razão das suas funções. O conceito de posse deve aqui ser entendido em sentido lato, englobando quer a detenção material, quer a disponibilidade jurídica do bem, ou seja, as situações em que a detenção material pertence a outrem mas o agente pode dispor do bem ou conseguir a sua detenção material mediante um ato para o qual tem competência em razão das suas funções (v.g. através de ordens, requisições ou mandados).
É, pois, necessário que o dinheiro ou a coisa móvel esteja acessível ao agente (funcionário) e que tal suceda em razão das funções que exerce, de tal modo que “terá sempre de se afirmar uma relação causal entre a posse (que facilita a apropriação) e a função” exercida ou desempenhada pelo agente.
A acessibilidade ao bem deve, assim, derivar das funções do agente, pelo que se impõe que exista uma efetiva detenção material ou disponibilidade jurídica do objeto, não bastando a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação.
4 - O crime de infidelidade pressupõe a inexistência de apropriação, pelo que, quando resulte demonstrada a apropriação ou a intenção de apropriação (animus apropriandi), por parte do agente (a que foi confiado o encargo – poder/dever – de zelar pelos interesses patrimoniais alheios), é de afastar o crime de infidelidade.
4. Do ponto de vista subjectivo, estamos em presença de crime essencialmente doloso, pelo que, de acordo com a conceitualização da doutrina hoje dominante, se exige que o agente tenha conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objectivo de ilícito.
De um lado, impõe-se que, ao actuar, o agente conheça tudo o que é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito, de outro, exige a verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização, que se pode manifestar com maior ou menor grau de intensidade, de acordo com o disposto no artigo 14.º do Código Penal (a este propósito, vide Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2004, pág. 328 e sãs).
Do que ficou dito resulta que a afirmação do dolo do tipo exige, antes de tudo, a apreensão do sentido ou significado, no essencial e segundo o nível próprio das representações do agente, da totalidade dos elementos constitutivos do respectivo tipo de ilícito objectivo, da factualidade típica.
No caso dos autos, resultou provado que o arguido, aproveitando-se dessa relação de fidelidade, a determinada altura, com o desconhecimento dos demais administradores e associados, passou a agir como se o dinheiro em causa fosse seu, destinando-o a seu favor e de terceiros, bem sabendo que para tal não estava autorizado, prejudicando os desígnios/interesses da (...) e dos associados. Tanto assim é que o arguido nunca deu a conhecer aos demais administradores a forma como estaria a “gerir” o dinheiro da (...), ciente que caso o fizesse estes nunca o iriam aprovar. De facto, não é pelo facto de os demais administradores não o questionarem como estavam a ser processados os investimentos - tal como declarou com vista a justificar o desconhecimento dos administradores-, que lhe retira a obrigação de lhes dar a conhecer, bem como aos associados, a forma como procedia, inclusive para sua salvaguardar. Não o fez, porque sabia, que para tal não estava legitimado. E a circunstância de o arguido nunca ter diligenciado pela regularização das assinaturas da ficha no (…), fazendo que da mesma passasse a constar a assinatura da nova Presidente do Município, tal como deveria ter feito de imediato, assenta precisamente no facto de saber que, ao movimentar aquelas quantias monetárias, da forma arbitrária como fazia, estava a proceder de forma errada, e que aquela nunca iria anuir a tais alegados “investimentos”; bem como a forma como determinou que o contabilista certificado que apresentasse as contas finais anuais, através da realização da tal operação de “charme”, evidencia a sua preocupação em ocultar os prejuízos que estava a causar à (...) e aos seus associados, consciente que estava da ilicitude da sua conduta.
Assim, resultou provado que o arguido agiu com a vontade determinada de fazer suas as aludidas quantias monetárias, sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo da (...), agindo sempre conscientemente e com perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida por lei, pelo que se mostra preenchido o elemento subjectivo, nas suas vertentes cognitiva e volitiva.
Nesta conformidade, no caso dos autos é ostensivo que a arguido actuou com dolo directo, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal.
5. Nos termos do artigo 26.º do código Penal, “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Atenta a factualidade provada, afigura-se que a responsabilidade do arguido pela prática do crime de peculato lhe deve ser imputada a título de autoria material.
6. Refira-se ainda que nenhum dos factos provados tem a virtualidade de integrar qualquer causa de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa do arguido, sem prejuízo de serem considerados no momento da determinação concreta da medida da pena a aplicar ao mesmo, pelo que deve ser condenado pela prática do crime de peculato pelo qual vem acusado.
2.º DETERMINAÇÃO DA ESPÉCIE E MEDIDA DA PENA
1. O Código Penal traça um sistema punitivo que parte do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
Efectivamente, o artigo 40.º do Código Penal elege como fins das penas e das medidas de segurança a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente infractor na sociedade. Em articulação com este preceito, o n.º 1 do artigo 71.º do diploma legal citado, estabelece que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
No processo de escolha da medida da reacção criminal a culpa assume, assim, a dignidade de pressuposto incontornável de toda e qualquer punição.
Como considera Figueiredo Dias, in Das Consequências Jurídicas do Crime), a culpa e a prevenção constituem os dois vectores fundamentais em que assenta a operação de determinação da medida da pena. “Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena.
Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela imanente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.”
No caso vertente, temos que o crime peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 (um) até 8 (oito) anos.
Foi o legislador que, atendendo aos ponderosos interesses em causa, afastou a regra da preferência pela pena não detentiva, impondo a pena de prisão como única aplicável.
Resta, por conseguinte, determinar o respectivo quantum.
2. Para a determinação da medida concreta da pena, importa ponderar todas as circunstâncias que, não integrando o tipo legal de crime em análise, se revelem susceptíveis de evidenciar as exigências concretas da culpa e da prevenção, em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, tendo presente a sua natureza ambivalente, bem como a necessidade de ponderação global e valoração concreta de todas as circunstâncias apuradas.
A culpa do agente, por consubstanciar um juízo de valor, é insusceptível de medição exacta, pelo que, se confere ao julgador alguma flexibilidade na sua apreciação – que Anabela Miranda Rodrigues sublinha não ser ilimitada, mas consubstanciar discricionariedade juridicamente vinculada, sindicável por via de recurso – e que, não obstante, deverá ser integrada pela consideração das exigências de prevenção de futuros crimes (cfr. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, Abril -Junho de 2002, pág. 147/182).
O quantum de culpa constituirá sempre o limite máximo da pena a aplicar, em nome do princípio da culpa em sentido unilateral, segundo o qual, apesar de poder haver culpa sem pena, a pena dependerá sempre da existência de culpa, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal.
Neste contexto, a prevenção geral determinará o mínimo abaixo do qual a intervenção punitiva do Estado seria de todo ineficaz para restabelecer a confiança comunitária na norma e ao mesmo tempo o máximo, que será o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias; a culpa funcionará sempre como limite máximo inultrapassável da pena, ainda que abaixo do óptimo encontrado quando operando com critérios de prevenção geral; por último, dentro da moldura assim encontrada, funcionará a prevenção especial positiva que determinará o quantum necessário para permitir ao arguido a sua ressocialização.
No caso sub judice, o Tribunal ponderou o elevado grau de ilicitude dos factos, bem como a intensidade do dolo com que o arguido agiu. Também foram ponderadas as qualidades da sua personalidade manifestadas nos factos, revelando relevante desconformação com o direito - atenta a gravidade do ilícito em presença e o contexto de uma relação de confiança em que o mesmo foi praticado – e as relevantes consequências da conduta ilícita, atento o valor muito elevado prejuízo patrimonial determinado pelo mesmo.
No que concerne às necessidades de prevenção geral, diremos que as mesmas são se fixam num grau muito alto, merecendo, no caso em apreço, um especial cuidado, não só porque têm frequentemente sido levadas a cabo na nossa sociedade, como também pelo modo próprio e motivos subjacentes, sendo necessário repor a confiança nas normas jurídicas violadas de tal forma que se evitem situações de insegurança.
