Nos termos do artigo 1376.º, n.º 1, do Código Civil, os terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do país.
O Ministério Público interpôs a presente acção contra (…), divorciado, residente na Estrada Nacional n.º (…), (…), Alcanena, (…), residente na Rua (…), n.º 33, 3.º, Dt.º, (…), Porto de Mós, (…), residente em (…), n.º 3, 3.º, Esquerdo, Sevilha, Espanha, (…), residente em Calle (…), n.º 7, Bloco 4, 4.º, E, Málaga, Espanha e (…), residente em Calle (…), n.º 15, (…), Sevilha, Espanha, todos eles por si e na qualidade de herdeiro habilitado de (…), pedindo que seja declarada a nulidade e ineficácia da escritura de doação, lavrada no dia 16 de Setembro de 2016, no Cartório Notarial de (…), sito em Porto de Mós, a folhas 48 a 51 e ser determinado o cancelamento de todos os registos operados com base nessa escritura, nos termos dos artigos 10.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea c), 82.º, 548.º e 552.º do Código de Processo Civil, dos artigos 280.º, n.º 1, 286.º, 289.º e 294.º do Código Civil e dos artigos 4.º e 49.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.
Alega para o efeito que, por escritura pública de doação, outorgada em 16 de Setembro de 2016, o falecido (…) doou aos filhos (…), (…), (…), (…) e (…) o prédio urbano sito na Rua da (…), 58, composto de barracão de rés-do-chão e cave, com a área coberta de 1280 metros quadrados, a confrontar de norte e nascente com (…), de sul com Rua Pública e de poente com (…) e Irmão, Lda., inscrito na matriz sob o artigo (…), em comum e partes iguais, dele destacando o prédio urbano sito na Rua da (…), 58, (…), união das freguesias de Torres Novas (…), concelho de Torres Novas, composto de barracão de rés-do-chão e primeiro andar, com a área de 450 metros quadrados, a confrontar de norte, sul e poente com (…) e de nascente com Rua Pública, inscrito na matriz sob o artigo (…), com o valor patrimonial de € 84.580,00, sem que tenha solicitado previamente à Câmara Municipal de Torres Novas qualquer licenciamento de operação de loteamento para o prédio.
Pela escritura de doação outorgada em 16/09/2016 e na sequência do testamento de 04/10/2016, o falecido (…) e os RR (…), (…), (…) e (…) procederam à divisão do prédio misto inscrito na matriz rustica sob o artigo (…), Secção (…) e na matriz urbana sob os artigos (…), (…) e (…) em três partes, autonomizando a parte da parcela urbana composta de barracão de rés-do-chão e cave com área de 1280m2, da parcela urbana composta por barracão de rés-do-chão e 1.º andar com a área de 450 m2 que, após a divisão, passaram a ter os artigos matriciais (…) e (…), respetivamente, que foi objeto de doação e uma terceira parcela residual com o artigo (…) composta por barracão de rés-do-chão para arrumos com a área de 240,25 m2.
Citados, os RR. contestaram dizendo não ter tido intenção de proceder a operação de loteamento e que o processo de legalização e de doação foi acompanhado pelo cartório notarial e pela conservatória do registo predial, confiando de estarem a actuar em conformidade com a lei.
Mais alegam que o prédio artigo (…) foi construído em 1970 e tinha uma descrição predial autónoma. O prédio rústico estava em tempos descrito sem qualquer construção urbana, concluindo que os prédios já anteriormente tinham a sua autonomia reconhecida no registo predial. O prédio (…) foi construído em 1965, não estando abrangido pelo Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, concluindo que à data de construção dos barracões que constituem os prédios (…) e (…), vigorava o Decreto-Lei n.º 46673, de 29 de Novembro, que apenas punia com multa os destaques, razão pela qual o senhor notário não fez qualquer reparo e a conservatória procedeu ao registo da doação e da desanexação, abrindo duas novas descrições.
