NULIDADE DE DESPACHO
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
ADMISSÃO
Sumário


I. A parte que se considere prejudicada por qualquer despacho proferido pelo relator, que não seja de mero expediente, pode reagir no prazo de dez dias, nos termos dos artigos 652.º, n.º 3 e 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
II. É intempestivo o requerimento que veio suscitar a nulidade do despacho de admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, alegando que a referida nulidade só foi conhecida com a decisão do Tribunal Constitucional e com a baixa do processo para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o despacho proferido pelo relator, que admitiu tal recurso, foi notificado ao recorrente antes da subida dos autos ao Tribunal Constitucional.

Texto Integral





Processo n.º19342/17.0T8LSB.L1.S2 (Revista excecional) - 4ª Secção

           

Acordam, em conferência, na formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA veio reclamar para a conferência do despacho do relator que lhe indeferiu por intempestividade o requerimento em tinha suscitado a nulidade do despacho de admissão do recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional, numa ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, que intentou contra Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E.P.E.

O requerimento que apresentou é do seguinte teor:

(…)

O presente pedido de Acórdão incide sobre o douto despacho proferido pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator, em 8/2/2021 e sobre o requerimento do recorrente de 29/12/2020.

Neste despacho em apreciação, foi proferida decisão de indeferimento por intempestividade, do pedido de nulidade do despacho de admissão de recurso, de 1/7/2020, e de remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, bem como por se entender que se trata de matéria que o Tribunal Constitucional já decidiu, no sentido de não conhecimento do objeto do recurso.

Dá-se aqui por conhecido o requerimento do recorrente, apresentado via Citius em 29/12/2020, e sobre o qual recaiu o despacho de indeferimento, que aqui modestamente se aprecia.

Salvo o devido respeito, não se concorda esta decisão de indeferimento.

 Senão vejamos.

Sobre a intempestividade do pedido de nulidade.

É indiscutível que o recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto em tempo e apresentado no único tribunal que tinha o poder jurisdicional do processo, ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça (veja-se requerimento anterior do recorrente).

O Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, por despacho, presumindo-se que verificou, apreciou e ponderou que o recurso interposto para o TC foi apresentado no Tribunal competente, em tempo, por quem tinha legitimidade e por incidir sobre matéria recorrível.

Ora, no despacho aqui em apreciação, consta que o despacho de admissão do recurso para o TC foi notificado ao recorrente em 2/7/2020 e remetido para o Tribunal Constitucional em 16/7/2020, pelo que, em consequência, considerou que a arguição da nulidade é intempestiva, apesar de não citar nenhuma norma legal que o sustente.

Ou seja, o STJ ao decidir pela intempestividade do pedido de nulidade e remessa para o Tribunal da Relação de Lisboa, está a entender que a arguição da nulidade devia ter sido apresentada no prazo de 10 dias, após a decisão de admissão do recurso, por ser este o prazo legal supletivo e por não estar previsto qualquer prazo no n° 4, do art.º 615.º, do CPC.

Acontece que, esta decisão de admissão do recurso não pode ser impugnada pelas partes, por força do previsto no n.º 5, do art.º 641.º, do CPC, razão pela qual não há prazo para invocar a sua nulidade, pelo menos no momento em que a mesma é proferida e notificada às partes.

Na verdade, esta norma do art.º 641.º, do CPC, prevê o seguinte:

"5 - A decisão que admita o recurso fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do art.º 306.º."

Além disso, um dos princípios basilares do nosso Direito processual, comanda que as partes não podem recorrer de decisões que lhes são favoráveis.

A admissão do recurso para o Tribunal Constitucional era uma decisão favorável ao recorrente, pelo que, além de não poder impugná-la por força da lei não tinha sequer interesse em fazê-lo, razão pela qual não podia reclamar da mesma.

Assim sendo, não é correto concluir ou decidir que o pedido de conhecimento da nulidade da decisão que admitiu o recurso é intempestivo.

