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INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
LEILÃO
JUSTO IMPEDIMENTO
Sumário
I.- Nos termos do artigo 164.º/1, do CIRE, o Administrador da Insolvência deve, preferencialmente, proceder à alienação dos bens através de venda em leilão eletrónico. II.- Contudo, antes disso, deve ouvir os credores com garantia real sobre a modalidade da alienação, informando do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada. III.- Se o credor garantido manifestou interesse na aquisição do bem após realização do leilão eletrónico e depois de o AI ter informado o licitante, com o valor mais elevado no leilão, de que a sua proposta foi aceite, a pretensão do credor garantido é extemporânea, porque efetuada mais de uma semana após as informações previamente oferecidas pelo AI e num momento em que este havia já tomado posição firme sobre a venda perante o licitante com o valor mais elevado (artigo 164.º/2 e 3, do CIRE). (Sumário do Relator)
Texto Integral
Procº 676/18.2T8OLH-C.E1
Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
Recorrente: (…), S.A.
Recorrido: Administrador da Insolvência de (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Comércio de Olhão – Juiz 1, no Incidente de Liquidação da Insolvência de (…), o credor (…), S.A., após venda em leilão eletrónico do imóvel aprendido, veio requerer a nulidade dessa venda, pedindo que o mesmo lhe fosse adjudicado.
Apreciada a questão, foi proferida a seguinte decisão:
A Credora (…), S.A. veio requerer ao Tribunal a anulação da venda do imóvel e a adjudicação do imóvel à Credora.
O Senhor Administrador da Insolvência tomou posição.
Os demais credores nada disseram.
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Encontram-se demonstrados os seguintes factos:
1- O Senhor Administrador da Insolvência decidiu vender o imóvel apreendido no processo de insolvência – fração autónoma designada pelas letras AT e descrita na Conservatória do Registo Predial de Portimão com o nº (…) – em leilão eletrónico, pelo valor base de € 83.895,00, depois de ouvido o credor hipotecário (…), S.A.
2- O Senhor Administrador da Insolvência informou todos os credores, incluindo o credor hipotecário, sobre os termos da venda – valor e data do leilão eletrónico – a 06.08.2020 e a 01.09.2020.
3- Nenhum dos credores questionou tal decisão.
4- O leilão eletrónico terminou a 01.10.2020.
5- A melhor proposta foi a apresentada por (…), no valor de € 84.733,95.
6- A 04.10.2020, o Senhor Administrador da Insolvência comunicou a (…) que a sua proposta havia sido aceite e que teria de pagar à massa insolvente a caução de € 16.946,79 no prazo de 15 dias.
7- A 06.10.2020, o credor hipotecário (…), S.A. informou o Sr Administrador da Insolvência que pretendia apresentar proposta para aquisição do bem, no valor de € 94.500,00, nos termos do artigo 164.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
8- A 12.10.2020, o Senhor Administrador da Insolvência informou o credor hipotecário que apenas lhe poderia adjudicar o imóvel se no dia 28 de outubro, data agendada para a escritura pública de transmissão do bem a (…), se este proponente não comparecesse na escritura ou não procedesse ao depósito do valor de caução.
9- (…) depositou a caução no prazo estabelecido, mas requereu o adiamento da escritura pública para 13 de novembro, invocando a sua dificuldade de deslocar-se a Portugal no atual contexto de pandemia, o que foi aceite pelo administrador da insolvência.
10- A 21.10.2020, o credor hipotecário (…), S.A. reiterou ao Senhor Administrador da Insolvência que pretendia exercer o seu direito ao abrigo do disposto no artigo 164.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
11- O Senhor Administrador da Insolvência informou o Tribunal de tais factos por requerimentos de 27.10.2020 e 29.10.2020.
12- A 06.11.2020, o credor hipotecário veio requerer ao Tribunal que tomasse uma posição e que anulasse a venda do imóvel ao terceiro e ordenasse que o imóvel lhe fosse adjudicado.
