EMPREITADA
SUBEMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Sumário


I - Podemos definir a subempreitada como o contrato subordinado a um negócio jurídico precedente. É uma empreitada de “segunda mão”, que entra na categoria geral do subcontrato, e em que o subempreiteiro se apresenta como um “empreiteiro do empreiteiro”, também adstrito a uma obrigação de resultado.
II - A exceptio non inadimpleti contractus faculta ao excipiente não realizar a prestação a que se encontra adstrito (que tanto pode ser uma prestação de coisa, como uma prestação de facto), enquanto a outra parte não efetuar a contraprestação no contrato bilateral ou sinalagmático que a ambos vincula.
III - A exceptio não é de conhecimento oficioso, carece de ser invocada pela parte de que dela pretende beneficiar.
IV - O contrato de subempreitada em apreço, pelo seu clausulado, revela que as prestações recíprocas do empreiteiro e do subempreiteiro eram fracionadas, pois os pagamentos parcelares do preço, com datas pré-estabelecidas, eram devidos em função da execução e entrega de fases da obra.
V - Nos contratos com prestações fracionadas, o contraente credor de prestações vencidas pode invocar perante o seu devedor a exceção de não cumprimento do contrato para suspender a sua prestação - execução do remanescente da obra - até que lhe sejam pagos débitos correspondentes à parte já executada da obra, desde que essa atuação não exprima violação da atuação de boa fé. (sumário do relator)