Na verdade, só quando o recorrente é notificado pelo Tribunal Constitucional do indeferimento do recurso, por se entender que o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu no “ratio decidendi” sobre matéria relativa à inconstitucionalidade suscitada e, assim sendo, não podia ter decidido sobre a admissão do recurso para o TC, só neste momento, teve conhecimento da nulidade do despacho de admissão do recurso proferido pelo STJ.

Acontece que, o processo esteve suspenso enquanto correu no TC, por força do previsto no n.º 1, do art.º 75.º, da LTC, aplicável por analogia, voltando a correr termos com a receção do processo no Supremo.

Assim, ainda é possível e admissível o Supremo proferir decisão sobre a nulidade da decisão de admissão do recurso para o Tribunal Constitucional e, consequentemente, remeter o processo para o Tribunal da Relação de Lisboa, por força do n.º 1 e n.º 2, do art.º 547.º, do CPC, aplicável por força do art.º 685.º.

Quando estão em causa nulidades não se esgota o poder jurisdicional do Tribunal, mesmo após proferida a decisão (como parece evidente).

Só após a decisão do TC se suscita a questão da nulidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e, assim sendo, a mesma só pode ser invocada depois de os autos baixarem para este insigne Tribunal.

Em consequência e salvo o devido respeito, não se concorda com a decisão sobre a intempestividade do pedido de nulidade do despacho, que admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

Se o Supremo conheceu e decidiu sobre a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, quando, segundo o Tribunal Constitucional, não o podia ter feito, então, a decisão de admissão do recurso é nula, por força do previsto na alínea d), do n.º 1, do art.º 615, do CPC (aplicável ex vis o art.º 685.º do mesmo diploma).

Sendo uma nulidade proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça e não havendo recurso ordinário, a mesma tem de ser invocada nesta fase, por força do n.º 4, do art.º 615.º, e do n.º 6 do art.º 617.º, do CPC.

Antes da decisão do TC, de indeferimento do recurso, não se levantava sequer a questão da nulidade do despacho de admissão.

Por outro lado, é discutível que o Tribunal Constitucional possa colocar em causa a decisão de admissão do recurso. Na verdade, nos termos do n.º 1, do art.º 76.º, da Lei do Tribunal Constitucional, "Compete ao tribunal que tiver -proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso"'.

Assim, o STJ fez um juízo sobre o recurso interposto para o TC e, no uso dos seus poderes legais, decidiu admitir o recurso.

É discutível que o TC possa colocar em crise o despacho de admissão do recurso, proferido pelo STJ.

Na verdade, é discutível que organicamente o TC seja um tribunal superior ao STJ (ver n,º 5, do art.º 641.º, do CPC), porque este é o órgão superior dos tribunais judiciais em Portugal, sendo que o TC tem uma competência própria, que não o coloca na hierarquia dos outros tribunais.

O órgão superior da hierarquia dos tribunais judicias é o Supremo Tribunal de Justiça.

Na verdade, o Tribunal Constitucional tem como competência específica verificar questões de inconstitucionalidade.

O TC não faz parte da hierarquia dos Tribunais judiciais.

Se os tribunais comuns decidem sobre questões de constitucionalidade ou inconstitucionalidade e, por sua vez, decidem admitir um recurso onde essa questão foi discutida e decidida, não se vê como é que o Tribunal Constitucional possa colocar em causa essa decisão.

Se, porventura, tivesse sido o Ministério Público a interpor recurso para o TC, por sua vez aceite pelo STJ, não é crível que o TC não admitisse esse recurso.

Na verdade, a norma do n.º 1, do art.º 76.º, da LTC, é especial e diferente da norma do n.º 3, do art.º 672.º, do CPC, e da norma do n.º 5, do art.º 641.º, do CPC. Sendo uma norma especial e contendo disciplina própria, tem de se concluir que derroga a aplicação das normas do CPC.

