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RECLAMAÇÃO E VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
DECURSO DO PRAZO
NATUREZA E CARACTERIZAÇÃO
Sumário
Sumário (da relatora):
1- A reclamação e verificação ulterior de créditos prevista no artigo 146º n.2 do CIRE é efectuada em acção, que segue os termos do processo comum de declaração (art.° 148), proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, e corre por apenso aos autos de insolvência, dos quais constitui parte integrante e cuja essência e finalidade não diverge, da reclamação geral inicial, mormente quanto à natureza do prazo. 2- Se não se suscitam dúvidas de que o prazo previsto para a reclamação de créditos na sua fase inicial ou ordinária, é de natureza adjectiva ou processual ( cfr. artigos 36º alínea j) e 128º) do CIRE e artigos 138º e 139º do CPC ex vi 17º do CIRE), nem quanto ao seu regime preclusivo, extinguindo-se com o seu decurso o direito de reclamar, não se vislumbra qualquer fundamento atendível para afastar a natureza processual ( e consequente regime preclusivo) do prazo previsto para a sua reclamação extraordinária em sede ulterior, quando, para além do mais, ambas têm o mesmo objectivo (ambas estão destinadas à verificação de créditos) no âmbito da tramitação unitária do processo de insolvência. 3- A análise dos efeitos do decurso do prazo da reclamação no direito do credor, também nos permite alcançar a distinção da sua natureza e sua caracterização, porquanto se evidencia que o decurso do prazo da reclamação de créditos na insolvência, não se reflecte na subsistência ou não do direito do credor a conhecer na acção, ou seja o direito não se extingue, mas apenas se repercute na sua admissibilidade no âmbito do processo de insolvência. 4- Considerando a natureza e finalidade prosseguida pela acção de verificação ulterior de créditos, sua relação de dependência com o processo principal de insolvência e objectivo deste, bem como aplicação subsidiária, por força do artigo 17º do CIRE, do processo civil, evidencia-se que o prazo previsto no artigo 146º , n.2 al.b) do CIRE é um prazo de natureza processual, de conhecimento oficioso, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto no processo de insolvência, nos termos do artigo 139º n.s 1 e 3 do C.P.C., não se lhe aplicando, por isso, o regime da caducidade previsto nos artigos 298º n.2 e 333º n.2 do Código Civil.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
A «X, Lda», sociedade comercial, com sede na Rua ... Peso da Régua, veio a 11-9-2020, intentar ação declarativa de verificação ulterior de créditos contra a Massa Insolvente de «Y- Artigos para o Lar, Lda», credores da massa e a insolvente, pedindo que seja reconhecido o crédito da A no montante de € 500,000,00 e graduado como privilegiado.
Alegou para o efeito (em requerimento rectificativo de 30.10.2020), em súmula que, em 2006 os sócios da insolvente «Y» deliberaram a realização de «Prestações suplementares de Capital» no montante global de 500.000,00€, e em 2011 deliberaram a partilha em vida – doação a descendentes das prestações suplementares de capital de que eram titulares os sócios naquele montante, pelo que em 23.03.2011 celebraram contrato de doação a descendentes de parte do valor de prestações suplementares de capital no montante de 200.000,00€.
Em 26 de março de 2012 celebraram um contrato promessa de dação em pagamento da dívida existente, entre a insolvente e as sócias da aqui autora, em virtude do incumprimento no pagamento das prestações suplementares de capital e para integral ou parcial pagamento, a insolvente prometeu dar em pagamento a Fração sita da Rua ….
Em 21 de fevereiro de 2014, reuniram em assembleia geral extraordinária, as sócias da reclamante para deliberar sobre a entrada e realização de prestações acessórias de capital de carácter não pecuniário e de modo gratuito, do crédito pertencente às sócias da X A./reclamante na qualidade de cedentes da devedora Y. Em 25 de março de 2014, foi realizado o contrato de prestações acessórias gratuitas com a cedência de imóvel para entrada a título de prestações acessórias gratuitas, da insolvente para a ora autora e reclamante, transmitindo a propriedade e a posse sobre o mesmo, conferindo-lhe um direito de retenção, não obstante a resolução do negócio a favor da massa insolvente, mormente por força das benfeitorias realizadas no valor de 280.000,00€, o que conjuntamente com os 200.000,00€ do contrato de cedência, perfaz os 500.000,00€ que reclama nestes autos.
Invoca por último que é com o cancelamento do registo de aquisição do imóvel a favor da autora que se inicia o prazo de três meses a que alude o artigo 146º n.2 al. b) do CIRE.
Lavrado termo de protesto a que alude o artigo 146º, nº3 CIRE e citados, a massa insolvente, os credores e a devedora para, querendo, contestarem a acção no prazo legal, e, não tendo sido deduzida oposição, foi a autora notificada para, nos termos do disposto no artigo 3º, nº3 do CPC por força do artigo 17º CIRE, se pronunciar, querendo, sobre a prescrição do direito de requerer a verificação do crédito invocado nos termos do artigo 146º, nº2, al. b) do CIRE, tendo esta, em resposta, pugnado pela tempestividade do exercício do direito.