Por entender que o processo continha todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa, foi proferido despacho saneador, conhecendo-se imediatamente do mérito da causa (artigo 595.º, n.º 2, CPC), declarando-se nula a escritura de doação outorgada em 16 de Setembro de 2016, no Cartório Notarial de (…), sito em Porto de Mós, pelo falecido (…) e por (…), (…), (…), (…) e (…), através da qual, o primeiro doou aos segundos:
a. o prédio urbano sito na Rua da (…), 58, (…), União das Freguesias de Torres Novas (…), concelho de Torres Novas, composto de barracão de rés-do-chão e cave, com a área coberta de mil duzentos e oitenta metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo (…); e
b. o prédio urbano sito na Rua da (…), 58, (…), União das Freguesias de Torres Novas (…), concelho de Torres Novas, composto de barracão de rés-do-chão e primeiro andar, com a área de quatrocentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo (…).
Mais se determinou o cancelamento dos registos efectuados em consequência da escritura de doação relativa ao prédio: as descrições (…) e (…), ambas da freguesia de (…), na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas.
Inconformados recorreram os RR tendo concluído nos seguintes termos:
I- O Mmo. Juiz do tribunal a quo veio declarar “nula a escritura de doação outorgada em 16 de Setembro de 2016, no Cartório Notarial de (…), sito em Porto de Mós, pelo falecido (…) e por (…), (…), (…), (…) e (…), através da qual, o primeiro doou aos segundos dois prédio urbanos sito em Torres Novas, melhores identificados no presente processo.
II- Fundamentou a douta decisão referindo que os outorgantes da mencionada escritura de doação pretenderam dividir o prédio de forma legalmente inadmissível, salientando que à data onde foi realizada o ato de fraccionamento do prédio rústico, é aplicável o regime fixado pelo artigo 1370.º do Código Civil que determina a nulidade do ato de fraccionamento.
III- Na motivação da douta decisão, diz o Meritíssimo Juiz a quo que a questão a decidir é apurar se os Autores (cremos ter-se referido aos Autores por lapso, pretendo referir-se aos Réus) “procederam à divisão do prédio misto inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), Secção (…), e na matriz urbana sob os artigos (…), (…) e (…) em três partes, autonomizando a parte da parcela urbana composta de barracão de rés-do-chão e cave com a área de 1280m2, da parcela urbana composto por barracão de rés-do-chão e 1º andar com a área de 450m2, sem que tenham solicitado previamente à Câmara Municipal de Torres Novas qualquer licenciamento de operação de loteamento para o prédio”.
IV- Discordam os ora Recorrentes no que respeita à questão a decidir, pois consideram que o fraccionamento fundiário não ocorreu com a escritura de doação mas operou-se com a construção efectiva das edificações ali existentes e logo levadas à matriz.
V- “Só a partir da entrada em vigor do DL n.º 289/73, de 6 de Junho, é que passaram a ser feridos de nulidade todos e quaisquer fracionamentos de prédio sem que a Câmara Municipal emita o respetivo alvará” (vd. www.dgsi.pt - Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 09-05-2002).
VI- No caso aqui em apreço, foi exibido perante o Notário aquando da outorga da mencionada escritura pública junta aos presentes autos como documento 2 da douta Petição Inicial, “certidão emitida em 06/09/2016 pela Câmara Municipal de Torres Novas por onde verifiquei que o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) foi construído antes de 1965 (motivo pelo qual não se faz referência a qualquer loteamento ou sua dispensa que autorize o seu destaque) fora do perímetro urbano e das zonas rurais de proteção do concelho e demais localidades sujeitas por lei a plano de urbanização, sendo que à zona da sua construção apenas foi aplicado o RGEU em 19/05/1965, por deliberação da Câmara sob a forma de regulamento.”
VII- Na mencionada escritura de doação outorgada em 16 de Setembro de 2016 foi também exibida uma “Certidão emitida em 29/08/2016 pelo Serviço de Finanças de Torres Novas comprovativo de que o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) provém do anterior artigo (…) e este por sua vez do anterior artigo (…), inscrito na matriz antes de 7/08/1952, sem alteração de áreas, apenas por mudança de freguesia.”
VIII- Foram, assim, exibidos ao Exm.º Sr. Notário certidões emitidas por órgãos de administração pública, in casu, pela Câmara Municipal de Torres Novas e o Serviço de Finanças de Torres Novas, sendo considerados nos termos da lei documentos autênticos que não foram impugnados pelo Ministério Público, Autor nos presentes autos.