Por outro lado, estando o processo a correr termos no STJ, o recurso tinha mesmo de ser interposto neste tribunal, por força do previsto no art.º 83.º, do CPC.

Naturalmente que, nesta fase, não compete ao STJ avaliar ou sequer colocar diretamente em causa uma decisão do TC, com a qual pode não concordar e que pode consubstanciar uma interpretação desconforme com a lei e uma violação dos poderes do STJ.

Acresce que, o pedido do recorrente não foi somente de apreciação da nulidade do despacho de admissão do recurso, proferido pelo STJ, mas, outrossim, o pedido de remessa do processo para o Tribunal da Relação de Lisboa, único que segundo o TC tem competência para apreciar o recurso interposto para o TC.

O TC ao decidir pela não admissão do recurso, proferiu uma decisão sobre a competência do STJ, sendo certo que estamos perante uma questão de competência em razão da matéria, como parece evidente.

Nos termos do n.º 2, do art.º 99.º, do CPC, se a incompetência material for decretada (ainda que indiretamente), pode o recorrente, no prazo de 10 dias, pedir a remessa para o tribunal em que o recurso devia ter sido interposto.

Nos presentes autos, o TC decidiu não admitir o recurso, porque o STJ não tinha competência material para decidir sobre a admissão do recurso, mandando remeter o processo para o STJ. Com a receção do processo no STJ, o TC deixou de ter poderes jurisdicionais sobre o processo.

Assim, o processo voltou ao STJ e o recorrente pediu para ser conhecida da nulidade da decisão de admissão do recurso para o Tribunal Constitucional e, outrossim, pediu para ser proferida decisão a remeter o presente processo para o Tribunal da Relação de Lisboa, para este conhecer e decidir sobre o recurso interposto pelo ora requerente para o Tribunal Constitucional.

Assim, se o TC entende que o STJ não tinha competência para decidir sobre o recurso interposto, então, a decisão é nula ou sem efeito e, em qualquer circunstância, o processo deve ser remetido para o Tribunal da Relação para decidir sobre a admissão de recurso.

Na verdade, mais importante do que a questão da nulidade do despacho de admissão do recurso para o TC, o que aqui está em causa, verdadeiramente, é a remessa do processo para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Pode o STJ nem sequer conhecer da nulidade da sua decisão, que aliás já foi considerada tacitamente nula ou sem efeito pelo TC, mas, assim sendo, tem de ser proferida decisão sobre a remessa do processo para o TRL, sendo certo que, na decisão singular aqui em apreciação, esta questão nem sequer foi apreciada.

Com a devida vénia, e considerando o n.º 2, do art.º 99.º, do CPC, deve ser apreciada a questão da remessa do processo para o TRL e, considerando também o princípio “pro actione”, mas sempre respeitosamente, requer-se que seja proferida decisão nesse sentido, porque assim o Direito vencerá.

O Tribunal Constitucional já decidiu não conhecer o recurso.

Relativamente ao segundo segmento da decisão, pela qual se entendeu que o Tribunal Constitucional já "proferiu decisão no sentido de não conhecer do objeto do recurso", não se pode concordar com a mesma.

Na verdade, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do recurso porque o despacho de admissão foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Ou seja, jurídica e judicialmente, o Tribunal Constitucional entendeu que o Supremo Tribunal de Justiça não tinha competência para decidir sobre a admissão do recurso.

Se o Supremo não podia decidir sobre a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, porque na sua decisão em crise não apreciou sobre qualquer inconstitucionalidade, então, não tinha competência para proferir essa decisão.

Assim, o Tribunal Constitucional não decidiu sobre o mérito do recurso interposto, mas unicamente sobre a decisão de admissão do recurso proferida pelo STJ.

Ou seja, o que está aqui em causa não é o mérito da causa, mas unicamente uma decisão judicial de admissão do recurso para o TC. Estamos a discutir questões processuais, claramente em detrimento do mérito da causa.