Acresce que o arguido demonstrara uma manifesta falta de respeito pelo interesse público e pelo património alheio e incapacidade para assimilar o desvalor jurídico das suas condutas, bem como revela individualismo e incapacidade para assimilar a sua responsabilidade ética perante os seus pares no meio social envolvente.
A favor do arguido milita a ausência de antecedentes criminais pela prática de crime de idêntica natureza e a sua inserção social, ainda que esta dependa essencialmente do apoio de terceiros uma vez que o arguido já manifestou não pretender reorganizar a sua vida e exercer actividade remunerada uma vez que nesse caso os seus credores iriam apropriar-se dos seus rendimentos.
Por último, e no que diz respeito à prevenção especial, teremos que atender ao modo como o crime foi cometido, à intensidade do dolo que presidiu às suas resoluções e à existência de antecedentes criminais pela prática de crime de falsificação de documento.
Entende-se, assim, que é simultaneamente adequado às exigências de prevenção geral e especial e respeitador do limite imposto pela culpa a aplicação ao arguido de uma pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
3. Nos termos do artigo 50.º do Código Penal estatui que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Nesta sede não estão em causa considerações sobre a culpa, mas exigências de prevenção, importando de determinar se existe a possibilidade fundada de que a socialização pode ser alcançada em liberdade.
Deste modo, sempre que o julgador formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial, acerca da possibilidade de ressocialização, deverá deixar de decretar a execução da pena de prisão (neste sentido, vide Acórdão da Relação de Évora de 4 de Janeiro de 2000, in BMJ, Nº 493, pág. 432).
No plano da prevenção especial mostra-se necessária uma resposta punitiva que promova uma eficaz recuperação do agente, prevenindo a prática de comportamentos da mesma natureza, fazendo-lhe sentir a antijuridicidade e gravidade da sua conduta. Por isso, a opção deve partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a autoprevenção do cometimento de novos crimes, devendo a suspensão ser decretada sempre que se configure esse juízo favorável.
Ora, no caso em apreço, desde logo, mão se encontra preenchido o pressuposto formal, consistente na não aplicação ao arguido de uma pena de prisão superior a cinco anos.
No que respeita ao pressuposto material, reconduzível a um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do delinquente, cumpre salientar que a gravidade dos factos ilícitos praticados pelo arguido, configurativos do crime de peculato, decorre, não só do montante da quantia objecto de apropriação indevida por parte do arguido [no caso, efectivamente, de valor avultado: quase de um milhão de euros], mas também do dano que com a sua conduta delituosa o arguido provoca na imagem do serviço público que, por suposto, devia servir com honestidade e por forma a prestigiá-lo.
Admitindo, pois, a projecção destes dois factores na determinação judicial da sanção, considera-se que a suspensão da execução da pena de prisão nunca se mostraria adequada a satisfazer a protecção dos bens jurídicos violados e a propiciar a reintegração do agente na sociedade.
Na verdade, o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição impõe-se como consequência necessária das exigências de prevenção geral e especial, já expostas: designadamente, das impressivas avultadas consequências da prática do crime, da sua postura refractária perante o presente crime e das exigências de prevenção geral nos crimes de peculato são muito elevadas, desde logo pela razoável frequência com são praticados em todo o País e porque este é o tipo de crime que causam forte alarme e “sentimentos de insegurança” na comunidade.
O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido, numa situação como esta, em que o arguido manifesta total sentimento de impunidade e de obstaculizar a toda e qualquer reparação da lesada, ficaria afetado pela substituição, da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão, mesmo que sujeita a condições.
Em suma, não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ainda que a pena não ultrapassasse o limite legal de 5 (cinco) anos nunca poderia ser decretada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.
Quanto a um eventual arrependimento, entendendo-se ele como “um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente, no sentido de que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir” – cfr. neste sentido Ac. do STJ de 21 de Junho de 2007, Proc. nº 07P2042, disponível em www.dgsi.pt –, a factualidade provada tal não revela, sendo que, in casum, o arguido nem sequer o verbalizou em audiência, apesar da evidência das provas que concorriam contra si, mas, pelo contrário, assumiu uma postura de omissão de interiorização do desvalor da sua conduta e de determinação em nada fazer no sentido de minimizar os gravosos danos emergentes da conduta ou reparar, nem que fosse parcialmente, a lesada.
As exigências de prevenção geral são, então, muito intensas, dada a elevada censura social, mesmo forte indignação, que este tipo de crime provoca, conquanto constitui uma afronta aos alicerces do Estado de Direito democrático e de menosprezo do bem público, bem como o descrédito junto da comunidade.
As exigências de prevenção especial assumem também forte intensidade, ponderando a sua postura não completamente crítica perante o crime, circunstância reveladora de uma personalidade com necessidade de socialização e de consciencialização da imposição da adopção de comportamento em conformidade com o Direito.
Pelo exposto, efectuado juízo de ponderação sobre a sua culpa e considerando as exigências de prevenção, a natureza do crime, as suas consequências e a personalidade do arguido e a repercussão social que tem este tipo de crimes no meio em que se insere, impõe-se o cumprimento de pena privativa da liberdade.
Destarte, deve inexoravelmente o arguido cumprir pena de prisão efectiva.
4. Nos termos do artigo 66.º, n.º 1 do Código Penal, na redacção actual, que vem já da alteração introduzida nesta matéria pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, «o titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto: a) For praticado com flagrante e grave abuso das funções ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes; b)Revelar indignidade no exercício do cargo; ou c) Implicar a perda de confiança necessária ao exercício da função.»
São, portanto, dois os pressupostos exigidos, um de natureza formal e outro, de natureza material. O primeiro diz respeito à condenação numa determinada pena: 3 (três) anos de prisão; o segundo relaciona-se com a conexão do crime praticado com as funções exercidas, ou por o crime ter sido cometido com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes (alínea a), ou por o crime praticado, apesar de cometido fora da função, revelar indignidade no exercício do cargo, ou implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função (alíneas b) e c).
Como anota Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, pág. 168, o que faz desencadear a pena acessória é a violação grave de deveres relativos à função exercida pelo agente ou a consequência que a prática do crime acarreta do ponto de vista funcional, pela indignidade manifestada na prática do crime ou pela perda de confiança necessária ao exercício da função que dele deriva. Analisando-se no reflexo produzido na função, o aludido pressuposto acresce à prática do crime propriamente dito, sendo aquele o determinante autónomo da aplicação da pena acessória, que assim se distingue da sanção correspondente ao crime – sanção principal, embora pressupondo-a.
A reforma penal de 1995 trouxe uma inovação importante, para além de outras, nesta matéria: a introdução de um mínimo e um máximo – limites dentro dos quais deve ser doseada a pena acessória, conferindo, assim, a esta uma mais vincada natureza de pena (e não já de medida de segurança), pena essa a ser doseada de acordo com critérios ligados ao facto praticado e à culpa do agente. Uma tal reforma não é alheia às críticas tecidas ao regime anterior por Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 178 e ss.
Ora, quanto ao pressuposto formal, não há dúvida de que o arguido foi condenado na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Deste modo, está preenchido aquele pressuposto formal.
Resta aquilatar o pressuposto material.
Ora, atendendo à factualidade dada por assente, não pode deixar de se reconhecer que o arguido pôs seriamente em causa os pilares éticos, deontológicos e jurídicos em que assenta o exercício da função.
Do que se trata é de fazer reflectir na pena a fixar que quem desempenha cargos de interesse público relevante, como era o caso do arguido, deve, mais do que qualquer outra pessoa, abster-se da prática de actos que possam pôr em causa, como puseram, o bom nome da instituição onde se inserem.
Na verdade, a actuação geral do arguido afectou de forma grave aqueles fundamentos em que assenta o exercício da função que desempenhava, sendo o mais alto representante de uma instituição que tem como objectivo a conservação e tratamento do domínio público hídrico.
A actuação do arguido, reiterada, persistente, em crimes tão grave não deixa de ter pronunciado reflexo em tais funções, implicando a perda da confiança necessária ao seu exercício.