13- Tal requerimento não foi notificado ao Senhor Administrador da Insolvência.
14- Por escritura pública de 13.11.2020, o imóvel foi transmitido para (…), que pagou integralmente o preço.
15- Os autos apenas foram conclusos para apreciação das questões a 16.11.2020, a que se seguiu o exercício do contraditório.
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Os factos supra enunciados resultam da análise da correspondência trocada entre os intervenientes, junta aos autos, bem como das posições assumidas pelos intervenientes nos autos e demais documentos apresentados.
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Dispõe o artigo 164.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que:
“1 - O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente. 2 - O credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada. 3 - Se, no prazo de uma semana, ou posteriormente, mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projetada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior. 4 - A proposta prevista no número anterior só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 20% do montante da proposta, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 824.º e 825.º do Código de Processo Civil. (…)”.
No caso, o Senhor Administrador da Insolvência deu cumprimento rigoroso às exigências estabelecidas nos nºs 1 e 2 do artigo 164.º.
A credora reclamante (…), S.A., tendo sido informada para o efeito pelo Senhor Administrador da Insolvência, aceitou a modalidade da venda e o valor base estabelecido para o imóvel apreendido, não tendo levantado qualquer questão.
Ora, a possibilidade do credor hipotecário requerer a aquisição do bem, para si ou para terceiro, tem de ser exercida no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil (artigo 164.º, n.º 3).
Sobre este pressuposto, são lapidares os ensinamentos de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (no seu “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, anotação ao artigo 164.º, Quid Juris), que perfilhamos na íntegra: “A proposta deve ser apresentada ao administrador no prazo de uma semana após a notificação recebida pelo credor e, se apresentada depois disso, só releva quando ainda tenha sido oferecida em tempo útil, isto é, antes de concretizada a venda ou da tomada de compromisso firme de vender assumida pelo administrador.”.
No caso, a credora reclamante exprimiu pela primeira vez o seu interesse em adquirir o imóvel a 06.10.2020.
Nessa data, já tinha terminado o leilão eletrónico, tinha sido efetuada uma oferta no leilão de valor superior ao valor base e o administrador da insolvência tinha contactado o proponente no sentido de procederem aos ulteriores trâmites com vista à aquisição.
Ou seja, a (…), S.A. não comunicou a sua vontade de adquirir o imóvel no prazo de 10 dias subsequente à notificação que recebeu com a indicação da modalidade da venda e do preço base. Tal comunicação foi efetuada a 06.08.2020 (e repetida a 01.09.2020) e a credora apenas manifestou a sua intenção de adquirir a 06.10.2020.
Por outro lado, quando a Credora Reclamante manifestou tal vontade, o leilão eletrónico já tinha terminado. Para além de que (…) já tinha sido informado que a sua proposta – que foi a maior oferta no leilão – tinha sido aceite e que teria de pagar à massa insolvente a caução de € 16.946,79 no prazo de 15 dias, que o proponente cumpriu.
Ou seja, a manifestação de vontade de adquirir o bem expressa pela Credora (…), S.A. foi extemporânea.
Sendo que, entretanto, foi celebrada a escritura pública e o bem transmitido.
Assim sendo, e atendendo a que o administrador da insolvência cumpriu todos os trâmites e pressupostos legais, e considerando que a (…), S.A. apenas manifestou a sua vontade depois de decorrido o prazo que a lei fixa para o efeito, não só não há qualquer fundamento para anulação da venda, como não há também fundamento para que o administrador da insolvência fique obrigado “a colocar o credor na situação que decorreria da alienação” pelo preço por este oferecido, como admite o mesmo n.º 3 do artigo 164º.
Assim sendo, improcede na íntegra a pretensão da (…), S.A..
Decisão:
Em face do exposto, o Tribunal decide indeferir a pretensão da Credora Reclamante (…), S.A., mantendo-se a venda válida e eficaz.