A decisão do Tribunal Constitucional produziu os seus efeitos sobre a decisão de admissão do recurso proferida pelo STJ, mas não produziu nenhum efeito sobre a questão de mérito do recurso interposto.

Mais uma vez se apela a todos os princípios processuais atuais, como sejam os princípios “pro actione”, da proteção de confiança e da supletividade do carácter adjetivo do processo relativamente ao conhecimento do mérito da causa (referidos no requerimento anterior do recorrente, que aqui se dá por reproduzido).

Esta posição do Tribunal Constitucional é uma interpretação discutível, que o signatário aliás denunciou ao Presidente do Tribunal Constitucional em carta, que se junta em anexo e dá por reproduzida. Está o aqui signatário a preparar uma exposição para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, a denunciar toda esta situação esdrúxula e peregrina, criada pelo Tribunal Constitucional, e que coloca em causa os poderes jurisdicionais do próprio Supremo Tribunal de Justiça e da Justiça Constitucional, além de violar os mais elementares princípios atuais do direito processual.

Salvo melhor opinião, a decisão de indeferimento do TC não foi proferida decisão sobre o mérito da causa, não se tendo esgotado o seu poder jurisdicional.

O TC decidiu pelo indeferimento do recurso porque o STJ não podia decidir sobre a admissão do recurso. Nada mais.

Assim sendo, então, deve o STJ proferir decisão de nulidade da sua decisão de admissão do recurso e/ou remeter o processo para o Tribunal da Relação, para este proferir decisão de admissão do recurso interposto pelo recorrente para o TC.

Se, porventura, o TC a seguir não admitir o recurso por entender que o mesmo já foi indeferido, então, cá estaremos para nos defendermos e denunciar esta situação.

Será curioso verificar qual vai ser a reação do TC, se o TRL proferir despacho de admissão do recurso para o TC.

Por outro lado, e salvo o devido respeito, esta é uma questão que, por ora, não deve preocupar o STJ, porquanto, segundo o TC, este não está vinculado à decisão de admissão do recurso. Logo se verá.

Não sabe mais o recorrente que alegar, para conseguir tenha o presente requerimento bom acolhimento, mas gostava que o tivessem em boa consideração.

Concluindo, o TC decidiu exclusivamente não conhecer do recurso admitido pelo STJ, mas ainda não conheceu do recurso que poderá vir a ser admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Aliás, segundo o próprio TC, se o recurso for admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, vai ter de o apreciar, sob pena de entrar em contradição. Na verdade, a decisão do STJ sobre a remessa do processo para o TRL é estranha ao TC, pelo que, transitando em julgado, produz todos os seus efeitos e tem de ser cumprida por todas as entidades públicas e privadas, incluindo o TC.

Se o TC colocou em causa uma decisão de admissão do recurso proferida pelo STJ, não pode seguramente colocar em causa uma decisão pela qual o STJ mande remeter o processo para o Tribunal da Relação de Lisboa, para este se pronunciar sobre a admissão do recurso para o TC.

É uma decisão proferida dentro do presente processo que escapa ao crivo do TC.

Se, porventura, o TRL admitir o recurso para o TC e este continuar a não admitir o recurso, por já ter decidido sobre o mesmo, será uma atitude ainda mais grave do que aqueloutra que proferiu de não admissão do recurso admitido pelo STJ, e que será apreciada na Assembleia da República.

O que se pede modestamente ao STJ, afinal o tribunal superior do nosso ordenamento judicial, e que continua com poderes jurisdicionais no presente processo, é que profira despacho de remessa do presente processo para o TRL, para este conhecer e decidir sobre a admissão do recurso para o TC.

