CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DIREITO DE RETENÇÃO
INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
CONSUMIDOR
RENÚNCIA
DECLARAÇÃO TÁCITA
CASO JULGADO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DIREITO DE SEQUELA
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário


I. Só a falta absoluta de motivação e não a motivação deficiente, errada ou incompleta, produz a nulidade prevista naquela alínea b), do nº 1, do arº 615º, do CPC.
II. A omissão de pronúncia existe apenas e quando o juiz não considere as questões postas ao tribunal e já não no referente aos «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença.
III. A excepção de caso julgado fundamenta-se quer em razões de segurança e certeza jurídicas, quer no próprio prestígio dos tribunais que seria comprometido no mais alto grau se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente.
IV. São quatro os pressupostos do direito de retenção (artº 754º CC): detenção lícita de bem alheio; dever de o entregar; crédito sobre o credor da entrega; conexão entre o crédito do retentor e o do seu credor.
V. Ocorrendo incumprimento pelo promitente-vendedor de contrato-promessa de compra e venda por conta de cujo preço foi pago sinal e cujo objecto já foi entregue ao promitente-comprador, goza este do direito de retenção sobre o bem enquanto não for pago, bem como da faculdade de se fazer pagar por força da sua venda judicial (direito esse que não estando sujeito a registo e prevalecendo sobre a hipoteca, constitui uma ameaça incontrolável para os credores hipotecários).
VI. Na situação de insolvência do promitente vendedor, em contrato-promessa de compra e venda com tradição da coisa, mesmo que apenas com eficácia obrigacional, o promitente comprador consumidor e que sinalizou o negócio, goza do direito de retenção, pelo que o seu crédito indemnizatório (decorrente do não cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência) é tutelado pelo artº 755º, nº 1, al. f) do CC.
VII. O artº 197º do CIRE tem carácter supletivo, só dele se podendo afastar a sua estatuição através de determinação expressa no próprio plano de insolvência. Pelo que nada sendo dito em contrário no plano de insolvência, vale o disposto nesse normativo (designadamente, que “os direitos decorrentes de garantias reais” (v.g., direito de retenção) “não são afectados pelo plano, não se extinguem ou caducam.”).
VIII. o que se justifica, quer para evitar incertezas que poderiam resultar da concorrência de acordos ou estipulações estranhas ao instrumento geral, quer por razões de transparência a aconselhar que tudo fique devidamente explicitado no plano, o qual, como tal, deve conter na plenitude a regulação sucedânea dos interesses sob tutela.
IX. Assim, mesmo após a sentença homologatória do plano de insolvência, e nada sendo dito em contrário no mesmo, continuam os promitentes compradores, com traditio e sinal, a beneficiar da garantia real do direito de retenção sobre o prédio até à satisfação do seu crédito sobre a insolvente.
X. O simples facto de os promitentes compradores terem tomado conhecimento, a posteriori, do plano aprovado e dele não terem reclamado não pode, por si só, ser entendido/interpretado como renúncia ao direito de retenção (e ao seu direito de serem pagos preferencialmente pelo produto da venda do bem retido),
XI. nem, sequer, como renúncia tácita, pois que a declaração tácita de renúncia para ter “eficácia” tem de resultar de factos inequívocos, isto é, que com toda a probabilidade revelam a vontade negocial (sendo esse o sentido que, nos termos do n.º 1 do artigo 236.º do CC, deles retiraria um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e inteligente, colocado na situação concreta do declaratário).
XII. Aliás, a admissibilidade de declaração tácita depende, não apenas da concludência dos comportamentos ou condutas materiais, mas também da circunstância de os factos em que se corporizam tais comportamentos terem algum suporte em documento escrito.
XIII. O direito de retenção, dotado de eficácia erga omnes e poder de sequela é oponível quer ao terceiro adquirente da coisa, quer ao terceiro que reivindique a coisa como sua, sob pena de ser ilusória a eficácia dessa garantia.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., propôs acção de reivindicação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB.

Pedem a condenação dos RR a:

-   Verem declarada a Autora, como legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua ……. em ……, freguesia e concelho ………, descrito na Conservatória do Registo Predial ………, sob o nº 6…… e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 8……;

- Entregar à Autora o referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens;

- Pagar à Autora, uma indemnização pelos prejuízos por esta sofridos, em virtude da ocupação ilegal e abusiva, contada desde a aquisição do imóvel pela Autora, que se fixa em €35.312,88 até efectiva entrega do imóvel, devoluto de pessoas e bens, acrescido de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal, desde a data de interpelação dos RR, para proceder à entrega o imóvel desocupado, que à data corresponde a €297,86.


Regularmente citados, os RR, apresentaram Contestação/Reconvenção, pedindo a procedência dos pedidos reconvencionais e em consequência, ser:

I - Declarada nula e sem nenhum efeito a escritura de dação, quanto a este imóvel, e em consequência não serem reconhecidos quaisquer direitos à Autora, neste âmbito, sendo o imóvel restituído à massa insolvente.

Em alternativa:

II - Reconhecida como legítima a posse dos RR e a manutenção do seu direito de retenção sobre o imóvel na dação, condenando-se a Autora no pagamento de €50.000,00 para satisfação do crédito dos RR, acrescido dos juros vencidos desde 27/09/2012, no valor de €10.613,70 e vincendos até integral pagamento;

III - Dado como provado que os RR, de boa-fé, efectuaram benfeitorias úteis no imóvel, no valor de €41.000,00, sobre os quais têm uma posse legítima que lhes confere o direito de retenção, até ao pagamento pela Autora do valor das mesmas, a título de enriquecimento sem causa, acrescido de juros vincendos a partir da citação, até integral pagamento;

IV - Em qualquer dos pedidos condenada a Autora a pagar aos RR o valor de €25.000,00 de indemnização, a título de danos morais, por abuso de direito, pela ocultação da escritura de dação do imóvel.


Notificada da Contestação/Reconvenção, veio a Autora apresentar Réplica.

Foi deduzido incidente de intervenção principal da Tecnitejo - Sociedade de Construções …… S.A. que deduziu articulado próprio, o qual conclui pedindo que se decrete a entrega do imóvel à Autora, pagando esta aos RR os créditos reclamados.

Ou, em alternativa, o imóvel voltar à massa insolvente, para ser cumprido o Plano de Insolvência.

A Autora apresentou Resposta ao articulado da Interveniente.

Concluiu pedindo a condenação da Interveniente como litigante de má-fé e no pagamento de indemnização à Autora em montante a fixar pelo Tribunal em sede de sentença.

Pediu ainda a absolvição da Autora dos pedidos formulados pela Interveniente, por processualmente inadmissíveis ou por não provados.

Foi admitida a reconvenção deduzida pelos Réus.

Realizada audiência prévia, na mesma foi proferido despacho saneador-sentença que: conheceu dos pedidos reconvencionais no sentido da sua improcedência; julgou procedente o pedido de reivindicação deduzido pela Autora; e condenou a interveniente como litigante de má-fé, julgando, outrossim, improcedentes os pedidos pela mesma formulados.


Inconformadas, apelaram a Ré BB e a interveniente Técnitejo – Sociedade de Construções do Ribatejo, S.A., vindo pelo Tribunal da Relação ………. a proferido Acórdão, onde se decidiu julgar:

a) Procedente o recurso da Ré BB e, revogando parcialmente a sentença recorrida, absolve-se a mesma do pedido de entrega do imóvel reivindicado -   prédio urbano sito na Rua ………. em ………, freguesia e concelho ………, descrito na Conservatória do Registo Predial …………, sob o nº 6…… e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 8……;

b) Parcialmente procedente o recurso da interveniente e, alterando a decisão recorrida, reduziu-se a multa aplicada em razão da sua condenação como litigante de má-fé para 5 (cinco) UCs.


Agora inconformada com o assim decidido pela Relação, veio a Autora/Reconvinda Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., apresentar recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes[1]


CONCLUSÕES:

“1. A R pediu nas suas alegações de recurso o reconhecimento do seu direito de retenção, a prevalência deste, sobre a hipoteca da recorrente e a devolução do imóvel à massa insolvente, porque alegadamente os RR tem posse legitima e só após serem ressarcidos terão obrigação de restituir o imóvel à A.

2. Sucede que a hipoteca da recorrente se extinguiu pela dação em cumprimento efetuada nos autos de insolvência, em cumprimento do plano de insolvência – Vd ponto 21 dos factos provados

3. E o processo de insolvência está extinto – Vd 28 dos factos provados

4. Não obstante a impossibilidade objetiva do pedido assim formulado, em sede de recurso pela R, e que não mereceu qualquer convite ao aperfeiçoamento, proferiu o Tribunal da Relação ……. decisão onde julga procedente o recurso da Ré BB, revogando parcialmente a sentença recorrida, absolvendo-se a mesma do pedido de entrega do imóvel reivindicado, “tout court”!

5. Omitindo a decisão, assim proferida, o motivo da decidida da absolvição do pedido de entrega do imóvel.

6. Termos em que a decisão recorrida está ferida de nulidade nos termos dos arts. 615.º, n.º 1, al. b) e 666.º do CPC, que aqui se deixa arguida e se requer a V. Exas. seja declarada.