Por decisão proferida nos autos- ref.ª elect. 171296150- em sede de saneador sentença, foi decidido declarar a preclusão, pelo decurso do prazo, do direito da A, «X, Lda» de intentar a presente acção a pedir a verificação ulterior do seu crédito aqui peticionado sobre a insolvente «Y- Artigos para o Lar, Lda.», e em consequência, absolvidas as RR do pedido.
Não se conformando com tal decisão, veio a autora «“X, Ldª”», apresentar o presente recurso, apresentando “conclusões” que são no essencial a repetição das alegações, e que dada a simplicidade da questão, de forma a evitar maior delonga na apreciação da apelação, se transcrevem:
I. O presente recurso incide sobre a sentença proferida, no âmbito da qual entendeu o douto Tribunal que a Recorrida não está em tempo de vir pedir a verificação ulterior de créditos por já terem decorrido mais de seis meses desde a declaração de insolvência. II. Citada a Ré nos termos do disposto no art.º 228. ° do Código de Processo Civil, para contestar, querendo, a presente ação, com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) Autor (es) - art.os 146.°, n.º 1 e 148.° do CIRE, a Ré não contestou, no prazo devido. III. Resulta da Sentença ora recorrida que é julgada procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação, contudo, exceção nunca alegada pela contraparte .. IV. Sucede que, a Recorrente não pode concordar com o entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo, porquanto a sentença recorrida incorre em violação da lei, sendo manifestamente inadequada e desatualizada em face do entendimento doutrinal e jurisprudencial português dominante, culminando num resultado contrário ao espírito legislativo, devendo, pois, ser revogada e em consequência ser declarado reconhecido o crédito reclamado. V. A ação de verificação ulterior de créditos é uma ação de natureza autónoma ao processo de insolvência. VI. O prazo de propositura da ação a que se refere o artigo 146. °, n.º 2, al, b) do CIRE é um prazo de caducidade de natureza substantiva cujo transcurso não é de conhecimento oficioso. VII. Ademais, os prazos de seis meses e três meses estabelecidos na transcrita alínea b) do n.º 2 do art.º 146.° do CIRE, aplicam-se ao caso de reclamação de novos créditos, deixando, porém, tal preceito indefinida a natureza e o regime do prazo em causa. VIII. O prazo para a propositura da ação de verificação ulterior de créditos tratando-se de prazo de caducidade, e cujo crédito se encontra em domínio não excluído da disponibilidade das partes, não é suscetível de ser apreciado oficiosamente. IX. Devendo consequentemente a sentença recorrida ser revogada, sendo substituída por uma que declare inteiramente procedente o pedido da Recorrida. X. Por sua vez, a caducidade só é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo SE se tratar de matéria excluída da disponibilidade das partes, pois que, não o sendo, atento ao seu n." 2, se aplica, sem mais, o previsto no art.º 303.°, segundo o qual, a procedência da mesma, dependerá, somente, da respetiva invocação por aquele a quem aproveita. XI. Para além disso, em matéria de verificação ulterior de créditos, no processo de insolvência, não existe norma expressa ou implícita da qual se possa deduzir a possibilidade de conhecimento oficioso da caducidade do direito de instaurar a ação. XII. Andando maio douto Tribunal a quo, quando apreciou a mencionada exceção, sem que a mesma tivesse sido invocada pelas partes a quem aproveitaria, que nem sequer contestaram o pedido deduzido pela Autor. XIII. É que a exceção de caducidade, quando em matéria de direitos disponíveis, é insuscetível de conhecimento oficioso, é esse o entendimento na doutrina de L. Carvalho Fernandes e J. Labareda, bem como PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Salvador Costa e Luís M. Martins. XIV. Segundo os quais, é sabido que os prazos para a proposição de ações são prazos sujeitos a caducidade, salvo referência expressa à prescrição (art,º 298.°, n.º 2, do CC). O que quer dizer que o prazo fixado no referido art.º 146.°, n.º 2, b), do CIRE é um prazo de caducidade. XV. E, como tal, está sujeito à aplicação do regime previsto no art. ° 333. ° do CC, segundo o qual - seu n. ° 1 - a caducidade só é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, pois não o sendo - seu n.º 2 - é aplicável à caducidade o disposto no art.º 303.°, ou seja, dependerá da respetiva invocação por aquele a quem aproveita. XVI. Acórdão Tribunal Relação do Porto de 11-09-2014 no âmbito do Proc. 1218/12.9TJVNF-AB.P1 e de 17-06-2104 no âmbito do Proc. 1218/12.9TJVNF-Q.P1, segundo os quais: "O prazo previsto no arfo o 146.°, n. o 2, al. b) do CIRE é um prazo de caducidade que não pode ser conhecido oficiosamente, por este estar previsto em matéria excluída da disponibilidade das partes, pelo que o eventual decurso daquele prazo não pode constituir fundamento de indeferimento liminar da petição inicial da ação de verificação ulterior de créditos, instaurada ao abrigo do disposto no n. o 1, daquele preceito." XVII. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-03~2018, in Processo 674/16.0T8GMR-L.G1, onde menciona no sumário: " O Prazo previsto no art. º 146.