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FALÊNCIA
SOCIEDADE IRREGULAR
COMERCIANTE
Sumário
I- Hoje a sociedade irregular não pode ser declarada falida por não poder ser considerada comerciante. II- Mas podem ser declarados falidos os respectivos sócios – pessoas directamente responsáveis perante terceiros.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
Na sequência da requerida falência de
B………., Ldª
pela ora recorrente
C………., e outros
já melhor identificadas com os sinais dos autos, e, após o cumprimento das formalidades exigidas, foi proferida a seguinte decisão (extracto):
“(...) Atento o supra exposto, prevalece o sentido literal do disposto no nº 3 do art. 125° ficando excluída a situação de falência da sociedade ora requerida, extinguindo-se a presente instância por impossibilidade da lide, nos termos do art. 287°, al. e) do C.P.C ..
Custas pela requerente. Notifique.(...)”.
Inconformada com este teor veio a requerente tempestivamente apresentar o presente recurso, tendo, para o efeito, nas alegações formuladas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
“I- No caso dos autos está em causa a exclusão da possibilidade de declaração de falência de uma sociedade irregular.
II- O Douto Despacho de que se recorre entendeu estar excluída essa possibilidade e concluiu pela extinção da instância por impossibilidade da lide.
III- Baseou-se a Douta Sentença, no sentido literal do disposto no artigo 125.º, n.º 3 do C.P.E.R.E.F..
IV- Salvo o devido respeito e melhor opinião, a aqui recorrente entende que deveria a sociedade recorrida, ainda que irregular, ser declarada falida.
Senão vejamos,
V- Às sociedades irregulares é reconhecida personalidade judiciária, nos termos do artigo 6.º, al. d) do C.P.C..
VI- Às sociedades irregulares está subjacente um património autónomo, constituído pelas entradas realizadas aquando a celebração da escritura pública, nos termos do artigo 26.º do C.S.C..
VII- Os credores actuaram acobertados por esse fundo de garantia.
VIII- É nosso entendimento que, o sentido do artigo 125.º, n.º 3 do C.P.E.R.E.F. é o de delimitar a possibilidade de declaração de falência apenas aos sócios que participaram directamente nos negócios celebrados em nome da sociedade e, não o de excluir a possibilidade de declaração de falência da própria sociedade irrgular.
IX- Assim, perante terceiros responde o património social, principalmente e, depois subsidiariamente os sócios que no negócio agiram em representação da sociedade, nos termos do artigo 40.º, n.º 1 do C.S.C., neste sentido vide Ac. da RP de 09-01-98 in site publicado em http://www.dgsi.pt.
X- Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, a Douta sentença deveria declarar falida a sociedade recorrida, ainda que irregular.
XI- Neste sentido vide com interesse Ac. do STJ de 07-05-80, publicado in site http://www.dgsi.pt.:
“I - Provando-se que os sócios de uma sociedade irregular participaram pessoal e directamente no exercício mercantil, na condução dos seus negócios, respondem pessoal, ilimitada e solidariamente por todos os actos praticados em nome dele.
II- Declarada falida uma sociedade irregular, tem ainda a sentença de declarar falidos os respectivos sócios vista a responsabilidade ilimitada deles.”
Termina requerendo que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência revogar-se o douto Despacho proferido pelo Tribunal de que recorre.
Não foram apresentadas contra alegações.
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes-Adjuntos, pelo que importa decidir.
THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3 do Código Processo Civil como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial.
A questão que está subjacente no âmbito do presente recurso traduz-se em saber se, face ao disposto no artº 125º nº 3 do C.P.E.R.E.F., fica vedada a possibilidade de declaração de falência das sociedades irregulares, devendo ser declarados falidos os respectivos “sócios”-pessoas directamente responsáveis perante terceiros.
DOS FACTOS E DO DIREITO
A matéria factual de relevância para a decisão para além da que evidenciou supra no relatório elaborado é igualmente a seguinte:
A requerida "B……., Ldª." foi constituída por escritura no dia 8/11/2001, no Cartório Notarial de Paços de Ferreira (cfr. fls. 23 e ss.) e não se encontra registada na Conservatória do Registo Comercial de Lousada (cfr. fls. 99).
Através de diligências efectuadas pelo Tribunal a quo, o Registo Nacional de Pessoas Colectivas informou que a requerida apenas foi titular de cartão de identificação provisório, emitido na sequência de pedido de certificado de admissibilidade de firma ou denominação, não se encontrando inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas (cfr. fls. 128).
Importa, desde logo, dizer que, de acordo com a documentação supra referida, e com o preceituado no art. 36.º nº1, do Código das Sociedades Comerciais, a requerida é uma sociedade irregular.
Com efeito, de acordo com o preceito referido, se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles.
Antes de registada deve ser considerada como irregular a sociedade constituída para a prática de um ou mais actos de comércio.
Porque se trata de sociedade irregular não existe ela como sociedade comercial o que não impede a sua responsabilidade perante terceiros (artigo 8º do Código de Processo Civil); há que qualificá-la como sociedade civil e aplicar-lhe as normas das sociedades civis, sendo representado em juízo e fora dele pelos seus administradores nos termos do contrato ou de acordo com as regras fixadas no artigo 985º do Código Civil e respondendo pelas obrigações sociais nos termos dos artigos 997º e seguintes do citado Código.