Ora, a actuação do arguido, revelada em todas estas situações, é particularmente lesiva dos deveres inerentes ao cargo, sendo adequada a produzir a tal perda de confiança no exercício da função, para além de revelar indignidade, sendo que, como referem Simas Santos e Leal Henriques no seu Código Penal Anotado, Editora Rei dos Livros, em anotação ao artigo 66.º «é indigno tudo o que for desprezível, indecoroso, impróprio, inadequado ao prestígio e elevação que o exercício do cargo exige dos seus servidores.»
Por todo o exposto, o arguido não pode deixar de ser punido com a pena acessória de proibição de exercício das funções que desempenhava (e não de qualquer cargo público). É que «a proibição do exercício de função pública não impossibilita o titular, funcionário ou agente de ser nomeado para cargo ou para função que possam ser exercidos sem as condições de dignidade e confiança que o cargo ou a função de cujo exercício foi proibido exigem» (cfr. artigo 68.º, n.º 2 do Código Penal).
Considerando a gravidade da actuação do arguido do ponto de vista do prejuízo acarretado para a função e o seu reflexo na confiança que deve merecer aos cidadãos, e ainda a culpa do mesmo arguido na violação dos deveres impostos pelo exercício do cargo, sendo o Presidente do Conselho de Administração e servindo numa instituição de relevante interesse público, acha-se adequado puni-lo com a pena acessória de proibição de exercício daquela função por um período de 3 (três) anos e 8 (oito) meses.
5. Considerando a situação económica do arguido e a tramitação processual destes, mostra-se adequado fixar a taxa de justiça, a cargo de cada, em 5 UC, nos termos dos artigos 513.º e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
DA PERDA DE PRODUTOS E VANTAGENS
6. Em sede de despacho de acusação, o Ministério Público, dando por reproduzidos os factos e elementos probatórios daquele despacho, promove igualmente que o valor de €960.000,00 alcançado pelo arguido, seja declarado perdido a favor do Estado, sendo o mesmo condenado a pagar ao Estado o referido montante, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1 alínea b), 3, 4, 5, e 6, 111.º, n.ºs 2, 3 e 4, 112.º e 112.º-A, do Código Penal, sem prejuízo dos direitos da ofendida (...).
Sucede que o regime jurídico em vigor à data do crime constante do artigo 111.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei nº 32/2010, de 2 de Setembro, diverge daquele que resultou da entrada em vigor da Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Diretiva 2014/42/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia.
O crime que constitui o objeto deste processo ocorreu no período temporal fixado entre 2008 a 2012 – ou seja, antes dessa alteração legislativa.
Nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente”.
Cumpre, portanto, comparar os dois regimes jurídicos que se sucederam no tempo desde a data da prática do crime e apurar aquele que se mostre mais favorável ao arguido.
Regime legal em vigor à data do crime:
Artigo 111º do Código Penal, na versão introduzida pela Lei nº 32/2010, de 2 de Setembro:
“1 – (…).
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.”
Regime legal que sucedeu a essa versão legal:
Artigo 110º do Código Penal, na versão introduzida pela Lei nº da Lei nº 30/2017, de 30 de Maio:
“1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) (…); e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
2 – (…).
3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
5 – (…).
6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”
Comparando os dois regimes jurídicos resulta manifesto que, in casu, a aplicação de um ou de outro dos regimes jurídicos em confronto não oferece qualquer vantagem comparativa ao arguido, não permitindo assim a aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal determinar, concretamente, o regime a aplicar.
Resta, apenas e tão-somente, aplicar o regime jurídico em vigor à data dos factos, fazendo uma interpretação extensiva do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Código Penal: “As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.”, ou seja, aplicar-se-á o disposto no artigo 111.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei nº 32/2010, de 2 de Setembro.
Concretizando, no caso vertente não se mostra apreendida à ordem dos autos a importância em dinheiro da qual o arguido se apropriou ao consumar o crime de abuso de peculato pelo qual vai condenado.
Por conseguinte, não poderá ter lugar a entrega da mesma à lesada (a (...)), nem ser declarada a sua perda a favor do Estado (n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal).
Perante esse pressuposto - e mesmo não tendo sido deduzido um pedido de indemnização civil por parte da lesada, tendo apenas sido requerida a condenação do arguido a pagar ao Estado aquela importância monetária ao abrigo do regime da perda de vantagem do crime -, a pretensão formulada deverá ser equacionada à luz do disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
A este propósito, interessa recordar a ratio legis do instituto da perda de vantagem do crime: esta constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança com intuitos exclusivamente preventivos.
Desenvolvendo essa noção, constitui entendimento pacífico na doutrina (cfr. Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pág. 41) e jurisprudência que a perda de vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito [v.g. “o crime não compensa”] – neste sentido vide os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto datados de14 de Setembro de 2016 (processo nº 459/15.1GAPRD.P1), e de 22 de Fevereiro de 2017, (processo nº 149/16.8.IDPRT.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Tal bastará para se concluir que a vontade do ofendido a propósito da obtenção do ressarcimento devido não pode afetar o exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa – mesmo nos casos em que o ofendido é o próprio Estado, uma vez que a lei não o distingue -: a norma legal atrás reproduzida (artigo 111º do Código Penal) tem caráter geral e abstrato, não prevendo a mesma qualquer excepção, mesmo nos casos em que o ofendido é o próprio Estado que não deduziu pedido de indemnização civil e beneficia de outros meios coercivos de obter o pagamento da quantia em causa.
Seguindo o referido entendimento e filosofia político-criminal que presidiu à criação desta figura jurídica da perda de vantagens, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem defendendo que não tendo sido apreendida a quantia apropriada, não poderá ter lugar a entrega da mesma ao lesado (o ofendido de boa-fé), nem ser declarada a sua perda a favor do Estado, porém, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil por parte do lesado, há lugar à condenação do autor do crime a pagar ao Estado o valor correspondente, de que o arguido se apropriou ilegitimamente, por ter sido requerido pelo Ministério Público (nesse sentido, vejam-se, entre outros, o acórdãos do Tribunal da Relação de Porto de 14 de Setembro de 2016 (Proc. 459/15.1GAPRD.P1) disponível in www.dgsi.pt.
Revertendo para o caso dos autos, verifica-se que não foi deduzido pedido de indemnização civil e ficou provado que o arguido se apropriou de quantias monetárias pertencentes à ofendida, no valor de, pelo menos, €960.000,00, a que corresponde o prejuízo da ofendida (...). Mais se apurou que, até ao momento o arguido não restituiu aqueles bens e valores.
Assim, forçoso é considerar que o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita de, pelo menos, €960.000,00, com a prática de um crime de peculato.
Fazendo nossas, as palavras de João Conde Correia, Procurador da República, e Hélio Rigor Rodrigues, Procuradores-Adjuntos, publicado na Revista publicado em Abril de 2015 na Revista Julgar On Line, disponível in http://julgar.pt/anotacao-ao-acordao-do-trg-de-01-12-2014-processo-21811-0gacbc-g1pedido-de-indemnizacao-eonfisco/), “a remoção dos incentivos económicos subjacentes a prática do crime, concretizada através do confisco das respectivas vantagens, constitui o único modo verdadeiramente eficaz de combater a actividade ilícita que visa o lucro. As finalidades preventivas que por esta via se alcançam, em conjugação com o quadro normativo vigente, impõem que se conclua de forma inequívoca que inexiste qualquer limite ao confisco motivado pela mera possibilidade de ser deduzido um pedido de indemnização civil”, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 111.º, n.º 4, do Código Penal, na redacção vigente à data da prática dos factos, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, deve o arguido ser condenado a pagar ao Estado a quantia de € 960.000,00, sem prejuízo da ofendida poder vir a requerer a atribuição da sobredita quantia, nos termos do disposto no artigo 130.º do Código Penal.
A reforçar o entendimento preconizado, refira-se que o direito à indemnização da lesada, mesmo quando já se mostra judicialmente estabelecido (cfr. facto provado 110), é livremente renunciável e negociável, o mesmo não acontecendo com as medidas de carácter sancionatório.
