IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
MÁ FÉ
Sumário

- “In casu”, está em causa um acto gratuito (doação), pelo que a figura da impugnação pauliana pressupõe, tão só, a verificação da existência de um determinado crédito, que esse crédito seja anterior ao acto a impugnar (ou, sendo posterior, que o acto tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor) e que resulte do acto a impossibilidade ou agravamento da impossibilidade da satisfação integral do crédito.
- Ora, atenta a factualidade apurada nos autos, constata-se que foi feita prova no processo dos requisitos da impugnação pauliana supra referidos, no que tange à doação, pelos 1.º e 2.º Réus à 3.ª Ré (sua filha) do imóvel já devidamente identificado no processo, pelo que forçoso é concluir que a presente acção tinha, inexoravelmente, de vir a ser julgada procedente.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

P. 5223/19.6T8STB.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) Credit intentou contra (…), (…) e (…) a presente acção de impugnação pauliana peticionando que, nos termos do disposto nos artigos 610.º e seguintes do Código Civil, seja declarada a ineficácia em relação à A. do acto de doação efectuado pelos 1º e 2º RR. a favor da sua filha, a 3ª R., à data da doação, menor, registado pela apresentação (…), de 2014-09-15, do prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão e 1.º andar para habitação e logradouro, sito em Quinta da (…), (…), denominado, lote 98, freguesia (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o número (…). Peticionou ainda que seja ordenado à 3ª R. a restituição do supra referido bem, de modo a que a A. possa executá-lo no património dos RR. na medida do seu credito e bem assim praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, devendo os RR. ser condenados a reconhecer o sobredito direito de restituição da A.
Alegou, em suma, que pelos 1º e 2º RR. foi doado à 3ª R., sua filha, o único imóvel que detinham livre de ónus de penhora por forma a salvaguardar o imóvel e impossibilitar a cobrança do crédito da A., constituído por montante ainda em dívida de empréstimo contraído pelos 1º e 2º RR. junto da A. Mais alegou que os RR., no próprio dia em que foi cancelada a penhora registada a favor da Fazenda Nacional, registaram a doação em causa a favor da sua filha, com constituição de reserva de uso e habitação a favor dos 1º e 2º RR., deliberadamente dissipando o seu património com vista a eximirem-se às responsabilidades que assumiram perante os credores, visto que nenhum dos dois 1º e 2º RR.. tem outros bens, à excepção de um veículo automóvel do ano de 2005 e do usufruto sobre o prédio supra identificado. Conclui, assim, pela procedência total da presente acção.
Os RR., devidamente citados para o efeito, apresentaram contestação, assumindo efectivamente que fizeram a doação acima referida, mas alegando que nunca pretenderam esconder a doação ou prejudicar os credores evitando a satisfação integral dos seus débitos, continuando a deter o direito de uso e habitação sobre o dito imóvel.
Concluem pela inexistência de qualquer acto que prejudique a A. e, consequentemente, pela improcedência total da presente acção. Invocaram, ainda a prescrição do direito da A., cuja improcedência foi apreciada e decidida em sede de audiência prévia, mantendo-se a regularidade da instância.
Em sede de audiência prévia declarou a A. aceitar a confissão por parte dos RR. quanto à transmissão do bem por doação, mais invocando que os RR. em momento algum alegam que a A. não é detentora do crédito ou que o crédito da A. não é anterior à transmissão, admitindo igualmente tais factos, assim como não indicam a existência de património bastante para fazer face aos créditos do A. concluindo, assim, pela verificação, neste momento, de todos os elementos necessários à prolação imediata de decisão final.
Não foram indicados temas de prova e foi determinado, desde logo, a notificação dos RR. a fim de, querendo, exercerem o contraditório (no que tange à prolação imediata de saneador sentença), não se tendo os mesmos pronunciado.