IX- Em sede de contestação, os Réus, ora Recorrentes, para impugnar especificadamente esta alegação do Ministério Público sobre a inexistência das referidas edificações em 1970, juntaram a caderneta predial urbano do artigo (…) onde está mencionado o ano de inscrição na matriz em 1970 (vd. documento 1 da contestação).
X- Relativamente à matriz urbana (…), com o mesmo propósito de impugnação, juntaram uma certidão emitida em 16/09/2016 pela Câmara Municipal de Torres Novas a certificar que o mencionado prédio é anterior à entrada em vigor do regulamento municipal de 19/06/1965 (vd. Documento 8 da contestação).
XI- Sendo estas as matrizes aqui em causa, como se disse, foram exibidas perante o Notário onde se outorgou a mencionada escritura e em sede de contestação juntaram-se documentos com força probatória a confirmar a existência das edificações antes da Lei do Loteamento (DL n.º 289/73, de 6 de Junho).
XII- Razão pela qual se afigura incompreensível como é que o Meritíssimo Juiz a quo veio considerar em 14 dos factos provados: “As edificações existentes nos prédios urbanos referidos na escritura eram inexistentes em 1970 (artigo 16º da petição inicial)”; os ora Recorrentes consideram errada a douta decisão uma vez que o Meritíssimo Juiz fez “tábua rasa” do já citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência referido em 7º das presentes Alegações, acórdão que se considera totalmente aplicável ao caso dos presentes autos (vd. www.dgsi.pt - Acórdão do STJ de 09/05/2002).
XIV- Os prédios urbanos objeto da escritura de doação, declarada nula pela douta sentença de que ora se recorre, foram construídos e inscritos nas respectivas matrizes entes de 1970, factos devidamente certificados pelos órgãos de administração pública competentes.
XV- “À data da construção estava em vigor o Decreto-lei n.º 46673, de 29-11-1965” e que “no domínio da vigência do DL n.º 46673, de 29-11-1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos com ou sem construção, compreendida no loteamento.”
XVI- A incompreensão mencionada pelos ora Recorrentes é mais saliente por a escritura de doação ter sido filtrada por um Notário e um Conservador(a) do Registo Predial no que tange à legalidade da mesma, entidades certamente experimentadas nesta área.
XVII- Os meios probatórios carreados para os presentes autos, documentos autênticos com a data de inscrição na matriz anterior a 1970, impunham decisão diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2, ambos do artigo 640.º do C.P.C.).
XVIII- Partindo do pressuposto de que as edificações eram inexistentes em 1970, erradamente em face da prova documental junto à contestação, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu, em consequência, decisão também ela errada (alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C.).
XIX- Resulta, assim, claro que a decisão que, no entender dos ora Recorrentes, devia ter sido tomada era a de validar, não declarando nula, a escritura de doação aqui em apreço (alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C.).
XX- Atento o exposto, o Meritíssimo Juiz a quo devia ter considerado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 09-05-2002, aplicável ao caso aqui em apreço, julgando a acção totalmente improcedente, não declarando a nulidade da escritura de doação e os consequentes cancelamentos de registos.
O A/recorrido apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:
1 – (…) era dono e legitimo proprietário do prédio misto sito na Rua da (…), Torres Novas, composto de cultura arvense de sequeiros; barracão de rés-do-chão e primeiro andar com a área de 450 metros quadrados; outro barracão de rés-do- chão para arrumos e cave com a área de 1280 metros quadrados; e outro barracão de rés-do-chão para arrumos com a área de 240,25 metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas na ficha (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), secção (…), por proveniência do artigo (…), secção (…), da freguesia de Torres Novas (…, extinta) com o valor patrimonial de € 439,27 e matriz urbana sob os artigos (…), por proveniência do artigo urbano (…) da freguesia de Torres Novas (…, extinta) e este do anterior artigo (…) da freguesia de (…, extinta), com o valor patrimonial de € 90.060,00, artigo (…), por proveniência do artigo urbano (…) da freguesia de Torres Novas (…, extinta) com o valor patrimonial de € 84.580,00; artigo (…) por proveniência do artigo urbano (…) da freguesia de Torres Novas (…, extinta) com o valor patrimonial de € 23.910,00 (artigo 1º da petição inicial).
