ESTADO DE EMERGÊNCIA
SUSPENSÃO DE PRAZO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INQUÉRITO PRÉVIO
FACTO CONTINUADO
Sumário


i) da conjugação das diversas normas do art.º 7.º da Lei n.º I-A/2020, de 19.03 e depois na redação conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04, não resulta que o legislador pretendesse incluir na suspensão prazos relativos a processos ou procedimentos de entidades diferentes daquelas que menciona, daí que não possa aplicar-se-lhes tal suspensão pela via de interpretação extensiva.
ii) o procedimento de inquérito prévio só interrompe a contagem do prazo de caducidade previsto no artigo 329.º n.º 2 do CT se estiverem presentes quatro requisitos cumulativos:
- Tem que ser necessário para averiguar os factos que devem constar da nota de culpa;
- Tem que iniciar-se nos 30 dias seguintes à suspeita dos factos a averiguar;
- Tem de ser conduzido de forma diligente; e
- A nota de culpa tem de ser notificada até 30 dias após a conclusão do inquérito prévio.
iii) não há necessidade de procedimento de inquérito prévio se a conduta do trabalhador consiste em faltas seguidas dadas ao trabalho, objetivamente verificáveis e determinadas.
iv) a eventual violação do dever do trabalhador prestar informações à empregadora consuma-se no momento em que este deixa de o fazer e não constitui conduta continuada para efeitos de contagem do prazo para instauração de procedimento disciplinar. (sumário do relator)

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: Associação… (ré).
Apelado: P… (autor).
Tribunal da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Faro, J2.