De seguida, pela Mma Juiz “a quo” foi proferido saneador-sentença, uma vez que já se mostravam carreados para os autos todos os elementos necessários à prolação de decisão final e, por via disso, julgou a presente acção procedente, por provada e, em consequência, declarou a ineficácia em relação à A. do acto de doação efectuado pelos 1º e 2º RR. a favor da sua filha, a 3ª R., registado pela apresentação (…), de 2014-09-15, do prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão e 1.º andar para habitação e logradouro, sito em Quinta da (…), (…), denominado, lote 98, freguesia (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o número (…). Determinou ainda à 3ª R. a restituição do supra referido bem, de modo a que a A. possa executá-lo no património dos RR., na medida do seu crédito e bem assim praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei para realização integral do seu crédito, condenando os RR a reconhecer o sobredito direito de restituição da A.

Inconformada com tal decisão dela apelou a 3ª R., tendo apresentado para o efeito as usas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso, versa sobre os factos provados, em concreto pontos 11 e 12 e ponto 28.
II. Foi decidido, por despacho saneador, dar como procedente o pedido formulado pela A.
III. De acordo, com o ponto 11 dado como assente, corre o processo n.º 2588/13.7TBPTM no Juízo de Execução de Silves, Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro.
IV. Processo esse, que envolve os mesmos sujeitos processuais do presente processo e que visa recuperar dívida exequenda, por recurso obviamente a custa do património dos devedores.
V. Repete-se processo de 2013, que corre termos em Silves, tendo a Autora conhecimento integral do património dos RR.
VI. A autora, em 2013, em virtude de incumprimento em contrato, colocou processo executivo, contra os RR. transmitentes.
VII. Tendo na sua posse um titulo certo, liquido e exigível, basta verificar que deu inclusive origem a um processo executivo, que ainda hoje não está finalizado.
VIII. Titulo que permitia a autora, de requerer a penhora do imóvel, alvo de impugnação pauliana,
IX. Não obstante tal facto, por inoperância ou inercia da autora, ou desinteresse no imóvel, não fez uso do seu direito.
X. Por sua vez, em 2014, ocorre acto translactivo por doacção para a ora recorrente.
XI. Em 2019, é colocado acção de impugnação pauliana, ou seja, 6 anos depois da acção executiva, requerendo que tal direito lhe fosse procedente.
XII. É sabido, que para que a impugnação pauliana possa prevalecer, é preciso demonstrar que o acto tenha sido realizado com o fim de impedir a satisfação do direito do credor.
XIII. Ora tal instituto não pode ser aceite, de animo leve, e quando a Autora, por desinteresse não acautelou o seu direito.
XIV. Caso contrário, existiria repetição de processos em tribunais, sobre os mesmos pedidos e sobre o mesmo objeto de litígio.
XV. A autora, já que tinha na sua posse titulo executivo, há aproximadamente 6 anos, com conhecimento do património dos devedores.
XVI. A autora, não pode 6 anos após a acção executiva, vir fazer uso de uma acção declarativa, quando a acção executiva preenchia a sua pretensão.
XVII. Demonstrou ao longo do tempo, um total desinteresse no imóvel, alvo de impugnação.
XVIII. Ou seja, veio em 2019, veio fazer uso de um mecanismo declarativo, para um direito já tinha sido obtido executivamente.
XIX. É deveras evidente, que a impugnação paulina aquando da sua entrada deveria improceder, quer por não preencher os requisitos da sua admissibilidade, quer pelos motivos acima identificados.
XX. O desinteresse no objecto da lide, inércia e inoperância da autora, não se pode posteriormente sobrepor um processo declarativo a um processo executivo, que lhe permitiu sempre satisfazer o seu crédito.
XXI. Pelo exposto, deverá a presente sentença ser alterada, por erro de apreciação da prova, falta de clarividência da prova produzida, e todas das demais questões que o Tribunal “a quo” deveria apreciar, por forma a repor a descoberta da verdade material e, assim, fazer-se inteira e sã Justiça.
Pela A. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela 3ª R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber, por um lado, se não estão verificados todos os requisitos da impugnação pauliana e, por outro, o eventual desinteresse no objecto da lide e a inércia por parte da A. em fazer uso do seu direito (ou seja, a penhora do imóvel devidamente identificado nos autos).