Notifique.
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Não se conformando com o decidido, (…), S.A.recorreu da decisão, formulando as seguintes conclusões,que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:
1. A Recorrente alega a nulidade da venda do imóvel já escriturado.
2. O imóvel entrou em venda tendo a Recorrente efetuado uma proposta no valor de € 83.895,00.
3. Ultrapassada por uma proposta no valor de € 84.733,95.
4. A recorrente tentou apresentar nova proposta que cobrisse a última licitação.
5. Nesse preciso momento, a plataforma do e-leilões foi abaixo.
6. Findo o leilão foi Sr. Administrador de Insolvência informado dessa mesma impossibilidade.
7. O justo impedimento afere-se nos termos do disposto no artigo 140.º do NCPC.
8. Devendo ser ouvida a parte contrária.
9. E reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
10. Assim não aconteceu.
11. O Sr. Administrador fez tábua rasa desse mesmo alegado impedimento.
12. Bem como, da proposta de aquisição da fração por valor superior.
13. Ainda que após o leilão.
14. A proposta apresentada foi feita nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 164.º do NCPC: “Se no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projetada ou ao valor-base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior.“
15.Uma vez mais, o Sr. Administrador ignorou a proposta apresentada, de valor superior e muito mais interessante aos autos,
16. O fito dos mesmos é a liquidação e a obtenção do maior valor possível com a venda dos bens.
17. A parte final do n.º 3 do citado artigo prevê que a apresentação da proposta venha da fixação do preço ou do preço da coisa alienada.
18. Só sabemos o preço da coisa vendida assim que termine o ato de venda, enquanto momento definitivo onde pode o ora credor hipotecário recorrente apresentar o seu valor superior,
19. Uma vez mais, o Sr. Administrador omitiu este passo.
20. Por outro lado, notificado o proponente para efetuar o depósito do preço o mesmo acabou por não fazer a sua totalidade nos prazos definidos.
21. Uma vez mais, o Sr. Administrador, munido das suas prerrogativas, indo contra a lei o CIRE e o próprio NCPC, aceitou a prorrogação do prazo à falta do depósito nos termos do disposto no artigo 824.º do NCPC,
22. Com as devidas consequências logo no artigo imediatamente a seguir, o artigo 825.º do NCPC, “Se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode: Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior;
23. Tendo falhado o depósito nos termos definidos, o Sr. Administrador não ouviu os interessados.
24. Decidindo prosseguir com a venda mesmo após ter sido suscitada a nulidade nos autos.
25. O Sr. Administrador deveria ter-se abstido de praticar quaisquer atos a partir do momento em que foi suscitada a questão da nulidade.
26. Mais do que válida e óbvia face ao comportamento pouco diligente e nada preventivo.
27. Com base nas omissões e atos dolosos com culpa da parte do mesmo.
28. Que em muito prejudicaram os credores em especial o ora credor hipotecário com crédito garantido sobre o imóvel em questão.
29. O Administrador de Insolvência deve observar os seus mais imperiosos deveres nos atos que pratica,
30. Movidos pela lisura, diligência e prevenção.
31. E na falta dos mesmos, pela sua responsabilidade assacada junto de quem de direito, neste caso, a si próprio.
32. É o próprio CIRE no seu disposto no artigo 59.º: O Administrador responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado.
33. Ora quanto a esta última parte, é elementar concluir que faltaram essas qualidades na atuação do Sr. Administrador de Insolvência, ao invés
34. Foi preenchido o elemento tipo da culpa na sua atuação.
35. E por isso, deve a venda ser considerada nula.
36. E subsidiariamente assacada a devida responsabilidade ao Sr. Administrador de Insolvência, na indemnização ao ora credor a apurar segundo os critérios de avaliação estabelecidos com o valor pretendido.