Como decidiu esta Relação (Ac. de 27/9/96, www.dgsi.pt/jtrp), “todos os que contratem em nome de uma sociedade irregular ficam obrigados pelos respectivos actos, pessoal, ilimitada e solidariamente, em situação igual à dos sócios de uma sociedade em nome colectivo. Nas relações entre devedores solidários presume-se que eles comparticipam em partes iguais na dívida sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes”.
Aplicando-se às sociedades irregulares as normas das sociedades civis (v. art.º6.º, nº2, do C.S.C. e Ac. da R. de Lisboa de 3/11/88, C.J.-5-103), na falta de convenção em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar e pelas dívidas sociais respondem a sociedade e, pessoal e solidariamente, os sócios (art. 985º n.º 1 e 997º nº1, do Código Civil).
O sócio não pode eximir-se à responsabilidade por determinada dívida a pretexto de esta ser anterior à sua entrada para a sociedade (nº 4 daquele art. 997.º, do aludido Código).
Além disso, até mesmo depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação (art. 1020º do Código Civil). Como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 27/6/2000 (C.J.S.T.J.-2-127), enquanto não for sanado o vício da irregularidade ou liquidada, a sociedade irregular mantém a sua vitalidade, mas com subordinação ao regime fixado para as sociedades civis.
Reportando-nos mais concretamente à situação dos autos, estabelece o art. 125°, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência – adiante apenas designado pela sigla C.P.E.R.E.F-2, no que concerne ao sujeito passivo da declaração de falência, que:
“1. Tratando-se de associações, comissões especiais ou sociedades sem personalidade jurídica, só os seus sócios, associados ou membros civilmente responsáveis são declarados em situação de falência.
2. No caso de insolvência do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, a declaração de falência só abrange o estabelecimento; mas estender-se-á também ao seu titular, se a separação de patrimónios não tiver sido observada por ele.
3. No caso de exercício de actividade económica, quer sob a falsa aparência de sociedade sujeita à disciplina do Código das Sociedades Comerciais, quer depois de celebrado o contrato de sociedade, mas antes de realizado o seu registo definitivo, só as pessoas directamente responsáveis perante terceiros podem ser declaradas em situação de falência".
Conforme resulta da análise e confronto entre os citados artigos do C.S.C. e o art 125º, do C.P.E.R.E.F., e partindo da natureza jurídica das sociedades irregulares e responsabilização perante terceiros, cumpre apreciar, se, por virtude dessas situações, se originar um estado de insolvência, os responsáveis perante terceiros são sempre declarados falidos. E se, face à redacção do citado art. 125º nº3, especificamente in fine “(...) só as pessoas directamente responsáveis perante terceiros podem ser declaradas em situação de falência”, tal quererá significar que não há lugar à declaração de falência das sociedades irregulares, ou apenas que as pessoas que, apesar de estarem envolvidas na sociedade, não sendo responsáveis perante os aludidos terceiros, e apenas essas não podem ser declaradas falidas?
Ora, não obstante as sociedades irregulares constituírem um património autónomo algo semelhante ao que sucede com o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, o certo é que sempre se terá de considerar que não tem aplicação o disposto no art. 125° n°2 da citada lei, uma vez que estamos perante situações diferentes, e em consequência a merecer diferente tratamento jurídico.
De facto, no estabelecimento individual de responsabilidade limitada estamos perante uma realidade devidamente criada e constituída contrariamente ao que sucede nas sociedades irregulares em que existe um paralelismo com a situação das entidades sem personalidade a que se refere o nº 1. Aliás, tal como decorre do regime estabelecido no C.S.C., não se justifica o tratamento jurídico das sociedades irregulares de forma diferente das realidades previstas no referido nº 1.
Assim, e de acordo com o art. 9º nº 2, do C.Civil, em que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, deve prevalecer o sentido literal do citado nº3 do art. 125º, que exclui a possibilidade de declaração de falência das sociedades irregulares, constituindo a faculdade de declarar falência do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, enquanto património autónomo desprovido de personalidade jurídica, uma excepção ao regime estabelecido no preceito em análise.
A jeito de conclusão, sempre se dirá que a jurisprudência aduzida nas alegações, no sentido de que, “Declarada falida uma sociedade irregular, tem ainda a sentença de declarar falidos os respectivos sócios vista a responsabilidade ilimitada deles” (Ac. do STJ de 07-05-80, publicado in site http://www.dgsi.pt.), peca por se referir ao regime jurídico previsto ainda no C.P.Civil revogado pelo C.P.E.R.E.F., regime esse em que a falência era um instituto tendencialmente, privativo dos comerciantes, apenas extensível a outras entidades nos casos especialmente previstos (art. 1135º), constituindo, assim, o artigo supra analisado do C.P.E.R.E.F. uma saliente inovação.
Na decorrência do que vem de ser dito, no entanto, em termos doutrinais, sempre se aderia à que, tendo em conta que a sociedade irregular não pode ser considerada comerciante, a mesma não poderia ser declarada falida.
Refira-se que, mesmo antes do Código de Processo Civil de 1939, a jurisprudência era quase uniforme em considerar que não pode ser declarada em estado de falência uma sociedade comercial irregular, devendo sê-lo, porém, os sócios dessa sociedade (vide Sousa Macedo, in Manual do Direito de Falência, Vol. I, pág. 172).
Assim necessariamente pela fundamentação, bem como enquadramento jurídico constante da decisão proferida, julgam-se improcedentes as conclusões formuladas, confirmando-se, nessa sequência, a decisão proferida.
DELIBERAÇÃO
Nestes termos em face do que vem de ser exposto, negando provimento ao interposto recurso de apelação, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Porto 09 de Maio de 2006
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Emídio José da Costa