Atendendo ao efeito cominatório da falta de contestação do trabalhador ao primeiro articulado do empregador no processo especial de impugnação da licitude e regularidade do despedimento, bem como à importância de tal articulado no que respeita ao exercício do direito de defesa pelo trabalhador, a notificação pessoal de tal articulado deve seguir as regras da citação.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
Relatório
AA na presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, movida contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, SA., veio, através do requerimento de 9/10/2019, deduzir incidente de nulidade do processado por ausência de notificação para contestar. Alegou não ter sido notificada do articulado do empregador. Concluiu ter interesse em contestar o articulado apresentado pela ré, pelo que não lhe poderá ser aplicado o efeito cominatório previsto no n.º 2 do artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho e alegou ainda que deveria ter sido notificada de acordo com as regras da citação.
Notificada para o efeito, a Ré contestou o incidente, impugnando a factualidade alegada e concluindo pela regularidade da notificação em questão e improcedência do incidente.
A sentença da primeira instância considerou que a Autora não tinha logrado ilidir a presunção de notificação, julgando assim totalmente improcedente o incidente de nulidade deduzido pela Autora.
A Autora apelou, tendo arguido a nulidade da sentença, invocando para o efeito contradição entre a decisão e a matéria de facto; impugnado a decisão da matéria de facto; pugnado pela nulidade de todo o processado após o articulado motivador.
O Acórdão do Tribunal da Relação considerou não se verificar a nulidade arguida; decidiu não conhecer parte da impugnação da matéria de facto, porquanto a alteração pretendida não teria a virtualidade de alterar em nada o sentido útil da decisão; reapreciou parte da matéria de facto impugnada, sendo que concluiu que a mesma estava bem decidida, tendo-a mantido na íntegra. Relativamente à elisão da presunção, o Tribunal da Relação considerou que o insucesso da impugnação de facto prejudicou a análise que a Autora pretendia ver efetuada, tendo a sentença bem decidido.
Relativamente à invocação por parte da Autora de que a notificação ao trabalhador para contestar a motivação do despedimento, deveria ser feita pessoalmente, nos termos do disposto no art.º 250.º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação considerou que a situação em apreço não era enquadrável naquele preceito, sendo que a Autora tinha que ser, como foi notificada, nos termos do disposto no art.º 98.º-L, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Pelo que, o recurso de apelação foi julgado totalmente improcedente.
A decisão do Tribunal da Relação foi tomada por maioria, havendo um voto de vencido com o seguinte teor:
“Votei vencida, porque considero que resulta do disposto no art.º 98.º-L, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho que a notificação do trabalhador deverá ser efetuada na própria pessoa, atentos os efeitos cominatórios previstos no citado preceito legal. Só desta forma serão assegurados, de forma segura o direito de defesa e o exercício do contraditório, o que implicaria, no caso presente, a anulação do processado em causa.”
Inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista excecional com as seguintes Conclusões (itálicos, negritos e sublinhados no original):
“A. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido a fls__ o qual decidiu julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente da sentença proferida nos autos, que correu termos junto do douto Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo do Trabalho de ….
B. O Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que confirma a decisão de 1.ª instância, foi exarado com um voto de vencido, de acordo com o qual: ‘’ (Votei vencida, porque considero que resulta do disposto no art. 98-L, nº 2, do CPT que a notificação do trabalhador deverá ser efetuada na própria pessoa, atentos os efeitos cominatórios previstos no citado preceito legal. Só desta forma serão assegurados, de forma segura, o direito de defesa e o exercício do contraditório, o que implicaria, no caso presente, a anulação do processado em causa.)’’