Antes de nos pronunciarmos sobre a questão supra referida importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever:
1- Por contrato de cessão de créditos, a ora Autora (…) Credit adquiriu do Banco (…) Português, S.A. diversos créditos, bem como todos as garantias dos mesmos, onde se incluem o contrato n.º (…) e o contrato n.º (…) que está indicado nas folhas 10 e 147 do conjunto de 182 que compõem a Schedule 6-B anexa ao mesmo;
2- Em 20 de Março de 2018, o Cedente informou o 1.º Réu e a 2.ª Ré da celebração do contrato de cessão de créditos;
3- Em 16-12-2010, o Banco (…) Português, SA celebrou com (…) e (…), na qualidade de Mutuários, um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, no valor de €54.460,00 (cinquenta e quatro mil, quatrocentos e sessenta euros), ao qual foi atribuído o n.º (…);
4- Estipulou-se que o empréstimo vencia juros à taxa anual efetiva, fixada em 9,00%;
5- Em caso de mora, ficou convencionado o acréscimo de uma sobretaxa de 4% ao ano a título de cláusula penal e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas, para efeito de registo em € 2.178,40 (dois mil, cento e setenta e oito euros e quarenta cêntimos);
6- Em garantia do capital mutuado, juros e despesas contratuais, os mutuários constituíram a favor do Banco hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, composto por terreno de construção, sito em (…), (…), denominado “lote trinta”, Freguesia e Concelho de Portimão, inscrito na respetiva matriz no artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número (…);
7- Acresce que, o 1.º e 2.ª Réus procederam à abertura de conta de depósitos à ordem, em 28-03-2008, junto do Banco (…) Português, à qual foi atribuído o n.º (…);
8- À data de 31-12-2012, aquela conta apresentava a descoberto, a título de capital, o valor de € 303,44 (trezentos e três euros e quarenta e quatro cêntimos);
9- Os RR. os deixaram de cumprir com as suas obrigações a partir de 25-01-2013 para o empréstimo n.º (…), e de 31-12-2012, para o empréstimo n.º (…);
10- Por conta do incumprimento dos referidos contratos, o 1.º Réu e a 2.ª Ré ficaram devedores, dos seguintes montantes, a título de capital: a) Empréstimo n.º (…): € 53.327,45 (cinquenta e três mil, trezentos e vinte e sete euros e quarenta e cinco cêntimos); b) Empréstimo n.º (…): € 303,44 (trezentos e três euros e quarenta e quatro cêntimos);
11- Por forma a ser ressarcido dos montantes em dívida e associado ao contato (…), o Banco (…) Português instaurou contra os ora 1.º e 2.ª Réus, a ação executiva n.º 2588/13.7TBPTM que corre termos no Juízo de Execução de Silves, Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro;
12- A execução tem como quantia exequenda o montante total de € 57.984,04 (cinquenta e sete mil, novecentos e oitenta e quatro euros e quatro cêntimos), estando peticionada a cobrança coerciva do crédito hipotecário;
13- No âmbito daquela ação judicial, o Banco (…) Português indicou à penhora o imóvel que servia de garantia ao crédito hipotecário, tendo sido apresentada proposta de (…), no valor € 30.000,00 (trinta mil euros), a qual, por ser a de valor superior, veio a ser aceite, conforme Auto de Abertura e Aceitação de Propostas (29.05.2014) e Título de Transmissão (18.07.2014) no âmbito do processo n.º 2588/13.7TBPTM;
14- A venda do imóvel possibilitou a recuperação parcial do crédito hipotecário, sendo que, à data de 26-08-2014, permanecia em dívida o montante de € 34.446,94 (trinta e quatro mil, quatrocentos e quarenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos), conforme notificação do Exmo. Agente de Execução, de alteração da quantia Exequenda, em virtude da venda do imóvel;
15- À data de 26-07-2019, acrescem juros, desde 30-05-2014 (conforme nota de liquidação do Agente de Execução), em montante que cifra em € 18.128,04 (dezoito mil, cento e vinte e oito euros e quatro cêntimos);
16- Totalizando, assim, quanto ao crédito hipotecário em questão, o valor de € 52.574,98 (cinquenta e dois mil, quinhentos e setenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos);