2 - Por escritura pública de doação, outorgada em 16 de Setembro de 2016, no Cartório Notarial de (…), sito em Porto de Mós, o falecido (…) doou aos filhos (…), (…), (…), (…) e (…) o prédio descrito em 1, em comum e partes iguais, destacando o prédio urbano sito na Rua da (…), 58, (…), União das Freguesias de Torres Novas (…), concelho de Torres Novas, composto de barracão de rés-do-chão e cave, com a área coberta de 1280 metros quadrados, a confrontar de norte e nascente com (…), de sul com Rua Pública e de poente com (…) e Irmão, Lda., inscrito na matriz sob o artigo (…), com o valor patrimonial de € 90.060,00 e destacando o prédio urbano sito na Rua da (…), 58, (…), união das freguesias de Torres Novas (…), concelho de Torres Novas, composto de barracão de rés-do-chão e primeiro andar, com a área de 450 metros quadrados, a confrontar de norte, sul e poente com (…) e de nascente com Rua Pública, inscrito na matriz sob o artigo (…), com o valor patrimonial de € 84.580,00 (artigo 3º da petição inicial).
3 - Pela escritura de doação outorgada em 16.09.2016 e na sequência do testamento de 04/10/2016, o falecido … (aqui representado pelos seus herdeiros habilitados) e os RR. (…), (…), (…) e (…) procederam à divisão do prédio misto inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), Secção (…) e na matriz urbana sob os artigos (…), (…) e (…) em três partes, autonomizando a parte da parcela urbana composta de barracão de rés-do-chão e cave com área de 1280m2, da parcela urbana composta por barracão de rés-do-chão e 1.º andar com a área de 450 m2 que após a divisão passaram a ter os artigos matriciais (…) e (…), respetivamente, que foi objeto de doação e uma terceira parcela residual com o artigo (…) e o artigo (…) composto por barracão de rés-do-chão para arrumos com a área de 240,25 m2 (artigo 10º da petição inicial).
4 - Por escritura de 04/10/2016 realizada no Cartório Notarial de (…), sito em Porto de Mós, (…) fez testamento, mediante o qual declarou legar em comum e partes iguais aos seus filhos, os Réus (…) e (…), por conta da sua quota disponível, o prédio rustico sito em (…), União de Freguesias de Torres Novas, composto de cultura arvense de sequeiro, inscrito na matriz sob o artigo … (artigo 2º da petição inicial).
5 – (…) faleceu a 4 de Dezembro de 2016 (artigo 4º da petição inicial).
6 - São herdeiros habilitados de (…) os seus filhos …, …, …, … e … (artigo 5º da petição inicial).
7 - Nenhum dos Réus solicitou à Câmara Municipal de Torres Novas qualquer licenciamento de operação de loteamento para o prédio referido em 1º antes de 16 de Setembro de 2016 (artigo 6º da petição inicial).
8 - Os Réus (…) e (…), em 10 de Fevereiro de 2017, requereram ao Serviço de Finanças a desanexação de 1.730 metros quadrados do prédio rústico n.º (…), correspondentes aos artigos urbanos (…) e (…), invocando para tanto a escritura pública de doação mencionada em 2, tendo tal pretensão sido indeferida por constituir uma operação de loteamento, sem ter sido efectuada a verificação prévia por parte da Câmara Municipal (artigo 7º da petição inicial).
9 - O R. (…) requereu a 19 de Abril de 2017 à Câmara Municipal de Torres Novas certidão de autorização de destaque dos artigos urbanos (…), (…) e (…) da extinta freguesia de (…), requerimento que foi indeferido por não cumprir o estabelecido no n.º 4 do artigo 6.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, uma vez que o pedido pressupunha a criação de quatro parcelas, algumas delas sem acesso por arruamento público (artigo 8º da petição inicial).
10 - Os Réus apresentaram no Serviço de Finanças competente uma reclamação administrativa de matrizes prediais relativamente ao prédio n.º (…) da secção (…) da actual União de freguesias de (…), do concelho de Torres Novas (artigo 12º da petição inicial - parte).
11 - O prédio (…) da secção (…) foi inscrito na matriz no ano de 2016 e teve origem no prédio n.º (…) da mesma secção (artigo 12º da petição inicial - parte).
12 - Nas duas escrituras atrás mencionadas os Réus fazem exclusivamente referência ao artigo … da Secção …, que deu origem ao artigo … secção … (artigo 13º da petição inicial).