1. O tribunal recorrido proferiu o despacho seguinte:
“Da exceção da caducidade do exercício da ação disciplinar deduzida pelo trabalhador:
Alega o trabalhador que quando a nota de culpa lhe foi entregue, no dia 12 de agosto de 2020, já tinha ocorrido a caducidade do procedimento disciplinar em relação aos factos que lhe são imputados pela entidade patronal ocorridos anteriormente a 13 de junho de 2020, atendendo ao disposto no art.º 329.º. 1, do Código do Trabalho (diploma a que pertencem as normas legais doravante citadas sem menção de origem).
Alega o trabalhador para o efeito, e em suma, que:
1º Os factos constantes na nota de culpa reportam:
a) ao ano de 2019;
b) a faltas ocorridas entre 17 e 31 de março de 2020;
c) ao período ocorrido entre 1 a 5 de junho de 2020; e
d) ao período ocorrido entre 3 a 7 de agosto de 2020.
2º A entidade patronal decidiu em 31 de março de 2020 instaurar processo disciplinar com intenção de proceder ao despedimento com justa causa, tendo determinado a abertura de procedimento prévio de inquérito nos termos do art.º 352.º para averiguação dos factos indiciados, fixando um prazo de 30 dias para a elaboração da nota de culpa e comunicação desta ao trabalhador, começando referido prazo a contar do termo do período extraordinário que impôs a suspensão dos procedimentos disciplinares em resultado da pandemia decretada.
3º Os prazos de caducidade e prescrição são os que têm de ser praticados em juízo, o que não é o caso dos procedimentos do processo disciplinar laboral.
4º Não se ignora o disposto no art.º 352.º, mas para que ocorra a interrupção aqui prevista é necessário que o processo prévio de inquérito se revele necessário à fundamentação da nota de culpa, que seja conduzido de forma diligente, que se tenha iniciado dentro dos trinta dias subsequentes ao conhecimento da suspeita de comportamentos irregulares e que a nota de culpa seja notificada ao arguido no prazo de trinta dias contados desde a conclusão das averiguações.
5º Sucede que a Direção da entidade patronal já tinha pleno conhecimento dos motivos das faltas do trabalhador após o seu regresso de férias, entre 16 e 29 de março de 2020, designadamente a declaração para efeitos de isolamento profilático, sendo que informa que considera as mesmas injustificadas, pelo que o inquérito não era necessário para fundamentar a nota de culpa.
6º Consequentemente o processo prévio de inquérito não interrompeu o prazo de caducidade do direito da entidade patronal a instaurar o procedimento disciplinar por aqueles factos.
7º Não deixa de ser curioso que a Direção da entidade patronal tenha desde logo tomado uma decisão de realizar inquérito prévio ainda antes de nomear os instrutores, quando o “normal” seria decidir a instauração do procedimento disciplinar e nomear os instrutores, cabendo a estes a decisão da realização do inquérito prévio.
8º Acresce que o inquérito não decorreu com a diligência normal, na medida em que se arrastou entre 4 de junho e 10 de agosto de 2020, sem qualquer justificação ou impedimento por parte do instrutor.
9º Não colhendo a justificação com o surto de Covid no concelho de Reguengos de Monsaraz para que a diligência de inquirição do presidente da Direção da entidade patronal ocorresse 22 dias depois e por teleconferência, quando este se encontrava presente na instituição no dia 4 de junho de 2020, como resulta das suas declarações a fls. 105 do processo disciplinar “quando o depoente o foi chamar”.
10º A eventual “conveniência” do instrutor não se compadece com a diligência com que o inquérito se deve desenvolver.
11º Sendo que essa inquirição versou em primeiro lugar sobre as faltas no período do isolamento profilático do trabalhador, situação que já estava provada documentalmente no processo disciplinar.
12º São por demais evidentes os expedientes meramente dilatórios a que se recorreu na instrução do processo, que de forma alguma cumprem o requisito de “diligência na instrução do processo”.
Notificada, veio a entidade patronal responder, pugnando pela inexistência de qualquer caducidade da ação disciplinar.
Para tanto alega a entidade patronal, e em suma, que:
1º A interpretação feita pelo trabalhador no sentido de que o normativo constante do n.º 3 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020 que estabelece a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade a partir do dia 9 de março de 2020, resultante da pandemia COVID 19, só se aplica aos processos e procedimentos que têm de ser praticados em juízo e não aos procedimentos disciplinares do foro laboral privado, é contrariada, desde logo, pelo elemento literal da norma.
2º Efetivamente, nesta se determina expressamente que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
3º Mas se o elemento literal da norma não fosse por si só suficiente para concluir que a interpretação do autor não faz qualquer sentido, o elemento sistemático confirma-o.
4º Nessa mesma lei o legislador especificou os concretos processos ou procedimentos sujeitos ao seu regime, concretizando exaustivamente, por exemplo no n.º 1 do art.º 7.º, os processos que estavam sujeitos ao regime das férias judiciais.
5º Assim dita o citado artigo, que sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.
6º É assim notório que o legislador quando quis incluir ou excluir determinados processos de um regime jurídico, se deu ao trabalho de os descrever ou excluir expressa e detalhadamente.
7º Logo, quando escreveu “todos” no n.º 3 do art.º 7.º, queria mesmo incluir todos os processos e procedimentos e não só os que tivessem que ser praticados em juízo.
8º E ainda salvaguardou no seu n.º 4 que o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
9º Dir-se-á que o fez precisamente para evitar interpretações como a que o trabalhador fez.
10º Alega ainda o trabalhador que o processo prévio de inquérito não era necessário para fundamentar a nota de culpa e, por isso, não teve o condão de interromper o prazo de caducidade estabelecido no art.º 329.º, 1, mas, com o devido respeito, não lhe assiste razão.
11º Desde logo, porque se tratava de um processo disciplinar que visava o despedimento com justa causa, que é a sanção mais grave que pode ser aplicada no exercício da ação disciplinar, sendo que essa sanção obedece a requisitos muito próprios, dos quais se destaca a necessidade de que a conduta do trabalhador se revele culposa e muito grave.
12º Este primeiro requisito exige, por sua vez, que seja realizado um apuramento profundo e rigoroso das circunstâncias que rodeiam os comportamentos do trabalhador, que demanda, igualmente, que a entidade patronal ouça as pessoas envolvidas nas situações, como foi o caso, tendo sido inquiridas as testemunhas N…, F… e S….
13º O relato escrito de um determinado acontecimento testemunhado por uma pessoa pode omitir factos relevantes, designadamente para aferir da culpa do trabalhador e, por esta razão, entendeu a entidade patronal que devia inquirir as várias testemunhas dos factos, para esmiuçar, pormenorizar e circunstanciar os factos, para com grau de certeza grande poder imputar a conduta ao arguido com a gravidade que ele efetivamente veio a ter.
14º Para o efeito, aliás, encarregou advogados da instrução desse processo de inquérito, que são conhecedores dos requisitos jurídicos, quer formais, quer materiais, para que se preencha a noção de justa causa de despedimento.
15º Acresce que na pendência do processo de inquérito foram apurados novos factos que não constavam dos documentos, designadamente das cartas e dos autos de ocorrência, e que não podem ser dissociados das condutas anteriores do arguido para o resultado final que culminou na aplicação da sanção mais gravosa, uma vez que é o comportamento do arguido no seu todo que revela e impõe a conclusão de que a manutenção da relação laboral se revela manifestamente impossível.