Nestes termos, e no mais em direito permitido, requer-se a V. Exas. a procedência do presente recurso apresentado, produzindo-se os seus efeitos, nomeadamente a revogação do despacho apresentado, determinando-se a nulidade da venda e, caso assim não ocorra, determinar-se a responsabilidade indemnizatória do Sr. Administrador de Insolvência junto do credor hipotecário ora recorrente
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O Administrador da Insolvência contra-alegou, concluindo:
1- O Alegante deu cumprimento ao estabelecido no artigo 164.º, n.º 2, do CIRE;
2- O Credor hipotecário procedeu à indicação do valor base de venda e modalidade de venda em 6 de julho de 2020.
3- O Alegante colocou o bem imóvel à venda em leilão eletrónico com o valor base de € 83.895,00 tal como indicado pelo credor hipotecário;
4- O leilão iniciou-se em 4 de agosto de 2020 tendo encerrado em 1 de outubro de 2020;
5- O Administrador de Insolvência deu conhecimento a todos os credores, incluindo ao credor hipotecário sobre os termos da venda: valor e data do leilão eletrónico;
6- O Alegante deu de imediato conhecimento do resultado do leilão, após encerramento do mesmo, ao apresentante da melhor proposta, Sr. (…;
7- O qual procedeu de imediato ao pagamento do valor de 20% do preço do imóvel, procedendo ao pagamento dos restantes 80% cerca de 10 dias antes da realização da escritura;
8- Em 6 de Outubro de 2020 o credor hipotecário veio apresentar proposta de aquisição do bem imóvel apreendido no valor de € 94.500,00;
9- Essa proposta foi claramente extemporânea porquanto há muito ultrapassado o prazo fixado no artigo 164.º, n.º 3, pelo que, aliado ao facto de ter sido atingido no leilão eletrónico já encerrado, uma proposta superior ao valor mínimo de venda não pode ser aceite;
10- A venda realizada ao proponente, Sr. (…) é plenamente válida e eficaz.
11- O Alegante cumpriu todas as obrigações legais não lhe podendo ser assacada nenhuma responsabilidade.
Nestes termos e nos mais de Direito deverá ser confirmada a Douta Decisão recorrida.
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Foram dispensados os vistos.
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As questões que importa decidir são: 1.- O justo impedimento. 2.- Saber se o sr. AI procedeu à venda do imóvel causando uma diminuição patrimonial ao credor com garantia, de cujo ressarcimento é responsável.
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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
Factos provados:
1- O Senhor Administrador da Insolvência decidiu vender o imóvel apreendido no processo de insolvência – fração autónoma designada pelas letras AT e descrita na Conservatória do Registo Predial de Portimão com o n.º (…) – em leilão eletrónico, pelo valor base de € 83.895,00, depois de ouvido o credor hipotecário (…), S.A.
2- O Senhor Administrador da Insolvência informou todos os credores, incluindo o credor hipotecário, sobre os termos da venda – valor e data do leilão eletrónico – a 06.08.2020 e a 01.09.2020.
3- Nenhum dos credores questionou tal decisão.
4- O leilão eletrónico terminou a 01.10.2020.
5- A melhor proposta foi a apresentada por (…), no valor de € 84.733,95.
6- A 04.10.2020, o Senhor Administrador da Insolvência comunicou a (…) que a sua proposta havia sido aceite e que teria de pagar à massa insolvente a caução de € 16.946,79 no prazo de 15 dias.
7- A 06.10.2020, o credor hipotecário (…), S.A. informou o Senhor Administrador da Insolvência que pretendia apresentar proposta para aquisição do bem, no valor de € 94.500,00, nos termos do artigo 164.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
8- A 12.10.2020, o Senhor Administrador da Insolvência informou o credor hipotecário que apenas lhe poderia adjudicar o imóvel se no dia 28 de Outubro, data agendada para a escritura pública de transmissão do bem a (…), se este proponente não comparecesse na escritura ou não procedesse ao depósito do valor de caução.