º n. º 2 al. b) do CIRE é um prazo de caducidade que não pode ser conhecido oficiosamente, por estar previsto em matéria não excluída da disponibilidade das partes. " XVIII. Neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 21/02/2013, processo 2981/11.0TBSTS-G.P1 (Carlos Portela), da Relação de Guimarães de 06/02/2014, processo 1551/12.0TBBRG-C.G1 (Estelita de Mendonça), da Relação de Coimbra de 25/10/2016, processo n." 600/14.1TBPBL-E.C1 (Moreira do Carmo), todos em WW\V.dgsi.pt. XIX. Em face do supra exposto e atenta a motivação aduzida, vastamente comprovada e legal e jurisprudencialmente fundamentada, fica por demais demonstrada a incorreção da sentença proferida, tendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo andado mal quando apreciou oficiosamente o prazo de caducidade previsto no art.º 146.°, n.º 2, al, b) do CIRE. XX. Decorre do que acabamos de expor que o Tribunal a quo, tendo considerado que se tratava de um prazo de caducidade, não podia conhecer oficiosamente do mesmo, devendo aguardar a sua eventual invocação, para se pronunciar. XXI. Pensamos tratar-se de um prazo de caducidade, sujeito às normas dos art. o 298.º, n, º 2 e 333.º, n. º Z do Código Civil. XXII. Enfermando, por essa via a decisão recorrida de erro quer na aplicação de direito, quer na aplicação de jurisprudência, não estando de encontro ao normativo legal aplicável, bem como ao entendimento jurisprudencial mais recente sobre o caso em apreço. XXIII. Ademais, a Recorrente alegou que a constituição do seu crédito apenas se deu aquando do registo de apreensão do imóvel. XXIV. Assim sendo e porque se está perante um direito de crédito sobre a insolvência de constituição posterior à sentença de declaração da insolvência, a reclamação do mesmo assume cabimento na za parte da alínea b) do n.º Z do art." 146.º do CIRE. XXV. O que consubstancia um regime particular para os créditos de constituição posterior e cujo limite temporal é de três meses seguintes à respetiva constituição do crédito. XXVI. Devendo a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por uma que declare procedente o pedido do Recorrente.
NESTES TERMOS E nos demais de Direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser procedente por provado, e, consequentemente, ser revogada a sentença a quo, devendo-se dar em consequência, seguimento processual á pretensão da Recorrente.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo como tal sido aceite nesta Relação, nada obstando ao conhecimento do seu objecto.
Foram colhidos os vistos legais.
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II. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber qual a natureza do prazo de propositura da acção de verificação ulterior de créditos, previsto no artigo 146º n.2 al. b), do CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas- DL n.º 53/2004, de 18 de Março e diplomas sucessivos que procederam à sua alteração) e se o mesmo é de conhecimento oficioso.
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III. Fundamentação de facto.
Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra – que por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidos, elencando-se de seguida os actos processuais relevantes e que constam da análise electrónica dos autos principais e seus apensos:
- Por decisão proferida em 3.12.2015, foi declarada a insolvência de “Y – Artigos Para o Lar, Lda” e, para além do mais, fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos;
- A sentença declaratória da insolvência proferida em 03-12-2015, transitou em julgado em 28-12-2015, conforme certidão ref.ª elect. 145613257 (autos de insolvência).
- A requerente «X, Ldª» instaurou em 11.09.2020 acção para verificação ulterior de créditos, peticionando que os seus créditos no valor de 500.000,00€ sejam reconhecidos e graduados.
- Na certidão electrónica de 17.1.2019 (apenso de apreensão de bens), consignou-se: «- a verba identificada pelo nº 4 do 3.º Complemento ao Auto de Apreensão de Bens, foi apreendido ao abrigo do disposto nos artigos 120º e 121º do CIRE, por resolução em benefício da massa insolvente Y Artigos Para O Lar, Lda.;
- foram notificadas as partes intervenientes no negócio jurídico de resolução em benefício da massa insolvente, incluindo a sociedade Insolvente (Y Artigos Para O Lar, Lda.), nos termos do disposto nos artigos 121.º, n.º 1, al. a), 123.º e 126.º do CIRE.
- a carta resolutiva foi rececionada pela X, Lda., NIF ........., em 17-01-2017.
- em 18-05-2017 foi intentada pela X, Lda., NIF ........., sede na Rua … Peso da Régua, uma ação de Impugnação da Resolução em Benefício da Massa contra a Massa Insolvente de Y - Artigos Para O Lar, Lda., que correu por apenso ao processo de insolvência.
- por sentença proferida em 07-05-2018 no apenso de Resolução em Benefício da Massa foi declarada procedente a exceção peremptória de caducidade do direito de impugnar a resolução do ato de cedência gratuita realizada em 25-03-2014 pela insolvente à sociedade X, Lda., tendo a sociedade X, Lda., interposto recurso de Apelação, mantendo-se a decisão a favor da Massa Insolvente de Y - Artigos Para O Lar, Lda., já transitada em julgado a 18-09-2018.