16º Também não é displicente considerar que os meses de julho e agosto, durante os quais decorreu o inquérito, são meses de gozo de férias por vários trabalhadores da instituição e dos próprios membros da Direção, o que logicamente dificultou a recolha dos meios de prova necessários a fundamentar e concretizar a nota de culpa.
17º Este facto, aliado a um período excecional de confinamento, paralisação dos serviços e adoção na própria entidade patronal de uma série de procedimentos relativos ao seu funcionamento decorrentes da pandemia que assolou o país e o mundo, provam inequivocamente que o processo de inquérito foi realizado de forma célere e expedita e foi, consequentemente, fundamental para o cumprimento estrito e rigoroso de todos os requisitos materiais e formais da justa causa do despedimento do ora autor.
Cumpre decidir, sendo que importa apreciar se a suspensão do prazo de caducidade prevista no art.º 7.º, 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março tem aplicação ao caso dos autos, mais precisamente ao prazo de caducidade, previsto no n.º 2 do art.º 329.º, e se a instauração de processo prévio de inquérito interrompeu, in casu, o aludido prazo.
Prevê-se no art.º 329.º, 2, que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.
Compreende-se o sentido e alcance deste prazo porquanto, sabedora a entidade empregadora de factos relevantes do ponto de vista disciplinar, não é lícito que mantenha indefinidamente, e por reporte aos mesmos, a possibilidade de exercer o poder disciplinar sobre o trabalhador.
Assim sendo, por via da caducidade do exercício da ação disciplinar visa-se evitar que a perspetiva da punição de uma falta seja mantida como uma ameaça suspensa indefinidamente sobre o trabalhador em ordem a condicionar o comportamento deste.
Tal como nos ensina o Prof. Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, Reimpressão, pág. 757, “(…) o princípio da celeridade determina que, na instância disciplinar laboral, as medidas a tomar o sejam com rapidez. A pendência de conflitos disciplinares pode conduzir a deterioração das relações profissionais e humanas na empresa. Além disso, o decurso de um lato espaço de tempo entre uma infração e a sanção tira, a esta, o seu significado próprio”.
Caso a entidade patronal não exerça o poder disciplinar no referido prazo de 60 dias, é de presumir que não se interessou pelo mesmo no devido tempo ou que não reputou os factos de suficientemente graves que determinassem a instauração de processo disciplinar, pelo que se verifica a caducidade do direito ao exercício do referido poder.
Em termos processuais, e de acordo com aquelas que são as regras atinentes à distribuição do ónus da prova previstas no art.º 342.º do Código Civil, cabe ao trabalhador a alegação e a prova do decurso do prazo normal de caducidade (cf. n.º 1 da citada norma legal), impendendo sobre a entidade patronal o ónus de alegar e provar os factos que obstam à mesma, ou seja, factos impeditivos do decurso do aludido prazo e que permitam concluir que exerceu a ação disciplinar nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infração ou, pelo menos, da necessidade e do início do processo prévio de inquérito nos 30 dias subsequentes ao conhecimento ou suspeita da prática dos factos (cf. n.º 2 ainda do mesmo art.º 342.º do Código Civil).
Vistos os articulados das partes verifico que cada uma delas deu cumprimento aos ónus em apreço.
Com efeito, alega o trabalhador que a entidade patronal decidiu instaurar o processo disciplinar no dia 31 de março de 2020, mais alegando que a nota de culpa só lhe foi comunicada no dia 12 de agosto de 2020 (comunicação que interrompe o decurso do prazo de caducidade, nos termos do disposto no art.º 353.º, 3), data em que, atendendo ao disposto no art.º 329.º, 2, ao facto de o procedimento prévio de inquérito instaurado não ser necessário para a averiguação dos factos indiciados e ao facto de os prazos de caducidade apenas se referirem aos atos a praticar em juízo, o que não é o caso dos procedimentos do processo disciplinar laboral, já tinha ocorrido a caducidade do procedimento disciplinar em relação aos factos que lhe são imputados pela entidade patronal ocorridos anteriormente a 13 de junho de 2020.
Por sua vez, alega a entidade patronal para sustentar a sua posição, que existe uma causa legal de suspensão do prazo de caducidade prevista no art.º 7.º, 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, mais invocando a necessidade da instauração do processo prévio de inquérito, que interrompeu o aludido prazo (refira-se que o processo prévio de inquérito, sendo necessário para fundamentar a nota de culpa, interrompe a contagem do prazo de caducidade estabelecido no n.º 2 do art.º 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo, todo conforme preceitua o art.º 352.º).
Uma vez que a entidade patronal não põe em causa as datas referidas pelo trabalhador quanto à decisão de instaurar o processo disciplinar e o processo prévio de inquérito, assim como a duração deste, e quanto à decisão de comunicação da nota de culpa, datas que, aliás, resultam do procedimento disciplinar junto aos autos, temos as mesmas como assentes.
Deste modo, impõe-se apreciar as causas de interrupção do prazo de caducidade invocadas pela entidade patronal, sendo certo que quando determinou a abertura de procedimento prévio de inquérito para averiguação dos factos indiciados, fixou desde logo um prazo de 30 dias para a elaboração da nota de culpa e comunicação desta ao trabalhador, e consignou que a contagem do referido prazo iniciar-se-ia no termo do período extraordinário que impôs a suspensão dos procedimentos disciplinares em resultado da pandemia decretada.
Ou seja, do ponto de vista da entidade patronal, quando decidiu instaurar o processo prévio de inquérito em 31 de março de 2020, já o prazo de caducidade previsto no art.º 329º, 2, estava suspenso, por força do disposto no art.º 7.º, 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, cujos efeitos se produziram a partir do dia 9 do referido mês, conforme preceituado no art.º 6.º, 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril (e que veio a ser revogado pelo art.º 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio), por entender que esta norma tinha aplicação a todos os tipos de processos e procedimentos, o que incluía os processos disciplinares laborais, posição com a qual o trabalhador não concorda por entender que a aludida suspensão não era aplicável aos procedimentos do processo disciplinar laboral mas tão-só aos processos de natureza judicial.
Apreciemos esta questão, conscientes da dificuldade que tal acarreta, conforme nos avisou José Joaquim Fernandes Oliveira Martins (Juiz de Direito) no artigo “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março – uma primeira leitura e notas práticas”, disponível na Revista Julgar Online, de março de 2020, quando escreveu, referindo-se ao art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que “Trata-se de um normativo, tal como o seguinte, que vai levantar grandes dificuldades, visando criar uma nova causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade, impedindo que as mesmas se verifiquem por mero efeito da situação de pandemia existente, mas fazendo-o de uma forma que suscita mais dúvidas do que certezas.”.
Dizia-nos então o art.º 7.º, 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública, constituía causa de suspensão dos prazos de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, sendo que de acordo com o seu n.º 4, o disposto no n.º 3 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
Esta norma surgiu como uma exceção legalmente admissível, atendendo ao disposto no art.º 328.º do Código Civil, segundo o qual a caducidade não se suspende nem interrompe a não ser nos casos em que a lei o determine.