13 - O prédio … (com a área total de 0,6520 ha) foi eliminado da matriz no ano de 1996 por força de desanexação de parcela para área urbana e a área remanescente deu origem ao prédio (…) com a área de 0,4736 ha, em resultado do processo que correu termos sob o PRA (Processo de Reclamação Administrativa) 82/96 (AT) /PRA 81/96 (DGT) – (artigo 14º da petição inicial).
14 - As edificações existentes nos prédios urbanos referidos na escritura eram inexistentes em 1970 (artigo 16º da petição inicial).
15 - O concelho de Torres Novas entrou em regime de cadastro predial em 30/09/1988 (DR n.º 200, de 30/08/1988 – 2ª Série), sendo que àquela data não foram autonomizadas quaisquer edificações, não obstante os então proprietários dos prédios terem participado no processo de execução do cadastro que teve na base a demarcação por eles efetuada e não houve qualquer reclamação, quer relativamente à inscrição na matriz, quer quanto à emissão da caderneta predial (artigo 17º da petição inicial).
16 - A parcela rústica que está caraterizada para efeitos de cadastro geométrico da propriedade rústica na tipologia dominante de cultura arvense de sequeiro, tem uma área inferior à unidade de cultura permitida para Lisboa e Vale do Tejo, onde, nos termos da Portaria 219/2016, de 09/08, é de 8 ha a unidade de cultura para terrenos de sequeiro situados na área da NUTS III Médio Tejo, em que se inclui o concelho de Torres Novas, tendo o prédio em referência apenas a área total de 0,4736 ha (artigo 19º da petição inicial).
Factos não provados.
Da contestação:
12º - O prédio urbano (…) da freguesia de (…) foi inscrito na matriz no ano de 1970.
20º - O prédio urbano (…), o qual corresponde a um barracão de rés-do-chão e 1º andar com a área de 450 m2, foi construído no ano de 1965.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 639.º CPC).
Invocam os recorrentes erro na apreciação da prova que determina alteração do ponto 14 dos factos provados.
Como concretos meios de prova indicam:
- Certidão emitida em 06/09/2016 pela Câmara Municipal de Torres Novas onde consta que verifiquei que o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) foi construído antes de 1965 (motivo pelo qual não se faz referência a qualquer loteamento ou sua dispensa que autorize o seu destaque), fora do perímetro urbano e das zonas rurais de proteção do concelho e demais localidades sujeitas por lei a plano de urbanização, sendo que à zona da sua construção apenas foi aplicado o RGEU em 19/05/1965, por deliberação da Câmara sob a forma de regulamento.”
- “Certidão emitida em 29/08/2016 pelo Serviço de Finanças de Torres Novas comprovativo de que o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) provém do anterior artigo (…) e este, por sua vez, do anterior artigo (…), inscrito na matriz antes de 7/08/1952, sem alteração de áreas, apenas por mudança de freguesia.”
- Caderneta predial urbana do artigo (…) onde está mencionado o ano de inscrição na matriz em 1970.
- Certidão emitida em 16/09/2016 pela Câmara Municipal de Torres Novas a certificar que o mencionado prédio é anterior à entrada em vigor do regulamento municipal de 19/06/1965.
Discute-se a questão de saber se o fracionamento fundiário não ocorreu com a escritura de doação que foi declarada nula, mas sim com a construção das edificações que ali existiam antes de 1965 e isto porque só a partir da entrada em vigor do DL 289/73, de 6 de Junho é que passaram a ser feridos de nulidade todos os fracionamentos de prédio sem que a Camara Municipal emita o respectivo alvará.
Ora, como resulta claro da fundamentação de decisão recorrida não está em causa a questão de saber se o prédio identificado com o art.º (…) foi construído em 1970 e se tinha uma descrição predial autónoma.
Como refere o recorrido «pese embora nas duas escrituras mencionadas nos autos (celebradas nas datas de 16.09 2016 e 04.10.2016) os Réus se refiram exclusivamente ao artº (…), da secção (…), que deu origem ao artº (…), secção (…), este foi eliminado da matriz no ano de 1996 por força da desanexação de parcela para área urbana e a área remanescente deu origem ao prédio (…), em resultado do processo de reclamação administrativa que correu termos sob o n.º 82/96 (AT) 81/96 (DGT).