Texto Integral



Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
B…, LDA. instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra HABITÂMEGA – CONSTRUÇÕES, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 71.857,72, sendo € 51.645,03 de capital e € 20.212,69 de juros de mora vencidos, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal fixada, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade de instalação de redes elétricas e de telecomunicações, realizou trabalhos no âmbito da obra de remodelação e requalificação da EB 1, nº …, em Setúbal, na qualidade de subempreiteira resultante de um contrato de cessão da posição contratual do subempreiteiro, cuja empreitada havia sido adjudicada à ré, tendo no âmbito da subempreitada fornecido os bens e prestado os serviços identificados nas faturas juntas, que emitiu com base nos autos de mediação, sendo que a ré nada pagou até à presente data.
A ré contestou por exceção, invocando a incompetência do Tribunal em razão da matéria, o erro na forma do processo e o caso julgado.
Por impugnação, embora aceitando que a autora executou diversos trabalhos para a ré na qualidade de subempreiteira desta, contrapôs que a mesma não realizou todos os trabalhos que lhe estavam adstritos, tendo ficado por executar o sistema de microgeração (paneis fotovoltaicos), tendo a ré, posteriormente à receção provisoria da obra, interpelado por várias vezes a autora para realizar os trabalhos em falta, dentro do prazo estabelecido pelo dono da obra, o que a autora não fez, razão pela qual este executou o trabalho, imputando os respetivos custos à ré, através de uma garantia bancária, o que causou à ré prejuízos de milhares de euros.
A autora pronunciou-se sobre as exceções invocadas, concluindo pela sua improcedência.
Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias invocadas pela ré, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento e, a final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência decide-se:
a) Condenar a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 51.645,03 (cinquenta e um mil seiscentos e quarenta e cinco euros e três cêntimos) acrescida de juros de mora, às taxas supletivas para os juros comerciais sucessivamente vigentes e as que venham a vigorar até integral pagamento, contados desde a data da citação até integral pagamento.
b) O crédito reconhecido a Autora deve vir a ter pagamento nos termos e nas condições previstos no ponto 16 dos factos provados.
c) Absolver a Ré do demais pedido.»
Inconformada, a ré apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
««54. No dia 15 de Junho de 2013, foi celebrado entre a Ré e a L…, Lda., um acordo escrito denominado contrato de subempreitada, através do qual a sociedade L…, Lda., se obrigou a executar os trabalhos de instalação de redes eléctricas e de telecomunicações na obra remodelação e qualificação da Escola Básica 1, n.º …, em Setúbal.
55. Em 31 de3 Outubro de 2013, por documento escrito denominado contrato de cessão de crédito contratual, a L…, Lda., cedeu a posição de subempreiteiro à Ré na obra de remodelação e requalificação da EB 1, n.º …, em Setúbal.
56. De harmonia como disposto no artigo 1207.º do Código Civil a empreitada é um contrato pela qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço.
57. Por seu turno o 1213.º do Código Civil, estipula que a subempreitada é um contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou a uma parte dela.
58. Ficou provado que aqui Recorrente, na qualidade de empreiteira, teve a seu cargo a obra de remodelação e requalificação da Escola Básica 1, nº …, Setúbal, e que no decurso da empreitada, celebrou com a sociedade L…, Lda, um contrato de Subempreitada, tendo a Autora assumido a posição de subempreiteira através da celebração de um contrato de cessão da posição contratual.
59. A Autora realizou determinados trabalhos que facturou à Ré.
60. Sucede que Sucede que, em 11 de Março de 2014, a Ré apresentou-se a Plano Especial de Revitalização, que correu seus termos sob o n.º 353/14.3TBAMT, na Instância Central de Amarante, Juízo do Comércio – J2, Amarante, da Comarca do Porto Este, tendo comunicado à Autora através de carta datada de 13 de Março de 2014.
61. Durante as negociações, os intervenientes devem respeitar os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro (art. 17º- D, n.º 10), nomeadamente da cooperação e da boa-fé.
62. A Autora através de carta datada de 13 de Março de 2014, foi convidada a participar nas negociações.
63. Concluídas as negociações, foi celebrado um acordo, o qual foi aprovado por uma maioria qualificada de créditos e depois homologado por decisão judicial (artigo 17.º F do CIRE), o qual se torna para a generalidade dos credores, como é o caso da Autora, mesmo que não hajam participado nas negociações.
64. Ficou estipulado no Plano de Revitalização, relativamente aos créditos comuns, o perdão dos juros de mora e a fixação de um período de carência correspondente a 24 meses (a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação), com a amortização do capital a ocorrer em prestações noS seguintes moldes: a) 70% do crédito será pago em 30 prestações semestrais e sucessivas, de igual valor, vencendo a primeira no final do 1º semestre, após o término do período de carência.