- Com data de 2.10.2018, foi, pelo administrador de insolvência, apreendida para a massa insolvente como verba n. 4 :
Fracção autónoma designada pela letra “A” destinada a comércio, na cave, que faz parte do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, fazendo gaveto para a Rua …, da freguesia de ... (...), do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição nº ...-A da freguesia de …, concelho de ... e inscrito na matriz sob o …-A da freguesia de ... (...), do referido concelho de ..., no valor patrimonial de 132.096,78€. (apenso de apreensão de bens).
- Na certidão de Registo Predial do referido imóvel, mostra-se descrita a aquisição a favor da Insolvente Y, por compra, com data de 24.02.2005; a declaração de insolvência por registo de 8.2.2019 (AP.1761) e a conversão em definitivo do registo de apreensão em Processo Penal com data de 15.2.2019 (documento junto com o requerimento do administrador da insolvência em 26.07.2019- ref.ª electrónica 8953327).
- No documento junto aos autos (doc. 57 junto com a petição de acção de reclamação ulterior de créditos), documento particular intitulado de «Contrato Prestações Acessórias Gratuitas», em que constam como outorgantes, cedente Y-Artigos para o Lar, Ldª» e aceitante «X, Ldª», foi declarado, para além do mais, celebrarem contrato de cedência do imóvel descrito na CRP sob o n. .../19920818-A, propriedade da primeira e para entrada a título de prestações acessórias gratuitas a favor da segunda, mais conferindo a esta o direito imediato de uso e fruição.
- Por carta datada de 9.01.2017, enviada pelo administrador da insolvente Y à reclamante «X, Ldª», foi comunicada a Resolução em benefício da massa Insolvente da cedência gratuita do imóvel realizada em 25.03.2014, à sociedade denominada «X, Lda,» (nos termos constantes do doc. 2 junto com a petição da acção de impugnação da resolução em benefício da massa).
Na decisão alvo de apelação consignou-se, para além do mais, o seguinte: «A X, Lda, sociedade comercial com sede na Rua ... Peso da Régua, veio a 11-9-2020, intentar ação declarativa de verificação ulterior de créditos contra a Massa Insolvente de Y- Artigos para o Lar, Lda, os credores da massa e a insolvente, pedindo que seja reconhecido o crédito da A no montante de € 500,000,00 e seja graduado como privilegiado. (…) «Questão Prévia Ao que esta veio alegar que a A ficou investida na posição de credora da devedora insolvente pela restituição do crédito que sobre si recai. Como se estaria perante um direito de crédito sobre a insolvência, que a A entende ser de constituição posterior à sentença de declaração de insolvência, pois o registo da apreensão do imóvel por parte do Ministério Público apenas teve lugar em Julho.
Cumpre decidir.
Dispõe o artigo 146º, nº2, al b) do CIRE que “O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior (…) b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente”.
Ora, dispõe o artigo 298º, nº2 do Código Civil que quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição. No caso em apreço, a lei- artigo 146º, nº2, b) CIRE que estipula o prazo para reclamação ulterior de crédito- não se refere expressamente à prescrição. E o artigo 333º do Código Civil dispõe que a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal, a não ser que se trate de matéria não excluída da disponibilidade das partes. Contudo, há jurisprudência que entende tratar-se de prazo processual, a ser conhecido oficiosamente pelo tribunal- Acórdão do TRC de 20-6-2017 e Acórdão do TRL de 28-4-2015 disponíveis em www.dgsi.pt. Apreciando oficiosamente o prazo estipulado naquele artigo, verificamos que a insolvência da Y foi decretada por sentença de 3-12-2015 pelo que os seis meses após o trânsito em julgado da sentença já tinham decorrido quando a aqui A deu entrada com a presente ação a 11-9-2020. A A veio alegar que a constituição do seu crédito apenas se deu aquando do registo da apreensão do imóvel em Julho, pelo que estaria dentro do prazo de três meses após a constituição do crédito. Não cremos que assim seja, pois o crédito constituiu-se com a celebração do contrato de dação em cumprimento do imóvel em causa nos autos para pagamento das prestações suplementares de capital, datado de 25-2-2014, a fls 37 e ss. E não é o facto de o Ministério Público ter apreendido o imóvel em processo penal, registado a 4-12-2018, e ter havido decisão sobre a apreensão do imóvel pelo MP e não pela massa insolvente em julho de 2019 que constituiu o crédito da aqui A quando já havia sido apreendido para a massa a 8-2-2019 e resolvido a favor da massa insolvente o contrato de dação em cumprimento- fls 40 e 41 dos autos. Na verdade, a obrigação de entregar as prestações suplementares, que deu causa à celebração do contrato de dação em cumprimento já existia muito antes. Pelo que não pode dizer-se que o crédito se constituiu apenas aquando do registo da apreensão em processo penal ou da decisão que decorre da lei registal, de fazer prevalecer esta sobre a apreensão do imóvel para a massa insolvente. A A devia ter sido diligente e aquando do registo da apreensão do imóvel ter de imediato vindo ao processo de insolvência reclamar o crédito correspondente ao valor do imóvel que lhe havia sido dado em pagamento das referidas prestações suplementares, mas não registado a seu favor. Assim, a A já não está em tempo de vir pedir a verificação ulterior de créditos por já terem decorrido mais de seis meses desde a declaração da insolvência e o seu crédito ser de constituição anterior a esta, tudo nos termos do artigo 146º, nº2, al b) do CIRE. Decisão Pelo exposto, declaro a preclusão, pelo decurso do prazo, do direito da A, X, Lda de intentar a presente ação a pedir a verificação ulterior do seu crédito aqui peticionado sobre a insolvente Y- Artigos para o Lar, Lda. Termos em que absolvo as RR do pedido. (….)