17- A este valor, acresce ainda o montante em dívida decorrente do descoberto da conta à ordem n.º (…), cujo capital, à data de 31-12-2012 ascendia a € 303,44 (trezentos e três euros e quarenta e quatro cêntimos);
18- Sobre este valor, são devidos juros, calculados à taxa legal de 4,00%, desde a data da passagem a contencioso (31-12-2012), até à data de 26-07-2019, que perfazem o valor de € 79,74 (setenta e nove euros e setenta e quatro cêntimos);
19- Pelo que, no total, se encontra em dívida, quanto a este contrato, o valor de € 383,18 (trezentos e oitenta e três euros e dezoito cêntimos);
20- Em relação ao valor atualmente em dívida à Autora, conforme se referiu, ascende a mais de € 52.958,16 (cinquenta e dois mil, novecentos e cinquenta e oito euros e dezasseis cêntimos);
21- Resulta das pesquisas junto da Autoridade Tributária, efectuadas no âmbito da acção executiva n.º 2588/13.7TBPTM, que apenas é apurada a existência de um veículo, do ano de 2005 nomeado à penhora;
22- (…) e de um imóvel relativamente ao qual os Executados, aqui 1.º e 2.ª Réus, apenas são titulares de um usufruto, cuja efetivação da penhora se encontra em curso;
23- Mas, da venda deste direito, não se antevê qualquer possibilidade de recuperação do montante que se mostra em dívida, pois a concretizar-se, o valor será reduzido;
24- Quanto ao imóvel em questão, existe já, também pendente, ação pauliana, registada a favor de (…), S.A., no qual é peticionado um reconhecimento de crédito e possibilidade de execução no património de terceiro que ascende a € 135.886,36 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e oitenta e seis euros e trinta e seis cêntimos);
25- No que respeita ao 1.º e à 2.ª Ré, das pesquisas efetuadas no processo executivo resulta que nenhum deles tem outros bens, à exceção dos já supra identificados;
26- No prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão e 1.º andar para habitação e logradouro, sito em Quinta da (…), (…), denominado lote 98, freguesia (…), inscrito na respectiva matriz sob o art.º (…), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o número (…) constava registada penhora a favor da Fazenda Nacional, a qual foi cancelada a 15-09-2014 e na mesma data em que esta foi cancelada, foi registada a doação do prédio pelos 1.º e 2.º RR à sua filha, 3ª R., então menor;
27- A esta data, estava já em curso o processo executivo intentado pelo Banco (…) Português no âmbito do qual corriam as diligências de venda do imóvel dado em garantia do cumprimento do crédito, e apenas após essa venda poderiam ser penhorados outros bens;
28- Em 15-09-2014, o 1.º e a 2.ª Réus doaram à sua filha, a 3.ª Ré, à data da doação, menor, o imóvel identificado em 26), tendo reservado para si o usufruto vitalício – cfr. apresentação (…), registada a 15-09-2014.

Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela 3ª R., ora apelante – saber, por um lado, se não estão verificados todos os requisitos da impugnação pauliana e, por outro, do eventual desinteresse no objecto da lide e da inércia por parte da A. em fazer uso do seu direito (ou seja, a penhora do imóvel devidamente identificado nos autos) – importa referir a tal propósito que, como bem observa Antunes Varela (in «Das Obrigações em Geral», vol. II, 4ª ed., 1990, pág. 421), «a lei não se limita a conceder ao credor o direito de promover a execução forçada da prestação no caso de o devedor não cumprir voluntariamente e de se ressarcir à custa do património do obrigado, se a realização coactiva da prestação não for possível». «Concede-lhe ainda os meios necessários para o credor defender a sua posição contra os actos praticados pelo devedor, capazes de prejudicarem a garantia patrimonial da obrigação, diminuindo a consistência prática do seu direito de agressão sobre os bens do obrigado» (ibidem).
Ora, um dos instrumentos de tutela predispostos na lei para a preservação da consistência prática do direito de crédito é precisamente a chamada impugnação pauliana, a qual confere ao credor o poder de reagir contra os actos praticados pelo devedor (ainda que válidos) que envolvam diminuição da garantia patrimonial, seja porque diminuam o activo, seja porque aumentem o passivo do património do devedor (autor, obra e vol. cit., págs. 422 e 434).