65. Ou seja, o pagamento dos créditos existentes á data em que se decretou o Plano Especial de Revitalização, seriam pagos semestralmente com início no dia 31 de Maio de 2017.
66. Nos presentes autos, não houve incumprimento por parte da Ré, pelo que o Tribunal a quão não podia dar como provado que “a Ré não cumpriu a obrigação a que estava adstrita – pagamento do preço – nos termos acordados presume-se a sua culpa pelo que deverá ser condenada no pagamento à Autora do valor em divida por conta dos trabalhos efectivamente realizados”.
67. Não resulta dos autos que a Autora logrou proceder à resolução do contrato de subempreitada, durante as negociações do Plano Especial de Revitalização, para as quais foi chamada a participar.
68. Sob pena de reconhecer uma violação dos princípios atinentes ao Processo Especial de Revitalização, não pode o Tribunal a quo reconhecer o direito à Autora a escusar-se a cumprir a obrigação a que estava adstrita em virtude do contrato de subempreitada celebrado, muito menos com fundamento do incumprimento da obrigação da Ré, uma vez que a primeira prestação venceria a 31 de Maio de 2017.
69. Embora resulte dos autos e do alegado pela Ré, o Tribunal a quo não se pronunciou sob a exeção do não cumprimento invocada.
70. Efectivamente, resulta da prova documental e testemunhal, que a Ré não procedeu à aplicação do sistema de microgeração, conforme obrigação resultante do contrato de subempreitada.
71. A Autora só cumpriria a obrigação a que se vinculou se tivesse realizado a prestação a que se tinha vinculado, conforme artigo 762.º do Código Civil, ou seja, se executasse o contrato ponto por ponto.
72. A verdade é que a Autora realizou parcialmente a obra a que estava obrigada, sendo interpelada para a conclusão da mesma por diversas vezes por parte da Ré.
73. Estatui o artigo 1222.º do Código Civil, que não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o Dono de Obra pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada aos fins a que se destina.
74. Se a obra não for executada de acordo com o convencionado, evidenciando vícios que, pelo menos, reduzam o seu valor e a sua atinente aptidão, o Dono de Obra, leia-se Empreiteiro, pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato.
75. Gozando do direito de ser indemnizado, quando faltarem ou forem insuficientes os meios, conforme artigo 1223.º do Código Civil, ou seja, a ser indemnizados dos danos resultantes do cumprimento defeituoso do contrato.
76. A verdade é que a Câmara Municipal de Setúbal, em virtude do incumprimento da Autora, procedeu à colocação do sistema de produção de energia eléctrica através do aproveitamento das fontes de energia renováveis, e em virtude do incumprimento contratual, imputou os custos à Ré, no montante de € 16.600,00 (dezasseis mil e seiscentos euros), acrescidos de IVA à taxa legal.
77. Verificada a impossibilidade de cumprimento do contrato de subempreitada, a Ré em 04 de Agosto de 2016, comunicou o incumprimento definitivo do contrato de subempreitada, uma vez que o Dono de Obra já havia realizado os trabalhos em falta, procedendo á aplicação da sanção contratual estabelecida.
78. De acordo com o Contrato de Subempreitada n.º 12-0092-DP-0057 nas suas cláusulas 31.º e 32. E comunicação realizada, resolveu o contrato e aplicou a penalização prevista, resultando a favor da Ré as quantias devidas que se encontravam por liquidar.
79. Efectivamente, verificou-se o incumprimento definitivo do contrato de Subempreitada, pelo que deveria ser reconhecida a exeção do não cumprimento invocada pela Ré na sua contestação.
80. Não é justo condenar Ré a pagar à autora a quantia de € 51.645,03 (cinquenta e um mil seiscentos e quarenta e cinco euros e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, uma vez que é evidente e resultou provado o incumprimento contratual por parte da Autora.
81. Acresce, conforme documentos juntos com a contestação como Documento 2, a aqui Recorrente já procedeu ao pagamento da quantia de € 482,04 (quatrocentos e oitenta e dois euros e quatro cêntimos), o qual não foi considerado no apuramento do montante em divida pelo Tribunal a quo.
82. Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, pensámos que da prova testemunhal e documental resulta que a Ré tinha de ser absolvida do pedido realizado pela autora, não sendo justo condenar ré a pagar à autora a quantia de € 51.645,03 (cinquenta e um mil seiscentos e quarenta e cinco euros e três cêntimos), devido às circunstâncias em que os factos, sub iudice, ocorreram, sendo evidente o incumprimento por parte da Autora do contrato de subempreitada 12-0092-DP-0057.
83. Porquanto, a ré não se conforma com a sentença condenatória proferida pelo Tribunal a quo.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO DEVERÁ SER REVOGADA E A RÉ SER ABSOLVIDA;
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
NO APURAMENTO DO MONTANTE EM DIVIDA DEVEM SER CONSIDERADOS OS MONTANTES JÁ PAGOS, NO MONTANTE DE € 482,04 BEM COMO O PREJUIZO RESULTANTE DO INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE SUBEMPREITADA, NO MONTANTE DE 16.600,00 (DEZASSEIS MIL E SEISCENTOS EURO ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!»

A autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir:
- erro de julgamento da matéria de facto;
- omissão de pronúncia sobre a exceção de não cumprimento do contrato;
- pagamento parcial da dívida.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à instalação de redes elétricas e de telecomunicações;
2 - Por deliberação nº. 255/11 de 29 de Junho de 2011, o Município de Setúbal adjudicou a H…, SA., no âmbito da sua atividade comercial, a obra de remodelação e requalificação da Escola Básica 1, nº …, em Setúbal
3 - No dia 15 de Julho de 2013, foi celebrado entre a Ré e a L…, Lda., um acordo escrito denominado contrato de subempreitada junto a fls.15 a 34 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a sociedade L…, Lda., se obrigou a executar os trabalhos de instalação de redes elétricas e de telecomunicações na obra de remodelação e requalificação da Escola Básica 1, nº…, em Setúbal.
4 - Em 31 de Outubro de 2013, por documento escrito denominado contrato de cessão de posição contratual, junto a fls. 9 a 14 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, em que intervieram a L…, Lda., como primeira outorgante, a Autora, como segunda outorgante, a Ré H…, SA., como terceira outorgante, a primeira outorgante cedeu a segunda outorgante a posição de subempreiteiro da Ré na obra de “Remodelação e Requalificação da EB 1, nº …, em Setúbal.
5 - A referida cessão de posição contratual incluiu a assunção por parte da A. de todos os direitos e deveres da cedente, L…, Lda., no contrato, e seus aditamentos, sendo ainda previstos trabalhos adicionais a executar.
6 - Na cláusula 24º. do contrato de subempreitada, junto a fls. 15 e segs, que aqui se dá por integralmente reproduzido, estipulou-se, além do mais, que o pagamento dos trabalhos seria feito com base em medições elaboradas mensalmente pela empreiteira, no primeiro dia útil do mês seguinte à realização dos trabalhos e as respetivas quantias pagas 60 dias após a entrada da fatura, nos escritórios da empreiteira, acompanhada da respectiva nota de encomenda, sendo que a factura teria de ser entregue à empreiteira no prazo máximo de oito dias, após a realização da medição dos trabalhos executados pela subempreiteira; “
7 - No âmbito do referido acordo, a Autora forneceu à Ré materiais de construção civil, que aplicou na execução dos trabalhos da obra de remodelação e requalificação da Escola Básica 1, nas quantidades e preços constantes das seguintes faturas:
- fatura nº 145, no montante de € 6.567,22, com data de 20/12/2013,
- fatura nº 146, no montante de € 3.060,55, com data de 20/12/2013,
- Fatura nº 149, no montante de € 14.840,53, com data de 20/01/2014,
- Fatura nº 156, no montante de € 27.176,73, com data de 20/02/2014, no valor total de € 51.645,03.
8 - As faturas tinham data de pagamento a 90 dias.
9 - A Ré não efetuou qualquer pagamento por conta dos valores titulados pelas faturas.
10 - Os autos de medição dos trabalhos executados juntos de fls. 40 a 41, 42 a 43v, 44v a 46 dos autos, que se dão por reproduzidos, em correspondência com as faturas a que se alude no ponto 7, foram elaborados em conjunto com a Autora e o Diretor de Obra da Ré, em sinal de conformidade dos trabalhos até então efetuados.
11 - Dada a falta de disponibilidade financeira para a liquidação das faturas, concernentes aos trabalhos até então executados, a Autora parou a execução do resto dos trabalhos, não tendo instalado o sistema de microgeração.
12 - Em 11 de Março de 2014, a Ré apresentou-se a Plano Especial de Revitalização, que correu seus termos seus termos sob o n.º 353/14.3TBAMT, na Instância Central de Amarante, Juízo do Comércio – J2, Amarante, da Comarca do Porto Este.
13 - O que comunicou a Autora através de carta datada de 13 de Março de 2014.
14 - A Autora deduziu reclamação dos créditos a que se alude no ponto 7) no processo de PER, porém, depois do decurso do prazo de reclamação, não tendo tais créditos sido contemplados na lista de credores.
15 - O Processo Especial de Revitalização findou com a homologação do plano por sentença, devidamente transitada em julgado no dia 28/11/2014.
16 - O Plano de Revitalização, relativamente aos créditos comuns, prevê no ponto A3, o perdão dos juros de mora e a fixação de um período de carência correspondente a 24 meses (a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação), com a amortização do capital a ocorrer em prestações no seguintes moldes: a) 70% do crédito será pago em 30 prestações semestrais e sucessivas, de igual valor, vencendo a primeira no final do 1º semestre, após o término do período de carência; b) Os restantes 30% de capital em dívida serão liquidados, no prazo de 90 dias, após o fim do plano prestacional identificado na alínea anterior, através de uma prestação única.
Considerou-se na sentença que «[n]enhuns outros factos relevantes para a decisão da causa se provaram, sendo os que com estes se revelam incompatíveis e, nomeadamente, com pertinência, não ficou demonstrado que a Ré nada deve a Autora».