C. Mas mais, entende a ora Recorrente estarem preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 672.º, n.º 1 do CPC, nomeadamente na alínea a) e c) do referido preceito que, in casu, justificam a submissão a este mui douto Tribunal Superior da questão jurídica em discussão nos presentes autos;
D. Com efeito a apreciação da questão jurídica objeto dos presentes autos -essencialmente no que diz respeito à equiparação da notificação ao trabalhador para contestar, consagrada no disposto no artigo 98.º-L do CPT, com a citação configurada no disposto no artigo 219.º do Código de Processo Civil – afigura-se manifestamente complexa, implicando a sua solução e subsunção jurídica detalhado exercício de exegese, suscetível, nesta medida, de conduzir a decisões contraditórias (e mesmo equivocadas) e, bem assim como, se trata de uma questão de elevada relevância jurídica e social;
E. A necessidade de assegurar a tutela jurídica do trabalhador nas ações de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, cria, consequentemente, a necessidade de a interpretação das normas legais aplicáveis a este tipo de ações judiciais ser uniforme, por forma a evitar a existência de decisões discrepantes entre os tribunais;
F. Contrariamente ao que apregoa esta fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, cumpre referir que as ações de impugnação da regularidade e licitude dos despedimentos são de elevada relevância quer jurídica quer social, em virtude de ser através deste tipo de ações que os trabalhadores conseguem alcançar a tutela jurídica necessária para evitar a existência de despedimento ilícitos, assegurando, desta forma, o cumprimento do princípio constitucional da segurança no trabalho, consagrado no disposto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.
G. Resulta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que ‘’ A citação é o ato de chamamento ajuízo, pela 1 a vez, de algum interessado na causa (Artº 219º/1 do CPC). Já a notificação tem como objetivo chamar alguém a juízo para lhe dar conhecimento de um facto (no 2), sendo indiferente a existência de efeitos cominatórios. Daí que o ato adequado a dar conhecimento da apresentação do articulado motivador, ainda para mais numa situação em que a parte já comparecera à audiência de partes, seja, conforme dispõe o Artº 98º-L 1 do CPT, a notificação.’’
H. Tal fundamentação peca por incompleta, por insuficiente e por violadora quer do princípio do contraditório quer do princípio que define as ações de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento;
I. Este tipo de ações é definido de uma forma atípica face às outras ações judiciais, porquanto o trabalhador é o Autor e o empregador é o Réu, sendo que não é o Autor que apresenta o primeiro articulado, mas, antes, o Réu (empregador);
J. Neste sentido, a verdade é que deverá ser considerado que o legislador apenas fez menção à ‘’notificação do trabalhador’’ pelo facto de já ter existido um momento anterior em que o trabalhador teve conhecimento do número do processo e do juiz em que o tribunal estaria a decorrer; mas não de quais os fundamentos alegados pelo empregador, i.e. da Petição Inicial.
K. Esta questão é de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica, terá necessariamente de emergir de um aturado estudo e reflexão e que, por força da sua originalidade, obriga a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, justificando a sua apreciação pelo STJ.
L. Pelo que, a apreciação da questão jurídica objeto dos presentes autos afigura-se manifestamente complexa e de elevada relevância jurídica e social, implicando a sua solução e subsunção jurídico detalhado exercício de exegese, suscetível, nessa medida, de conduzir a decisões contraditórias (e mesmo equivocadas), as quais colocam em risco a segurança jurídica que os trabalhadores têm do sistema judicial.
M. Ademais, a verdade é que o Acórdão Recorrido encontra-se em plena contradição, no que concerne à questão de direito essencial para a decisão da causa, com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a 13/02/2017 – junto como Documento 1.
N. De acordo com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa ‘’O caso em presença não se enquadra em nenhuma destas especiais situações previstas no CPC, também não estando especialmente cominada no CPT. E, verdadeiramente, a situação não é equiparável porquanto não só a ação sub judice se inicia por impulso da A., como esta fora já notificada para comparecer a uma audiência de partes na qual efetivamente compareceu. (…) Daí que o ato adequado a dar conhecimento da apresentação do articulado motivador, ainda para mais numa situação em que a parte já comparecera à audiência de partes, seja, conforme dispõe o Artº 98º-L, 1 do CPT, a notificação.’’