7. Acompanha a recorrente o entendimento vertido no acórdão recorrido, referente aos principais momentos do plano de insolvência, elencados no acórdão recorrido:

a. O que releva é a vontade dos credores plasmada no plano que oportunamente fizeram aprovar e que contemplava a dação aqui em causa – pag 28 do Ac. recorrido em formato pdf.

b. Os efeitos gerais da homologação do plano de insolvência produziram os seus efeitos, em consonância com o disposto no art. 217.º do CIRE - pag 28 do Ac. recorrido em formato pdf.

c.  Com a sentença de homologação, produziram-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano - pág 29 do Ac. recorrido em formato pdf.

d. Com o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de insolvência encerra-se o processo de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo daquele e as medidas que o integram tornam-se vinculativas para o credor prejudicado - pág 29 do Ac. recorrido em formato pdf.

e. A autoridade de caso julgado da sentença homologatória do plano de insolvência veda, portanto, que outro Tribunal aprecie se ocorreu, ou não violação do princípio da igualdade dos credores da insolvência ou de outros princípios que poderiam ter conduzido à sua não homologação naquele processo - pag 29/30 do Ac. recorrido em formato pdf.

8. Por esse motivo, não alcança, como possam estas conclusões ser válidas para a dação em cumprimento, efetuada ao Montepio, aprovada e homologada, por decisão transitada em julgado.

9. E de forma absolutamente ambígua, e até contraditória, já não possam ser válidas quanto ao plano de amortização do crédito dos RR, a efetuar pela insolvente, aprovado e homologado, pela mesma decisão, transitada em julgado.

10. Dualidade de critérios que, salvo devido respeito, não se compreende!

11. Pois se, no plano de insolvência aprovado:

a. ao contrário do mencionado, na decisão recorrida, não só foram identificados os imóveis alvo de dação (com hipoteca ao Montepio, como vem, a ser o caso do imóvel dos autos), como

b. nunca ficou acordado que o produto da venda do imóvel, que os RR ocupam, alguma vez lhes pudesse vir a ser atribuído, como forma de pagamento do seu crédito.

12. Pelo contrário, estipulou expressamente o que o plano, que:

a. o produto da venda dos imóveis hipotecados ao Montepio, reverteria em favor do Montepio, para amortização do crédito concedido: “pagamento ao Montepio de 90% do valor das vendas concretizadas, a realizar até 30/11/2011, data em que se realizará a escritura de dação em pagamento dos imóveis não vendidos, ficando os restantes 10% do valor das vendas concretizadas, na massa insolvente, para garantia das custas e despesas do processo de insolvência e pagamento aos restantes credores…” - Vd ponto 17 dos factos provados

b. Já o pagamento do crédito dos recorridos, seria efetuada pela Tecnitejo, e passaria pelo “pagamento da totalidade do capital em dívida, em 50 prestações trimestrais e sucessivas, com taxas de amortização crescentes, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano de Insolvência, com perdão de juros vencidos e vincendos”, com amortizações previstas até 2023 - Vd 17 e 18 dos factos provados.

13. Pelo que inexiste, qualquer fundamento de facto ou direito, que justifique a conclusão vertida no Ac. recorrido de que:” (…) o plano é completamente omisso relativamente ao destino das garantias reais e privilégios creditórios existentes, nada se prevendo acerca da sua extinção.”

14. Pois, com se demonstrou e tendo presente o carater supletivo do art. 197.º do CIRE, o plano estatuiu expressamente no sentido da alteração dos direitos decorrentes das garantias reais e privilégios creditórios

15. Não havendo dúvida que estes podem ser atingidos, “desde que a afetação conste do plano e nos termos nele especialmente previstos.”, como sucede ser o caso dos autos.

Sem prescindir,

16. Com a notificação a todos os interessados, da homologação do plano, como decorre

do ponto 16, da matéria de facto provada, os RR tomaram conhecimento de todo o teor do plano de insolvência:

a. da forma e prazos de pagamento acordados para o seu crédito, sem que se estipulassem quaisquer garantias,

b. e que todos os imóveis com hipoteca ao Montepio, incluído o que ocupavam, poderiam ser objeto de dação em pagamento ao Montepio, caso o Administrador de Insolvência não os conseguisse vender, no prazo estabelecido no plano, para pagamento do seu crédito do banco – Vd ponto 17 dos factos provados.

17. Cumprida esta notificação (art. 192.º, n.º 2 do CIRE), sem que os RR/credores/interessados reclamassem do plano, conformaram-se com ele.

18. Renunciaram pois, ao seu direito de retenção e, bem assim, de ao direito de serem pagos preferencialmente pelo produto da venda do imóvel em causa, posto que se conformaram com a proposta assumido pela insolvente, no plano de insolvência: de pagamento do valor em divida em prestações.

19. O direito de retenção dos RR. caducou, assim, por efeito da aprovação do plano de insolvência.

20. Aliás, foi considerando este contexto, do plano de insolvência, que a Sra. Juiz do processo de insolvência, em face de pedido da CEMG, para que lhe fosse entregue o imóvel desocupado, em 24/04/2013, proferiu despacho refª 1387618, onde refere: “…determina-se que o Sr. Administrador de Insolvência diligencie pela entrega do imóvel ao seu proprietário, ficando, para o efeito, nos termos do disposto nos artigos 840º, nº 2 e 848º nº 2 e 3 do Código de Processo Civil, autorizado o recurso ao arrombamento através de força pública, com vista ao acompanhamento da realização da diligência de entrega do bem.” - Vide ponto 24 dos factos provados.

21. Ali acrescentando que: Os credores da massa insolvente podem reclamar da devedora os seus direitos não satisfeitos cf. Artigo 233º, 1, alínea d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” - Vide ponto 25 dos factos provados.

22. E em face da insistência da CEMG, na entrega, em 29/11/2016, proferiu despacho refª 73774472, com o seguinte teor: As vertentes autos encontram-se encerrados, com Visto em Correição colocado desde 31-5-2016. O requerimento da CEMG que antecede, pedindo a entrega do imóvel que adquiriu em setembro de 2012 é passível de correr no processo de insolvência enquanto a liquidação ainda está em curso ou, “in extremis”, o processo de insolvência ainda não foi encerrado. A partir do momento em que o processo está encerrado, o que o adquirente tem de fazer é recorrer a uma execução para entrega de coisa certa, apresentando como título executivo o título que lhe transmitiu a propriedade e não reabrir o processo de insolvência...” - Vide ponto 28 dos factos provados.

23. E nem se diga, como no Ac. recorrido, que só se poderia equacionar a extinção do direito de retenção, por via de renuncia tácita, se os recorridos tivessem entregue o imóvel na sequência do plano!

24. Pois acolher tal entendimento equivaleria a esvaziar o teor do plano, o efeito da sentença homologatória do plano e o seu efeito de caso julgado.

25. Porquanto, bastaria ao credor, cujo direito tivesse sido afetado pelo plano de insolvência - sem que para alem do mais, como no caso, nunca dele tivesse reclamado - não proceder à entrega do imóvel, para assim o conseguir colocar em causa, em contravenção de tudo quanto ficou aprovado por maioria dos credores, homologado por sentença transitada em julgado!

26. Reiteramos, andou bem o Ac. recorrido ao entender como mencionado em 7 das presentes conclusões de recurso.

27. Apenas não se alcança, como tais premissas, que decorrem da lei e em face dos factos expostos, possam apenas ter sido aplicadas, pelo Ac. recorrido, apenas a um credor (Montepio/AA), em detrimento de outro (credores recorridos/RR)!

28. Termos em que o Ac recorrido está ferido de nulidade de acordo com o disposto no art. 615.º, n.º1, al. c) do CPC, 666.º do CPC nulidade que se argui e, desde se requer a V. Exas. seja declarada nos presentes autos.

29. Cumprirá ainda sublinhar que o processo de insolvência garantiu aos RR. todos os direitos de defesa.

30. Simplesmente, em face do incumprimento do plano de insolvência, relativamente aos recorridos, por parte da Tecnitejo - porque é disto que (efetivamente) se trata – cabe aos recorridos percorrer o mesmo caminho que qualquer outro credor, nas mesmas circunstâncias: “lançar mão” das diligências previstas na lei, para situações de incumprimento do plano - art. 218.º CIRE.

31. Note que, aceitar outra solução sempre importaria uma ostensiva e manifesta violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado - art. 13.º da CRP, porquanto estaria o Tribunal:

a. A atribuir um direito aos RR., que manifestamente não tem (o de discutir nesta ação matéria referente ao incumprimento do plano de insolvência pela Tecnitejo);

b. Como a beneficiar os RR., relativamente aos demais credores do plano de insolvência da Tecnitejo - cujos créditos, neste momento, possam não estar a ser satisfeitos - e que obviamente, só tem como meio de tutela, o acionamento dos mecanismos do art. 218.º do CIRE.

32. Não tendo a recorrida, sob este ponto, porque ser beneficiada, considerando que está em igualdade de circunstâncias relativamente a todos esses outros credores do plano.

33. E nesta medida a decisão recorrida, viola a exceção de caso julgado, conforme artigos 580.º, 581.º, 613.º, 619.º, 621.º e 628.º, “ex vi” art. 17.º do CIRE e por essa via está também ferida de nulidade, nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC.

34. Acresce que, a proceder o entendimento vertido no Acórdão recorrido, promoveria o Tribunal um tratamento legal desigualitário, face a uma mesma decisão judicial – homologação de plano de insolvência transitado em julgado - e nessa medida, inconstitucional, porque violador do art. 13.º da CRP.

35. Sendo certo, que em face do plano que foi aprovado e homologado, também não tem a recorrente de ver lesados os seus direitos (de propriedade e posse sobre o imóvel), que adquiriu, conforme escritura pública livre de ónus e encargos – Vd ponto 21 dos factos provados e doc de fls 13 a 24.