No que tange ao seu espectro de aplicação, verificamos que, apesar do seu curto período de vida, muitos autores se pronunciaram, quiçá por força da situação de exceção que motivou o seu surgimento, isto é, a situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e que tantas implicações teve no funcionamento dos vários sectores da sociedade portuguesa e também, obviamente, no sector da justiça.
A preocupação do legislador com o sector da justiça está bem patente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, cujo conteúdo passou a fazer parte integrante da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (cfr. art.º 2.º), onde pode ler-se que “Atendendo à emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, bem como à classificação do vírus como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020, importa acautelar, estrategicamente, a previsão de normas de contingência para a epidemia SARS-CoV-2, e, bem assim, assegurar o tratamento da doença COVID-19 no Serviço Nacional de Saúde (SNS), através de um regime legal adequado a esta realidade excecional, em especial no que respeita a matéria de contratação pública e de recursos humanos. A situação excecional que se vive no momento atual e a proliferação de casos registados de contágio de COVID-19 exige a aplicação de medidas extraordinárias e de caráter urgente. (…). Por outro lado, o Governo considera que é necessário aprovar um conjunto de medidas, atentos os constrangimentos causados no desenvolvimento da atividade judicial e administrativa. Importa, por isso, acautelar estas circunstâncias através do estabelecimento de um regime específico de justo impedimento e de suspensão de prazos processuais e procedimentais sempre que o impedimento ou o encerramento de instalações seja determinado por decisão de autoridade de saúde ou de outra autoridade pública.”.
Assim, defende o Ilustre Advogado Paulo Pimenta, no artigo “Prazos, diligências, processos e procedimentos em época de emergência de saúde pública (DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e Lei n.º 4-A/2020, de 6 abril)”, publicado em https://www.direitoemdia.pt/magazine/show/68, que o disposto na norma em analisar apenas tem aplicação aos prazos que impliquem uma concreta iniciativa processual.
Com efeito, pode ler-se no referido artigo que “Nesta conformidade, enquanto durar a situação de exceção, não haverá necessidade de instaurar processos ou procedimentos para evitar a prescrição ou a caducidade, sendo que os respetivos prazos retomarão a sua contagem assim que findar a dita situação de exceção. Importa salientar que o sentido da lei, e a suspensão opera somente quanto a esses prazos, é o de acautelar casos em que o exercício do direito implica a instauração de um processo ou um procedimento, isto é, implica uma concreta iniciativa processual.”.
E continua este autor dizendo que “Em contraposição, estão excluídos da previsão da Lei prazos cuja observância não careça de uma iniciativa processual, não havendo aí lugar a qualquer suspensão (sem prejuízo, bem entendido, de outros diplomas ou disposições que, em concreto, consagrem soluções passíveis de gerar a suspensão de certos prazos ou um efeito prático similar).”.
Por seu turno, a S.rª Juíza Desembargadora e Docente do Centro de Estudos Judiciários, Sílvia Saraiva, no artigo “Acesso ao direito e aos tribunais, no contexto da pandemia COVID-19”, in Caderno Especial do CEJ: Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça, defende que “Claramente, o intuito do legislador é o de salvaguardar os prazos de prescrição e de caducidade ligados unicamente ao contexto da pandemia, acautelando os casos em que o exercício do direito implica a instauração de um processo ou um procedimento, isto é, implica uma concreta iniciativa processual. Assim, durante o período de exceção, quer os prazos ainda em curso, quer os que, porventura, se iniciem ou se finalizem, nas situações em que o pleito ainda não tenha sido introduzido previamente em juízo, encontram-se suspensos, retomando-se a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade, logo que seja declarado cessado o termo da situação excecional, em obediência ao disposto no artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.”.
Concretizando esta posição no que à jurisdição do trabalho respeita, diz-nos esta autora que a suspensão abrange “- Os atinentes ao prazo de prescrição previsto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, em que o meio processual próprio é o processo declarativo comum (vulgo, ações emergentes de contrato de trabalho); - Na ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento (artigo 98.º-C do CPT), em que o direito e ação está sujeito ao prazo de caducidade de 60 dias (artigo 387.º, n.º 2); - Na ação de impugnação de despedimento coletivo, a qual deve ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato (artigo 388.º, n.º 2); - O prazo de prescrição e de caducidade contido no artigo 179.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais); - Os prazos de prescrição e de caducidade que constam em matéria de contraordenações laborais (Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT), e de segurança social (Instituto da Segurança Social, I.P – ISS, I.P), na Lei n.º 107/2009, de 16 de setembro”.
Porém, interroga-se Sílvia Saraiva se os prazos do procedimento disciplinar e de prescrição contidos no art.º 329.º, 1, 2 e 3, aplicáveis aos procedimentos sancionatórios disciplinares do empregador privado estarão contemplados na previsão normativa contida no art.º 7.º, 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Em resposta à sua própria questão diz-nos Sílvia Saraiva que “(…) o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito (para além, dos fundamentos gerais contidos no artigo 381.º, n.º 1), se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respetivo procedimento for inválido. Ora, sob pena de violação do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, perfilhamos o entendimento que tal suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade também se deve estender aos processos sancionatórios disciplinares dos particulares.
Com efeito, no n.º 6 do artigo 329.º, encontram-se consagrados os direitos de audiência e defesa prévia do trabalhador, ou seja, previne-se que qualquer tipo de sanção disciplinar seja aplicada ao trabalhador sem que seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade. Designadamente, o da prescrição do procedimento, e da coima, previstos, respetivamente, nos artigos 52.º e 55.º, do mencionado diploma legal, e, bem assim, o prazo de 20 dias para a apresentação da impugnação judicial (artigo 33.º, n.º 2).”.
Admite, contudo, Sílvia Saraiva que “o prazo de 30 dias para proferir a decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador, previsto no artigo 357.º, n.º 1, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção, por não ser desnecessário, em princípio, qualquer contacto social, inexistindo, assim, o risco de contágio, não seja abrangido pela suspensão prevista nos nºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março.”.