A reserva constante do n.º 2, do citado artigo 111.º, em benefício dos direitos do ofendido ou terceiros de boa-fé, não lhes concede poderes derrogatórios das medidas dessa natureza aí previstas, significando apenas que, concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens prevalecerá a primeira delas, remetendo-nos para uma fase de tramitação posterior, em que já estão atribuídos e devidamente delimitados quer os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro e o da perda de vantagens que, como é bom de ver, poderão nem sequer ser inteiramente coincidentes.
Aliás, no mesmo sentido vai a estatuição do artigo 130.º, n.º 2, do Código Penal, ao prever que o tribunal possa “atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109.º e 110.º”.
Nesta conformidade não há nenhuma incompatibilidade entre o requerimento ou promoção de perda de vantagens formulado pelo Ministério Público e o pedido de indemnização formulado pela lesada no âmbito do processo civil, tal como a jurisprudência tem vindo consistentemente a decidir no seguimento de informada doutrina (cfr., entre outros, “O confisco das vantagens e a pretensão patrimonial da Autoridade Tributária e Aduaneira nos crimes tributários” - Dr. João Conde Correia e Dr. Hélio Rigor Rodrigues, in ob. cit).
Vejam-se, neste sentido e a título de exemplo, os seguintes Acórdãos: -Acórdão de 22 de Fevereiro de 2017, processo n° 2373/14.9IDPRT; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Março de 2017, processo n° 86/14.0IDPRT; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Junho de 2017, processo n° 25/15.1IDPRT; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Julho de 2017, processo n° 149/16.8IDPRT; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de Maio de 2017, processo n° 259/15.9IDPRT; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de Janeiro de 2018, processo n° 176/16.5PAVFR; e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Janeiro de 2018, processo n° 126/14.3GBAMT; todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Daqui se conclui que o facto de já ter procedido o pedido de indemnização nos presentes autos no âmbito de acção civil que correu seus termos autonomamente em nada obsta à pretensão do Ministério Público – quando muito a declaração da perda de vantagens poderá é não alcançar qualquer efeito útil (conforme, aliás, já alertava Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 633, § 1005) -, sendo certo que nem o Estado poderá obter o duplo pagamento das quantias em causa (se inteiramente coincidentes), nem o arguido terá que pagar a totalidade do valor fixado, caso já tenham feito, entretanto, reembolso parcial do mesmo à ofendida, como decorre da leitura harmónica quer dos preceitos legais aplicáveis quer dos princípios que regem nesta sede.
(…).»
2.3. Conhecimento do recurso
2.3.1. Do erro notório na apreciação da prova
(…)
2.3.2. Quanto ao erro de julgamento
(…)
2.3.3. Do erro na qualificação jurídica dos factos
Sustenta o arguido/recorrente que não se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de peculato, por que foi condenado, em 1ª instância, pelo que, se impõe a sua absolvição da prática de tal crime.
O Ministério Público e os assistentes pronunciam-se no sentido de que se mostra correta a subsunção jurídica dos factos, ao crime de peculato p. e p. pelos artigos 375º, n.º 1, com referência ao 386º, n.º 1, al. d), ambos do Código Penal, como decidido pelo Tribunal a quo.
Vejamos:
Nos termos do artigo 375º, n.º 1, do Código Penal, comete o crime de peculato: «O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções (…).»
O tipo legal em análise tutela, simultaneamente, bens jurídicos patrimoniais, na medida em que criminaliza a apropriação ilegítima de bens alheios e a «probidade e fidelidade dos funcionários para se garantir o bom andamento e a imparcialidade da administração (…), punindo abusos de cargo ou função.[9]»
Constituem elementos do tipo objetivo do crime de peculato:
- A qualidade de funcionário do agente;
- Que o funcionário, em razão das suas funções, tenha a posse do dinheiro ou do objeto da apropriação;
- Que o dinheiro ou a coisa móvel objeto da apropriação pelo funcionário sejam alheios relativamente ao agente;
- Que se tratem de bens que tenham sido entregues, estejam na posse ou sejam acessíveis ao agente, em razão das suas funções;
- Que a apropriação por parte do agente seja ilegítima.
Do ponto de vista da imputação subjetiva o crime de peculato é um crime doloso.
O agente terá, assim, de ter conhecimento da factualidade típica, nomeadamente, ter consciência de que se trata de bem alheio que lhe está acessível ou de que tem a posse em razão das suas funções e terá ainda de ter consciência e vontade de fazer seu o bem, para o seu próprio benefício ou de terceiro[10].
Começando por analisar, de per si, cada um dos enunciados elementos do tipo objetivo, temos que:
- O agente do crime tem de ser um funcionário ou equiparado.
O conceito de funcionário, para efeito da lei penal, vem plasmado no artigo 386º do Código Penal, sendo que, no que para o caso vertente releva, importa atentar na al. c), do n.º 1, na redação originária e a que corresponde atualmente, na redação introduzida pela Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro, a al. d), que dispõe que: «Para efeito da lei penal, a expressão funcionário abrange: Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.»
A citada norma contempla o “conceito alargado” de funcionário, equiparando a este aquele que, muito embora não tenham qualquer vínculo funcional ou pessoal à administração, é, no entanto, chamado a desempenhar atividades compreendidas no âmbito da função pública administrativa ou jurisdicional ou em organismos de utilidade pública.
É consabido que tem existido grande controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o conceito de «organismos de utilidade pública» e sobre os requisitos que se terão de verificar para quem aí exerce funções possa ser considerado funcionário, para efeitos da previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 386º do Código Penal.
No acórdão recorrido é feita a análise desta problemática.
Merece-nos concordância o entendimento de que podendo ser considerados organismos de utilidade pública as pessoas coletivas de direito privado que são objeto de uma declaração de utilidade pública, tal não basta para que possa ser atribuída a classificação de funcionário, para efeitos da lei penal, nos termos previstos na al. d), do n.º 1 do artigo 386º do Código Penal, ao agente que aí exerça funções[11], sendo, ainda, necessário que o agente desempenhe uma atividade de utilidade pública[12], complementar das desenvolvidas pelas entidades públicas, em determinadas áreas, atividade essa que envolve o uso de fundos públicos.
Como refere o Cons. Júlio Pereira, na declaração de voto de vencido, que lavrou no Acórdão do STJ, n.º 3/2020, de 13/02/2020[13], «Diferentemente do que acontece com a previsão das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 386.º, em que a qualidade de funcionário para efeitos penais emerge da relação subjetiva que se estabelece entre um sujeito e uma pessoa colectiva de direito público, na alínea c)[14] o que está em causa é o conteúdo material da actividade desenvolvida pelo agente, independentemente do tipo de relação que exista entre este agente e o Estado ou outro ente público.
(…). Tal significa que a abrangência pelo conceito de funcionário de quem desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar, não pode prescindir do desempenho ou participação no desempenho de uma actividade compreendida na função administrativa ou jurisdicional.» Ou seja, exigindo-se para que possa ser considerado funcionário para efeitos penais, «o desempenho de uma tarefa materialmente compreendida nas tarefas da administração pública.»
«Ao Estado compete um conjunto de tarefas que só podem ser convenientemente realizadas com recurso à colaboração de entidades privadas, seja em razão dos modelos organizativos do próprio Estado, seja pela dificuldade em chegar a todas as partes do território, seja pela conveniência de prestar determinados serviços numa lógica de mercado.»
(…).»
Fazendo o paralelismo as IPSS e os fins que prosseguem, escreve o mesmo Cons., na aludida declaração de voto, «à semelhança do que acontece com empresas concessionarias de serviços públicos, cujo escopo pode abranger finalidades que não se prendem com a prestação do serviço público (por ex. uma empresa concessionária do serviço de distribuição de energia elétrica que para além disso vende equipamentos ou presta outro tipo de serviços que não fazem parte da concessão).