O concelho de Torres Novas entrou em regime de cadastro predial em 30.09.1988 (cfr. DR n.º 200, de 30.08.1988, 2.ª série), sendo que àquela data não foram autonomizadas quaisquer edificações, não obstante os então proprietários terem participado no processo de execução do cadastro que teve na base a demarcação por eles efectuada e não houve qualquer reclamação, quer relativamente à inscrição matricial, quer quanto à caderneta predial».
Concluímos, pois, não corresponder à verdade que o prédio urbano (…) da freguesia de (…) tenha inscrito na matriz no ano de 1970 nem que o prédio urbano (…), que corresponde a um barracão de rés do chão e 1º andar com área de 450 m/2, tenha sido contruído no ano de 1965, uma vez que no cadastro predial do concelho de Torres Novas elaborado em 30.9.1988 não se encontram autonomizadas quaisquer edificações.
Está provado que o falecido (…) e os RR., através da escritura de doação outorgada em 16.09.2016, procederam à divisão do prédio misto inscrito na matriz rústica sob o artigo … (antes …, Secção …) e na matriz urbana sob os artigos (…), (…) e (…) em três partes, autonomizando a parte da parcela urbana composta de barracão de rés-do-chão e cave com área de 1280m2, da parcela urbana composta por barracão de rés-do-chão e 1.º andar com a área de 450 m2 que após a divisão passaram a ter os artigos matriciais (…) e (…), respetivamente, que foi objeto de doação e uma terceira parcela residual com o artigo … (antes …) e o artigo (…) composto por barracão de rés-do-chão para arrumos com a área de 240,25 m2 (nº 3 dos factos provados).
À data da doação, o prédio (…) tinha a área de 4736 m2 (nº 13 dos factos provados).
Nenhum dos RR. solicitou à Câmara Municipal de Torres Novas qualquer licenciamento de operação de loteamento para o prédio em momento anterior à escritura (nº 7 dos factos provados).
Os RR /recorrentes não discutem a ausência de licenciamento ou parecer que tenha sido emitido pela Câmara Municipal, nem contestam o valor da unidade de cultura fixada pela portaria n.º 219/2016 para a zona em causa (8 hectares), nem tão-pouco se discute a área do prédio (4736 m2).
Argumentando que o acto de fracionamento não ocorreu com a escritura de doação em causa, mas sim com a construção efectiva das edificações ali existentes concluem os recorrentes que à data em que foi realizado o acto de fracionamento do prédio rústico em violação do disposto no art.º 1376º, n.º 1, do Código Civil, ainda não estava em vigor a Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto.
Nos termos do artigo 1376.º, n.º 1, do Código Civil, os terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do país.
A Lei 111/2015, de 27 de Agosto alterou o artigo 1379.º do CC, passando a cominar com nulidade os actos de fracionamento contrários ao disposto no artigo 137.6º, quando na anterior redacção estava prevista apenas a anulabilidade. Com tal alteração pretendeu o legislador a autonomizar e distinguir as consequências jurídicas previstas para os actos de fracionamento (ou troca) contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º, relativamente aos actos de fracionamento efetuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º, passando a violação das primeiras a padecer do vício de nulidade e mantendo a segunda a regra anterior da anulabilidade.
Deste modo, não restam dúvidas que, com a Lei 111/2015, de 27 de Agosto, se previu expressamente serem nulos os actos de fracionamento ou troca que sejam contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º, e que consistam no fracionamento do prédio rústico em parcelas inferiores à unidade de cultura, regime bem distinto do anterior, cuja consequência jurídica era a anulabilidade, a arguir no prazo de 3 anos, sob pena de sanação.
Sendo de manter o quadro factual apurado como decidido supra teremos que concluir que na data em que foi realizado o fracionamento, é aplicável o regime decorrente do artigo 1379.º do Código Civil, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto (que revogou os Decretos-Lei n.º 384/88, de 25.10 e n.º 103/90, de 22.03), actualizada pela Lei 89/2019, de 03 de Setembro, que determina a nulidade do acto de fracionamento.
Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
Évora, 27 de Maio de 2021
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral
Maria Rosa Barroso