O. Ora, o Acórdão proferido encontra-se em plena contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 13/02/2017 (Acórdão Fundamento) de acordo com o qual: ’Tudo se passa, afinal, como se a notificação a que alude o artigo 98º-L do CPT equivalesse à citação a que alude o artigo 219º do CPC [«1 – A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender»]. Deste modo, a notificação ao trabalhador – a que alude o nº1 do artigo 98º-L do CPT – tendo em conta o teor literal do nº2 do mesmo artigo e os efeitos cominatórios aí prescritos, deve ser pessoal.’’
P. Pese embora, a questão factual a ser decidida pelo Acórdão Fundamento seja distinta da questão vertida nos presentes autos – a qual é, salvo o devido entendimento, mais gritante no que concerne à violação dos direitos dos trabalhadores neste tipo de ações -, não existem dúvidas quanto ao facto de a questão de direito essencial ser a mesma;
Q. Ora, a interpretação mantida pelo Acórdão Recorrido é notoriamente contraditória com o Acórdão Fundamento, este proferido a 13/02/2017 e transitado em julgado;
R. O Acórdão Recorrido encontra-se, também, em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 1125/19.4T8FNC.L1-4, de 25/09/2019;
S. De acordo com o Acórdão Fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa: Em suma: o TRABALHADOR não foi notificado pessoalmente do articulado do empregador a determinar que não se pode aplicar o determinado no artigo 98º-L, nº2, parte final do CPT e também não se pode concluir pela intempestividade da contestação apresentada na medida em que o prazo para contestar só começa a correr a partir da notificação pessoal do aqui TRABALHADOR.
T. Pelo que o Acórdão Recorrido, ao ter decidido interpretar de forma completamente distinta as formalidades que têm que ser aplicadas para a notificação do disposto no artigo 98.º-L do CPT, encontra-se em plena contradição com um aresto já transitado em julgado;
U. A questão jurídica em apreço nos autos era simples: se a notificação do trabalhador consagrada no disposto no artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho equivale à citação a que alude o artigo 219.º do Código de Processo Civil.
V. Pelo que tendo o Acórdão Recorrido entendido, de forma expressa, não aplicar à notificação do trabalhador para contestar as normas constantes do disposto no artigo 219.º do Código de Processo, e o Acórdão Fundamento ter decidido que à notificação constante do disposto no artigo 98.º-L do CPT têm que ser aplicadas essas normas, não existem dúvidas que existe uma contradição de acórdãos sobre a mesma questão de direito.
E rematava, pedindo a revogação do Acórdão recorrido e a sua substituição por outro que determinasse a repetição da notificação à Recorrente para contestar.
A Ré contra-alegou.
Estando reunidos os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, o mesmo foi admitido, mas não como revista excecional porquanto embora as decisões das instâncias tenham sido no mesmo sentido o Acórdão recorrido foi proferido por maioria e a existência de voto de vencido implica que não existe dupla conformidade para o efeito da aplicação do artigo 671.º do CPC.
Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de dever ser negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido.
Fundamentação
De facto
Foram provados nas instâncias os seguintes factos:
1. A autora, na sequência na notificação por parte da ré da decisão de proceder ao seu despedimento sem indemnização ou compensação apresentou em tribunal, no dia 10/07/2019, formulário próprio, dando início aos presentes autos de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
2. Foi agendada a audiência de partes que se realizou em 25/07/2019, na qual a ré se fez representar por mandatário e a autora compareceu pessoalmente.
3. Nessa audiência de partes, a requerimento das partes, a instância foi declarada suspensa pelo prazo de 20 dias a fim de se efetuarem diligências com vista à possibilidade de se alcançar um acordo, sem prejuízo de se considerar já realizada a audiência de partes, ficando desde logo a ré notificada para, no prazo de 15 dias (que se iniciaria no dia seguinte ao termo do prazo de suspensão), apresentar articulado motivador e juntar o procedimento disciplinar.