São dois os requisitos gerais exigidos pela lei para que o credor possa lançar mão da impugnação pauliana: a) que o acto impugnado cause prejuízo à garantia patrimonial do crédito; b) que o crédito seja anterior ao acto impugnado.
«O requisito da nocividade concreta do acto (impugnado) vem explicitado, com maior precisão, no texto da alínea b) do artigo 610º (do Código Civil), segundo a qual é necessário que do acto resulte a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade» (A. Varela, in obra e vol. cit., págs. 435 «in fine» e 436).
«Confrontando (...) a redacção da alínea c) do artigo 610.º com o texto do artigo 1033.º do Código Civil de 1867 («O acto ou contrato verdadeiro, mas celebrado pelo devedor em prejuízo do seu credor, pode ser rescindido a requerimento do mesmo credor, se o crédito for anterior ao dito acto ou contrato, e deste resultar insolvência do devedor [5]), à luz dos trabalhos preparatórios do Código vigente, fácil se torna verificar que, com a sua nova formulação, quis a lei abranger os casos em que, não determinando embora o acto a insolvência do devedor, dele resulte, no entanto, a impossibilidade prática, de facto, de pagamento forçado do crédito» (ibidem). «É o caso típico do devedor que vende o único imóvel capaz de garantir com segurança, através da sua penhora, a satisfação integral dos seus débitos, pensando na fácil subtracção do preço à acção da justiça» (ibidem). Mete-se pelos olhos dentro de qualquer observador minimamente atento que «o Código de 1966, através da nova formulação do requisito, pretendeu deliberadamente colocar ao alcance da pauliana os actos deste tipo, que, não provocando embora, em bom rigor, a insolvência do devedor, podem criar para o credor a impossibilidade de facto (real, efectiva) de satisfazer integralmente o seu crédito, através da execução forçada» (autor, obra e vol. cit., pág. 437).
A data relevante para determinar se do acto resultou ou não, para o credor impugnante, a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito é a do acto impugnado[6].
Quanto ao onus probandi relativo ao prejuízo da garantia patrimonial dos credores, o art.º 611.º do Código Civil abre uma excepção à regra geral sobre o ónus da prova consagrada no n.º 1 do artigo 342.º do mesmo diploma[7] e reparte-o nos seguintes termos: ao credor (impugnante) cabe a prova do montante do passivo[8] do devedor; a este (ou ao terceiro, eventualmente interessado na manutenção do acto) compete, por sua vez, demonstrar que possui bens penhoráveis, de valor igual ou superior. Esta excepção encontra o seu fundamento na dificuldade ou mesmo impossibilidade que o credor sempre teria de provar que o devedor não tem bens[9].
Relativamente à exigência (constante da alínea a) do cit. artigo 610.º do Código Civil) de que o crédito seja anterior ao acto impugnado, a sua razão de ser está em que «só os titulares de créditos anteriores a esse acto se podem considerar lesados com a sua prática, porque só eles podiam legitimamente contar com os bens saídos do património do devedor como valores integrantes da garantia patrimonial do seu crédito» (A. Varela, in obra e vol. cit., pág. 438).
Neste ponto, o Código Civil de 1966 introduziu, porém, uma relevante inovação, ao admitir, embora a título excepcional, a impugnação pauliana de actos anteriores à própria constituição do crédito quando os mesmos tenham sido praticados com dolo com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (cfr. a parte final da cit. alínea a) do artigo 610.º). Os casos que a lei pretendeu, assim, abranger são «aqueles em que o devedor, para obter o crédito, faz dolosamente crer ao credor que certos bens por ele alienados ou onerados ainda pertencem ao seu património, como bens livres de quaisquer encargos» (autor, obra e vol. cit., pág. 439).
Porém, as condições que devem verificar-se para que proceda a impugnação pauliana são diversas, consoante se trate de actos praticados a título oneroso ou a título gratuito. Tratando-se de actos a título oneroso, a lei exige ainda, a par dos dois requisitos de ordem geral acima enunciados, um outro requisito adicional: terem o devedor e o terceiro[10] agido de má fé (cfr. a 1ª parte do n.º 1 do artigo 612.º do Código Civil); pelo contrário, relativamente aos actos gratuitos, a impugnação procede, mesmo que o devedor e o terceiro agissem de boa fé (cfr. a parte final do mesmo preceito).