E continua dizendo que “Nos termos do artigo 355.º, n.º 1, o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para a consulta o processo e responder à nota de culpa, solicitando as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para a descoberta da verdade. E, nos termos do artigo 356.º, n.º 1, o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito. Chama-se ainda a atenção, para o facto, de especificamente, no que tange à sanção de despedimento individual imputável ao trabalhador, por força do que dispõe o artigo 382.º, n.º 2, alínea c), o procedimento disciplinar é ainda inválido se: “Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa”, e será um despedimento irregular, nos termos do artigo 389.º, n.º 2, quando fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 356.º. Em suma, se o fim último que se pretende obter com a adoção de tais medidas excecionais é o da prevenção da doença, contenção da pandemia, e salvar vidas, em plena harmonia com os constrangimentos decorrentes das regras sanitárias emitidas pelas autoridades públicas de saúde, e com o estado de emergência decretado, tais desideratos, só serão cabalmente acautelados, se aqui também, nesta sede, se considerarem suspensos os prazos de prescrição e de caducidade do procedimento sancionatório disciplinar dos empregadores privados, tal como ocorre, de resto, nosprocessos contraordenacionais.”.
No entanto, não é esta a posição defendida por Paulo Pimenta in “Prazos, diligências, processos e procedimentos em época de emergência de saúde pública (DL nº 10-A/2020, de 13 de março, Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, e Lei nº 4-A/2020, de 6 Abril)”, onde pode ler-se que “(…) este preceito não cobre os procedimentos disciplinares que tenham lugar nas relações de índole privada, cujos prazos não conhecerão, pois, qualquer suspensão.”.
Neste mesmo sentido vai José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, que no artigo “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março – uma primeira leitura e notas práticas” defende que a referida lei não é aplicável aos procedimentos disciplinares de particulares, mas admitindo que também no âmbito dos mesmos há uma evidente dificuldade em realizar diligências probatórias.
Já Luís Filipe Salabert, no artigo “Covid 19 e a sua interferência nos prazos processais”, in COVID 19 e o Direito, 1.ª Edição: Edições Universitárias Lusófonas, afirma sem reservas que “A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade não tem aplicação aos inquéritos disciplinares laborais em que sejam arguentes entidades privadas;”.
Pese embora não nos repugne a posição defendida por Sílvia Saraiva, tendemos a concordar com estes últimos autores.
Devemos neste momento fazer apelo ao disposto no art.º 9.º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, apesar de com ela dever ter um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo para o efeito recorrer-se à unidade do sistema jurídico, às circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas do tempo em que é aplicada, e tendo-se sempre presente que na fixação do seu sentido e alcance devemos presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Note-se ainda que estamos perante uma norma de cariz excecional e que, por isso, a mesma não comporta aplicação analógica, ou seja, se nela forem detetadas lacunas estas não podem resolver-se com recurso a casos análogos, porque assim o impede o art.º 11.º do Código Civil. Admite, porém, interpretação extensiva, isto é, pode ser interpretada de forma a que o seu alcance seja ampliado, passando a ser aplicada a situações que, à primeira vista, não seriam por ela abrangidas, sendo que estamos perante um caso em que o legislador terá dito menos do que queria.
Será esse o caso do n.º 3 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março?
O art.º 7.º desta Lei, que tem como epígrafe “Prazos e diligências”, dispunha no seu n.º 1 na redação original que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.”.
Esta norma veio a ser alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril (que não alterou os n.ºs 3 e 4), e passou a ter a seguinte redação: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.”.
Apesar da alteração feita a esta norma, verifico que em qualquer uma das duas versões é feita referência aos atos processuais e procedimentais a praticar no âmbito dos processos e procedimentos na mesma elencados.
Considerando a inserção sistemática da norma que agora no ocupa, constante do n.º 3 do art.º 7º, ou seja, inserida no mesmo artigo 7.º e, por isso, no seguimento do n.º 1 deste artigo, parece ser de concluir que naquele n.º 3 o legislador se quis referir à suspensão de todos os tipos de prazos para a prática de atos processuais e procedimentais a praticar no âmbito dos processos e procedimentos mencionados no n.º 1, ou seja, e não em quaisquer outros, nomeadamente nos procedimentos disciplinares a levar a cabo pelos empregadores privados.
Sílvia Saraiva refere também que o fim último do legislador, o de prevenir a doença, conter a pandemia e salvar vidas, só será cabalmente acautelado se também nesta sede se considerarem suspensos os prazos de caducidade do procedimento sancionatório disciplinar dos empregadores privados.
Apesar de esta posição fazer algum sentido tendo em conta as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, ou seja, em plena emergência e vigência da pandemia derivada da doença COVID 19, não nos parece, porém, que assim o permita a unidade do sistema jurídico conforme já referimos, ou que na letra da lei haja qualquer correspondência com a mesma.
Na verdade, nada mais fácil seria para o legislador do que consagrar expressamente a caducidade destes prazos, o que não fez, nem sequer de forma deficiente.
Em face do que ficou exposto e do preceituado no art.º 352.º, ainda que a instauração do processo prévio de inquérito tenha sido necessária, para que o início deste interrompesse a contagem do prazo de caducidade plasmado no art.º 329.º, 2, teria que ter ocorrido nos 60 dias subsequentes àquele em que a entidade patronal teve conhecimento da infração.
Vejamos se tal aconteceu.
Conforme resulta do procedimento disciplinar, os factos constantes na nota de culpa reportam-se ao ano de 2019, a faltas ocorridas entre 17 e 31 de março de 2020, ao período ocorrido entre 1 a 5 de junho de 2020 e ao período ocorrido entre 3 a 7 de agosto de 2020.
Considerando que a entidade patronal afirma que teve conhecimento no dia 25 de março das faltas do trabalhador ocorridas entre 17 e 31 de março de 2020 e que esta infração, sendo continuada terminou no dia 31 de março, e considerando ainda que em relação aos factos de 2019 o conhecimento foi certamente anterior, quando o processo prévio de inquérito teve o seu início, no dia 1 de junho de 2020 (cfr. fls. 78), já os 60 dias previstos no art.º 329.º, 2, que terminaram no dia 30 de maio de 2020, se mostravam ultrapassados.
Quer isto significar que em relação a estes factos o início do processo prévio de inquérito, sendo ou não necessária a sua instauração, não teve a virtualidade de interromper o decurso do prazo de caducidade e, assim sendo, julgo verificada a exceção da caducidade.
Como consequência, o despedimento com base nestes factos é ilícito, conforme dispõe o art.º 382.º, 1.
No que tange aos factos referentes ao período ocorrido entre 1 a 5 de junho de 2020, dado que o processo prévio de inquérito, que se iniciou em 1 de junho, terminou em 10 de agosto de 2020 (cfr. fls. 206) e a nota de culpa foi comunicada ao trabalhador no dia 12, para que se considere que este processo interrompeu a contagem do prazo de caducidade impõe-se determinar se o mesmo era necessário para fundamentar a nota de culpa e se foi conduzido de forma diligente.
Caso se conclua que não se verifica qualquer das situações, impõe-se concluir pela caducidade porquanto entre 5 de junho e 12 de agosto decorreram mais de 60 dias.
No entanto, o Tribunal não dispõe, no estado atual dos autos, de elementos que tomar decisões sobre a necessidade do processo prévio de inquérito para fundamentar a nota de culpa e se este foi conduzido de forma diligente, pelo que relega a questão da caducidade para final.
Por fim, no que tange aos factos relativos ao período ocorrido entre 3 e 7 de agosto de 2020, tendo a nota de culpa sido comunicada no dia 12 do mesmo mês, dúvidas não subsistem que não se verifica qualquer caducidade”.