4. No decurso do prazo da suspensão, a autora não recebeu, por parte da ré, qualquer proposta de resolução do litígio, sendo informada em 14 e 16 de agosto de 2019 não existir por parte do empregador disponibilidade para o efeito e que iria ser apresentado o correspondente articulado motivado, nos termos que constam das mensagens de correio eletrónico de fls. 274 e 274 verso, cujo teor se dá por reproduzido.
5. A notificação da autora expedida por este tribunal em 11/07/2019 tinha o registo RE…PT, resultando do respetivo relatório de seguimento, junto a fls. 251, que a correspondência não foi entregue no dia 12/07/2019, com a indicação de “Destinatário ausente, Avisado no Posto … (…)”.
6. Foi deixado um aviso sem indicação de remetente e sem indicação do correspondente código de barras.
7. No dia 17/07/2019, a autora dirigiu-se ao Posto de ..., a fim de levantar a carta a que se referia o aviso mencionado no ponto antecedente, o que fez, escrevendo no aviso a seguinte menção “O Sr. Carteiro esqueceu-se de pôr o código de barras, o remetente. Vou aceitar este código por não haver outra carta para mim.”.
8. A vizinha da autora, BB, verifica, desde data não apurada, mas não anterior ao referido em 16, a caixa de correio da autora.
9. Atendendo a que se encontra desempregada, a autora passa grande parte do tempo na sua residência.
10. No prédio onde a autora reside não existem campainhas, uma vez que o prédio se encontra em recuperação das fachadas e portas.
11. Para facilitar o trabalho aos carteiros e no interesse de todos os residentes, foi facultada uma chave da porta principal do edifício ao carteiro que habitualmente faz o giro, CC.
12. As caixas de correio relativas aos correspondentes andares do prédio encontram-se no átrio interior do edifício.
13. Caso seja necessário proceder à entrega em mãos de uma carta registada, o procedimento será o carteiro bater à porta das respetivas frações, atenta a inexistência de campainhas.
14. No 4.º andar do prédio da autora reside um senhor invisual, com falta de mobilidade, que recebe cartas e publicações em Braille as quais, atendendo à sua dimensão, não cabem no recetáculo do correio.
15. Já sucedeu ser encontrada correspondência no topo das caixas de correio.
16. A autora começou a ficar alarmada e com receio de não receber qualquer comunicação do tribunal no âmbito dos presentes autos, tendo já decorrido cerca de dois meses desde a realização da audiência de partes, motivo pelo qual se dirigiu, em data não apurada, mas posterior a 16/09/2019, ao Posto de Correio de ..., sito na Rua ..., n.º …, em …, com intenção solicitar ao chefe do posto que a avisasse da chegada de alguma correspondência proveniente do tribunal, visto que a conhecia de nome e de vista.
17. Lá chegada, acompanhada da sua vizinha BB, falou com o responsável do referido Posto, DD, referindo que se encontrava a aguardar uma carta importante do tribunal, que poderia ser volumosa e que era urgente.
18. Foi então informada que tinha estado disponível para levantamento uma carta que lhe era dirigida, cujo remetente era o tribunal, mas que tal carta já havia sido devolvida ao remetente.
19. A autora ficou alterada com essa informação.
20. Em dia não exatamente apurado, mas após o relatado em 16-19, a autora deslocou-se à secretaria deste tribunal, verificando que havia sido expedida a notificação e que a mesma tinha sido devolvida ao tribunal.
21. A secretaria do tribunal expediu ofício datado de 29/08/2019, registado no dia 30/08/2019 com o número RE...PT, para notificação da trabalhadora para contestar, o qual veio devolvido com a indicação de “não atendeu”, “avisado na Loja CTT de …”, “hora 11h50m; data 03-09-19” e com a etiqueta de “Objeto não reclamado”, conforme documento de fls. 226, cujo teor se dá por reproduzido.