Da impugnação da matéria de facto
Parece decorrer da conclusão 66[1] que a ré/recorrente pretende impugnar a factualidade constante do ponto 9 dos factos provados, que é a seguinte: «[a] Ré não efetuou qualquer pagamento por conta dos valores titulados pelas faturas».
Estão em causa as faturas discriminadas no ponto 7 dos factos provados, no valor total de € 51.645,03.
O exercício efetivo pelo Tribunal da Relação do duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, incluindo a eventual reapreciação de depoimentos gravados, prestados oralmente na audiência de discussão e julgamento, à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607º, nº 5, ex vi do artigo 663º, nº 2, do CPC, tem como contrapartida a imposição aos recorrentes de um rigoroso ónus de impugnação por forma a impedir que «a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» .
Daí dispor o artigo 640º do CPC que:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Ora, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, não indicou a recorrente um único concreto meio de prova, constante do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que devesse impor decisão diversa, incumprindo assim de forma ostensiva o ónus previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 640º do CPC.
A inobservância, por parte da recorrente, do aludido ónus, determina a imediata rejeição do recurso no tocante à (aparente) impugnação da matéria de facto, pelo que nenhuma alteração será feita à decisão sobre tal matéria proferida pela 1ª instância.

Do não conhecimento da exceção de não cumprimento do contrato
A factualidade provada diz-nos que a ré, na qualidade de empreiteira, teve a seu cargo a obra de remodelação e requalificação da escola Básica 1, …, em Setúbal e, no decurso dessa empreitada, celebrou com a sociedade L…, Lda., um outro contrato, de subempreitada, por forma a que a esta executasse, em seu lugar, parte daquela obra mediante o pagamento de um preço.
Também está assente que, posteriormente, a autora mediante a celebração de um contrato de cessão da posição contratual assumiu a posição da referida sociedade, tendo realizado determinados trabalhos que faturou à ré, e que até a presente data esta não pagou, sendo que in casu o preço devia ser pago à medida que os trabalhos fossem executados.
Não existe dissídio entre as partes quanto à qualificação da relação jurídico-contratual a que se vincularam.
Entre a ré, empreiteira da referida obra e a sociedade Ligação Fundamental, Lda., foi celebrado um contrato de subempreitada, sendo que posteriormente a autora assumiu no contrato a posição desta sociedade, em virtude da cessão da posição contratual a que se alude no ponto 4 dos factos provados.
A subempreitada, tal como acontece com respeito à empreitada, também encontra uma definição legal (artigo 1213º, nº 1. do CC), da qual se depreende que são pressupostos deste negócio jurídico: a existência de um contrato prévio, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se vincula a realizar uma obra; e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da obra.
Podemos assim definir a subempreitada como o contrato subordinado a um negócio jurídico precedente. Nas palavras de Pedro Romano Martinez[2], é uma empreitada de “segunda mão”, que entra na categoria geral do subcontrato[3], e em que o subempreiteiro se apresenta como um “empreiteiro do empreiteiro”, também adstrito a uma obrigação de resultado.
Defende a recorrente que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a exceção de não cumprimento do contrato, a qual vem regulada no artigo 428º do Código Civil que estatui do seguinte modo:
«1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.»
A exceptio non adimpleti contractus constitui uma exceção perentória de direito material, cujo objetivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo – tipicamente – no contexto de contratos bilaterais, quer haja incumprimento ou cumprimento defeituoso[4].
«A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral.
Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (cfr., quanto ao caso de falência de um dos contraentes, o disposto no art. 1196.° do Cód. Proc. Civil).
E vale tanto para o caso de falta inte­gral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consa­grado nos artigos 227.º e 762.º, nº [5].
Também, a propósito deste princípio legal, escreveu o Prof. João Calvão da Silva[6]:
«Processualmente, o demandado a quem se exija o cumprimento tem de invocar a exceptio, que não é de conhecimento oficioso. Trata-se, efectivamente, de uma excepção sensu proprio e strito sensu (Einrede, na terminologia alemã), correspondente às exceptiones iuris da doutrina romanista, cuja relevância e eficácia só operam por vontade do excipiens, não podendo o juiz conhecer dela ex officio. Logo, se não opõe a exceptio, o demandado será condenado.
Trata-se, ainda, de uma excepção material, porque corolário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra. Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumprimento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevalecendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra.
É, portanto, uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo...”.