36. Isto porque a insolvente Tecnitejo, não cumpriu com o plano de pagamentos que assumiu relativamente à recorrida.

37. Em consequência, não tem a recorrente qualquer direito de retenção sobre o imóvel melhor descrito nos autos, não sendo legitima a detenção que sobre ele exercem.

Assim,


38. Todo o exposto, conduz à procedência do recurso apresentado pela recorrente,

39. Razão pela qual, bem andou o Tribunal de 1.ª instância ao não reconhecer o direito de retenção dos RR e por via disso, condená-los à entrega do imóvel.

40. E bem andará o Tribunal “ad quem”, declarando a nulidade da decisão recorrida, substituindo-a por outra que não reconheça o direito de retenção da R e por via disso, a condene à entrega do imóvel.


TERMOS EM QUE, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO E DECLARANDO A NULIDADE DO DESPACHO RECORRIDO, OU REVOGANDO-O E SUBSTITUINDO-O POR OUTRO QUE NÃO RECONHEÇA O DIREITO DE RETENÇÃO DA RE POR VIA DISSO, A CONDENE À ENTREGA DO IMÓVEL.”.

Contra-alegou a Recorrida BB, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Delimitação do objecto do recurso

Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são:

1. Se o Acórdão enferma das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do artº 615º do CPC, ex vi do artº 666º do mesmo Código (respectivamente: não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; omissão de pronúncia ou conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento).

2. Violação de caso julgado.

3. Do direito de retenção dos Autores e se o mesmo se extinguiu com a aprovação do plano de insolvência.

4. Violação do princípio da igualdade (artº 13º da CRP).


III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. É a seguinte a matéria de facto provada (na 1ª instância, sem impugnação em recurso):

1 - Em 15 de Julho de 2010, entre a sociedade Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo, SA, ora Interveniente e o Réu marido, AA, foi celebrado o acordo escrito, constante de fls. 52 a 54, que as partes denominaram de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, mediante o qual a Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo, SA, prometeu vender e o Réu AA prometeu comprar, o prédio urbano para habitação e logradouro, sito na Rua ………, freguesia e concelho …….., descrito na Conservatória do Registo Predial ………. sob o nº 6…/.… e inscrito na matriz, sob o artigo 8……., da freguesia ……… . [Vide doc. de fls. 52 a 54, conjugado com a lista provisória de credores (fls.333) da documentação de fls. 294 a 437, junta por ofício pelo …. Juízo de Comércio ……… e fls.136v da Relação de Créditos do artº 129º do CIRE, junta com o Plano de Insolvência de fls.121 e ss].

2 - O preço acordado para a prometida venda foi de €115.000,00 [Fls. 52 a 54].

3 - Como sinal e princípio de pagamento, o Réu AA entregou à sociedade T………. - Sociedade de Construções ……… S.A., a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) [Fls. 52 a 54].

4 - Foi acordado que a escritura de compra e venda seria outorgada até 15 de Agosto de 2010 [Fls. 52 a 54].

5 - Após a celebração do contrato promessa, os ora RR passaram a ocupar o imóvel objecto do referido contrato.

6 - A escritura pública do contrato prometido nunca foi realizada.

7 - Em 04 de Dezembro de 2010, a sociedade Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo, S.A., ora Interveniente, apresentou-se à insolvência no Tribunal Judicial ………, tendo o respectivo processo corrido termos sob o nº 1146/10…- (posteriormente emigrado para o …. Juízo de Comércio ………) [Vide p.i. a fls. 539 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo de insolvência nº 1146/10……… do …. Juízo de Comércio ………].

8 - Por sentença proferida no dia 13/12/2010, a sociedade Tecnitejo - Construções do Ribatejo S.A., ora Interveniente, foi declarada insolvente. [Vide fls. 533 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº1146/10……. do …. Juízo de Comércio ……… e informação de fls. 54v].

- Em complemento da sentença de declaração de insolvência, foi, em 20/12/2010, decidido que a administração da Insolvente fosse assegurada pelo devedor. [Vide fls. 553 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10……. do …. Juízo de Comércio de ……… e informação de fls. 55v].

10 - No referido processo de insolvência, os ora RR reclamaram créditos no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), tendo o seu crédito sido relacionado na lista a que alude o artº 129 º do CIRE (relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos), por ordem alfabética sob o nº 64, com a natureza de “garantido” com fundamento em “Contrato promessa, juros de mora vencidos e juros vincendos” [Vide fls. 333 da documentação de fls. 294 a 437, junta por ofício pelo …. Juízo de Comércio ………. e fls. 136v do Plano de Insolvência de Insolvência junto pelos RR].

11 - Não foi proferida sentença de graduação de créditos.

12 - A sociedade insolvente e ora Interveniente Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo. S.A., apresentou Plano de Insolvência [Vide Plano de Insolvência de fls. 121 e ss junto pelos RR e fls. 302 e ss da documentação de fls. 294 a 437, junta por ofício pelo …. Juízo de Comércio ……… e fls. 554 a 580 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10………. do …… Juízo de Comércio …………].

13 - Em 26/04/2011 e 07/06/2011 realizaram-se conferências de credores com vista à discussão e votação do Plano de Insolvência [Vide fls. 555 a 560 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10………. do …. Juízo de Comércio ………].

14 - Os RR não estiveram presentes nas referidas assembleias [cfr. Actas de fls. 555 a 560 e resultados da votação de fls. 572 a 570, da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10……. do …. Juízo de Comércio ………].

15 - Estiveram presentes 88,83% dos créditos reconhecidos, houve 83,37% de votos a favor e 16,63% de votos contra e o credor BES votou no sentido de abstenção [cfr. actas de fls. 555 a 560 e resultados da votação de fls. 572 a 570, da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10……… do …. Juízo de Comércio ………].

16 - Por sentença de 04/11/2011, rectificada por despacho de 16/11/2011, foi homologada a aprovação do Plano de Insolvência, a qual foi notificada a todos os interessados e transitou em julgado em 23/07/2012 [cfr. actas de fls. 555 a 560 e resultados da votação de fls. 572 a 570 e aprovação e homologação de fls. 571 a 580, da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10………. do …. Juízo de Comércio ……….., vide ainda certidão de fls. 61v, junta pelos RR].

17 - No Plano de Insolvência, aprovado, homologado e transitado em julgado, foi prevista a regularização dos créditos da ora Autora Caixa Económica Montepio Geral e dos RR AA, da seguinte forma:

Caixa Económica Montepio Geral 567.516,66 Euros

Proposta de regularização: abertura de conta em nome da massa insolvente, a movimentar pelo AI e pelo presidente da Comissão de Credores; possibilidade da insolvente vender os imóveis até 15/11/2011, por valor superior à avaliação a disponibilizar oportunamente pelo Montepio, e que será dada a conhecer nos autos pelo Sr. AI; pagamento ao Montepio de 90% do valor das vendas concretizadas, a realizar até 30/11/2011, data em que se realizará a escritura de dação em pagamento dos imóveis não vendidos, ficando os restantes 10% do valor das vendas concretizadas, na massa insolvente, para garantia das custas e despesas do processo de insolvência e pagamento aos restantes credores. Até 30/11/2011, a insolvente pagará ao Montepio juros sobre o capital em dívida à taxa mensal Euribor a 6 meses acrescida de 2% de spread. Caso seja necessário celebrar alguma escritura de venda, até ao trânsito da sentença que homologará o plano de pagamentos, o AI apresentará um termo de consentimento subscrito pela Comissão de Credores e que permitirá a concretização do negócio.

Créditos Garantidos (dos RR) 50.000,00 Euros

Plano de regularização: pagamento da totalidade do capital em dívida, em 50 prestações trimestrais e sucessivas, com taxas de amortização crescentes, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano de Insolvência, com perdão de juros vencidos e vincendos. [Vide plano de insolvência incluso a fls. 302 e ss, na documentação de fls. 294 a 437, junta por ofício pelo …. Juízo de Comércio ………. e igualmente junto pelos RR a fls. 121 e ss].

18 - Relativamente aos créditos dos RR, o plano de amortização constante do Plano de Insolvência, prevê as seguintes prestações de amortização, até 2023, sendo:

- Em 2011 - €500,00

- Em 2012 - €2.000,00

- Em 2013 - €2.500,00

- Em 2014 - €3.000,00

- Em 2015 - €3.000,00

- Em 2016 - €3.500,00

- Em 2017 - €4.500,00

- Em 2018 - €4.500,00

- Em 2019 - €4.500,00

- Em 2020 - €5.000,00

- Em 2021 - €5.000,00

- Em 2022 - €6.000,00

- Em 2023 - €6.000,00

[Vide plano de insolvência incluso a fls. 302 e ss na documentação de fls. 294 a 437, junta por ofício pelo …… Juízo de Comércio ………… e igualmente junto pelos RR a fls. 121 e ss].

19 - A Interveniente Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo S.A., não pagou até hoje qualquer prestação aos RR.

20 - A avaliação do imóvel dos RR foi feita pela Autora em 05 de Abril de 2011, constando do respectivo relatório de avaliação que, à data, no sótão já existia sala de estar, 2 quartos e casa de banho [Vide doc. de fls.. 285v a 289].

21 - A Autora adquiriu o direito de propriedade do imóvel em causa, através de escritura de dação em pagamento, celebrada em ………… de 2012 no Cartório Notarial ……., em cumprimento da deliberação tomada na Assembleia de Credores, no âmbito do processo nº 1146/1…….., que aprovou o Plano de Insolvência homologado por sentença transitada em julgado. [Vide doc. de fls.13 a 24].