Termos pelos quais, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., requer-se seja proferido douto Acórdão, pelo qual seja apreciada a questão da nulidade da decisão de admissão do recurso para o Tribunal Constitucional e, em qualquer circunstância, seja também apreciada e proferida douta decisão a remeter o presente processo para o Tribunal da Relação de Lisboa, para este conhecer e decidir sobre o recurso interposto pelo ora requerente para o Tribunal Constitucional, porque assim se fará Justiça.(fim da transcrição do requerimento do reclamante)

2. Vejamos o teor do despacho reclamado:

AA, Autor e Recorrente, após a baixa dos autos vindos do Tribunal Constitucional, com o respetivo Acórdão, veio suscitar a nulidade do despacho de admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, alegando que a referida nulidade só foi conhecida com a decisão do Tribunal Constitucional e com a baixa do processo para o Supremo.

Cumpre apreciar de decidir:

Na sequência do acórdão proferido pelo STJ, datado de 6 de maio de 2020, que indeferiu a admissão da revista excecional por si interposta, o recorrente veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:

«AO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

4ª Secção

Processo nº 19342/17.0T8LSB.L1.S2

V. Refª: …

Exmos. Senhores

Juízes Conselheiros

AA, Autor nos autos acima identificados, tendo sido notificado do douto Acórdão proferido sobre a inadmissibilidade do recurso de revista excecional, vem ao abrigo do artº 70º, nº 1, alínea b), artº 75º e artº 75º-A, todos da Lei nº 28/82, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz com os factos e fundamentos seguintes:

O presente recurso, para o Tribunal Constitucional, vem interposto ao abrigo da alínea b), do nº 1, do artº 70º, da Lei 28/82 (atualizada) e pretende-se seja apreciada a inconstitucionalidade total da norma, previsão e estatuição, contida no artº 12º, do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro.

O artº 12º, do Decreto-Lei nº 421/83, viola o artº 112º, nº 5, da Constituição (anterior artigo 116º nº 6 e, por sua vez, anterior artº 115º nº 5).

A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente, nas suas Alegações do Recurso de Apelação (Refª Citius …, de 26/02/2019) e nas suas Alegações do Recurso de Revista Excecional (Refª Citius …, de 25/11/2019).

Termos pelos quais se requer seja proferido Despacho de admissão do presente recurso para o Tribunal Constitucional, com o efeito próprio, seguindo o processo os seus ulteriores termos legais.»

O recurso foi admitido por despacho, de 1/7/2020, proferido pelo relator no STJ, com o seguinte teor:

«Admite-se o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, o qual sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 71.º,72.º, 75,º, 75.ºA, 76.º e 78.º da Lei n.º º 28/82, de 15 de novembro).»

Este despacho, segundo certificação do Citius, foi notificado em 2/7/2020, ao recorrente BB, Rua …, … – …, …. …, com a Ref. ….

Também segundo a certificação do Citius os autos foram remetidos pelo STJ ao TC em 16/7/2020, com a Ref. ….

O Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso interposto pelo recorrente.

Após ter sido notificado do acórdão do TC, o recorrente veio arguir a nulidade do despacho do relator do STJ que admitiu o recurso para o TC, alegando que na sua  leitura deste último acórdão, o STJ conheceu de questão que não podia conhecer e que os autos, em seu entender, devem ser remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa para que este se pronuncie sobre a admissibilidade do recurso por si interposto para o TC.

Atenta a tramitação processual descrita, e certificada no Citius, suscita-se, desde logo, uma questão prévia que consiste em saber se a arguição desta pretensa nulidade é tempestiva.

Como já se referiu, o recorrente foi notificado do despacho do relator do STJ que admitiu o recurso para o TC.

Nos termos do art.º 76.º n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro) «a decisão que admita o recurso ou lhe determine o efeito não vincula o Tribunal Constitucional e as partes só podem impugná-la nas suas alegações».

Verifica-se assim que a pretensão do recorrente é intempestiva, versando sobre uma questão que se encontra ultrapassada dada a intervenção do Tribunal Constitucional que proferiu decisão no sentido de não conhecer do objeto do recurso.