22. Tal envelope contém a menção manuscrita de “colado com fita cola”.
23. Consta do sítio da internet dos CTT a informação referente ao seguimento da carta mencionada em 21, a fls. 227-228, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
24. O relatório de Track&Trace é um documento interno da ré, onde constam os eventos dos objetos registados, inseridos pelos carteiros que fazem o giro e pelos funcionários dos Centros de Distribuição.
25. Consta a fls. 285-286 o relatório de Track&Trace referente à correspondência mencionada em 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
26. A ré efetuou uma tentativa de notificação da nota de culpa à autora, por entrega ao próprio (serviço especial pedido pela ré, com o n.º RF…PT), no dia 26/03/2019, tendo o carteiro se deslocado ao andar da autora e sido recebido por ela.
27. Esse serviço especial de entrega de correspondência implicava que a autora se identificasse perante o carteiro, mediante a exibição de um documento identificativo, assinasse o documento em como tinha recebido e ficasse com a correspondência.
28. A entrega não foi possível nesse dia, por a autora ter dito não ter consigo nenhum documento identificativo, tendo o carteiro registado no sistema Track&Trace “Destinatário solicitou nova entrega”.
29. No dia seguinte – 27/03/2019 – o carteiro deslocou-se à residência da autora da parte, por duas vezes, mas o destinatário estava ausente, conforme registo efetuado no sistema Track&Trace.
30. No dia 28/03/2019 foi conseguida a entrega da correspondência referida em 26 à autora.
31. A autora foi informada em sede de audiência de partes que teria que constituir advogado para contestar a ação.
32. A entrega de uma chave de acesso ao interior dos prédios é efetuada por acordo entre os residentes e o carteiro, sendo a tal alheia a ré.
33. No período compreendido entre 26/08/2019 e 16/09/2019 o carteiro CC esteve ausente por motivo de férias, pelo que o giro em causa passou a ser feito por outros dois carteiros, EE e FF.
34. O carteiro CC, ao ir de férias, não deixou a chave do prédio da autora no centro de distribuição postal.
35. O centro de distribuição postal da área da residência da autora não recebeu qualquer reclamação sobre anomalias na distribuição do correio.
36. O carteiro FF, responsável pela distribuição do registo referido no ponto 21, no dia 2/09/2019 não conseguiu entrar no prédio onde a autora reside porque as campainhas não funcionam e a porta estava fechada.
37. Motivo pelo qual regressou no dia seguinte, 3/09/2019, e encontrando-se a porta exterior do prédio aberta entrou e dirigiu-se ao andar da autora, sendo que ninguém lhe abriu a porta.
38. O carteiro FF passou o respetivo aviso colocando-o no recetáculo postal da autora.
De Direito
Como já foi referido no Relatório, ainda que a revista tenha sido interposta como revista excecional, não existe “dupla conformidade” porquanto, muito embora as instâncias tenham decidido no mesmo sentido, o Acórdão recorrido foi proferido por maioria existindo um voto de vencido.
A questão que se suscita no presente recurso é a de saber qual o regime jurídico da notificação ao trabalhador do articulado de motivação do despedimento apresentado pelo empregador, mormente quando a notificação seja realizada na pessoa do trabalhador, notificação mencionada no artigo 98.º-L do CPT. Deve tal notificação seguir o regime regra das notificações consagrado no artigo 249.º do CPC ou, seguir o regime da citação, como prescrito no artigo 250.º do CPC para outras notificações pessoais? Esta questão tem suscitado controvérsia na jurisprudência das Relações, tendo optado alguns Acórdãos pela solução da aplicação do artigo 249.º do CPC, ao passo que outros, com fundamentações não inteiramente coincidentes, têm defendido esta última solução.
O acórdão recorrido optou, por maioria, por seguir a primeira solução, aplicando o artigo 249.º do CPC.