Também aí a dimensão material da actividade desenvolvida é que será decisiva para a qualificação do agente como funcionário. O conceito de funcionário para efeitos penais não pode ser arbitrário, sob pena de se colocar o aparelho do Estado ao serviço de interesses que vão para além do interesse público da defesa dos bens jurídicos subjacentes aos crimes cometidos no exercício de funções públicas, ou que pressuponham a qualidade de funcionário, colocando-o na órbita de interesses privados que por esta via ficarão numa situação de privilégio relativamente a outros sujeitos ou operadores de mercado. Isso é particularmente visível no que diz respeito às empresas concessionárias de serviços públicos, que têm fins lucrativos, mas que também ocorre nas IPSS quando prossigam fins que, mesmo sem propósito lucrativo, não estão relacionados com as finalidades que lhes conferem o apoio e a colaboração do Estado. Ou seja, uma caracterização como funcionário baseada na relação subjectiva entre o trabalhador e a instituição, retiraria em muitas situações fundamento material à antijuridicidade ou antijuridicidade agravada pressuposta nos tipos penais que exigem essa qualidade por parte do agente. E sem esse fundamento material esvai-se a própria legitimidade de intervenção do direito penal enquanto ultima ratio da política social.»
Neste quadro, resulta da matéria factual provada que o arguido, ora recorrente, exercia à data dos factos, as funções de Presidente do Conselho de Administração, da (...), sendo esta uma pessoa coletiva de direito privado, sem fins lucrativos, que não distribui dividendos pelos associados e detém o estatuto de entidade de utilidade pública, nos termos do disposto no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, conferido por despacho do Primeiro-Ministro, datado de 20 de março de 1995, publicado no DR n.º 95, II Série, de 22 de abril de 1995 e tem como fim assegurar a gestão do sistema de tratamento de águas residuais de (...), nomeadamente a sua exploração e conservação, podendo igualmente assegurar a gestão do tratamento e reciclagem do crómio e de quaisquer resíduos resultantes das atividades dos utilizadores.
Embora o objeto da (...) contemple também a prossecução de interesses privados, o seu objeto específico é o tratamento de águas residuais relacionadas com a utilização do domínio público hídrico, atividade esta que sendo da exclusiva competência da administração pública e que, no caso em apreço, cabia à administração local, concretamente, ao Município de (...), que, por contrato de concessão, celebrado com a (...) cedeu a esta associação a exploração dessa atividade, desde 21 de março de 1995, conferindo-lhe “o direito de assegurar em benefício dos utilizadores, o serviço público de águas residuais” – nos termos da Cláusula nona do contrato de concessão celebrado.
Como refere o Senhor Juiz de Instrução, na decisão instrutória que proferiu nos autos, a fls. 2013 e ss., se não tivesse sido concessionado à (...), o serviço público de águas residuais, esse serviço seria obrigatoriamente prestado pelo Município de (...), nos termos das atribuições que lhe estão cometidas, atualmente, previstas no artigo 23º, n.ºs 1 e 2, al. k) e da Lei 75/2013, de 12 de setembro (Lei das Autarquias Locais) e, com referência à data dos factos, nos artigos 13º, n.º 1, al. l) e 26º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro (que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais), respeitantes ao saneamento básico e tratamento de águas residuais urbanas.
Atendendo à atividade desenvolvida pela (...), estando em causa a prestação de um serviço público que está no âmbito das atribuições de uma autarquia local, o Município de (...), serviço esse cuja exploração foi concessionada pelo mesmo Município à (...), em consonância com a posição que se perfilha e que supra se deixou exposta e que foi a acolhida no acórdão recorrido, entendemos que o Presidente do Conselho de Administração da (...), desempenha, por inerência, uma função pública administrativa e, como tal, deve considerar-se funcionário, para efeitos da lei penal, integrando o respetivo conceito definido na al. d) do n.º 1 do artigo 386º do Código Penal.
Assim sendo e ressalvado o devido respeito, entendemos não assistir razão ao recorrente, quando sustenta que não pode ser considerado funcionário para efeitos do preenchimento do elemento do tipo objetivo do crime de peculato previsto no artigo 375º do Código Penal.
Já no tocante o elemento do tipo objetivo do crime de peculato que respeita à acessibilidade do dinheiro ou da coisa, objeto da apropriação pelo funcionário, em razão das suas funções, entendemos, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, no acórdão recorrido, que não se mostra verificado, no caso vertente.
Explicitando:
A conduta típica que integra o crime de peculato consiste na apropriação ilegítima, em proveito próprio ou de terceiro, de dinheiro ou coisa móvel alheia que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou a que o funcionário aceda, em razão das suas funções. O conceito de posse deve aqui ser entendido em sentido lato, englobando quer a detenção material, quer a disponibilidade jurídica do bem, ou seja, as situações em que a detenção material pertence a outrem mas o agente pode dispor do bem ou conseguir a sua detenção material mediante um ato para o qual tem competência em razão das suas funções (v.g. através de ordens, requisições ou mandados)[15].
É, pois, necessário que o dinheiro ou a coisa móvel esteja acessível ao agente (funcionário) e que tal suceda em razão das funções que exerce, de tal modo que “terá sempre de se afirmar uma relação causal entre a posse (que facilita a apropriação) e a função” exercida ou desempenhada pelo agente[16].
A acessibilidade ao bem deve, assim, derivar das funções do agente, pelo que se impõe que exista uma efetiva detenção material ou disponibilidade jurídica do objeto, não bastando a mera proximidade material do bem ou a facilidade em conseguir a sua apropriação[17].
Como se refere no Ac. da RC de 23/01/2013[18], «O segmento «acessível em razão das suas funções» referido no n.º 1, do art.º 375º, do C. Penal, que se reporta ao tipo legal de crime de “Peculato”, exige uma especial relação de poder ou de domínio ou de controlo/supervisão sobre a coisa que o agente detém em razão das suas específicas funções e que vem a postergar com abuso ou infidelidade das específicas funções, ao apropriar-se, para si ou para terceiro, dessa mesma coisa - não sendo suficiente apenas a simples acessibilidade física em relação à coisa de que se apropria[19].»
A razão de ser desta punição agravada reside precisamente na violação, por parte do agente, que detém a qualidade de funcionário, da confiança funcional que nele foi depositada ao ser-lhe conferida a posse de um bem, devendo o conceito de posse para efeitos deste tipo legal ser entendido em sentido amplo, como supra se referiu, abrangendo a «detenção material, guarda do bem ou disponibilidade jurídica, ou seja, a possibilidade de dispor do bem, não como proprietário, mas como fiel depositário e zelador dos bens, não se desviando dos fins legais; trata-se, assim de um abuso ou infidelidade à função que o agente exerce que só existirá quando o agente tem, devido exatamente às funções que exerce, a posse do bem[20].»
Neste quadro e perante a matéria factual que resultou provada, entendemos, salvo devido respeito pela posição contrária que foi acolhida no acórdão recorrido, que a apropriação pelo arguido, ora recorrente, do dinheiro pertencente (...), ilegítima é certo, não ocorreu em razão das suas funções, de Presidente do Conselho de Administração dessa Associação, não sendo o dinheiro em causa acessível ao arguido, em razão dessas funções.
Na verdade, perfilhando-se o entendimento de que a expressão «em razão das suas funções», deve ser interpretada em sentido restritivo nos termos sobreditos, posto que o abuso da função e a respetiva infidelidade que são característicos do bem jurídico tutelado pela incriminação do peculato só serão violados quando o agente (funcionário) tem a acesso ao bem, devido às funções que exerce[21], considera-se que na concreta situação em que o arguido atuou da forma que resultou apurada, as quantias pertencentes à (...) de que se apropriou não estavam na sua disponibilidade, nem lhe eram acessíveis em razão das funções que exercia nessa Associação. Com efeito, as quantias em causa estavam depositadas em contas bancárias da titularidade da (...), que o arguido, sozinho, não estava autorizado a movimentar, já que só podiam ser movimentadas com a assinatura de três membros do respetivo Conselho de Administração, tendo o arguido, para conseguir que essas quantias lhe fossem entregues e ficassem na sua disponibilidade, engendrado um plano tendente a convencer esses membros do Conselho de Administração, dois deles os ora assistentes, a entregarem-lhe as quantias em causa, emitindo cheques sacados sobre aquelas contas, com a finalidade de proceder a aplicações financeiras, de maior rentabilidade do que a resultante da remuneração/juros dos depósitos a prazo e tendo a (...) como beneficiária, quando, na realidade o que o arguido queria e veio a concretizar era dispor e utilizar essas quantias, como coisa sua, para depósito nas contas bancárias da sua companheira e da sua mãe, as quais também movimentava e nas contas bancárias das sociedades comerciais que representava ou em que detinha interesses comerciais, ainda que através de familiares, e bem assim para efetuar pagamentos de dívidas a terceiros com quem se relacionava comercialmente, através daquelas sociedades.