Como notam Pires de Lima-Antunes Varela (in Cód. Civ. Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 628), «a diversidade de regimes tem explicação fácil: sendo o acto gratuito, há sempre prejuízo para o credor, e prejuízo injustificável, porque quem procura interesses (certat de lucro capiendo, como diziam as fontes romanas) deve ceder a quem procura evitar prejuízos (certat de damno vitando: nemo liberalis nisi liberatus); sendo o acto oneroso, em tese geral não há prejuízo para o credor, porque à prestação cedida há-de corresponder, por conceito, uma prestação de valor equivalente». «Deve, portanto, exigir-se mais alguma coisa». «E essa mais alguma coisa é a má fé» (ibidem).
Sobre o sentido e verdadeiro alcance do conceito de má fé, prescreve o n.º 2 do mesmo artigo 612.º que se entende por má fé «a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor».
O confronto entre esta fórmula legal da má fé e a definição do mesmo conceito consagrada no 2º período do artigo 1036.º do Código Civil de 1867 («A má fé, em tal caso, consiste no conhecimento desse estado», sendo o estado aqui referido o de insolvência definido no 1º período da mesma disposição) logo evidencia que elas diferem num duplo aspecto.
«Por um lado, a lei vigente afasta-se de caso pensado (...) da ideia de que a pauliana se encontra ligada forçosamente à insolvência do devedor, apelando antes para a impossibilidade de facto da satisfação integral do crédito como consequência do acto» (A. Varela in obra e vol. cit., pág. 440). «Por outro lado, não basta que o devedor e o terceiro, partes no acto realizado, tenham conhecimento da situação precária do devedor, porque podem eles ter até fundadas razões para crer que o acto virá a provocar uma melhoria dessa situação» (ibidem). «Essencial é que o devedor e o terceiro tenham consciência do prejuízo[11] que a operação causa aos credores» (ibidem). Mas «a formulação da lei também se demarca nitidamente da posição dos autores que identificam a má fé com a intenção de prejudicar os credores» (ibidem). Com efeito, «o devedor e o terceiro podem agir com outra intenção, em busca dum outro objectivo, mas com perfeita consciência do prejuízo que vão causar» (ibidem). «E tanto basta, no pensamento da lei, para que a pauliana proceda» (ibidem).
Em resumo – como concluem Pires de Lima-Antunes Varela (in obra e vol. cit., pág. 629) – «pode dizer-se que o conceito (de má fé) adoptado representa uma solução intermédia entre o antigo conceito psicológico do conhecimento da insolvência e o requisito bem mais apertado da intenção de prejudicar (animus nocendi) os credores».

Assentes estas premissas, vejamos agora se os requisitos acabados de enunciar concorrem no caso dos presentes autos.
Ora, da factualidade assente e acima transcrita, resulta claro que, “in casu”, está em causa um acto gratuito (doação), pelo que a figura da impugnação pauliana pressupõe, tão só, a verificação da existência de um determinado crédito, que esse crédito seja anterior ao acto a impugnar (ou, sendo posterior, que o acto tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor) e que resulte do acto a impossibilidade ou agravamento da impossibilidade da satisfação integral do crédito.
Quanto ao requisito legal da existência do crédito e da sua anterioridade relativamente ao acto impugnado, apenas se dirá que o mesmo encontra-se verificado, atenta a factualidade dada como provada, uma vez que à data do referido acto translativo (doação) – e aqui impugnado – os 1º e 2º RR. tinham já conhecimento de que no âmbito do P. 2588/13.7TBPTM o valor da quantia exequenda, após a venda do imóvel sobre o qual incidia a garantia real (hipoteca) predialmente registada a favor do credor/exequente, era de € 34.446,94.
Assim, através da doação do imóvel identificado nos autos, os 1º e 2º RR. procuraram retirar do seu património o único bem imóvel que remanescia em seu nome, dado que a execução, após excussão do bem imóvel dado em garantia ao exequente, iria prosseguir para pagamento do remanescente da quantia exequenda.