9- (…) depositou a caução no prazo estabelecido, mas requereu o adiamento da escritura pública para 13 de Novembro, invocando a sua dificuldade de deslocar-se a Portugal no actual contexto de pandemia, o que foi aceite pelo administrador da insolvência.
10- A 21.10.2020, o credor hipotecário (…), S.A. reiterou ao Senhor Administrador da Insolvência que pretendia exercer o seu direito ao abrigo do disposto no artigo 164.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
11- O Senhor Administrador da Insolvência informou o Tribunal de tais factos por requerimentos de 27.10.2020 e 29.10.2020.
12- A 06.11.2020, o credor hipotecário veio requerer ao Tribunal que tomasse uma posição e que anulasse a venda do imóvel ao terceiro e ordenasse que o imóvel lhe fosse adjudicado.
13- Tal requerimento não foi notificado ao Senhor Administrador da Insolvência.
14- Por escritura pública de 13.11.2020, o imóvel foi transmitido para (…), que pagou integralmente o preço.
15- Os autos apenas foram conclusos para apreciação das questões a 16.11.2020, a que se seguiu o exercício do contraditório.
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Conhecendo. 1.- Ojusto impedimento.
O justo impedimento à prática em tempo de um ato processual, para além do 3.º dia útil após o término do prazo legal, constitui derrogação à regra da extinção do direito a que se refere o artigo 139.º/3, do CPC.
O artigo 140.º do CPC, sob a epígrafe “Justo Impedimento”, define esta figura jurídica: “Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
Seguidamente descrevem-se os procedimentos a adotar para que se considere verificado o instituto: A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Lopes do Rego, in Comentário ao CPC, Almedina, 1999, pág. 125, ainda na anterior versão do código, mas já com a atual redação, opina que “o n.º 1 do artigo pretende operar alguma flexibilização no conceito de “justo Impedimento” colocando no cerne da figura a inexistência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu representante do facto que causa a ultrapassagem do prazo peremptório.
O que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do artigo 487.º do C. Civil.”
Também Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, 2ª Ed. 2019, Vol. II, pág. 61 esclarece que “Cumpre ao juiz perante o qual o ato deve ser praticado, e perante cada situação concreta, apurar se o fundamento invocado reúne os requisitos legais, isto é: – se se tratou de um evento normalmente imprevisível, isto é não suscetível de previsão pela generalidade das pessoas; evento esse estranho à vontade das partes (do sujeito da relação processual ou do respetivo mandatário); – se ocorreu impossibilidade absoluta de praticar o ato, diretamente ou por mandatário, mesmo usando a diligência devida. Nessa apreciação casuística deverá o juiz pautar-se pelo critério da diligência de um bom pai de família (artigo 487.º, n.º 2, do CC), tendo em atenção que a ocorrência de justo impedimento pressupõe sempre a existência de uma conduta inerte, inconsiderada ou imprevidente (culpa ou negligência) por banda da parte ou do seu mandatário ou representante na ultrapassagem do prazo perentório, valoração em que deve levar-se sempre em conta o específico dever de zelo que impende “sobre os profissionais do foro o acompanhamento das causas a seu cargo”.
A jurisprudência também tem definido o que se deve considerar como justo impedimento, sendo disso exemplo o Ac. TRP de 05-03-2018, Carlos Querido, Procº 4021/16.3T8AVR-A.P1: I - A aferição dos pressupostos do “justo impedimento” envolve um ‘juízo de censura’ em cuja avaliação não se pode prescindir do critério enunciado no n.º 2 do artigo 487.º do CC, de acordo com o qual a culpa é o não cumprimento de um dever jurídico: o dever de diligência, de conteúdo indeterminado, mas determinável em cada situação concreta, sendo a diligência juridicamente devida a que teria um bom pai de família colocado nas circunstâncias concretas em que se encontrava o agente.