No caso em apreço, a ré/recorrente não invocou expressamente a exceção, só o fazendo agora em sede de alegações, pelo que bem poderia não se conhecer desta questão, sabendo-se que os recursos se destinam a reexaminar ou sindicar a decisão recorrida e não a criar decisões sobre matéria nova.
Seja como for, não deixou a recorrente de referir na contestação não terem os trabalhos de instalação de equipamentos de microgeração (painéis fotovoltaicos) sido realizados, pelo que não deixará de se conhecer a questão.
Diga-se, a propósito, que esta mesma questão foi já apreciada e decidida no processo 104874/16.9YIPRT do Juízo Local Cível de Setúbal-Juiz 1, com as mesmas partes, na qualidade de autora e ré, tendo a respetiva sentença, já transitada em julgado, sido junta aos autos como documento 3 do requerimento da autora de 22.06.2020 (referência citius 5154197), da qual destacamos as seguintes passagens.
«Foi considerado como não provado o facto sob a alínea a), porquanto não logrou a R. demonstrar que a A. não tivesse concluído os trabalhos contratados e em prazo. Na verdade, relativamente à microgeração, que cabia à R. provar, nos termos do art. 342.º do CC, é verdade que consta do contrato, mas também é verdade que a A. não facturou este trabalho porque não o executou, conforme solicitação expressa da R. para o não fazer, o que foi confirmado quer pelas testemunhas da A., quer pela testemunha da R..
(…).
Veio a R. invocar a excepção de não cumprimento, porquanto a A.. não executou a totalidade dos trabalhos nem os executou no prazo acordado.
(…).
Por se tratar de excepção, era à R. que cabia provar que a A. não cumpriu a obrigação a que se vinculou ou que não a cumpriu no prazo acordado, cfr. art. 342.º do CC, o que não logrou fazer, pelo que não procede a excepção invocada. Na verdade, a A. não instalou a microgeração, porque a R. a informou que não deveria executar esse trabalho porquanto odono de obra, a Câmara Municipal, tratou de o fazer por si. Ora, se não cumpriu, a A. fê-lo porque a R. o solicitou, sendo certo que não cobrou tais trabalhos na factura que agora reclama.»
E, contrariamente ao alegado pela recorrente, a sentença recorrida não deixou de se pronunciar sobre tal matéria, aí se escrevendo:
«A empreitada caracteriza-se por ser um contrato sinalagmático visto que dá lugar a prestações recíprocas ou correlativas, sendo uma o motivo determinante da outra: a obrigação de executar a obra e o pagamento do preço. Nos contratos sinalagmáticos verifica-se reciprocidade entre as prestações de ambas as partes, o que implica que, por força do sinalagma funcional, não deva permitir-se a execução de uma das prestações sem que a outra também o seja.
(…)
Tal como resulta da factualidade provada a Ré obrigou-se a efetuar o pagamento do preço dos trabalhos objeto da subempreitada por referência aos autos de medição mensais, concernente aos trabalhos então realizados e referidos nesses documentos, elaborados pelas partes. Mais, está provado que a Ré não efetuou o pagamento das faturas emitidas pela Autora, em correspondência com os autos de medição que foram aprovados pelo diretor de obra, em representação da Ré, no âmbito do contrato que havia celebrado no exercício da sua atividade com a Autora, sem que se possa assacar à outra parte qualquer comportamento violador do princípio da boa-fé imposto pelo art. 762º, nº. 2 do Cód. Civil.
(…)
De salientar que o sistema de microgeração não foi aplicado na obra, no entanto, a Autora também não cobrou tais trabalhos nas faturas reclamadas nos presentes autos.»
Por sua vez, parece decorrer da alegação da recorrente (pontos 35 a 37 do corpo alegatório) que a falta de pagamento das faturas em causa - todas datadas de final de 2013 e início de 2014 e respeitantes a trabalhos realizados e recebidos -, pode ser justificada pela não instalação do equipamento de microgeração em data posterior a 29 de março de 2016 (dois anos depois), o que resulta de todo incompreensível.
Atenta a factualidade apurada, não sofre dúvidas que o contrato de subempreitada dos autos era um contrato de execução fracionada[7], pelo que sempre poderia o devedor (autora), recusar a realização de fração da sua prestação por o credor não cumprir a fração que lhe correspondesse. A invocação da exceção de não cumprimento do contrato, existindo vencimentos diferentes, não pode ser oposta pelo contraente que deveria cumprir primeiro, no caso concreto a recorrente, que deixou de pagar as faturas vencidas.
Escreve a este propósito Ana Taveira da Fonseca[8]:
«Também não se duvida que, num contrato de execução fraccionada, o devedor pode recusar a realização da sua fracção da prestação por o credor não cumprir a fracção correspondente ou que, num contrato de execução continuada ou sucessiva, o devedor pode recusar o cumprimento de uma prestação até à contraprestação correspectiva ser realizada, quando num caso e noutro o cumprimento deva ser realizado em simultâneo.
[…].
Em suma, o contrato seja ele de execução instantânea, fraccionada, continuada ou sucessiva tem que ser visto como um todo, pelo que o incumprimento de parte da prestação principal deve conferir direito à outra parte a suspender as prestações seguintes, desde que tal não viole o princípio da boa fé.»
Não pode, pois, deixar de se considerar inválida a invocação da exceção de não cumprimento do contrato pela ré/recorrente.