Pode ler-se, com efeito, no Acórdão recorrido:
“A notificação à parte que não tenha constituído mandatário efetua-se nos termos previstos no artigo 249.º do CPC – por carta registada que produz efeitos, mesmo sendo devolvida, caso a remessa tenha sido feita para a residência. Já a citação pressupõe, para além da via eletrónica (aqui não aplicável), o envio de carta registada com aviso de receção ou contacto pessoal (artigo 225.º/2 do CPC) (…) No caso concreto a notificação expedida à A. foi por carta registada (Ponto 21), que veio devolvida, tendo o carteiro passado um aviso que colocou no recetáculo da mesma (ponto 38).
Afirmou, igualmente, que:
“O artigo 250.º manda que se apliquem as disposições relativas à realização da citação pessoal nos termos acima já explicitados, em nenhum dos quais se enquadrando o caso presente”.
E destacou a diferença entre citação e notificação:
“A citação é o ato de chamamento a juízo, pela 1ª vez, de algum interessado na causa (artigo 219.º/1 do CPC). Já a notificação tem como objetivo chamar alguém a juízo para lhe dar conhecimento de um facto (n.º 2), sendo indiferente a existência de efeitos cominatórios. Daí que o ato adequado a dar conhecimento da apresentação do articulado motivador, ainda para mais numa situação em que a parte já comparecera à audiência de partes, seja, conforme dispõe o artigo 98.ºL/1 do CPT, a notificação”
Para responder à questão, importa, antes de mais, atender à estrutura específica do procedimento especial para impugnação da ilicitude ou irregularidade do despedimento e à sua teleologia.
A introdução do processo especial para impugnação da regularidade e ilicitude do despedimento visou, além de outras razões como a maior celeridade processual[1], „fazer corresponder o trâmite da ação de impugnação do despedimento às regras sobre o ónus da prova da justa causa“[2], procurando evitar que fosse o trabalhador quem – como sucedia anteriormente – tivesse, na sua petição inicial, que antecipar a sua defesa, prevendo os argumentos e as motivações do empregador. Agora, por exemplo face a um despedimento disciplinar com decisão escrita de despedimento, o trabalhador, ainda que possa ser considerado o autor na ação[3], não é o autor do primeiro articulado, limitando-se a invocar o despedimento de que foi alvo e a pedir ao tribunal que declare a ilicitude ou irregularidade do mesmo com as legais consequências. Será agora o empregador o autor do primeiro articulado e, cabendo-lhe o ónus da prova da justa causa de despedimento será ele quem nesse articulado invocará os factos – depois de o ter feito sucintamente na audiência de partes (artigo 98.º-I) – e os fundamentos do despedimento (sem prejuízo de outros aspetos como a oposição à reintegração, quando legalmente admissível). Será perante este articulado e a motivação nele constante que o trabalhador apresentará a sua defesa. A lei vai, inclusive, ao ponto de chamar ao articulado do trabalhador contestação (artigo 98.º-L). Ainda que seja fundada a crítica que boa parte da doutrina tem feito a esta terminologia – já que o autor de uma ação não contesta – a mesma sugere que o legislador concebeu este articulado do trabalhador essencialmente como a resposta face à motivação do despedimento feita no primeiro articulado do empregador (sem prejuízo de outros efeitos que o trabalhador pode pretender no que a lei chama de reconvenção, bem como os efeitos previstos na parte final do n.º 3 do artigo 98.º-L). E se o trabalhador não responder (“contestar“) no prazo legal o efeito cominatório é o mesmo que sucede nas hipóteses de uma genuína contestação, ou melhor da falta dela, perante uma petição inicial. Ou seja, sem dúvida que o primeiro articulado em todo este processo, o articulado do empregador, não é uma petição inicial – mas contém ou deve conter a motivação do despedimento face à qual se estruturá a resposta (e, designadamente, a eventual impugnação da veracidade dos factos, sem esquecer que a resposta do trabalhador, em um despedimento disciplinar, como o caso dos presentes autos, pode estender-se a outros aspetos, mesmo sem negar a veracidade dos factos, como o juízo sobre a sua gravidade objetiva e subjetiva, a prática disciplinar da empresa, o caráter excessivo da sanção, para dar alguns exemplos). Importa, ainda, ter presente que neste processo „só é obrigatória a constituição de advogado após a audiência das partes, com a apresentação dos articulados“ (artigo 98.º-B do CPT).