22 - Através de documento escrito de fls. 284 a 285, a ora Autora, credenciou a sociedade IBERSIFA - Restauro e Prestação de Serviços Imobiliários, para tomar posse do referido imóvel, nomeadamente substituir as fechaduras [Vide doc. de fls. 284 a 285].

23 - Em 04/02/2013 a ora Autora dirigiu requerimento ao processo nº 1146/10………, pedindo ao Tribunal que ordenasse a entrega do imóvel devoluto de pessoas e bens [Vide fls.582 e 583 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10………. do … Juízo de Comércio ……].

24 - Sobre tal requerimento, recaiu em 24/04/2013 despacho refª 1387618, com o seguinte teor: “Determina-se que o Sr. Administrador de Insolvência diligencie pela entrega do imóvel ao seu proprietário, ficando, para o efeito, nos termos do disposto nos artigos 840º, nº2 e 848º nº2 e 3 do Código de Processo Civil, autorizado o recurso ao arrombamento através de força pública, com vista ao acompanhamento da realização da diligência de entrega do bem.” [Vide fls.582 e 583 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº1146/10…… do …. Juízo de Comércio ……].

25 - No mesmo despacho de 24/04/2013, foi declarado encerrado o processo de insolvência e consignado que “Os credores da massa insolvente podem reclamar da devedora os seus direitos não satisfeitos - cf. Artigo 233º, nº 1, alínea d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” [Vide fls.582 e 583 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10……. do … Juízo de Comércio ………].

26 - Por despacho proferido em 03/11/2014, refª 65199313, foi consignado que, atento o encerramento do processo “Aos credores cumpre apenas informar que o incumprimento das obrigações estipuladas em plano de insolvência nas condições previstas na al. a) do art. 218º/1 e nº 2 do mesmo inciso legal do CIRE, constitui fundamento para a instauração de nova acção de insolvência - artº 20º/1-f) do CIRE.” [Vide fls.590 3 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10……. do …. Juízo de Comércio ………].

27 - A ora Autora, voltou a dirigir requerimento ao referido processo nº 1146/10………, no qual, em síntese, alega:

-     Após adjudicação, a requerente, na qualidade de proprietária, pretendeu tomar posse do referido imóvel, tendo sido obstruída pela ocupante do imóvel;

- Os ocupantes alegam ter direito de retenção que lhes advém do contrato-promessa de compra e venda quanto ao imóvel;

- Tendo os ocupantes reclamado o seu crédito resultante do invocado direito de retenção e tendo o imóvel sobre o qual invocam tal direito, sido adjudicado no âmbito dos presentes autos de processo de insolvência, este direito real de garantia caducou com a venda nos termos da 1ª parte do nº 2 do artº 824º do Código Civil (CC);

- Com a venda, a função dessa garantia transfere-se do bem vendido para o produto da venda, operando a garantia sobre o respectivo montante e não sobre o bem alienado, devendo ser pago conforme o plano de insolvência aprovado e homologado.

Conclui, pedindo que seja ordenada a entrega do imóvel, se necessário com recurso à força policial. [Vide fls.593 a 594 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10……. do … Juízo de Comércio ……….].

28 - Sobre tal requerimento recaiu em 29/11/2016 despacho refª 73774472, cujo teor é o seguinte:

“Os vertentes autos encontram-se encerrados, com Visto em Correição colocado desde 31-5-2016.

O requerimento da CEMG que antecede, pedindo a entrega do imóvel que adquiriu em ……. de 2012 é passível de correr no processo de insolvência enquanto a liquidação ainda está em curso ou, “in extremis”, o processo de insolvência ainda não foi encerrado.

A partir do momento em que o processo está encerrado, o que o adquirente tem de fazer é recorrer a uma execução para entrega de coisa certa, apresentando como título executivo o título que lhe transmitiu a propriedade e não reabrir o processo de insolvência.

Em face do exposto, considerando o estado dos autos, indefere-se o requerimento que antecede.

Notifique.

Voltem os autos ao arquivo.” Vide fls. 595 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10……. do …. Juízo de Comércio ……].”.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO


Analisemos, então, as questões suscitadas na revista.

III.2.1. Enferma o Acórdão das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artº 615º do CPC, ex vi do artº 666º do mesmo Código (respectivamente: não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; omissão de pronúncia)?

A resposta é negativa.

§ Quanto à especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artº 615º/1/b) do CPC – correspondente à al. b) do nº 1, do artº 668º, do anterior CPC). Parece claro que tais fundamentos estão bem expressos e claros no Acórdão da Relação.

Não olvidamos que quer a Constituição da República (artº 205º, nº 1, da CRP), quer a lei processual civil (artº 154, nº 1, do CPC), impõem a fundamentação das decisões judiciais.

Porém, analisada a decisão recorrida, não se vislumbra a falta de especificação na mesma dos fundamentos de facto e de direito que a justificam.

Aliás, sempre se anote que só a falta absoluta de motivação e não a motivação deficiente, errada ou incompleta, produz a nulidade prevista naquela alínea b), do nº 1, do arº 615º, do CPC[2].

Como já anotava o Consº RODRIGUES BASTOS[3], “...a falta de motivação a que alude a al b) do nº 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença".

Poderia, eventualmente – o que não é o caso – , quando muito, dizer-se que neste ou naquele aspecto a decisão recorrida teria incorrido em procedimento mais expedito, com alguma escassez de fundamentação. Porém, para além desse não vislumbrar no acórdão recorrido tal escassez de fundamentação, sempre tal realidade processual, a considerar-se verificada, seria totalmente diferente da configurada pela Recorrente e que, nos tempos que correm, não deverá ser tão hostilizada pelos destinatários da Justiça, que, contínua e louvavelmente, reclamam a celeridade desta, incompatível com escolásticas e exaustivas fundamentações.

§ Quanto à omissão de pronúncia

Parece-nos claro que o acórdão recorrido se pronunciou sobre todas as questões que vinham suscitadas na apelação.

Com efeito, ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente, a decisão recorrida justifica as razões por que absolveu a ré do pedido de entrega do imóvel reivindicado, “tout court”, justificando amplamente – após análise dos pertinentes normativos legais (CIRE e CC) em confronto com o teor do Plano de Insolvência (que ali é detalhadamente dissecado) – as razões da decidida manutenção da garantia real (direito de retenção) a favor dos réus promitentes compradores.

Como expende o Cons. RODRIGUES BASTOS[4], “. ."A nulidade prevista na al. d) do nº 1 está directamente relacionada com o comando que se contém no nº 2 do artº 660º servindo de cominação ao seu desrespeito ... É a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre «questões» a decidir e «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença"[5].

Com efeito, a omissão de pronúncia existe apenas e quando o juiz não considere as questões postas ao tribunal e já não no referente aos fundamentos (argumentos) de facto e de direito produzidos pelas partes em sustentação do seu ponto de vista[6].

Ora, a decisão recorrida, muito embora possa, eventualmente, não ter escalpelizado um ou outro argumento invocado na sentença recorrida, não deixou de apreciar e decidir todas as questões que no recurso tenham sido colocadas.


Assim improcede esta questão.


III.2.2. Da violação de caso julgado

Sustenta a Recorrente que o acórdão recorrido viola o caso julgado formado pela sentença homologatória do plano de insolvência, na medida em que extrai conclusões que afrontam, no seu ver, o estatuído nesse mesmo plano.

Como decorre do disposto nos arts. 580º, 581º, 619º, 621º e 625º, todos do Código de Processo Civil, a figura jurídico-processual do caso julgado pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que se entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal[7].

De acordo com os ensinamentos de Alberto dos Reis[8], o instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal, compreendendo-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e segurança nas relações jurídicas, tanto mais que a decisão transitada pode até ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça.

Também MANUEL DE ANDRADE[9] diz que a excepção de caso julgado se fundamenta quer em razões de segurança e certeza jurídicas, quer no próprio prestígio dos tribunais que “seria comprometido no mais alto grau se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”.

A decisão - sentença, despacho ou acórdão - suscetível de recurso (por contraposição às decisões proferidas no uso de um poder discricionário ou despacho de mero expediente, de simplificação ou agilização processual elencadas no artigo 630º do CPC não passíveis de recurso) faz ou forma caso julgado quando transita em julgado por não ser já suscetível de recurso ou reclamação (artigo 628º do CPC) e assim se tornar imodificável (sem prejuízo das situações excecpionais decorrentes dos recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência – artigos 688º e segs. – , do recurso de revisão – artigos 696º e segs. ou das sentenças sujeitas à cláusula “rebus sic stantibus” por condicionadas na sua eficácia ou autoridade à não alteração das circunstâncias que determinaram a condenação – artigo 619º n.º 2 do CPC).

Assim, portanto, uma vez transitada em julgada a decisão, produz a mesma o efeito de “res judicata”, formando caso julgado formal, ou material, conforme o caso.

Há caso julgado formal quando de simples preclusão ou externo às decisões sobre questões ou relações de caráter processual ou adjectivo [v.g., o conhecimento de excepções dilatórias ou de nulidades processuais (artigo 620º do CPC)], com efeitos apenas intraprocessuais. Ou, nas palavras sempre sábias de MANUEL DE ANDRADE[10], quando falamos da força obrigatória que os despachos e as sentenças possuem relativa unicamente à relação processual, dentro do processo. O que quer dizer que na mesma acção o juiz não pode alterar essa sua anterior decisão[11].