A viabilização, pelos membros do Conselho de Administração da (...), da entrega ao arguido das quantias monetárias em causa, mediante cheques emitidos e assinados, que lhe permitiram ficar na posse de tais quantias não ocorreu em virtude das funções de Presidente do Conselho de Administração exercidas pelo arguido, ainda que a confiança depositada no mesmo, por via dessa sua qualidade funcional, possa ter relevado para que os ditos membros do Conselho de Administração viabilizassem a entrega ao arguido das quantias em causa.
Concluímos, assim, que as referidas quantias, pertencentes à (...), de que o arguido ilegitimamente se apropriou não lhe eram acessíveis em razão das suas funções, pelo que, não se mostra preenchido um dos requisitos essenciais para o preenchimento do crime de peculato p. e p. pelo artigo 375º, n.º 1, do Código Penal.
Por conseguinte, impõe-se a absolvição do arguido do crime de peculato, por que foi pronunciado e condenado em 1ª instância.
Porém, a absolvição do arguido, aqui recorrente, da prática do crime de peculato não afasta a sua responsabilidade criminal tout court.
Em nosso entender, a factualidade que resultou provada integra a prática, pelo arguido/recorrente, de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), ambos do Código Penal.
Assim e, ressalvado o devido respeito, não nos merece concordância o entendimento do recorrente, de que os factos provados são subsumíveis ao crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224º, n.º 1, do Código Penal.
Explicitando:
De harmonia com o disposto no artigo 224º, n.º 1, do Código Penal, comete o crime de infidelidade «quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante».
Constituem elementos do tipo objetivo do crime de infidelidade:
- A atribuição, por lei ou ato jurídico, do encargo (dever, função) de dispor, administrar ou fiscalizar interesses patrimoniais alheios;
- Que a conduta adotada pelo agente (que tanto pode consistir numa ação como numa omissão) cause prejuízo patrimonial importante ao titular dos interesses patrimoniais que lhe foram confiados, isto é, ao sujeito passivo.
Assim e como refere Paulo Pinto de Albuquerque[22] «O tipo objetivo consiste na provocação de prejuízo patrimonial importante a interesses patrimoniais alheios, por pessoa a quem foi confiado, por lei ou por ato jurídico, o encargo de dispor, administrar e fiscalizar esses interesses. Dito de outro modo, a conduta do agente do crime de infidelidade é idêntica à do agente do crime de dano, mas incide sobre um objeto distinto: os interesses patrimoniais alheios (…).»
O tipo subjetivo do crime de infidelidade exige, para o respetivo preenchimento, segundo o entendimento que perfilhamos, o dolo direto[23] – o que decorre da expressão “intencionalmente”, empregue no n.º 1 do artigo 224º do CP –, não bastando o dolo necessário e, muito menos, dolo eventual.
Para além do dolo direto, exige-se também que o agente atue com grave violação dos deveres que lhe incumbem.
Um aspeto muito importante a salientar é que como vem sendo afirmado pela doutrina[24] e jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores[25], o crime de infidelidade pressupõe a inexistência de apropriação, pelo que, quando resulte demonstrada a apropriação ou a intenção de apropriação (animus apropriandi), por parte do agente (a que foi confiado o encargo – poder/dever – de zelar pelos interesses patrimoniais alheios), é de afastar o crime de infidelidade.
Ora, no caso vertente, perante a factualidade que ficou provada, resulta inequivocamente demonstrado que o arguido/recorrente, Presidente do Conselho de Administração da (...), se apropriou das quantias a esta pertencentes e que lhe foram entregues, por via dos cheques emitidos e assinados pelos administradores, para que efetuasse aplicações financeiras e rentabilizasse esse capital, vindo o arguido canalizar essas quantias, para sociedades comerciais que representava e/ou em que tinha interesses comerciais, através de familiares e a utilizá-las/gastá-las para efetuar pagamentos e no giro comercial dessas sociedades, pelo que, é de afastar a subsunção da conduta do arguido/recorrente ao crime de infidelidade.
Relativamente ao crime de burla:
Nos termos do artigo 217º, n.º 1, do Código Penal, comete o crime de burla “quem, com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízos patrimoniais.”
No artigo 218º do Código Penal prevêem-se circunstâncias qualificativas do crime de burla, entre as quais, a do al. a) do n.º 2, ou seja, a do valor consideravelmente elevado do prejuízo patrimonial, sendo considerado como tal, aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto (cf. al. b) do artigo 202º).
São os seguintes os elementos do tipo objetivo da burla:
- A conduta do agente traduzida no emprego de “astúcia” para induzir em erro ou engano outrem;
- A verificação de erro ou engano da vítima devido ao emprego da astúcia;
- Que através desse erro ou engano, o agente determine a vítima à prática de atos que de outro modo não praticaria;
- A existência de prejuízo patrimonial da vítima ou de terceiro, resultante da prática dos referidos atos.
O primeiro dos enunciados elementos refere-se ao processo enganoso astucioso, empreendido pelo agente, isto é, à utilização pelo mesmo de meios adequados a provocar astuciosamente um estado de erro ou engano na vítima.
Para que o elemento da astúcia esteja preenchido tem de verificar-se, como refere José António Barreiros[26] «uma actuação engenhosa da parte do agente do crime, algo ao nível do estratagema ardiloso, da encenação orientada a ludibriar», que terá de ser caracterizada, no caso concreto, objetivamente, a partir da reconstituição de atos materiais que a revelem e evidenciem, e não subjetivamente, por referência a estados de espírito ao nível da mera motivação do agente.
Além do emprego pelo agente de astúcia, exige o tipo do crime de burla uma relação causal entre a astúcia empregue e o erro ou engano em que o burlado foi induzido.
Com efeito, a manipulação psíquica do intelecto do burlado deve decorrer do processo astucioso engendrado.
Para aferir do nexo de causalidade entre os meios empregues (astuciosos) e o erro ou engano deve o aplicador do direito socorrer-se da teoria da causalidade adequada consagrada no Código Penal, exigindo não só que a ação tenha sido condição sine qua non, mas ainda causa adequada do erro ou engano.
Mercê da manipulação da inteligência e da exploração da vontade do burlado, isto é, da viciação da sua vontade, exige-se que o burlado pratique determinados atos causadores de prejuízos patrimoniais.
A burla é assim um crime de participação necessária da vítima, requerendo a atividade do burlado de espoliação do seu património ou de terceiro.
Por último, constituído o crime de burla um crime de resultado, de dano, integra a sua factualidade típica a efetiva verificação de um prejuízo patrimonial daquele que foi induzido em erro ou engano ou de terceiro.
Deste modo, para o preenchimento do crime de burla, exige-se um triplo nexo de causalidade: a) que a astúcia seja a causa do erro ou engano; b) que o erro ou engano sejam a causa da prática de atos pela vítima; c) que da prática dos atos resulte um prejuízo patrimonial para a vítima ou para terceiro.
Do ponto de vista da imputação subjetiva, o crime de burla é um crime doloso.
Exige-se para o preenchimento do tipo subjetivo, para além do dolo genérico – designadamente, que o agente tenha conhecimento de estar a atuar fraudulentamente, isto é, sabendo que os meios engenhosos que utiliza são adequados a induzir a vítima em erro ou engano e idóneos a que a vítima consinta, consequentemente, na espoliação do seu património ou de terceiro, resultado pretendido pelo agente –, o dolo específico traduzido na intenção de enriquecimento à custa do património alheio.
O agente deve ter consciência da ilegitimidade do enriquecimento.
Há enriquecimento ilegítimo quando à face das normas vigentes e designadamente contratuais, o mesmo carece de causa justificativa.