2. Inconformada com o decidido, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou, com as conclusões que se seguem, após convite, aceite, para o seu aperfeiçoamento:
DO DESPACHO RECORRIDO
a) Vem a ré, recorrer do despacho saneador proferido nos autos por não se conformar com o mesmo e com o seu conteúdo;
b) Tendo presente que se considerou verificada a exceção de caducidade relativamente às faltas do trabalhador, aqui autor, ocorridas entre 17 e 31 de março de 2020 e aos factos ocorridos em 2019;
c) O presente recurso tem, portanto, como objeto, a incorreta aplicação do Direito.
DA ALEGADA CADUCIDADE
DA CRONOLOGIA TEMPORAL IN CASU
d) No dia 25 de março de 2020, através de e-mail remetido pelo autor, a Direção da recorrente, tomou conhecimento da sua ausência no posto de trabalho;
e) No dia 31 de março de 2020, a Direção da aqui recorrente, deliberou instaurar processo disciplinar ao autor – fls. 1 do processo disciplina;
f) No dia 3 de agosto de 2020, é comunicada a existência de novos factos, o Instrutor solicita a elaboração de relatório/informação escrita pela Instituição sobre estes novos factos num prazo que não deve ser superior a cinco dias úteis – fls. 135 do procedimento disciplinar;
g) No dia 10 de agosto de 2020, tendo resultado dos autos e das inquirições efetuadas prova suficiente da prática de mais do que uma infração disciplinar, determinou-se a elaboração de nota de culpa e sua notificação ao autor – fls. 136 a 159 do procedimento disciplinar;
h) No dia 12 de agosto de 2020, é notificada ao autor a nota de culpa – fl. 160 e 160-A do procedimento disciplinar;
i) No dia 26 de agosto de 2020, o autor apresentou resposta à nota de culpa, não requerendo diligências probatórias – fls. 161 e 162 do procedimento disciplinar;
j) Assim, foram respeitados o direito de resposta à nota de culpa e o prazo para o fazer, afastando-se a aplicação do art.º 382.º, n.º 2, alínea c), in fine, do CT;
k) No dia 15 de setembro de 2020, foi comunicada ao autor a decisão de despedimento, dela constando o relatório final elaborado pelos instrutores do processo disciplinar no dia anterior – fls. 163 a 223 do processo disciplinar.
DO CUMRPIMENTO DOS PRAZOS LEGAIS
l) A 19 de março de 2020 é publicada a Lei n.º 1-A/2020, ali dispondo, na norma do n.º 3 do art.º 7.º, que “a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”, incluindo processos disciplinares;
m) Nos termos do n.º 2 do art.º 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, que altera aquela Lei, fixando-lhe o início de produção de efeitos a 9 de março e da sua revogação operada pelo art.º 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que entrou em vigor a 3 de junho de 2020 (cf. art.º 10.º da Lei n.º 16/2020), a suspensão da prescrição e caducidade aplicou-se entre o período de 9 de março e 3 de junho de 2020;
n) Daqui resultando que todos os prazos relativos ao procedimento disciplinar em curso (re)iniciaram a sua contagem apenas a 3 de junho de 2020;
o) Nos termos do art.º 329.º, n.º 1 do CT o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime;
p) E o seu n.º 2 consigna que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração;
q) O art.º 352.º do Código de Trabalho estatui que caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do art.º 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo;
r) Houve, portanto, uma suspensão determinada por força do estado de exceção e uma interrupção determinada pelo procedimento prévio de inquérito;
s) Assim, quanto a comportamentos ocorridos a partir de março de 2020, encontrando-se os prazos suspensos e interrompendo-se antes mesmo do seu levantamento deve concluir-se que o poder disciplinar só prescreveria um ano após o término da interrupção, ou seja, a 10 de agosto de 2021 (cf. fl. 136 do processo disciplinar);
t) Quanto aos comportamentos de 2019 (ocultação de informação e procurar retirar benefício desse facto), estes mantiveram-se até ao momento do seu despedimento, tratando-se, portanto, de um ato contínuo;
u) Sendo que, sobre o prazo de prescrição de 1 ano aplicável nos termos do n.º 1 do art.º 329.º do CT, a jurisprudência tem entendido, invariavelmente no sentido de que, estando em causa uma infração continuada, a prescrição só começa a correr na data da prática do último ato integrador da infração;
v) Assim, relativamente ao cumprimento do prazo estabelecido no art.º 329º, n.º 2 do CT, deve entender-se ter o mesmo sido também integralmente cumprido;
w) Pois, efetivamente, a Direção da aqui recorrente (órgão colegial e o único com competência disciplinar) tomou conhecimento da existência de irregularidades no dia 25 de março de 2020, em reunião informal do mesmo órgão, reunindo depois formalmente a 31 de março (dia efetivo do seu conhecimento);
x) O processo de inquérito foi mandado instaurar no próprio dia do conhecimento das irregularidades, e, portanto, dentro do prazo de 30 dias após o seu conhecimento, interrompendo-se em regime de suspensão aquele prazo;
y) Neste dia, já estava suspenso o prazo de 60 dias para notificar o autor da nota de culpa, nos termos do art.º 352.º do CT;
z) O processo foi concluído em 10 de agosto de 2020, tendo o autor sido notificado da nota de culpa em dois dias, a 12 de agosto de 2020;
aa) Ou seja, menos de 30 dias depois da conclusão do processo, em cumprimento do determinado no art.º 352.º in fine do Código de Trabalho;
bb) E só nesse dia 10 de agosto de 2020, se pode considerar retomada a contagem do prazo de 60 dias para notificar o autor da nota de culpa, previsto no art.º 329.º, n.º 2 do CT;
cc) Que só terminaria, por isso, em 10 de outubro de 2020;
dd) O autor foi notificado da nota de culpa em 12 de agosto de 2020;
ee) Assim, o prazo foi manifestamente cumprido, sendo ainda acrescido da suspensão de todos os prazos relativos aos procedimentos inerentes;
ff) Esta é a única interpretação passível de ser feita in casu, pois recorrendo-se ao elemento literal e à ratio do n.º 3 do art.º 7.º da Lei 1-A/2020 de 19 de março facilmente se afere que se aplica aos processos disciplinares laborais;
gg) Neste sentido segue a Veneranda Juíza Desembargadora Sílvia Saraiva:
Ora, sob pena de violação do art.º 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa perfilhamos o entendimento que tal suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade também se deve estender aos processos sancionatórios disciplinares dos particulares.”
hh) Ou como impressivamente e de forma lapidar afirma a Veneranda Juíza Desembargadora “Em suma, se o fim último que se pretende obter com a adoção de tais medidas excecionais é o da prevenção da doença, contenção da pandemia, e salvar vidas, em plena harmonia com os constrangimentos decorrentes das regras sanitárias emitidas pelas autoridades públicas de saúde, e com o estado de emergência decretado, tais desideratos, só serão cabalmente acautelados, se aqui também, nesta sede, se considerarem suspensos os prazos de prescrição e de caducidade do procedimento sancionatório disciplinar dos empregadores privados, tal como ocorre, de resto, nos processos contraordenacionais.”
ii) Ousamos transcrever parte do despacho de que se recorre para concluir o nosso entendimento: “Devemos neste momento fazer apelo ao disposto no art.º 9.º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, apesar de com ela dever ter um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo para o efeito recorrer-se à unidade do sistema jurídico, às circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas do tempo em que é aplicada, e tendo-se sempre presente que na fixação do seu sentido e alcance devemos presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
jj) Seguindo esta linha de raciocínio:
a. Apelando à “unidade do sistema jurídico” não se poderá considerar que a suspensão não se aplicará a prazos como o que aqui se discute;
1 Centro de Estudos Judiciários, “Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça”, abril de 2020, p. 567 e 568.
b. Isto face às próprias “circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e tempos em que o principal foco seria o de restringir contactos e, por inerência, possíveis contaminações;
c. Sendo que fazer uma interpretação tão restritiva do n.º 3 do art.º 7.º da Lei 1-A/2020 como a que o douto despacho faz, seria desconsiderar que o “legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”;
d. Até porque, se de facto legislador quisesse essa restrição tê-la-ia prevista, tal como fez no n.º 1 do mesmo artigo.
kk) Portanto, encontrando-se os prazos suspensos e interrompendo-se antes mesmo do seu levantamento, deve concluir-se que o poder disciplinar não só não prescreveu ou caducou como o procedimento foi conduzido com a máxima celeridade legalmente possível;
ll) Assim o despacho recorrido violou as normas do art.º 352.º, n.º 1 do CT que estabelece a suspensão do prazo de dedução da nota de culpa se instaurado inquérito prévio como aconteceu in casu a 31 de março de 2020 e violou ainda a norma do art.º 7.º n.º 3 da Lei 1-A/2020 de 19 de março, que suspendeu todos os prazos de prescrição e caducidade.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas suprirão deve o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que considere improcedentes as exceções de caducidade que se consideraram verificadas in casu.