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IV. Fundamentação de direito:
Como referido, a questão a apreciar centra-se em aferir qual a natureza do prazo de propositura da acção de verificação ulterior de créditos, previsto no artigo 146º n.2 al. b), do CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas- DL n.º 53/2004, de 18 de Março e sucessivos diplomas que procederam à sua alteração, diploma a ter em conta sempre que não se faça menção de origem) e se o mesmo é de conhecimento oficioso.
Esta questão passa necessariamente pela análise do preceito legal em apreço, sua razão de ser e fundamento, mormente na correlação com outras normas do diploma e finalidade do processo de insolvência, cujo objectivo precípuo se assume na satisfação, pela forma mais célere e eficiente, dos direitos dos credores.
Vejamos:
Estabelece o artigo 128º do CIRE, que: «1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:
a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros; b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável; d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; e) A taxa de juros moratórios aplicável.(…) 5 - A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.»
Diz-nos, por outro lado, o artigo 146º n.s 1 e 2 sob a epigrafe «Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos, que: «1 - Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
2 - O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior: a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior; b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente. (…)» (negrito nosso)
Ambos os preceitos estão inseridos no Título V do diploma, «Verificação dos Créditos. Restituição e Separação de Bens.» e ambos definem as condições em que os credores da insolvência podem exercer os seus direitos no âmbito do processo de insolvência, mormente através da reclamação dos seus créditos, porquanto só podem ser pagos, se estiverem verificados no processo de insolvência por sentença transitada em julgado (não estando dispensados de o reclamar nessa sede, ainda que os mesmos se mostrem reconhecidos por decisão definitiva fora desses autos), conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 1º, 90º, 128º e segs. e 173º do CIRE.
Decorre dos artigos acima elencados, que decorrido que seja o prazo fixado na sentença declaratória da insolvência para a reclamação de créditos (artigo 128º), é ainda possível a reclamação ulterior de créditos para que possam ser reconhecidos e atendidos no processo de insolvência, nos termos dos artigos 146º a 148º, prevenindo-se, assim, a possível existência de credores que, por falta de conhecimento atempado, não reclamaram na fase normal, e promove-se, à luz do princípio par conditio creditorum, a oportunidade de todos, em igualdade, naquele processo, concorrerem ao produto da liquidação do activo (1).
Tal reclamação e verificação ulterior é efectuada em acção, que segue os termos do processo comum de declaração (art.° 148), proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, e corre por apenso aos autos de insolvência, dos quais constitui parte integrante e cuja essência e finalidade não diverge, desde já adiantamos, da reclamação geral inicial, mormente quanto à natureza do prazo.
Por norma, esta ação tem de ser proposta no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado da sentença que declara a insolvência. Tal prazo pode, todavia, ser excedido quando o direito reclamado apenas se constitua em momento posterior àquela declaração. Nesta hipótese, o prazo para propor a ação é de 3 meses a contar da constituição do direito [art.l46°, n.2, alínea b) in fine].
Concretizemos:
É consabida a divergência jurisprudencial sobre a natureza e regime do prazo previsto para a propositura da acção de verificação ulterior de créditos, previsto no n.2 alínea b) do artigo 146º, sobre o qual existem duas posições:
- por um lado, a que está subjacente à decisão recorrida, de que está em causa um prazo processual, de conhecimento oficioso, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, nos termos do artigo 139º do Código de Processo Civil ex vi artigo 17º do CIRE.
Neste sentido são exemplo, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 27.11.2019, processo 41/10.0TYNG-I.P1.S2; STJ de 5.12.2017, processo 1856/07.1TBFUN-L.L1.S1; Acs. da R. C. de 20.06.2017, processo n.º 4185/14.0T8VIS-K.C1; Tribunal da Relação do Porto de 13.03.2014 (José Amaral); Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2015 e 07-06-2016, Processos n.º 664/10.7YLSB-AB.L1-7 e 1567/13.9TYLSB-I.L1-7; R.L. de 20-06-2017, processo 1338/16.0T8SNT.L1-7, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10-04-2014 e 27-03-2014 Processos nº 1218/12.9TJVNF-N.P1 e 1218/12.9TJVNF-W.P1; de 22.10.2018, processo 235/12.3TYVNG-D.P1; Relação de Évora de 5.12.2019, processo 555/15.5T8OLH-K.E1; todos in www.dgsi.pt
- por outro, a que defende estar em causa um prazo de caducidade que não é de conhecimento oficioso (art.º 329.º e 331.º, n.º 1, do Código Civil); de que são exemplo, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-02-2014, Processo 1551/12.0TBBRG-C.G1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-10-2016, Processo 600/14.1TBPBL-E.C1; Ac. desta Relação de Guimarães de 8.3.2018, processo 674/16.0T8GMR-I.G1;Relação do Porto de 11-09-2014, processo 1218/12.9TJVNF-AB.P1, de 21.10.2008, processo 0822995; de 17.06.2014, processo1218/12.9TJVNF-Q.P1; todos in www.dgsi.pt.