Já (diferentemente) o caso julgado material, substancial ou interno reporta-se a “decisões relativas à relação material controvertida ou litigiosa (reconhecimento ou não reconhecimento de direitos substantivos das partes)”, “não podendo o mesmo ou outro tribunal ou qualquer outra autoridade, definir de modo diverso, o direito aplicável à relação material litigada”. Só este caso julgado – já não, portanto, aquele outro – tem efeitos intra e extra processuais (artigo 619º n.º 1 do CPC)[12].

Regressando à situação sub judice.

Antes de mais, regista-se que as normas do CPC atinentes ao caso julgado (cfr. arts. 580º, 581º, 613º, 619º, 621º e 628º) são aqui aplicáveis, ex vi do disposto no artº 17º do CIRE.

Não assiste razão à Recorrente.

Em causa está a sentença homologatória do Plano de Insolvência (este que, com aquela homologação, dela passou a fazer parte integrante).

Ora, a decisão recorrida não questiona minimamente, antes aceita, inequivocamente, tudo o que vem plasmado no dito Plano de insolvência, jamais pondo em causa o seu teor ou conteúdo (com força de caso julgado, após o trânsito da sentença que o homologou). Apenas se limita a chamar à colação o seu teor (o que diz e…o que não diz esse mesmo Plano – obviamente que o caso julgado tem a ver com o que ali se plasmou e já não com o que…dele não consta!) e a, perante a leitura e interpretação que faz dos normativos legais vigentes (que refere , em particular do CIRE), extrair as consequências jurídicas que julga mais acertadas, maxime no que tange à validade e subsistência, ou não, do direito de retenção dos Autores promitentes compradores relativamente ao imóvel que prometeram comprar com tradição do bem a seu favor.

De facto, da leitura do acórdão recorrido, facilmente se percebe e conclui que o que este fez foi, simplesmente, ver e analisar aquele plano de insolvência e, por essa via, concluir se nele ficou expressamente afastada, ou se, por qualquer eventual via interpretativa foi querido afastar, aquela garantia real de que passaram a beneficiar os Réus promitentes compradores aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel.

Ou, de outra forma: apenas e só se compara no aresto o que no Plano de insolvência ficou escrito com o que rezam os normativos do CIRE (com especial pendor para o artº 197º), para daí se extrair conclusões quanto à alegada (pela Recorrente) extinção ou caducidade do direito de retenção.

Tudo claro, portanto, não se vislumbrando onde, sendo assim, tenha havido qualquer violação, pelo acórdão recorrido, do julgado naquela sentença homologatória do Plano de insolvência da Interveniente/Insolvente Tecnitejo-Sociedade de Construções do Ribatejo, S.A.

Só mais um acrescendo: se o Plano de insolvência pôde ser trazido à colação pela Recorrente para sustentar a validade da Dação em Pagamento que lhe foi feita pela Interveniente, também pode ser chamado para se aferir da validade e subsistência do direito de retenção a favor dos Réus.

Tanto serve para uma coisa, como serve para a outra!


Assim improcede esta questão.


III.2.3. Do direito de retenção dos Réus, seu âmbito e se o mesmo se extinguiu/caducou com a aprovação do plano de insolvência.

Sustentou-se na sentença recorrida que com a aprovação do plano de insolvência se extingui o direito real de garantia (de retenção sobre o imóvel, decorrente da celebração do contrato promessa de compra e venda com tradição da coisa) de que beneficiavam os RR. E, como tal, não podem recusar a entrega do imóvel reivindicado, mormente até serem ressarcidos do seu crédito, não podendo, assim, opor à Autora/Recorrente esse direito de retenção.

Para a solução da questão ora suscitada, releva, em especial, a seguinte factualidade:

1- Em 15 de Julho de 2010, entre a sociedade Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo, SA, ora Interveniente e o Réu marido, AA, foi celebrado o acordo escrito, constante de fls. 52 a 54, que as partes denominaram de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, mediante o qual a Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo SA, prometeu vender e o Réu AA prometeu comprar, o prédio urbano para habitação e logradouro, sito na Rua ………., freguesia e concelho ……., descrito na Conservatória do Registo Predial ………. sob o nº 6…/……. e inscrito na matriz, sob o artigo 8……, da freguesia ………. .

2- O preço acordado para a prometida venda foi de €115.000,00 [Fls. 52 a 54].

3- Como sinal e princípio de pagamento, o Réu AA entregou à sociedade Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo, S.A., a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) [Fls. 52 a 54].

5- Após a celebração do contrato promessa, os ora RR passaram a ocupar o imóvel objecto do referido contrato.

8- Por sentença proferida no dia 13/12/2010, a sociedade S.A., ora Interveniente, foi declarada insolvente.

10 - No referido processo de insolvência, os ora RR reclamaram créditos no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), tendo o seu crédito sido relacionado na lista a que alude o artº129 º do CIRE (relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos), por ordem alfabética sob o nº 64, com a natureza de “garantido” com fundamento em “Contrato promessa, juros de mora vencidos e juros vincendos”

12 - A sociedade insolvente e ora Interveniente Tecnitejo - Sociedade de Construções do RibatejoS.A., apresentou Plano de Insolvência [Vide Plano de Insolvência de fls. 121 e ss junto pelos RR e fls. 302 e ss da documentação de fls. 294 a 437, junta por ofício pelo …. Juízo de Comércio ……. e fls. 554 a 580 da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10……. do …. Juízo de Comércio ………].

13 - Em 26/04/2011 e 07/06/2011 realizaram-se conferências de credores com vista à discussão e votação do Plano de Insolvência.

- Os RR não estiveram presentes nas referidas assembleias.

16- Por sentença de 04/11/2011 foi homologada a aprovação do Plano de Insolvência, a qual foi notificada a todos os interessados e transitou em julgado em 23/07/2012.

17 - No Plano de Insolvência, aprovado, homologado e transitado em julgado, foi prevista a regularização dos créditos da ora Autora Caixa Económica Montepio Geral e dos RR AA, da seguinte forma:

Caixa Económica Montepio Geral 567.516,66 Euros

Proposta de regularização: abertura de conta em nome da massa insolvente, a movimentar pelo AI e pelo presidente da Comissão de Credores; possibilidade da insolvente vender os imóveis até 15/11/2011, por valor superior à avaliação a disponibilizar oportunamente pelo Montepio, e que será dada a conhecer nos autos pelo Sr. AI; pagamento ao Montepio de 90% do valor das vendas concretizadas, a realizar até 30/11/2011, data em que se realizará a escritura de dação em pagamento dos imóveis não vendidos, ficando os restantes 10% do valor das vendas concretizadas, na massa insolvente, para garantia das custas e despesas do processo de insolvência e pagamento aos restantes credores. Até 30/11/2011, a insolvente pagará ao Montepio juros sobre o capital em dívida à taxa mensal Euribor a 6 meses acrescida de 2% de spread. Caso seja necessário celebrar alguma escritura de venda, até ao trânsito da sentença que homologará o plano de pagamentos, o AI apresentará um termo de consentimento subscrito pela Comissão de Credores e que permitirá a concretização do negócio.

Créditos Garantidos (dos RR) 50.000,00 Euros

Plano de regularização: pagamento da totalidade do capital em dívida, em 50 prestações trimestrais e sucessivas, com taxas de amortização crescentes, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano de Insolvência, com perdão de juros vencidos e vincendos.

18 - Relativamente aos créditos dos RR, o plano de amortização constante do Plano de Insolvência, prevê as prestações de amortização, até 2023, ali discriminadas.

19 - A Interveniente Tecnitejo - Sociedade de Construções do Ribatejo S.A., não pagou até hoje qualquer prestação aos RR.

21- A Autora adquiriu o direito de propriedade do imóvel em causa, através de escritura de dação em pagamento, celebrada em ……. de 2012 no Cartório Notarial ……, em cumprimento da deliberação tomada na Assembleia de Credores, no âmbito do processo nº 1146/1………, que aprovou o Plano de Insolvência homologado por sentença transitada em julgado.

25 - No despacho de 24/04/2013, foi declarado encerrado o processo de insolvência e consignado que “Os credores da massa insolvente podem reclamar da devedora os seus direitos não satisfeitos - cf. Artigo 233º, nº 1, alínea d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.

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 Do direito de retenção do promitente comprador: generalidades

O direito de retenção vem previsto nos arts. 754.º a 761.º do C.C.  Dali resulta tratar-se do direito concedido pela lei a um credor que detém uma certa coisa do devedor, consistente na faculdade de a reter enquanto não for pago, bem como na faculdade de se fazer pagar por força da sua venda judicial.

Nas palavras de PAULO Cunha[13], trata-se da faculdade que tem o devedor de certa coisa, de a conservar em seu poder, enquanto o credor não cumprir uma prestação que, por seu turno, lhe deve, prestação por causa da mesma coisa, ou relacionada com a posse dela.

Esse direito pode recair sobre coisas móveis como sobre coisas imóveis e é um direito oponível erga omnes, incluindo perante o próprio dono da coisa que não seja o titular do direito à entrega da coisa.

Como faculdades inerente a tal direito, temos, essencialmente:

—    A de retenção da coisa sobre que recai (art. 754.º);

—     A de obtenção de pagamento pelo valor da mesma coisa., com preferência em relação aos credores comuns — e, até, com preferência sobre os credores hipotecários (arts. 758.º e 759.º) [14].

Anote-se, ainda, que o direito de retenção não está sujeito a registo, mesmo quando incida sobre bens a ele sujeitos. Mas, apesar dessa não sujeição a registo, goza de uma publicidade específica resultante da posse da coisa pelo retentor, que permite que os outros se apercebam da garantia.