No caso dos autos, constata-se que, tendo o leilão terminado no dia 01-10-2020, o credor hipotecário, ora recorrente, apenas em 06-10-2020 informou o sr. AI que pretendia apresentar proposta para aquisição do bem por valor superior, nos termos do artigo 164.º do CIRE (facto 7).
A escritura e compra e venda foi celebrada em 13-11-2020.
Ora, apenas em 06-11-2020 o ora recorrente requereu a anulação da venda, porque “Na data do termo do leilão, o Credor viu-se impossibilitado de licitar por falha na plataforma, o que impediu de apresentar proposta de valor superior à que lá constava e que acabou por ser a vencedora.”
Como acima se deixou expresso, o instituto do justo impedimento obriga, para ser apreciado pelo tribunal, que a parte ofereça logo a respetiva prova, para que o juiz, ouvida a parte contrária, admita a prática do ato fora de prazo, isto se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
No caso dos autos, nada disso aconteceu.
A parte não alegou justo impedimento perante o juiz da causa logo que o impedimento cessou, nem juntou a prova da sua ocorrência.
O que equivale por dizer que nunca o justo impedimento poderia ser apreciado, se não observou nenhum dos termos legais.
De onde se conclui que a apelação é improcedente nesta parte.
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2.- Saber se o sr. AI procedeu à venda do imóvel causando uma diminuição patrimonial ao credor com garantia, de cujo ressarcimento é responsável.
Acerca da venda dos bens que integram a massa insolvente com a finalidade de satisfazer os créditos em dívida, dispõe o artigo 164.º do CIRE: “1 - O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente. 2 - O credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada. 3 - Se, no prazo de uma semana, ou posteriormente, mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectadaou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior. 4 - A proposta prevista no número anterior só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 20 % do montante da proposta, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 824.º e 825.º do Código de Processo Civil (…)” (Sublinhado nosso).
No caso dos autos, depois de ouvido o credor hipotecário (…), S.A., ora recorrente, o sr. AI procedeu à venda do imóvel apreendido através de leilão eletrónico, assim cumprindo o que estabelece a primeira parte do n.º 1 do preceito.
Antes de proceder à venda por leilão eletrónico, o sr. AI, a 06-08-2020 e a 01-09-2020, informou todos os credores, incluindo o credor hipotecário, sobre os termos da venda, valor base e data do leilão eletrónico, não tendo havido oposição.
O leilão eletrónico decorreu de 04-08-2020 e encerrou em 01-10-2020, tendo a melhor proposta sido apresentada por (…), no valor de € 84.733,95.
A 04-10-2020, o sr. AI comunicou a (…) que a sua proposta havia sido aceite e que teria de pagar à massa insolvente a caução de € 16.946,79 no prazo de 15 dias.
Após o autor da melhor proposta ter sido informado de que a sua licitação tinha sido aceite, a 06-10-2020, o credor garantido informou o Senhor Administrador da Insolvência que pretendia apresentar proposta para aquisição do bem, no valor de € 94.500,00, nos termos do artigo 164.º/3, do CIRE.
A 12-10-2020, o Senhor Administrador da Insolvência informou o credor hipotecário que apenas lhe poderia adjudicar o imóvel se, no dia 28 de outubro, data agendada para a escritura pública de transmissão do bem a (…), este proponente não comparecesse na escritura ou não procedesse ao depósito do valor de caução.
Mas o licitante (…) depositou a caução no prazo estabelecido, requerendo, contudo, o adiamento da escritura pública para 13 de novembro, invocando a sua dificuldade de deslocar-se a Portugal no atual contexto de pandemia, o que foi aceite pelo administrador da insolvência.
A 21-10-2020, o credor hipotecário, ora recorrente, reiterou ao sr. AI que pretendia exercer o seu direito ao abrigo do disposto no artigo 164.º/3, do CIRE, mas, nem na primeira manifestação nem nesta, acompanhou a sua proposta de caução mediante cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 20% da proposta (n.º 4 do artigo 164.º).