3. O autor não respondeu.

4. O Ministério Público junto desta Relação apôs o seu visto.

5. A recorrente foi convidada a apresentar conclusões concisas, uma vez que as que apresentava eram iguais à motivação, o que fez.

6. Dispensados os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

7. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões, e só por estas, as quais constituem a baliza dentro da qual o tribunal de recurso, neste caso a Relação, pode conhecer das questões aí contidas e não de outras, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
Questões a decidir:
- Apurar se o prazo do procedimento disciplinar está abrangido pela suspensão operada em relação aos processos e procedimentos referidos na legislação Covid 19;
- Inquérito prévio e a caducidade; e
- Continuidade dos factos relativos a 2019.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do despacho recorrido e do recurso apresentado.

B) APRECIAÇÃO

A questão colocada no recurso consiste em apurar se o procedimento disciplinar não caducou em relação às faltas do trabalhador dadas entre 17 e 31 de março de 2020 e aos factos ocorridos em 2019 (ocultação de informação e procurar retirar benefício desse facto), em virtude do prazo estar suspenso.
Abona três argumentos para a não verificação da caducidade:
- A suspensão do prazo procedimental nos termos da legislação Covid,
- A necessidade de inquérito; e
- A continuidade dos factos relativos a 2019.

B1) A suspensão do prazo

O art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, prescreve:

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.

2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

5 - Nos processos urgentes os prazos suspendem-se, salvo nas circunstâncias previstas nos n.ºs 8 e 9.

6 - O disposto no presente artigo aplica-se ainda, com as necessárias adaptações, a:

a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;

b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;

c) Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.

7 - Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.

8 - Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.

9 - No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.

10 - São suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.

11 - Após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020.

Por sua vez, a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, introduziu alterações ao artigo o art.º 7.º da Lei anterior, nos termos seguintes:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.
6 - Ficam também suspensos:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
7 - Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;
c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.
8 - Consideram-se também urgentes, para o efeito referido no número anterior:
a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual;
b) O serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na sua redação atual;
c) Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
9 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em:
a) [Anterior alínea a) do n.º 6.]
b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;
c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.
10 - A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.
11 - Durante a situação excecional referida no n.º 1, são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
12 - Não são suspensos os prazos relativos à prática de atos realizados exclusivamente por via eletrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P.
13 - (Anterior n.º 11.)
Analisadas as normas jurídicas acabadas de citar podemos concluir que:
O art.º 7.º n.º 1 refere expressamente: “atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.

O n.º 3 deste artigo refere expressamente: a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

O n.º 4 refere expressamente: o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

O n.º 6 refere expressamente: o disposto no presente artigo aplica-se ainda, com as necessárias adaptações, a:

a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;

b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;

c) Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.

O art.º 7.º n.º 6 da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04, prescreve expressamente:

Ficam também suspensos:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.

Resulta das normas jurídicas citadas, que o legislador identificou expressamente (taxativamente) as entidades onde corriam os processos ou procedimentos em que se aplicava a suspensão dos prazos e que a suspensão diz respeito a prazos de prescrição ou de caducidade relativa a esses processos e procedimentos nas entidades que identifica.

Quando o legislador pretende alargar a suspensão dos prazos a outras entidades, faz questão de o fazer, expressamente, como resulta do art.º 7.º n.º 6 da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, e do art.º 9.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril. Se o legislador teve necessidade de dizer expressamente que a suspensão se aplicava também às entidades referidas nestas duas últimas normas, é porque entendia que o seu âmbito de aplicação não abrangia outros processos ou procedimentos fora dos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.

Note-se que o n.º 3 do art.º 7.º das Leis em análise, ao referir que “a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”, mantém a nomenclatura usada anteriormente, consistente em “processos e procedimentos”, logo a seguir às normas 1 e 2, sem a interposição de qualquer outro tipo de processos ou procedimentos que possam ser objeto de remissão.

Da conjugação das diversas normas jurídicas do art.º 7.º destas Leis, sobretudo dos n.ºs 1, 3, 6 e 9 (este da Lei no 4-A/2020), resulta que o legislador não pretendia incluir na suspensão prazos e entidades diferentes daquelas que menciona.

Acresce que o art.º 7.º das Leis 1-A/2020 e 4-A/2020, contém normas excecionais que não comportam aplicação analógica (art.º 11.º do Código Civil). O legislador não prevê a suspensão dos prazos de instauração do procedimento disciplinar ou da prescrição relativos a empregadoras não mencionadas no diploma legal.

É admitida a interpretação extensiva relativamente a normas jurídicas excecionais, nas dentro do quadro do art.º 9.º do CC.

O art.º 9.º n.º 2 do CC estabelece limites à interpretação jurisdicional, ao prescrever que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Como já referimos, tendo em conta a letra da lei, não podemos interpretar o art.º 7.º das Leis 1-A/2020, de 19.03 e 4-A/2020, de 06.04, no sentido de que a suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição abrangem entidades diferentes das indicadas[1]. Se o legislador tivesse em vista os procedimentos disciplinares do foro laboral a correr perante empregadores privados, tê-lo-ia dito, como fez em relação a outras situações que refere.

Termos em que a apelação improcede quanto a esta questão.