É, por outro lado, uma garantia acessória, na medida em que pressupõe um crédito garantido, cujas vicissitudes acompanha, sendo igualmente indivisível nos mesmos termos da hipoteca (art. 696.º) e do penhor (678.º), por cujo regime se rege (arts. 785.º e 759.º) [15].

Tem prevalência sobre a hipoteca (art. 759.º, n.º 2) e só é transmissível com o crédito que assegura (art. 760).

São, assim, quatro os pressupostos do direito de retenção: detenção lícita de bem alheio; dever de o entregar; crédito sobre o credor da entrega[16] e conexão entre o crédito do retentor e o do seu credor.

Para o direito de retenção aqui em causa, vale a previsão do art. 755, n.º 1, alínea f)[17]:

Trata-se de uma situação de frequentíssima verificação: incumprimento pelo promitente-vendedor de contrato-promessa de compra e venda por conta de cujo preço foi pago sinal e cujo objecto já foi entregue ao promitente-comprador.

Sobre esta previsão, escreveu Rui Pinto Duarte [18].

«Nos termos do art. 442, n.º 2, o promitente‑comprador tem, à sua escolha, a possibilidade de exigir três créditos diversos, dos quais se destacam o dobro do sinal e o valor da coisa entregue. Nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 755, o promitente‑comprador tem direito de retenção sobre a coisa objecto do contrato prometido para garantia de tais créditos.

Este caso de direito de retenção tem levantado dúvidas e sido objecto de críticas[19].  Sendo indubitável que o motivo que levou à sua consagração foi a tentativa de protecção[20] dos promitentes-compradores de prédios urbanos ou de fracções autónomas destes, é também indubitável que os preceitos legais em causa abrangem todos os contratos-promessa de transmissão ou constituição de direito real em que tenha havido tradição da coisa — versem esses contratos sobre prédios (mesmo que rústicos) ou sobre coisas móveis. Essa contradição entre os motivos do legislador histórico e o texto da lei geraram, sobretudo antes do Dec.-Lei 379/86, de 11 de Novembro, grande discussão doutrinária, com várias tentativas de interpretação restritiva da lei [21]. Mesmo depois das modificações ao Código Civil introduzidas por tal diploma de 1986, continuam a surgir interpretações desse direito de retenção claramente injustificadas [22].

Por outro lado, no plano da política legislativa, tem‑se criticado o regime em causa, por ele lesar as expectativas dos credores hipotecários, nomeadamente os bancos financiadores dos empreendimentos imobiliários. Não estando o direito de retenção sujeito a registo e prevalecendo ele sobre a hipoteca, é óbvio que a possibilidade da sua existência é uma ameaça incontrolável para os credores hipotecários[23].

Sobre o problema dos efeitos da traditio que acompanha o contrato promessa de compra e venda, escreveu, por sua vez, Antunes Varela [24]: “A verdade, porém, é que a tradição da coisa, móvel ou imóvel, realizada a favor do promitente-comprador, no caso de promessa de compra e venda sinalizada, não investe o accipiens na qualidade de possuidor da coisa”, acrescentando, mais à frente, que “E os poderes que o promitente-comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do proprietário-adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o promitente-alienante ou transmitente”.

E, reiterando a opinião expressa no C. Civil Anotado, III, vol., p. 6, sobre a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, a traditio entre promitente-vendedor e promitente-comprador envolver a transmissão da posse, exemplifica este autor com os casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm deliberado e concertado o propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele já fosse.

Acresce que o direito de retenção, sendo um direito real não de gozo mas apenas de garantia, conforme resulta da sua inserção na sistemática do Código Civil, consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de apenas a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este último não cumprir uma obrigação que tem para com o primeiro — art. 754.º do CCivil e não de exercer sobre o bem outro direito.

Como direito real de garantia goza de sequela e o detentor pode executar a coisa e, tratando-se de imóveis, pode mesmo executá-lo e fazer-se pagar pelo preço da venda, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário — arts. 760.º e 759.º CCivil.

Assim, portanto, temos aqui o direito de retenção a funcionar como um justo título de recusa da entrega da coisa.

·Do direito de retenção do promitente comprador com traditio da coisa, em caso de declaração de insolvência do promitente vendedor

Que os Réus/promitentes compradores, com tradição da coisa, gozam do direito de retenção, é ponto assente.

Agora o que importa saber é se e em que medida a declaração de insolvência da interveniente/promitente vendedora veio afectar esse mesmo direito de retenção.

Temos como assente que, tratando-se de um direito que já existia à data da declaração de insolvência e sendo, como é, garantia de um crédito não subordinado, a declaração de insolvência não o afecta (cfr. artº 97º do CIRE - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, futuramente designado, simplesmente, por CIRE).

Sobre a promessa de contrato reza o artº 106º do CIRE – obviamente que este normativo pressupõe que o contrato promessa (como é o caso presente) ainda não foi resolvido, ou seja, que o negócio ainda esteja em curso. Acrescentando FERNANDO GRAVATO MORAIS que é ainda necessário, para que tal normativo seja aplicável, que o cumprimento ainda seja possível[25].

Embora o nº 1 do cit. artº 106 fale em contrato-promessa com eficácia real, MENEZES LEITÃO sustenta que o contrato promessa sem eficácia real “não poderia ser objecto de recusa do cumprimento se o beneficiário tiver obtido a tradição da coisa”[26]. Entendimento este que tem sido sufragado pela jurisprudência, como pode ver-se nos Acs. do STJ de 20.10.2011 (HELDER ROQUE)[27] e de 9.02.2012 (FONSECA RAMMOS) e da Rel de Guimarães de 11.07.2013 (MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO). Já diferentemente entende CATARINA SERRA[28].

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014, de 20.03[29], porém, veio clarificar as coisas, apreciando os efeitos da declaração de insolvência do promitente vendedor sobre o contrato-promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional (ainda não cumprido) e com entrega da coisa ao promitente comprador, uniformizando a jurisprudência neste sentido: “no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artº 755º nº1 al. f) do Código Civil”[30].

O que bem se compreende e aceita, atenta a forte expectativa que a traditio criou no promitente-comprador quanto à solidez do vínculo.

Assim, portanto, na situação de insolvência do promitente vendedor, em contrato-promessa de compra e venda com tradição da coisa, mesmo que apenas com eficácia obrigacional, o promitente comprador que seja consumidor goza do direito de retenção, pelo que o seu crédito indemnizatório é tutelado pelo artº 755º, nº1, al. f) do CC.

Pode-se objectar com o estatuído no artº 824º do CC, pois que se trata de uma disposição que, embora pensada para o processo executivo, é também de aplicar à venda de bens em processo de insolvência visto que este é, afinal, um processo de execução universal.

E, de facto, o nº2 deste normativo dispõe que os bens são transmitidos “livres dos direitos de garantia que os onerarem...”.

Porém, o nº 3 surge, no caso sub judice, como um “travão” à aplicação daquele nº 2.

E se é certo que o nº 3 dispõe que “os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respetivos bens”[31], acontece que tendo havido dação em pagamento (do prédio aqui em causa) a favor da Autora/Recorrente, é evidente que se tornou de todo impossível a concretização da transferência a que alude aquele nº 3 do artº 824º CC: com a dação em pagamento extinguiu-se o crédito da Autora sobre a Interveniente insolvente, deixando, então, de haver qualquer correspectivo pela transmissão dos bens susceptível de servir de objecto de transferência da garantia. Ou seja, com a dação em pagamento passava a existir uma garantia dos Réus Promitentes-compradores sobre....coisa nenhuma (o valor do prédio, simplesmente, passou para a alçada da Autora/Credora, logo, longe do alcance dos RR promitentes compradores, que assim viam a sua garantia desfazer-se)!

É isso mesmo que resulta da figura da dação em cumprimento ou em pagamento — também designada "datio in solutum": é um meio extintivo das obrigações, consistindo em o devedor dar ao credor, em vez do objecto devido, um outro, que o credor aceita como tal: o objecto da obrigação é, assim, substituído por outro que é logo entregue, extinguindo‑se a obrigação [32].

Através dela o devedor desonera‑se (imediatamente) do vínculo a que se acha adstrito, mediante a entrega de objecto (ou realização de uma prestação) diverso do que era devido [33]. Ou seja, o credor passa a ser imediatamente titular do crédito dado pelo devedor, ficando este logo liberado da sua precedente dívida [34]

Assim, portanto, mantém-se válido e eficaz o direito de retenção dos promitentes compradores, com traditio da coisa, mesmo depois da declaração de insolvência da Interveniente/ promitente-vendedora.

Obviamente que a protecção aqui em causa se reporta – como se diz no aludido Acórdão Uniformizador e que veio a ser clarificado, neste segmento, pelo AUJ nº 4/19[35] – ao promitente-comprador consumidor”, tal como o define a LDC (Lei de Defesa do Consumidor)[36] – Lei nº 24/96, de 31 de Julho, artº 2º, nº 1[37].  E perante os factos assentes, nada há que justifique a negação aos Réus promitentes compradores da qualidade de consumidores, como, ex abundantia, mostra FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA em O Conceito de Consumidor, Perspectivas Nacional e Comunitária[38].

· Do destino do direito de retenção conferido ao promitente comprador após o trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano de Insolvência do promitente comprador.

Situação (aparentemente) nova é a resultante da homologação do Plano de insolvência.