A 06-11-2020, o credor hipotecário veio requerer ao Tribunal que tomasse uma posição e que anulasse a venda do imóvel ao terceiro e ordenasse que o bem lhe fosse adjudicado, tendo tal pretensão sido indeferida como consta do despacho transcrito no Relatório Inicial.
Por escritura pública de 13-11-2020, o imóvel foi vendido a (…), que pagou integralmente o preço.
Aqui chegados há que fazer um ponto de ordem e considerar que, nos casos em que o AI decide não aceitar a proposta apresentada pelo credor garantido no prazo de uma semana ou, posteriormente, em tempo útil, tal circunstância não afeta a validade da venda que tenha sido efetuada por valor inferior ao oferecido pelo credor garantido.
O único efeito que tal venda produz – porque pode representar uma diminuição do património do credor por ato do AI – é que este “fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço” – Neste sentido C. Fernandes e J. Labareda, CIRE Anotado, 3ª. Ed, 2015, pág. 618.
Com efeito, o interesse que a lei quer proteger é o que se prende diretamente com a tutela do direito de crédito, e não qualquer outro interesse do credor garantido que seja paralelo àquele interesse, v.g., relacionado com a aquisição do bem objeto da garantia como uma perspetivada valorização futura.
Logo, a conclusão a retirar é que a venda do imóvel efetuada nos autos não pode mais ser anulada, o que equivale por dizer que improcede o pedido do recorrente nesta parte.
A questão agora é a de saber se o recorrente manifestou interesse na aquisição do bem, por valor superior ao que resultou do leilão, atempadamente e em cumprimento dos requisitos legais, ou seja, nos termos a que alude o artigo 164.º/3 e 4, do CIRE.
O credor garantido foi ouvido previamente e informado pelo sr. AI da modalidade da venda e o valor base, notificações ocorridas em 06-08-2020 e 01-09-2020, mas o credor garantido apenas manifestou a sua intenção de adquirir a 06-10-2020.
Ora, a possibilidade de o credor hipotecário requerer a aquisição do bem, para si ou para terceiro, tem de ser exercida no prazo de uma semana, após ter sido ouvido sobre a modalidade da venda, o valor base desta, do valor projetado do bem apreendido ou, posteriormente, mas “em tempo útil” (artigo 164.º/3).
Sobre esta questão, C. Fernandes e J. Labareda, ob. cit., pág. 619, opinam que: “A proposta deve ser apresentada ao administrador no prazo de uma semana após a notificação recebida pelo credor e, se apresentada depois disso, só releva quando ainda tenha sido oferecida em tempo útil, isto é, antes de concretizada a venda ou da tomada de compromisso firme de vender assumida pelo administrador” (Sublinhado nosso).
Em 06-10-2020 já tinha terminado o leilão eletrónico, tinha sido efetuada uma oferta no leilão de valor superior ao valor base e o AI tinha contactado o proponente no sentido de proceder aos ulteriores trâmites com vista à aquisição, pelo que o administrador da insolvência já tinha tomado um compromisso firme de vender.
Ou seja, a manifestação de vontade de adquirir o bem expressa pelo credor garantido, ora recorrente foi extemporânea.
O que equivale por dizer que o sr. AI agiu de acordo com os preceitos legais aplicáveis à venda do imóvel, não havendo qualquer obrigação de colocar o credor com garantia na situação que decorreria da alienação ao preço oferecido.
De onde se conclui que bem andou o tribunal a quo ao decidir pelo indeferimento da anulação da venda, pelo que as conclusões são também improcedentes nesta parte, o que determina a total improcedência da apelação.
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Sumário:
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DECISÃO.
Em face do exposto, a 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente – Artigo 527.º do CPC.
Notifique.