Por outro lado, no que tange ao requisito legal que do acto resulte a impossibilidade do credor obter a integral satisfação do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade – requisito que a 3ª R., ora apelante, sustenta não se ter por verificado – logrou a A. fazer prova, como vimos, de que é titular de um crédito sobre o 1º e 2º RR. no valor já acima referido de € 34.446,94 e, bem assim, da anterioridade da constituição do mesmo, tendo por referência o acto de disposição do bem imóvel (doação).
Por isso, cabia aos 1º e 2º RR., como devedores, e à 3ª R., terceiro beneficiado e aqui apelante, provar que, depois do acto gratuito praticado, aqueles dispunham ainda no seu património de bens penhoráveis de igual ou maior valor, suficientes para solver o crédito da A – como resulta, aliás, do estatuído no artigo 611.º do Código Civil – prova essa que os RR., de todo, não vieram a fazer nestes autos.
Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o Ac. do STJ de 20/372012, disponível in www.dgsi.pt, no qual, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- A impugnação pauliana constitui, como se sabe, um meio de conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações, com ela se tutelando o interesse dos credores contra o desvio do património pelo devedor, que implique obstáculo absoluto à satisfação dos seus créditos ou o seu agravamento.
Assim sendo, podemos afirmar que os pressupostos da impugnação pauliana são os seguintes: a existência de um crédito; a prática, pelo devedor, de um acto que não seja de natureza pessoal, que provoque, para o credor um prejuízo (a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade); a anterioridade do crédito relativamente ao acto ou, se o crédito for posterior, ter sido o acto dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé – cfr. arts. 610.º a 612.º do Código Civil.
Por outro lado, no que concerne ao ónus de prova – em desvio ao regime geral sobre a sua distribuição – cabe ao credor a prova do montante do crédito que tem contra o devedor e da anterioridade dele em relação ao acto impugnado, sendo que ao devedor cabe a prova da existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na sua titularidade – cfr. artigo 611.º do Código Civil.
Deste modo, estando verificados, no caso em apreço, todos os requisitos necessários ao preenchimento da figura da impugnação pauliana, forçoso é concluir que se impõe a procedência da presente acção, sendo de declarar a ineficácia do acto gratuito praticado pelos RR., tal como peticionado pela A.
Além disso, e ao contrário do que sustenta a recorrente, também não se verifica o eventual desinteresse no objecto da lide e a inércia por parte da A. em fazer uso do seu direito (ou seja, a penhora do imóvel devidamente identificado nos autos).
Isto porque, apesar da A. ter feito uso desta acção cerca de 6 anos após a acção executiva, veio a fazê-lo dentro do prazo previsto de 5 anos a que alude o artigo 618.º do Código Civil, contados da data do acto impugnável (doação), pelo que não se verifica a caducidade do direito de propor a presente acção na data em que foi instaurada (9/8/2019) – cfr. artigo 311.º do Código Civil.
Quanto às razões que estiveram na origem de não ter sido indicado à penhora, logo no ano de 2013, o imóvel aqui em discussão, apenas se dirá que tal ocorreu por força do estipulado no n.º 1 do artigo 752.º do C.P.C., no qual é afirmado o seguinte:
- Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.
Na verdade, o acto de constituição da garantia patrimonial em que a penhora se resolve está submetido a um princípio estrito, ou seja, o princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da suficiência, sendo certo que, de harmonia com o princípio da proporcionalidade, devem ser penhorados apenas os bens suficientes para satisfazer a quantia exequenda e as despesas previsíveis da execução, cujo valor de mercado permita a sua satisfação – cfr. artigos 735.º, n.º 3, 736.º, alínea c), 745.º, n.º 5 e 751.º, n.º 1, todos do C.P.C..
Com efeito, a agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses daquele na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património e, por isso, não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda.