A distinção entre as duas teses assume especial relevo na apreciação da presente apelação, dada a inerente questão da possibilidade de conhecimento oficioso do prazo em causa para a reclamação ulterior de créditos apresentada pela apelante.
Na verdade, a considerar-se tal prazo como de caducidade, haverá que ponderar o regime do art. 333º do C. Civil, nos termos do qual tal excepção só é de conhecimento oficioso “se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes” (nº 1). Na ausência desse pressuposto, é aplicável à caducidade o art. 303º do Código Civil, segundo o qual está vedado ao tribunal suprir, de ofício, a prescrição que, para ser eficaz, necessita de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público - nº 2 do preceito.
Já se o entendimento for o de estarmos aqui perante um prazo de natureza processual, então o seu decurso, extinguindo apenas o direito de praticar o ato – art. 139º, nº 3 do CPC –, pode e deve ser oficiosamente conhecido pelo tribunal. O incumprimento desse prazo leva tão só à perda do direito processual de praticar o ato, ou seja, de reclamar créditos em sede de verificação ulterior, por apenso à insolvência, sem que a relação jurídica que lhes subjaz seja, de modo algum, afetada.
Subscrevemos esta última posição, desde logo, porque atentando na redacção do artigo 146º n.2 al. b), que permite a reclamação ulterior de créditos, sua inserção sistemática e finalidade, depreende-se que o que está em causa é a regulação da reclamação e verificação de créditos após a declaração de insolvência e, portanto, no âmbito de um processo de insolvência. Apresentada a reclamação sob a veste de acção a correr termos por apenso à insolvência e, pese embora a diferença de tempo e de forma previstos para cada uma das fases da reclamação, o referido prazo não se distingue, quanto à sua natureza, do previsto para a reclamação de créditos na sua fase inicial ou ordinária ( prevista nos artigos 128º a 140º).
Com efeito, como se salienta no Ac. da Relação de Lisboa de 7.06.2016 (2) «Processo de execução universal, a insolvência tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, ou, quando tal não seja possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e da subsequente repartição por aqueles do produto assim obtido – art. 1º, nº 1.
A verificação do passivo, fase processual indispensável para viabilizar a repartição do produto da liquidação pelos credores, é feita, como se vê dos arts. 128º a 140º, em processo que corre por apenso à insolvência, sendo os créditos reclamados perante o administrador da insolvência dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória da insolvência.
Está-se aqui, manifestamente, perante um prazo de natureza processual, entendido este, na definição de Alberto dos Reis, como “período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual”, que tem por função “regular a distância entre os actos do processo” e pressupõe “necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo, e destina-se ou a marcar o período de tempo dentro do qual há-de praticar-se um determinado acto processual (prazo processual) (…)”, não havendo dúvida de que o seu incumprimento leva à extinção do direito de praticar o ato processual – art. 139º, nº 3 do CPC –, e não à extinção do direito de crédito do reclamante, como aconteceria se estivesse em causa um prazo de caducidade.
De facto, o prazo de caducidade é, no ensinamento de Alberto dos Reis, “um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material” e o seu decurso, sem que o direito seja exercido, é causa determinante da extinção desse mesmo direito.
Ora, a verificação ulterior de créditos em tudo se assemelha, salvo quanto ao momento concreto em que é deduzida e ao meio processual a adotar - ação no primeiro caso, seguindo os termos do processo sumário, e requerimento no segundo, mas ambos correndo por apenso ao processo de insolvência -, à reclamação de créditos acima referida e de que tratam, como dissemos, os arts. 128º a 140º, nenhuma justificação se descortinando para atribuir natureza diferente aos prazos num e noutro caso estabelecidos para reclamar a verificação e graduação de créditos.
O objetivo único e comum a estes dois meios processuais é distribuir pelos credores do insolvente o produto da liquidação dos seus bens; e deduzidas por uma ou por outra das enunciadas vias, as reclamações de créditos em causa são sempre consequência do processo onde a insolvência do devedor foi decretada.»
Concordamos inteiramente com a exegese descrita, pois se não se suscitam dúvidas de que o prazo previsto para a reclamação de créditos na sua fase inicial ou ordinária, é de natureza adjectiva ou processual ( cfr. artigos 36º alínea j) e 128º) do CIRE e artigos 138º e 139º do CPC ex vi 17º do CIRE), nem quanto ao seu regime preclusivo, extinguindo-se com o seu decurso o direito de reclamar, não se vislumbra qualquer fundamento atendível para afastar a natureza processual ( e consequente regime preclusivo) do prazo previsto para a sua reclamação extraordinária em sede ulterior, quando, para além do mais, ambas têm o mesmo objectivo (ambas estão destinadas à verificação de créditos) no âmbito da tramitação unitária do processo de insolvência.