Revertendo ao caso dos autos, tendo presentes as considerações jurídicas que se deixam enunciadas, confrontando os factos, tal como já referimos, somos levados a concluir que a conduta do arguido, que resultou apurada preenche os elementos típicos objetivos e subjetivos do crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), este último com referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal.
Com efeito, da factualidade provada resulta que:
- O arguido formulou o propósito e elaborou um plano para se apossar dos recursos financeiros da (...) em seu próprio beneficio e das sociedades comerciais que representada, na qualidade de gerente, ou em que tinha participação social, quanto sócio das mesmas ou em que tinha interesses comerciais, tendo, de acordo com esse plano, no exercício das suas funções de Presidente do Conselho de Administração da (...), diligenciado pela emissão de cheques sacados sobre contas bancárias de que aquela associação era titular, para desse modo, entrar na disponibilidade de quantias monetárias pertencentes à (...), fazendo-as suas, a partir do momento em que os cheques entraram na sua posse, para as canalizar para aquelas sociedades, para pagar dívidas das mesmas ou para contas bancárias por si movimentadas.
- Uma vez que as contas bancárias da (...) não podiam ser movimentadas apenas com a sua assinatura, sendo necessária a assinatura de três administradores, o arguido, a fim de concretizar o seu plano e de justificar perante os demais administradores a emissão de cheques que viabilizassem a saída de quantias monetárias depositadas nas contas bancárias da (...), logrou convencer os administradores da (...) de que pretendia efetuar investimentos financeiros em nome e em proveito da associação, para retorno financeiro superior aos juros das normais contas bancárias;
- Os demais administradores acreditaram que o arguido pretendia utilizar os recursos financeiros da (...) para investimentos, financeiramente rentáveis, em nome e em proveito da mesma associação e, por essa razão, ou seja, por estarem erroneamente convictos de que esses cheques se destinavam à realização de investimentos financeiros em beneficio da (...), procederam à assinatura dos cheques que o arguido lhes apresentou, viabilizando, dessa forma, a saída de quantias de contas bancárias da associação;
- Contudo, ao invés de efetuar os investimentos financeiros que convenceu os administradores que iria fazer, o arguido, em execução do plano por si delineado, apossou-se, em proveito próprio, das quantias tituladas pelos cheques emitidos pelos administradores da (...), efetuando depósitos nas contas bancárias das sociedades comerciais que representava ou em que detinha interesses comerciais, ainda que através de familiares, nas contas bancárias da sua companheira e da sua mãe, as quais também movimentava, e bem assim para efetuar pagamentos de dívidas a terceiros com quem se relacionava comercialmente, através daquelas sociedades;
- Na sequência da emissão dos aludidos cheques e do seu depósito nas mencionadas contas bancárias, o arguido, em execução do seu plano inicialmente traçado, para ocultar dos administradores da (...) o real destino por si dado às quantias monetárias tituladas pelos cheques pelos mesmos assinados, utilizou as contas bancárias de (...), (...) e das sociedades comerciais (…), para fazer entrar quantias monetárias na conta bancária da (...), aberta na (…), como se as mesmas fossem o retorno financeiro de tais investimentos, o que aconteceu nos anos de 2008 e 2009, não tendo, a partir de 2010, o arguido não fez retornar à conta da (...) qualquer valor o que se manteve no ano de 2011 e até janeiro de 2012, tendo, nesse período o arguido continuado a retirar das contas bancárias da (...), através do expediente por si engendrado;
- A diferença entre as quantias monetárias retiradas pelo arguido das contas bancárias da (...) e as quantias que fez retornar a conta da (...) na (…), ascende ao montante global de €960.000, que o arguido fez sua e a que deu destino, em proveito próprio e das referidas sociedades comerciais, com o consequente prejuízo patrimonial causado à (...).
- Com as suas descritas condutas, em execução do aludido plano e dos expedientes por si engendrados, o arguido entrou na posse de todas as quantias monetárias tituladas pelos cheques emitidos das contas bancárias da (...), que fez coisas suas e a que deu destino, em proveito próprio e das referidas sociedades comerciais, persistindo em desfavor da (...) a quantia monetária global de € 960.000,00, que o mesmo fez igualmente sua, embora soubesse que os recursos financeiros daquela associação não lhe pertenciam e que o exercício de funções de Presidente do Conselho de Administração não lhe permitia dar-lhes aquele destino.
- O arguido agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de, através do exercício das suas funções de Presidente do Conselho de Administração da (...), aceder às contas bancárias desta e obter, mediante os descritos expedientes, a emissão e entrega de cheques associados a essas contas bancárias, fazendo coisas suas as quantias monetárias tituladas pelos mesmos, em proveito próprio e das referidas sociedades comerciais, apesar de saber que a elas apenas tinha acesso devido à sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração, que o exercício desta função lhe impunha agir em prol das finalidades daquela associação, e que, ao invés, fazendo suas tais quantias monetárias, atuava sem autorização e contra a vontade dos demais órgãos sociais da (...), ficando esta associação privada dessas mesmas quantias monetárias, tendo sofrido a correspondente perda patrimonial.
- O arguido sabia que a sua conduta lhe era proibida e punida por lei e, ainda assim, não se inibiu de a realizar.
O arguido, através das suas descritas condutas, preencheu todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), este último com referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal, sendo que o arguido utilizou um artificio fraudulento para, em execução do plano delineado, conseguir que os administradores da (...) emitissem/assinassem os cheques que viabilizassem a saída de quantias monetárias depositadas nas contas bancárias da (...) com a intenção de delas se apropriar, convencendo-os de que pretendia efetuar investimentos financeiros em nome e em proveito da associação, para retorno financeiro superior aos juros das normais contas bancárias, o que não correspondia à realidade, já que era sua intenção apoderar-se de tais quantias, o que veio a concretizar – efetuando depósitos nas contas bancárias das sociedades comerciais que representava ou em que detinha interesses comerciais, ainda que através de familiares, nas contas bancárias da sua companheira e da sua mãe, as quais também movimentava e utilizando-as para efetuar pagamentos de dívidas a terceiros com quem se relacionava comercialmente, através daquelas sociedades –, bem sabendo que tais quantias não lhe pertenciam e que atuava sem autorização e contra a vontade dos demais órgãos sociais da (...), locupletando-se com a quantia total de €960.000,00, ficando a (...) associação privada dessa mesma quantia monetária, tendo sofrido a correspondente perda patrimonial.
Assim sendo e inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, tem o arguido/recorrente de ser condenado, como autor material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), este último com referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal.
A alteração da qualificação jurídica dos factos, que agora se efetua e tendo-se procedido à respetiva comunicação ao arguido/recorrente, em observância do disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP, é permitida, podendo o tribunal de recurso alterar oficiosamente a qualificação jurídica dos factos, efetuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, ressalvada a proibição da “reformatio in pejus”, prevista no artigo 409º do CPP.
2.3.4. Da medida da pena
O crime de burla qualificada perpetrado pelo arguido é punível com pena de prisão de dois a oito anos (cfr. artigo 218º, n.º 2, do CP).
Importa, pois, determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido, pena essa que é limitada pela sua culpa revelada nos factos (cfr. artigo 40º, n.º 2 do CP), e terá de se mostrar adequada a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do C.P., havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no n.º 2 do artigo 71º do Código Penal.
Assim, há que ponderar:
O grau de ilicitude dos factos, que se nos afigura muito elevado, tendo em conta, designadamente, o valor global de que o arguido se apropriou, correspondendo a €960.000,00, com o consequente prejuízo causado à (...), sendo o arguido, então, Presidente do Conselho de Administração desta Associação e tendo-se se servido das funções que, nessa qualidade exercia e da relação de grande confiança, nele depositada pelos outros administradores da (...), para conseguir concretizar o seu desígnio criminoso e apropriar-se daquele valor;
O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo direto, muito intenso, atento o período temporal ao longo do qual o arguido desenvolveu a sua atuação e a forma como o fez;
As condições pessoais do arguido, que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas, encontrando-se o arguido familiar e, ao que tudo indica, também socialmente inserido.