Deste modo, uma vez que só após a venda do primitivo imóvel penhorado na acção executiva supra identificada (P. 2588/13.7TBPTM) é que se constatou que tal venda apenas tinha possibilitado a recuperação parcial do crédito hipotecário, veio a A. a encetar novas diligências, tendentes à recuperação da totalidade da quantia exequenda, juros e demais despesas remanescentes, tendo averiguado, então, a existência do imóvel identificado nestes autos, o qual tinha sido objecto de doação dos 1º e 2º RR. à 3ª R., sua filha, em 15/9/2014, bem sabendo eles, em tal data, da existência da referida acção executiva e do crédito que a A. ainda mantinha sobre os dois primeiros RR.
Assim sendo, não podemos deixar de sufragar, por inteiro, aquilo que foi afirmado – em caso idêntico ou similar ao destes autos – no Ac. da R.L. de 21/1/2016, disponível in www.dgsi.pt, o qual, de seguida, passamos a transcrever:
- Tendo o Réu contraído uma dívida com o Banco Autor e procedendo, posteriormente, à doação de um imóvel aos filhos, reservando-se o respectivo usufruto, não se provando que disponha de outros bens que possam garantir a satisfação do crédito do Banco, procede a acção de impugnação pauliana proposta por este, visando obter a declaração de ineficácia de tal doação.
- O usufruto é um direito de valor quase nulo em termos de mercado, até porque se trata de um direito que se extingue com a morte dos respectivos titulares.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões do recurso formuladas pela 3ª R., ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.

***

Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C. passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

***

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela 3ª R., confirmando-se inteiramente a sentença proferida pela M.ma Juiz “a quo”.
Custas pela 3ª R., ora apelante (sem prejuízo do apoio judiciário de que é beneficiária).
Évora, 27 de Maio de 2021
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] Ainda assim – segundo nos informa A. Varela (in ob. e vol. cit., p. 436 nota 2) –, «apesar do seu texto acanhado, a boa jurisprudência não deixava de o aplicar ao caso típico da compra e venda feita pelo preço correcto, mas em que o devedor (alienante) agia com o propósito (conhecido do adquirente) de mais facilmente ocultar o preço à acção dos credores».
[6] Cfr, neste sentido, A. Varela (in ob. e vol. cit., p. 437) e, na jurisprudência, o Ac. do STJ de 19/12/1972 (publicado in BMJ n.º 222, p. 386).
[7] De harmonia com a qual, «em princípio, numa acção de impugnação devia caber inteiramente ao autor fazer a prova dos requisitos necessários à procedência do pedido (...) e, portanto, devia caber-lhe não só a prova do montante da dívida e da anterioridade do crédito, como da diminuição da garantia patrimonial nos termos da alínea b) do artigo 610.º» (Pires de Lima-Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., 1987, pp. 627-628).
[8] Como advertem Pires de Lima-Antunes Varela (in ob. e vol. cit., p. 628), «o artigo 611.º impõe ao credor o ónus de provar o montante das dívidas – e não apenas da dívida, de que ele é titular activo».
[9] Cfr., neste sentido Pires de Lima-Antunes Varela (in ob., vol. e loc. últim. cit.) e Jacinto Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código Civil”, vol. III, 1993, p. 77).
[10] Efectivamente – como se notou no Ac. do STJ de 23/1/1992 (in BMJ n.º 413, p. 548) – «a má fé exigida pelo artigo 612.º do Código Civil como requisito da impugnação pauliana tem de ser bilateral», não bastando a má fé de um dos contraentes.
[11] Segundo Vaz Serra (in Rev. de Leg. e Jur., ano 102.º, p. 68), «tal consciência pode corresponder quer a dolo eventual, quer a negligência consciente, não se podendo apenas dispensar a existência, no “animus” dos contraentes do acto impugnado, da previsão efectiva do prejuízo causado». «Não basta, portanto, a mera previsibilidade desse prejuízo» (ibidem).
No Ac. do STJ de 23/1/1992 (in BMJ n.º 413, p. 548), entendeu-se, diversamente, que «não exigindo o dolo directo – mas não o excluindo, necessariamente – a lei não se basta, todavia, com a negligência consciente, porque exige a adesão dos agentes ao resultado, quer a título de dolo necessário, quer a título de dolo eventual, pois outra coisa se não pode concluir da consciência de que o acto querido causa prejuízo ao credor».