Tratar como processual o prazo para a reclamação inicial e como de caducidade o prazo para a reclamação efectuada em momento ulterior, não se mostra compaginável, a nosso ver, com a finalidade unitária da reclamação de créditos e com a unicidade do processo de insolvência.
Mas não apenas, já que também a análise dos efeitos do decurso do prazo da reclamação no direito do credor, nos permite alcançar a distinção da sua natureza e sua caracterização, porquanto claramente se evidencia que o decurso do prazo da reclamação de créditos na insolvência, nos termos dos normativos enunciados, não se reflecte na subsistência ou não do direito do credor a conhecer na acção, ou seja o direito não caduca, não se extingue (3), mas apenas se repercute na sua admissibilidade no âmbito do processo de insolvência. O seu decurso apenas extingue a possibilidade de este ser reclamado nesses autos, como desde logo se evidencia do segmento da norma «de modo a serem atendidos no processo de insolvência». Por outras palavras, se não for reclamado tempestivamente na insolvência o que pode acontecer é que a satisfação desse direito, não se extinguindo, não é atingida através do pagamento através do património que compõe a massa insolvente.
Como se salienta no Ac. R.C. de 20.06.2017 (4) « Perante o aparente óbice decorrente do nº 2 do artigo 298º, anota-se que “em geral, os prazos de propositura de acção são qualificados como prazos substantivos de caducidade (ou, excepcionalmente, de prescrição) por respeitarem ou se reflectirem na própria relação material a que respeitam (reconhecendo-a ou constituindo-a)”. Ressalvando-se, no entanto poderem “esses prazos ser também judiciais ou processuais”. Porquanto “acções existem, contudo, tipificadas na própria lei processual que, não estando originariamente previstas como condição de exercício de um direito (do direito de acção no seu aspecto de direito material), todavia comungam daqueles aspectos formais e surgem precisamente na sequência ou no decurso da tramitação de outras já pendentes e cujos prazos, podem ser também prazos judiciais”. O que “ocorrerá sempre que o prazo esteja directamente relacionado com uma outra acção e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material”. As quais têm, aliás, previsão expressa no artigo 138º, nº 4, do Código de Processo Civil - «os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores». (5)
Debruçando-se mais especificamente sobre o tipo de acção em análise, salienta-se nesse acórdão que, se “o decurso do prazo legal faz precludir ou extinguir o especial direito a tal reclamação no âmbito do procedimento de insolvência, isso significa que não depende dela o nascimento do direito de crédito nem a sua subsistência, mas apenas o direito adjectivo de ali o reclamar com os particulares efeitos processuais previstos para tal mecanismo, cujo exercício o legislador disciplina e não abdica de controlar em atenção à sua pública finalidade, mas sem afectação em substância da relação jurídica material que o precede e lhe subjaz, nem da respectiva titularidade activa e passiva”. Acrescentando, que “o crédito não nasce nem morre com a acção ou pelo facto de ela não ser interposta; pode é tornar-se inexequível por esgotamento, na insolvência, do património que o garanta”.
Sublinhe-se que os prazos judiciais ou processuais se destinam a regular a distancia entre os actos do processo. Têm por objectivo determinar um “período de tempo” dentro do qual tal prática, ou a sua omissão, desencadeia um certo “efeito processual”, destinam-se a regular a estrutura e tramitação do processo. Esses prazos pressupõem necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo” (6). Ao invés, na caducidade, «mostra claramente que estamos em presença, não de um facto processual, mas de um facto de direito substancial. O prazo dentro do qual há-de ser proposta uma determinada acção é um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material».
Em abono da natureza processual deste prazo, indiciação da sua natureza e subsequentemente, do seu regime, ressalta, no contexto que vem de se expor, o teor do próprio normativo, porquanto aí se diz expressamente que a reclamação de outros créditos não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do art. 129°, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior, e que tal reclamação só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, o que evidencia claramente que esta reclamação ( através da acção), delimitada temporalmente nesse artigo para o exercício do direito de acção, constitui parte integrante do processo de insolvência e dependente, quanto ao referido prazo, da tramitação a ele inerente, ao qual corre por apenso, o que tudo aponta nitidamente, e com todo o respeito por diferente entendimento, para um prazo de claro cariz adjectivo ou processual e não substantivo, de conhecimento oficioso.
Aqui chegados e em sede conclusiva, louvando-nos nas considerações expostas, considerando a natureza e finalidade prosseguida pela acção de verificação ulterior de créditos, sua relação de dependência com o processo principal de insolvência e objectivo deste, bem como aplicação subsidiária, por força do artigo 17º do CIRE, do processo civil, entendemos evidenciar-se que o prazo previsto no artigo 146º , n.2 al.b) do CIRE é um prazo de natureza processual, de conhecimento oficioso, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto no processo de insolvência, nos termos do artigo 139º n.s 1 e 3 do C.P.C., não se lhe aplicando, por isso, o regime da caducidade previsto nos artigos 298º n.2 e 333º n.2 do Código Civil.