Milita a favor do arguido a circunstância de à data dos factos ser primário, tendo sido, posteriormente, condenado, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 15/14.1TAACN, transitada em julgado em 20/11/2017, pela prática em 30/09/2013, de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 150 dias de multa.
Há, ainda, que ponderar, as exigências de prevenção, sendo prementes as de prevenção geral, face à proliferação de crimes da natureza daquele por que o arguido vai condenado e à sua gravidade, que impõem o reforço da confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada, por forma a não deixar dúvidas sobre o desvalor de semelhantes condutas, que tendem a aumentar de forma exponencial numa conjuntura de grave crise económica como aquela que se verificou em Portugal (reflexo da crise financeira mundial), de 2008 a 2013, tendo a atuação do arguido de que aqui se trata sido desenvolvida nesse período e sendo, à partida, medianas, as de prevenção especial, já que o arguido, que conta 66 anos de idade, não registando antecedentes criminais, à data dos factos, tendo sido sofrido uma condenação, por crime de falsificação, praticado em momento posterior, não exteriorizou qualquer manifestação de arrependimento por ter cometido os factos por que agora vai condenado e ao longo de nove anos que decorrerem sobre a respetiva prática, não envidou quaisquer esforços para ressarcir, ainda que parcialmente, o prejuízo que causou à (...), o que é revelador, tal como se refere no acórdão recorrido, de uma personalidade com necessidade de socialização e de consciencialização da imposição da adoção de comportamento em conformidade com o Direito.
Ponderando todos estes elementos e em obediência ao princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no artigo 409º n.º1 do CPP, consideramos adequada a aplicar ao arguido a pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses que o tribunal a quo havia fixado, pelos mesmos factos, ainda que com diferente qualificação jurídico-penal [sendo que a moldura penal abstrata que corresponde ao crime de burla qualificada por que o arguido é agora condenado, tem como limite mínimo 2 anos, enquanto que o limite mínimo da moldura aplicável ao crime de peculato por que o arguido foi condenado em 1ª instância, é de um ano e é o mesmo o limite máximo de ambas as molduras].
Mantém-se, assim, a medida concreta da pena aplicada ao arguido, no acórdão recorrido.
Sendo a pena superior a cinco anos de prisão, fica, necessariamente (cf. artigo 50º, n.º 1, do Código Penal), prejudicada a possibilidade de substituição pela suspensão da execução da pena, propugnada pelo arguido.
2.3.5. No referente à pena acessória de proibição do exercício das funções que o arguido desempenhava na (...), pelo período de 3 (três) anos e 8 (oito) meses, em que o arguido foi condenado, no acórdão recorrido, não sendo esse segmento da decisão objeto do recurso interposto pelo arguido e não acarretando a alteração da qualificação jurídica-penal dos factos a que se procedeu, qualquer modificação dos pressupostos que o tribunal recorrido julgou verificados para decidir aplicar ao arguido essa pena acessória [sendo que, tal como se deixou exposto supra, em 2.3.3. perfilhamos do entendimento de tendo em conta a função que o arguido desempenhava na (...), deve considerar-se funcionário, para efeitos da lei penal, integrando o respetivo conceito definido na al. d) do n.º 1 do artigo 386º do Código Penal], mantém-se inalterado o decidido.
Por identidade de razões mantém-se também inalterada a decisão de condenação do arguido, nos termos previstos no artigo 111º, n.º 4, do Código Penal, na redação na que lhe foi dada pela Lei nº 32/2010, de 2 de setembro, no pagamento ao Estado da quantia de €960.000,00 (novecentos e sessenta mil euros), sem prejuízo dos direitos da ofendida (...).
2.3.6. Tendo em conta a absolvição do arguido da prática do crime de peculato por que foi condenado no acórdão recorrido e a alteração da qualificação jurídica dos factos a que se procedeu, mantendo-se a dosimetria da pena de prisão aplicada em 1ª instância e o demais decido no acórdão recorrido, recurso é, pois, parcialmente procedente.
3. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido (...) e, em consequência, decidem:
a) Absolver o arguido da prática do crime de peculato, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 375.º, n.º 1 e 386.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, por que foi condenado em 1ª instância;
b) Alterar a qualificação jurídica dos factos efetuada no acórdão recorrido e condenar o arguido (...) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), este último com referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
c) No mais, confirmar o acórdão recorrido.
Sem tributação, dada a procedência parcial do recurso (cfr. artigo 513º n.º 1, do CPP, à contrario sensu).
Notifique.
Évora, 25 de maio de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina
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[1] Cfr. Ac. do STJ de 06/07/2004, proc. n.º 04B1311 e de 12/07/2011, proc. n.º 317/04.5TBVIS-C.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Ac. n.ºs 392/2003, 397/2006, 90/2013 e 289/2020, acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[3] Cfr. Ac. do STJ de 22/04/2020, proferido no Proc. n.º 68/18.3SWLSB.S1, cujo sumário se encontra publicado no Boletim de Sumários – STJ, 2020, págs. 294 e 295, acessível em https://www.stj.pt/
[4] Cfr. Ac. da RP de 10/05/2017, proc. n.º 324/14.0SGPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Proferido no processo n.º 360/08-1, acessível in www.dgsi.pt
[6] Cfr., entre outros, Acórdãos da RC de 18/01/2017 e de 17/05/2017, respetivamente, proferidos nos procs. 112/15.6GAPNC.C1 e 430/15.3PAPNI.C1 e Ac. da R.L. de 18/01/2017, proc. 1050/14.5PFCSC.L1-3, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
[7] Idem.
[8] In Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Verbo, 1993, pág. 111.
[9] Neste sentido, vide, Conceição Ferreira da Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 688.
[10] Cfr. Conceição Ferreira da Cunha, in ob. cit., págs. 699 e 700.
[11] Em sentido contrário, vide Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição, pág. 1234. Entende este autor que basta a declaração de utilidade pública, pela qual se reconhece a “cooperação” dessa pessoa coletiva no exercício da função pública da Administração” e, como tal, que o conceito de funcionário abrange todos aqueles que desempenham funções nessas pessoas coletivas.
[12] Neste sentido, cfr. José António Barreiros, in Crime de Peculato, Labirinto das Letras, 2013, pág. 11.
[13] Publicado no Diário da República, Série I, de 18/05/2020, que uniformizou jurisprudência no sentido de que «O conceito de “organismo de utilidade pública”, constante da parte final da actual redação da alínea d) do n.º 1 do artigo 386º do Código Penal, não abarca as instituições particulares de solidariedade social, cujo estatuto consta hoje do Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de novembro, alterado pela Lei n.º 76/2015, de 28 de Julho.»
[14] A que corresponde a atual al. d), na redação dada pela Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro.
[15] Cfr. Conceição Ferreira da Cunha, in ob. cit., págs. 694 e 695.
[16] Idem, pág. 695.
[17] Ibidem.
[18] Proferido no processo n.º 214/11.8PCCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[19] No mesmo sentido, cfr., entre outros, Ac. da RP de 20/06/2012, processo n.º357/10.5TAAMT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[20] Cfr. Conceição Ferreira da Cunha, in ob. cit., pág. 696.
[21] Neste sentido, Conceição Ferreira da Cunha, in ob. e loc. cit.
[22] In Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República …, 3ª edição, 2015, Universidade Católica Editora, pág. 871.
[23] Neste sentido, vide, entre outros, na doutrina, Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, Vol. III, 4ª edição, 2016, Rei dos Livros, pág. 1040; Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., pág. 871; José António Barreiros, in Crimes contra o Património, Universidade Lusíada, 1996, pág. 213 e Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado e Comentado, 16ª edição, Coimbra, pág. 827.
No sentido de que basta o dolo necessário para preencher o tipo subjetivo, cfr. Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 2001, págs. 369 e Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal Anotado, Almedina, 2014, pág. 251,
[24] Vide, entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., pág. 648.
[25] Cf., entre outros, Ac. da RP de 13/01/2016, proc. 478/11.7GAVGS.P1 e Ac. de 20/10/2004, proc. 2824/04-3, acessíveis in www.dgsi.pt.
[26] In Crimes contra o património no Código Penal de 1995, Universidade Lusíada, 1996, pág. 165.