A pergunta que se impõe é esta: o direito de retenção dos promitentes compradores foi, in casu, afectado pelo Plano de insolvência?

A nossa resposta é negativa.

Desde logo, é o que se extrai da estatuição ínsita no artº 197º do CIRE, que dispõe:

Na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência:

a) Os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano (…)”.

Ou seja, estabelece-se aqui, agora, supletivamente o conteúdo genérico do Plano de insolvência: nada sendo ali dito, em contrário, vale o disposto nesta al. a): os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano.

Ora, é mais que evidente que no Plano de insolvência nada ficou dito ou referido que retirasse, ou limitasse por alguma via ou nalguma medida, a garantia real do direito de retenção de que dispunham, e dispõem, os promitentes compradores.

Bem antes pelo contrário.

De facto, não apenas nada ali vem referido quanto à eventual extinção desse direito, como nesse mesmo Plano se faz referência expressa ao crédito do Réu AA, qualificando-o como crédito “garantido”.

Efectivamente, provado está que “no Plano de Insolvência, aprovado, homologado e transitado em julgado, foi prevista a regularização dos créditos (…) dos RR AA, da seguinte forma:

(…) Créditos Garantidos (dos RR) 50.000,00 Euros”

Mais se provando que “No referido processo de insolvência, os ora RR reclamaram créditos no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), tendo o seu crédito sido relacionado na lista a que alude o artº 129 º do CIRE (...) sob o nº 64, com a natureza de “garantido” com fundamento em “Contrato promessa, juros de mora vencidos e juros vincendos[39].

Ora, é mais que evidente que ao falar-se ali em crédito garantido se estava a reportar, precisamente, ao direito de retenção¸ pois que, até pela referência expressa ao “Contrato-promessa “que ali é feita, outra “garantia” se não vislumbra que pudessem ter os RR – e até pela definição de “créditos garantidos” dada pelo artº 47º, nº 4, al. a) do CIRE[40].

Percute-se: sem embargo de o artº 197º do CIRE ter carácter supletivo, só dele se podendo afastar a sua estatuição através de determinação expressa no próprio Plano de insolvência, a verdade é que do mesmo Plano (e bem assim de qualquer dos factos provados) nada consta no sentido da possibilidade de se fazer extinguir ou, por qualquer forma, afectar o direito de retenção dos promitentes-compradores.

Di-lo o aludido artº 197º do CIRE e a doutrina o vem corroborando[41].

Ou seja, se fosse intenção do Plano retirar o direito de retenção aos RR/Recorridos, ter-se-ia feito constar nele isso mesmo: que o direito de retenção se extinguia, ou caducava.

Nessa linha veja-se, ainda, por exemplo, o que reza o artº 195º/2/e) do CIRE, sobre o “conteúdo do plano”:

“2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:

(...)

e) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.”[42].

Portanto, mesmo após a sentença homologatória do Plano de insolvência, continuaram os RR a beneficiar da garantia real do direito de retenção sobre o prédio até à satisfação do seu crédito sobre a Interveniente/insolvente.

Direito esse que é intocável e que a dação em pagamento feita pela Interveniente/Insolvente ao Autor/Recorrente não afectou, nem podia afectar: quer pela natureza (e prioridade) da garantia real do direito de retenção, que porque essa garantia foi constituída muito tempo antes daquela Dação (se a Dação teve lugar por escritura … …. .2012 - e a insolvência foi declarada em 13.12.2010 –, já ao contrato promessa com tradição da coisa ocorreu em 15 de Julho de 2010).

E não se diga que o facto de os RR/Recorridos, ao tomar conhecimento do plano aprovado e dele não tendo reclamado (assim se conformando com o mesmo), deve ser entendido/interpretado como renúncia ao direito de retenção (ao seu direito de serem pagos preferencialmente pelo produto da venda do imóvel retido).

De forma alguma, salvo melhor opinião.

Desde logo, pelo que já supra ficou dito: reza o nº 2 do art.º 192º do CIRE que no Plano de Insolvência só podem afectar-se os direitos do interessado, se e quando no texto do mesmo tal estiver expressamente autorizado ou for consentido pelos visados.

E, como visto, do Plano não consta, de todo, qualquer autorização, nem consentimento dos promitentes compradores em afastar a sua garantia real.

E nem, sequer, tacitamente, se pode lá chegar, pois que não deram, sequer, voto favorável ao mesmo Plano.

Não se almeja, de facto, qualquer declaração tácita dos promitentes compradores no sentido da renúncia àquela garantia real.

Com efeito (para além de, como dito, os RR nem, sequer, se pronunciaram sobre o plano, pois não estiveram presentes aquando da sua discussão e aprovação), não pode olvidar-se que, como é sabido, a declaração negocial[43] pode ser expressa ou tácita - artº 217º CC[44] - , valendo  o silêncio como meio declarativo - 218º[45] do CC.

Porém, quanto à declaração tácita[46], a mesma tem de resultar de factos inequívocos, isto é, que com toda a probabilidade revelam a vontade negocial[47].  Como se escreve no Ac do STJ de 07.05.2014 (LOPES DO REGO)[48], a admissibilidade de declaração tácita (…) depende, não apenas da concludência dos comportamentos ou condutas materiais, mas também da circunstância de os factos em que se corporizam tais comportamentos terem algum suporte em documento escrito.».

Suporte” esse (da pretensa ou hipotética vontade dos promitentes compradores de renunciar ao direito de retenção) que se não almeja em lugar algum dos autos (factos provados), maxime no Plano de insolvência.

Par além de tudo o exposto, não pode, de todo, deixar de se ter sempre presente que o direito de retenção é dotado de eficácia erga omnes e poder de sequela, a todos se impondo, produzindo efeitos sobre todos aqueles que venham a adquirir a coisa sobre que incide. “A retenção é hoje oponível quer ao terceiro adquirente da coisa, quer ao terceiro que reivindique a coisa como sua (...) nenhuma outra conclusão parece possível retirar do regime constante dos artigos 756º e seguintes do CC, nos quais a lei claramente admite a oponibilidade erga omnes deste direito e não apenas ao credor da obrigação de entrega da coisa».” – diz-se, com toda a pertinência, no Ac. STJ de 14.12.2016 (ANTÓNIO PIÇARRA), onde se acrescenta, com toda a propriedade, que “De outro modo, seria bem ilusória a eficácia dessa garantia. Na verdade, seria incompreensível conferir ao beneficiário da promessa, com traditio, essa garantia real particularmente forte e, depois, permitir que a mesma se viesse a esboroar pela mera transmissão da coisa a terceiro”[49].

A cresce que não é espúrio trazer também à colação o artº 192º, nº 2 do CIRE, que refere, logo como princípio geral, que “O plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados.”.

Tudo, portanto, no sentido supra explanado: o plano não afectou o direito de retenção dos RR/promitentes compradores. Nada em contrário consta do Plano e os mesmos não deram assentimento para qualquer extinção ou limitação do seu direito de garantia – reiterando-se, como ficou provado (ponto 14 e actas de fls. 555 a 560 e resultados da votação de fls. 572 a 570, da certidão de fls. 538 a 605 extraída do processo nº 1146/10………. Juízo de Comércio ……), que os RR nem, sequer, estiveram presentes na assembleia onde foi apresentado, discutido e aprovado o plano de insolvência.

Assim sendo, parece-nos que o acórdão recorrido decidiu bem o objecto central do recurso: saber se os RR tinham fundamento para impedir a entrega à Autora do imóvel por esta reivindicado.


III.2.4. Da violação do princípio da igualdade (artº 13º da CRP).

Alega a Recorrente que o acórdão recorrido violou o princípio constitucional da igualdade, plasmado no artº 13º da CRP, na medida em que (diz) o tribunal a quo teve para a Recorrente um tratamento diferente do que teve para os Recorridos, face à mesma decisão judicial (a homologação do Plano de insolvência)[50].

Não almejamos qualquer violação do apontado princípio constitucional.

As posições da Recorrente e dos Recorridos não são iguais: se aquela era credora da Interveniente/insolvente, com crédito garantido por hipoteca, já estes eram e são credores da mesma mas com uma garantia real que se sobrepõe àquela.

E o que a decisão a quo fez foi, tão simplesmente (e em respeito da vontade dos credores que deve comandar todo o processo de insolvência, como se salienta, aliás, na exposição de motivos do CIRE), decidir sobre os direitos de uma e de outros face ao teor ou conteúdo do Plano de insolvência aprovado, extraindo da leitura deste as necessárias ilações, maxime no que tange à garantia real do direito de retenção de que passaram a beneficiar os Recorridos com a celebração do contato promessa de compra e venda com tradição e entrega de sinal.

Ou seja, cada um foi tratado como tinha de ser, fave à respectiva posição nos autos, a factualidade apurada e os normativos legais aplicáveis.

Consequentemente, há-de ser julgado improcedente o recurso de revista interposto pela Autora.


IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.

Custas da revista a cargo da Recorrente.

Notifique.


Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/20, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, atesto o voto de conformidade dos Exmos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos.


Lisboa, 13.04.2021


Fernando Baptista (Juiz Conselheiro Relator)

Abrantes Geraldes (Juiz Conselheiro 1º Adjunto)

Tomé Gomes (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

______

[1] Demasiado extensas, diga-se em verdade.

[2] Ver, entre muito outros, os Acs. do S.T.J. in BMJ, 246º/131, 333/398, 395º/479 e da RP, BMJ 319-/343, da RC, BMJ 426/541 e da RL, CJ, 1991, 121. Ainda RLJ, 121º-305, com anotação de Antunes Varela.