Tal constatação conduz-nos, assim, ao bem fundado conhecimento oficioso pela Sr.ª juiz a quo, como ocorreu, do decurso desse prazo, embora não invocado, improcedendo assim, pelos fundamentos expostos, a apelação quanto a esta questão.
Estribando-se a apelação, fundamentalmente, na não oficiosidade do conhecimento do prazo, e improcedendo esta, caberá tão só referir que não alegou o apelante na sua motivação de recurso (que limita o objecto da apelação) quaisquer factos que pudessem infirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à apreciação efectuada relativamente ao esgotamento do prazo da reclamação, limitando-se a afirmar de forma conclusiva e sem suporte factual, que o crédito reclamado é posterior à declaração de insolvência e apenas se constituiu com o registo de apreensão do imóvel.
Sem prejuízo, sempre se dirá que reiterando o afirmado na decisão proferida pelo tribunal a quo, o alegado crédito invocado pela apelante constituiu-se (ao que decorre da análise do requerimento da acção de verificação ulterior de créditos), através do contrato de dação em cumprimento do imóvel para pagamento das prestações suplementares de capital, contrato celebrado em 2014 e, portanto, em data anterior à declaração de insolvência, ocorrida em 3.12.2015 (transitada em julgado em 28.12.2015), tendo há muito decorrido o prazo de seis meses previsto no primeiro segmento do artigo 146º n.2 al. b) do CIRE aquando da propositura da acção de reclamação ulterior de créditos, proposta em 11.09.2020.
Ainda que se considere que o direito da autora de reclamar o alegado crédito (referente, nos termos por si referidos na acção de reclamação, a benfeitorias realizadas no imóvel e incumprimento da dação em cumprimento que deu origem às prestações acessórias de entrada de capital) apenas se consolidou, para efeito da sua reclamação no processo de insolvência, com a resolução operada em benefício da massa insolvente do negócio de cedência gratuita do imóvel à sociedade «X, Ldª» e subsequente apreensão deste a favor da massa insolvente, também, já há muito estaria decorrido o prazo de 3 meses para propor a ação de verificação ulterior do crédito, nos termos da parte final da alínea b) do n.2 do art.146º, porquanto tal resolução ocorreu em 17.1.2017 tendo o imóvel sido apreendido para a massa insolvente em 2.10.2018 e o registo na conservatória sido efectuado em 8.2.2019 (após o trânsito em julgado da decisão que incidiu sobre a impugnação da resolução e que declarou «procedente a exceção peremptória de caducidade do direito de impugnar a resolução do ato de cedência gratuita realizado a 25-3-2014 pela insolvente à sociedade X, Lda.), tendo a acção de reclamação ulterior de créditos proposta pela apelante sido intentada mais de um ano depois, e, portanto, muito para além do referido prazo de três meses.
Pelo que, a decisão proferida pelo tribunal a quo é de manter, improcedendo, sem necessidade de mais considerandos, a presente apelação.
V. – DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
*
Guimarães, 6 de Maio de 2021
Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
1. Ac. R.P. de 13-03-2014, processo 1218/12.9TJVNF-N.P1, in www.dgsi.pt
2. Processo 1567/13.9TYLSB-I.L1-7, in www.dgsi.pt
3. A caducidade (do direito ou da ação) pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de um direito ou de uma ação pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que, naturalmente (v.g. a morte), faz desencadear a extinção do direito. (Ac. STJ de 6.04.2017, processo 1161/14.7T2AVR.P1.S1) Como salienta Ana Filipa Morais Antunes in «Prescrição e Caducidade, págs. 187 e segs. «Os efeitos da caducidade são distintos da prescrição. Na verdade, decorrido o prazo — legal ou convencional — de caducidade, verificar-se-á a extinção do direito que deixará de poder ser exercido. Para Vaz Serra, “[o] direito atingido pela caducidade parece não dever poder ser invocado nem sequer por via de excepção (…). Seja qual for a extensão que a máxima quae temporalia sunt ad agendum, perpetua sunt ad excipiendum deva ter nos casos de prescrição, parece que ela não pode aplicar-se em matéria de caducidade, pois esta extingue definitivamente o direito, dado que o prazo é estabelecido para se definir rapidamente a situação jurídica em questão. Por conseguinte, decorrido o prazo de caducidade, nada resta do direito que se extinguiu”»
4. Processo 4185/14.0T8VIS-K.C1 in www.dgsi.pt, citando o acórdão da R.P. de 13.03.2014, processo 1218/12.9TJVNF-N.P1, também in www.dgsi.pt
5. Com efeito, nem todos os prazos de propositura de acções apresentam natureza substantiva, alguns havendo que podem ser meros prazos judiciais, como resulta do artigo 138º do Código de Processo Civil, sendo disso exemplo os embargos de terceiro (344º do CPC).
6. Como refere Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol.2, pags. 55 e segs.