Pelo exposto, indefere-se o requerimento do recorrente. (fim da transcrição do despacho do relator que indeferiu o requerimento por intempestividade)

3. Para melhor compreensão da questão vejamos a fundamentação do Acórdão proferido nos autos pelo Tribunal Constitucional:

(…)

7. O recorrente reclama da Decisão Sumária n.º 537/2020, onde se considerou que a norma cuja constitucionalidade é invocada no recurso de constitucionalidade por si interposto não constitui “ratio decidendi” da decisão recorrida. Considerou-se nessa decisão Sumária que o recurso de constitucionalidade foi interposto da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que não igualmente da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

O recorrente interpôs recurso de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal de Justiça. É possível interpor concomitantemente recurso de constitucionalidade de decisões de tribunais distintos proferidas no âmbito dos mesmos autos. No entanto, essa interposição será processualmente pertinente e admissível apenas quando se tratar de imputar inconstitucionalidade a normas distintas. Em contraste, no caso em apreço, a norma cuja constitucionalidade o recorrente pretendia ver fiscalizada é rigorosamente uma só e a mesma. O recorrente reclama, por um lado, que havia aqui razão para a realização de um convite ao aperfeiçoamento do seu recurso. Porém, não se trata aqui de qualquer dos “elementos previstos no presente artigo”, conforme pressupõe a norma onde se regula o convite ao aperfeiçoamento ̶  o art.º 75.º - A. n.º 5, da LCT. O elemento aqui em causa é um elemento insuscetível de suprimento ou retificação, não se contando entre os elementos ali previstos, que são  ̶  recorde-se  ̶  “ a alínea do n.º 1 do art.º 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”, bem como  ̶  no caso (inter alia) da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da LCT (aquela que aqui está em causa)  ̶  a “norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como [a] peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade”.

A verdade, ao insistir na ideia de que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou a norma constante do seu recurso de constitucionalidade, o recorrente demonstra ser seu entendimento que essa questão de constitucionalidade não se esgotou com a pronúncia do Tribunal da Relação, mas que encontrou na decisão do Supremo Tribunal de Justiça a palavra final da ordem judicial comum sobre a matéria. Mesmo que assim não fosse, sempre a reclamação seria de indeferir, uma vez que, nesse caso, o recorrente, confrontado com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, deveria ter interposto recurso exclusivamente da decisão do Tribunal da Relação, caso em que o recurso deveria ter sido dirigido a esse tribunal  ̶  a fim, desde logo, de que ele pudesse pronunciar-se sobre a sua admissibilidade. Mas não foi o que aconteceu. Como se retira agora com clareza da reclamação em apreço, o recorrente entende que foi no Supremo Tribunal de Justiça que a sua questão de constitucionalidade foi a final decidida. Esse argumento é incompatível com o argumento de que o recurso também se referia ao Tribunal da Relação, porque nesse caso a pronúncia da Relação não constituía a palavra final da ordem jurisdicional sobre a questão e não poderia, por essa razão, ser conhecida. Só pode, portanto, admitir-se que o presente recurso foi interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, conforme se entendeu já na Decisão Sumária reclamada.

8. Ora, no que a esta decisão diz respeito, pesem embora os esforços argumentativos do recorrente, continua a ser inequívoco que o pressuposto da “ratio decidendi” não se acha satisfeito.Na Decisão Sumária não se afirmou que o tribunal recorrido não dispensou qualquer atenção à matéria a partir da qual o recorrente formula o seu recurso de constitucionalidade. O que aí se procurou expor foi que a apreciação aí feita dessa matéria tem natureza sumária e um propósito funcional em relação à questão de saber se a revista excecional poderia ser conhecida. Não se nega  ̶  e uma vez mais de repete  ̶  que essa apreciação tange no mérito da causa. No entanto, isso não equivale a uma efetiva pronúncia de mérito.