[3] In "NOTAS ao CPC , Vol. III, 3ª Ed.,  págs. 19.

[4] In "NOTAS ao CPC, Vol. III, 3ª Ed., págs. 195.

[5] O citado artº 660º, corresponde ao actual artº 608º CPC.

[6] Veja-se, entre outros, os Acs. do STJ in Bol. M.J., 263º-187, 371º-374, 391º-565 e 425º-450.

[7] Ver,. v.g., Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/2012, proc. 241/07.0TTLSB.L1.S1 (Sampaio Gomes), de 15/11/2012, proc. 482/10.2TBVLN.G1.S1 (Oliveira Vasconcelos) e de 21/3/2012, proc.  3210/07.6TCLRS.L1.S1 (Álvaro Rodrigues). Ainda, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, in BMJ 325/49 e ss.

[8] In Código de Processo Civil Anotado, Vol III, págs. 93 e 94.

[9] Noções Elementares de Processo Civil, 2ª edição, pág. 306.

[10] In Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 304.

[11] Sobre o caso julgado formal reza o artº 619º CPC: “1. As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dento do processo.”, acrescentando o nº 2 que se excluem os despachos previstos no atrº 630º (que extravasa da presente situação).

[12] Ver FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, in “Direito Processual Civil”, vol. II ed. 2015 Almedina, p. 595/596.
[13]- Garantia das Obrigações, 2.º- 155.
[14]- Negando que o direito de retenção prefira à hipoteca registada em momento anterior ao da constituição do direito de retenção, v. Gabriel Órfão Gonçalves, Temas da Acção Executiva, in Tbemis 9, ano V, 2004, pp. 278 e ss.
[15]Cfr. Carneiro Pacheco, Do direito de retenção, pp. 60 e ss.
[16]O credor da entrega pode não ser o dono do bem (nomeadamente, por força de, posteriormente ao negócio de que resulta o crédito do retentor, a contraparte no mesmo negócio — credora da entrega — ter alienado o bem).
[17]Introduzida pelo Dec.-Lei 379/86, de 11 de Novembro — que transplantou preceito com conteúdo afim criado pelo Dec.-Lei 236/80, de 18 de julho, que inicialmente ocupava o n.º 3 do art. 442. 
[18]- In Curso de Direitos Reais, Ed.  Principia, 2007, 2.ª ed., pp. 254-255.
[19]- Inclusivamente da acusação de inconstitucionalidade — que, porém, o Tribunal Constitucional rejeitou no seu Acórdão 356/2004.
[20]- Diga-se que tendencialmente frustrada sempre que o objecto da promessa não exista enquanto coisa autónoma.
[21]- Cfr. Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Legal, Almedina, pp. 846 e ss.
[22]- Assim, por exemplo, já foi sustentado que o direito de retenção em causa não valeria perante terceiros — o que não tem nenhum apoio na lei (v., por exemplo, o acórdão do STJ de 13.1.00).
[23] Destaque nosso.
[24]- In RLJ 124.º, pp. 343 e ss.
[25] Promessa Obrigacional de Compra e Venda com tradição da Coisa e Insolvência do Promitente-Vendedor, in Cadernos de Direito Privado, nº 29, Janeiro/Março 2010, p.7. Neste estudo se abordam, em várias perspectivas, os efeitos da insolvência do promitente-vendedor em face do contrato-promessa obrigacional com entrega da coisa ao promitente vendedor.
[26] Direito da Insolvência, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, p 189.
[27] ... VIII. No caso de existir tradição da coisa para o promitente-comprador, que já cumpriu, totalmente, a sua contraprestação, a recusa do cumprimento do contrato-promessa, na hipótese de insolvência do promitente-vendedor, por parte do administrador de insolvência já se não afigura possível, independentemente de o contrato ter ou não eficácia real (...)”.
[28] o Novo Regime Português da Insolvência, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, pp 91-92.
[29] In DR nº 95/204, I Série, de 19.05.2014, pp 2882-2894.
[30] Com particular interesse, pode ver-se a anotação ao este AUJ por FERNANDO GRAVATO MORAIS, em Cadernos de Direito Privado, Abril/Junho de 2014, pp 32 ss.
[31] Destaque nosso.
[32]- Vaz Serra, RLJ, 115.º-57.
[33]- Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais D. Civil, 421 e Das Obrigações, 3.ª ed., 2.º-135.
[34]- Fernando Olavo, Desconto bancário, 240.
[35] Publicado no Diário da República n.º 141/2019, Série I de 2019-07-25.
[36] O AUJ nº 4/2019 veio fixar a seguinte jurisprudência:
Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”.
[37] Não desconhecemos que a questão da inserção, na redacção do AUJ, da palavra “consumidor” gerou alguma polémica, como pode ver-se por alguns dos votos de vencido ali havidos. Mas foi a “versão” que vingou. E com ela concordamos inteiramente.
[38] Ed. Almedina, Coimbra, 2009.
[39] Cfr. fls. 333 da documentação de fls. 294 a 437, junta por ofício pelo …. Juízo de Comércio ……. e fls. 136v do Plano de Insolvência de Insolvência junto pelos RR.
Destaque é nosso.
[40] Diz-se no nº4, al. a) deste normativo que “4 - Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a) «Garantidos» e «privilegiados» os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;”.
[41] Escrevem CARVALHO FERNANDES e J. LABAREDA (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, em anotação ao art.º 197º):
 ...o proémio do preceito explicita inequivocamente o carácter supletivo da estatuição legal. Mas como aí também se clarifica, o afastamento só é possível através de determinação constante do próprio plano.

Isto vai ao encontro da ideia segundo a qual, sendo o plano um meio alternativo de prossecução do interesse dos credores que afasta o recurso à liquidação universal do património do devedor, ele deve conter na plenitude a regulação sucedânea dos interesses sob tutela, seja para evitar incertezas que sempre poderiam advir da concorrência de acordos ou estipulações estranhas ao instrumento geral, seja por razões de transparência que aconselham que tudo fique devidamente explicitado para todos os credores poderem conhecer plenamente a situação e assim apreciá-la e valorá-la de modo a melhor fundamentarem a sua opção. (...).

Corolário fundamental do regime fixado no preceito é o de que os direitos decorrentes de garantias reais e privilégios creditórios existentes, podem ainda ser atingidos desde que a afectação conste do plano e nos termos nele especialmente previstos” – destaques nossos.
[42] Destaque nosso.
[43] Como ensina Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, reimpressão, Coimbra, 1992, p. 122, pode definir-se a declaração negocial como “todo o comportamento de uma pessoa (em regra, palavras escritas ou faladas ou sinais) que, segundo os usos da vida, convenção dos interessados ou até, por vezes, disposição legal aparece como destinado (directa ou indirectamente) a exteriorizar um certo conteúdo de vontade negocial, ou em todo o caso o revela e traduz”, sendo que, para isso, tal comportamento deve ser visto de fora, deve ser considerado exteriormente (art. 236.º, n.º 1, do CC).
A declaração negocial é composta por dois elementos: a vontade e a declaração, manifestação que são, respectivamente, do elemento subjectivo (ou interno) e do objectivo (ou externo).  Ou seja, para haver uma declaração negocial, que leva à constituição dum contrato, tem que haver um comportamento declarativo, ou seja um comportamento que, visto de fora, apareça como significativo de uma vontade negocial.
A declaração negocial não é um simples meio de exteriorização de uma vontade, mas sim um meio de constituir vinculações jurídicas: é uma declaração ou comportamento de validade (Larenz), uma entidade objectiva, significativamente jurídica (Castanheira Neves).
[44] “1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.”.
[45] Note-se, porém, que, sob a epígrafe “o silêncio como meio declarativo” estabelece-se nesse normativo que “o silêncio” “vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.”.
[46] Existirá declaração tácita sempre que, conforme aos usos da vida, haja, quanto aos factos de que se trata, toda a probabilidade de terem sido praticados com dada significação negocial (aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões), ainda que não esteja precludida a possibilidade de outra significação.
“Não se trata de apurar uma conclusão absolutamente irrefutável, antes se procura uma conclusão altamente provável” (Rui de Alarcão, A Confirmação dos Negócios Anuláveis, p. 218).
Não se exige sequer, para se aquilatar da concludência de um comportamento no sentido de permitir concluir a latere um certo sentido negocial, a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria geral do Direito Civil, 3.ª ed., Coimbra, 1989, p. 425).
Por isso, “quando a declaração negocial se não exprime por palavras ou por escrito, terão os outros meios directos de manifestação de vontade de ser inequívocos, de modo que não haja necessidade de recorrer a deduções ou interpretações da atitude das partes” (Ac. RP, de 06-12-1994; www.dgsi.pt/jtrp; Processo 9450299.). Como dito, tal declaração tácita tem de resultar de factos inequívocos, isto é, que com toda a probabilidade revelam a vontade negocial, sendo esse o sentido que, nos termos do n.º 1 do artigo 236.º do CC deles retiraria um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e inteligente, colocado na situação concreta do declaratário.
[47] Ver sobre a matéria o Ac. STJ, de 13.02.1959; BMJ 84.º, p. 507.
[48] Proc. 7185/09.9TBCSC.L1.S1.
[49] Destaques nossos.
[50] Mais concretamente, diz a Recorrente que tendo ocorrido incumprimento do Plano de insolvência relativamente aos Recorridos, por parte da Interveniente T…….., aos mesmos não restava senão socorrer-se das diligências que o CIRE (artº 218º) prevê para as situações de incumprimento.