Do pagamento parcial da dívida
Na conclusão 81 diz a recorrente que conforme documento junto com a contestação como Documento 2, a mesma já procedeu ao pagamento da quantia de € 482,04, o qual não foi considerado pelo Tribunal a quo no apuramento do montante em dívida.
A recorrente alegou no artigo 51º da contestação que se considerou «notificada e liquidou as prestações do PER em pagamento, por transferência bancária, no dia 18.04.2019», juntando o referido documento, correspondente a quatro pagamentos de € 120,51, o que perfaz o referido montante de € 482,04, pagamentos esses que, aliás, não foram impugnados pela autora/recorrida.
Assim, devia o facto correspondente ao pagamento da referida quantia ter sido considerado na sentença recorrida, subtraindo-se ao valor total da dívida o montante de € 482,04, sendo irrelevante que tal pagamento tenha ocorrido depois da citação, como sustenta a recorrida.
Assim, o valor total em dívida é de € 51.162,99 (€ 51.645,03 - € 482,04).
Relativamente aos juros de mora, que são devidos desde a data da citação (21.03.2019)[9], incidirão sobre o valor de € 51.645,03 até à data dos pagamentos acima referidos, que tiveram lugar em 18.04.2019, e sobre o valor de € 51.162,99 a partir de 19.04.2019.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se a ré no pagamento à autora da quantia de € 51.162,99, acrescida de juros de mora desde a citação, às taxas supletivas para os juros comerciais sucessivamente vigentes e as que venham a vigorar até integral pagamento, e contados nos termos acima referidos, mantendo no mais a sentença recorrida.
Custas a cargo de autora e ré na proporção do decaimento.

*
Évora, 29 de abril de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)

Manuel Bargado (relator)
Tomé Ramião (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)
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[1] As conclusões do recurso iniciaram-se no número 54.

[2] O subcontrato, Almedina, 1989, pp.185 e ss.

[3] Luís Carvalho Fernandes, Da Subempreitada, Direito e Justiça, Vol. XII (1998), pp.79 e ss.

[4] Cfr. Acórdão do STJ de 20.11.2012, proc.114/09.1.TBMTR.P1.S1, in www.dgsi.pt.

[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, p. 381.

[6] In Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Separata do Volume XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 334.

[7] Cfr. ponto 6 dos factos provados.

[8] Da Recusa de Cumprimento da Obrigação para Tutela do Direito de Crédito-Em Especial Na Excepção de Não Cumprimento, No Direito de Retenção e Na Compensação, Almedina -Teses - Maio 201, pp. 171 e 175/7, citada no Acórdão do STJ de 16.06.2015, proc. 3309/08.1TJVNF.G1.S1, in www.dgsi.pt.

[9] Cfr. aviso de receção (ref.ª Citius 4271038).