É à luz desta estrutura atípica deste processo especial e da sua teleologia – fazer com que a mesma estrutura reflita a distribuição do ónus da prova entre as partes – tendo também em atenção os valores constitucionais da proibição do despedimento sem justa causa e da importância do direito de defesa do trabalhador e do próprio acesso à justiça que a questão colocada nos presentes autos deve ser resolvida. O trabalhador, com efeito, não deve ser penalizado porque optou, como podia, por não constituir advogado até aos articulados, nem pela circunstãncia de ser o autor da ação, mas não o autor do primeiro articulado. Assim, e como já decidiu, por maioria, o Acórão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 3274/15.9T8VFR.P2 (FERNANDA SOARES), “a notificação do trabalhador – a que alude o nº1 do artigo 98º-L do CPT – deve ser pessoal atento os efeitos cominatórios a que alude o nº 2 do mesmo artigo”. Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/09/2019, processo n.º 1125/19.4T8FNC.L1-4 (LEOPOLDO SOARES) em decisão cuja fundamentação precisamente destaca a importância desta notificação para o exercício do direito de defesa pelo trabalhador[4], concluiu esta notificação pessoal deverá seguir a forma da citação.
Não se nos afigura que a letra do artigo 250.º do CPC seja argumento suficiente em contrário: não só o artigo não contém uma lista exaustiva das hipóteses em que a notificação pessoal deve seguir as regras da citação, como é natural que o legislador civil tenha tido em conta as exceções existentes na lei geral e não as da lei especial e não tenha legislado para uma hipótese tão atípica como a de um processo em que o autor da ação não é o autor do primeiro articulado.
Decisão: Concedida a revista, determinando-se a repetição da notificação pessoal.
Custas do recurso pelo Recorrido.
24 de março de 2021
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros adjuntos Joaquim António Chambel Mourisco e Maria Paula Moreira Sá Fernandes votaram em conformidade.
Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)
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[1] Ainda que se possa questionar se esse propósito foi conseguido. Cfr. MANUELA BENTO FIALHO, Relevância do Enquadramento Processual da acção de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. VI, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 139 e ss., p. 141. Cfr., contudo, JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA, A nova acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, Prontuário de Direito do Trabalho n.º 85, 2010, pp. 97 e ss., p. 102, n. 18, que afirma tratar-se do único processo “inteiramente urgente”.
[2] Livro Branco das Relações Laborais, p. 110. Cfr., por todos, PAULO SOUSA PINHEIRO, Curso Breve de Direito Processual do Trabalho, 2.ª ed. revista e atualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 158 e ss.
[3] JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho, Universidade Católica Editora, Lisboa, p. 107. Cfr., também, JOANA VASCONCELOS, Comentário aos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código do processo de Trabalho, Universidade Católica Editora, 2.ª ed. Revista e atualizada, Lisboa, 2020, p. 43.
[4] Pode ler-se, com efeito, no referido Acórdão que a resposta do trabalhador é a primeira vez que de forma aprofundada o trabalhador por um lado vai contestar as razões da entidade patronal para o despedir e por outro apresentar a sua própria versão dos factos e que ”há ainda que ter em conta a garantia do direito de defesa, a qual pode implicar o regime para que remete o art. 250.º em casos em que, não o dizendo a lei expressamente, a sua interpretação, tidas em conta as finalidades do ato, leva a concluir pela necessidade de aplicar os cuidados com que a lei rodeia o ato da citação, quer quanto ao seu conteúdo (art. 227.º), quer quanto às suas formalidades e à pessoa perante quem pode ser praticado” (sublinhado no original).