O recorrente invoca uma diferença entre a base legal e “ratio decidendi”, mas a forma como a questão aí surge apresentada não tem qualquer impacto sobre a apreciação que aqui se faz. Não se trata de adotar uma postura formalista, mas de extrair as consequências inevitáveis da natureza instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade. O pressuposto do “ratio decidendi” constitui um corolário do facto de estes recursos terem esta natureza. A questão determinante para apurar se este pressuposto se acha preenchido é a que indaga se um eventual julgamento de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional poderia repercutir-se sobre a decisão recorrida. No caso, é manifesto que um julgamento de inconstitucionalidade proferido por este Tribunal não imporia uma reforma da decisão recorrida, porque essa decisão não versou sobre o mérito da questão, mas constituiu antes uma mera decisão de nem sequer conhecer o mérito da questão. Isso não é prejudicado pelo facto de que, para se proferir uma tal decisão, tenha sido necessário tanger no mérito da questão. Esta incursão pelo mérito da questão teve o estrito propósito de apurar se essa é ou não uma “questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. o artigo 672.º, n.º 1, alínea a. do Código de Processo Civil).

III ̶  Decisão

Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação. (fim da transcrição da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional)

4. Cumpre apreciar e decidir:

O Tribunal Constitucional, considerou que o recorrente veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, do acórdão proferido pelo STJ, em 6/5/2020, que decidiu, ao abrigo do disposto no art.º 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC, indeferir a admissão da revista excecional interposta pelo recorrente do acórdão do Tribunal da Relação. Através de decisão, mantida pela conferência, decidiu que a questão colocada pelo recorrente não podia ser conhecida, sob pena de um eventual julgamento de inconstitucionalidade, por parte do TC, se revelar necessariamente inútil, por ser insuscetível de se repercutir sobre a decisão recorrida. Foi considerado pelo referido Tribunal que o objeto do recurso interposto pelo recorrente não podia ser conhecido, por não dizer respeito a uma norma que tenha tido respaldo na decisão recorrida como sua ratio decidendi, pressuposto que constitui uma inerência da natureza instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade.

O Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre o despacho proferido pelo relator no STJ que admitiu o recurso para aquele Tribunal, tendo apenas decidido que a questão colocada pelo recorrente não podia ser conhecida, pelos motivos indicados.

Assim, atento o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional que considerou, como já referiu, que o recurso foi interposto do acórdão proferido pelo STJ, em 6/5/2020, não há que remeter os autos ao Tribunal da Relação para que seja admitido um recurso, que no entender do Tribunal Constitucional, não chegou sequer a ser interposto, no caso da decisão do Tribunal da Relação.

Por outro lado, como também já se referiu, o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre o despacho proferido pelo relator no STJ que admitiu o recurso para aquele Tribunal, pelo que  não é de acolher a argumentação do reclamante de que só após a decisão do TC se suscitou a questão da nulidade do despacho do relator do Supremo Tribunal de Justiça e, assim sendo, a mesma só poderia ser invocada depois de os autos baixarem a este Tribunal.

O despacho que admitiu o recurso para o TC, proferido pelo relator do STJ, insere-se no âmbito dos seus poderes, tanto mais que o TC  foi bastante claro ao afirmar que o recurso foi interposto do acórdão proferido pelo STJ, em 6/5/2020.

Como se refere no despacho reclamado o recurso foi admitido por despacho, de 1/7/2020, proferido pelo relator no STJ, notificado ao recorrente em 2/7/2020.

Assim, a reação a tal despacho deveria ter ocorrido no prazo de dez dias, nos termos dos artigos 652.º, n.º 3 e 149.º, n,º 1, do CPC,  pelo que a pretensão do recorrente, formulado após a baixa dos autos do TC, é intempestiva, tal como consta no despacho reclamado.

Custas pelo reclamante.

Lisboa, 24 de março de 2021.

Chambel Mourisco (Relator)

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos Júlio Manuel Vieira Gomes e Maria Paula  Moreira Sá Fernandes votaram em conformidade.