B2) A necessidade de procedimento de inquérito prévio e a continuidade do facto

O art.º 329.º n.º 2 do CT prescreve que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.
Por sua vez, o art.º 352.º prescreve:
Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.
Esta norma exige quatro requisitos cumulativos para que o procedimento de inquérito prévio interrompa a contagem do prazo de caducidade previsto no artigo 329.º n.º 2 do CT:
- Tem que ser necessário para averiguar os factos que devem constar da nota de culpa;
- Tem que iniciar-se nos 30 dias seguintes à suspeita dos factos a averiguar;
- Tem de ser conduzido de forma diligente; e
- A nota de culpa tem de ser notificada até 30 dias após a conclusão do inquérito prévio.
Resulta dos autos que:
- A empregadora tevê conhecimento dos factos em 25.03.2020 e decidiu iniciar o procedimento disciplinar, através de inquérito prévio, em 31.03.2020.
- No dia 2 de junho de 2020 foi junto aos autos o contrato de trabalho do autor e e-mails relativos às suas faltas.
- No dia 4 de junho de 2020, deu-se início às inquirições, tendo sido inquiridas três testemunhas e foi junto ao processo disciplinar o Plano de Contingência de 13 de março; um registo de ocorrências datado de 21.04.2020, relativo ao período entre 16 de março e 21 de abril de 2020, da autoria daquelas três inquiridas, acompanhado de registos de ocorrência avulsos; e-mails variados trocados com o autor, no período entre 10 de janeiro de 2020 e 6 abril de 2020; e registos de entrevistas de emprego e anúncio de vagas (9 de março).
- A 26 de junho de 2020, por motivo de surto de COVID-19 em Reguengos de Monsaraz e por decisão do Instrutor, foi agendada a inquirição do Presidente da Direção por teleconferência, o qual ocorreu em 9 de julho de 2020.
- No dia 10 de julho de 2020 e na sequência dessa inquirição é solicitado que seja junto pela Instituição, idealmente no prazo de uma semana, os seguintes documentos: documentos que demonstrem o percurso contratual do trabalhador, para além do contrato original e do aditamento de 21 de dezembro de 2018; proposta remetida pelo autor, de 4 de fevereiro de 2019; proposta remetida pelo autor, de 17 de dezembro de 2019; deliberação tomada em 28 de fevereiro de 2019; comunicação (ou comunicações) que demonstrem que o autor não relatou as atividades que apresentou mais tarde em dezembro.
- No dia 17 de julho de 2020 são juntos esses mesmos documentos ao processo disciplinar.
- No dia 3 de agosto de 2020, é comunicada a existência de novos factos, o Instrutor solicita a elaboração de relatório/informação escrita pela Instituição sobre estes novos factos num prazo que não deve ser superior a cinco dias úteis.
- No dia 10 de agosto de 2020, é recebida informação pela Instituição relativa aos novos factos e junta aos autos.
- Determina-se a elaboração de nota de culpa e sua notificação ao autor.
- No dia 12 de agosto de 2020, é notificada ao autor a nota de culpa.
Relativamente aos factos ocorridos em 2019, a empregadora alega na nota de culpa e petição inicial que:
“146. No dia 22 de janeiro de 2019, a nova e atual Direção da Entidade Empregadora promoveu reuniões singulares com os técnicos para que se conhecessem e ajudassem a desenvolver o plano de atividades e assegurar um bom funcionamento dos estabelecimentos de apoio social – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 102 do procedimento disciplinar;
147. Na reunião mantida com o autor, a Direção propôs que, tendo em conta o seu horário e o facto de se demonstrar excessivo para apenas funções de musicoterapia, que retomasse as suas funções de Diretor Técnico, Gestor da Qualidade e gestor da página do Facebook, tendo este respondido de forma imprevisível algo como «vocês não sabem, porque não estavam cá, se quiserem pagam-me 17 mil euros para me despedirem que já fiz as contas na ACT» – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103 do procedimento disciplinar;
148. A reunião terminou com o autor a dizer que apresentaria uma proposta à Direção para aquelas funções – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103 do procedimento disciplinar;
149. A 4 de fevereiro de 2019, no seguimento daquela reunião, o autor enviou por mail uma proposta para as funções de Musicoterapia, Gestor de Qualidade, Transporte no período de férias do motorista e Gestão de conteúdos da Web e do Facebook da ARASS onde propõe que a musicoterapia seja realizada apenas três dias da semana, num total de 21 horas semanais, mantendo a remuneração que aufere e não trabalhando quintas e sextas – email em fls. 122 do procedimento disciplinar;
150. A 28 de fevereiro de 2019, a Direção, procurando a reaproximação e evitando recusar a proposta e porque o autor era o único com formação na matéria – a plataforma da qualidade e a formação corresponderam a um investimento que a Instituição não pode repetir de cerca de € 30 000 – contrapropôs convidar o autor para o cargo de Gestor da Qualidade – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103 do procedimento disciplinar;
151. Em resposta, o autor disse que não estava disponível e perguntou qual a compensação que se lhe pensava oferecer a mais – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103 do procedimento disciplinar;
152. O autor sabia deste investimento, da desnecessidade do seu horário atual para as funções que tinha, com pelo menos dois dias por semana livres, e da necessidade de apoiar a Instituição na gestão da qualidade – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103 do procedimento disciplinar;
153. Até dezembro de 2019, a Direção não insistiu mais com novas funções e permitiu que o autor definisse com flexibilidade e autonomia o seu horário excessivo – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103 do procedimento disciplinar;
154. Fê-lo no sentido de conquistar a confiança e disponibilidade do autor, acreditando que com o tempo o encontrariam mais disponível – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103 do procedimento disciplinar;
155. Nesse mês de dezembro de 2019, apercebendo-se a Direção que o autor mantinha uma postura de resistência e falta de disponibilidade, designadamente nunca apresentando ideias ou iniciativas em reuniões que vieram mantendo para delinear e pensar atividades, lançou-lhe esta um novo convite, desta vez para assumir a coordenação da resposta de CAO – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103 do procedimento disciplinar;
156. Entre este convite (em ata de 28.02.2019) e a proposta pelo autor (que chegou a 17.12.2019), a Direção chegou mesmo a interpelar o autor para que oferecesse sugestões em todas as reuniões que vão mantendo – cf. auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 103, ata 133 a fls. 131 e 132 e proposta a fls. 123 a 130 do procedimento disciplinar,
157. Chegando mesmo a fazer essa solicitação por escrito, em e-mail de 14 de maio de 2019 enviado aos técnicos, onde se lia: "Caros técnicos, de acordo com o solicitado em 10 do corrente, vem esta Direção reiterar o pedido das atividades que pretendem desenvolver dentro da vossa área, até ao final do ano. / Solicita-se ainda, outras que se considerem úteis para a Instituição, e sobretudo para os nossos utentes" – email em fls. 133 do procedimento disciplinar
158. A resposta do autor, no dia seguinte, 15 de maio de 2019, foi a seguinte: "Bom dia / Não tenho nenhuma atividade, além das OEC." – email em fls. 134 do procedimento disciplinar
159. Decorridos vários meses, a 17 de dezembro de 2019, o autor enviou uma proposta para a coordenação de CAO a partir do ano de 2020 – proposta em fls. 123 a 130 do procedimento disciplinar;
160. Nessa proposta, o autor propõe que a resposta social seja autonomizada da Instituição e da sua Direção, passando este a representar a Instituição no que concerne àquela e a geri-la (lê-se, por exemplo “reuniões com parceiros, financiadores” – e mais dizendo que quando não possa estar presente nessas delegará ele em outra pessoa), substituindo-se em completo à Direção – proposta em fls. 128 do procedimento disciplinar;
161. Para além disto, o autor propõe ainda atividades para o CAO, enquanto seu coordenador, com a retoma de atividades que existiam antes e deixaram de ser realizadas – proposta em fls. 129 e 130 do procedimento disciplinar;
162. Nessa proposta pode ler-se que o autor faz referência a “relatório da Auditoria Equass de 2018” que referia que “um dos pontos fortes do CAO” eram as atividades socialmente úteis do CAO, que detalha com uma cópia desse mesmo relatório onde se lê: «O compromisso com a justiça social e a inclusão ativa das pessoas assistidas está presente na atuação da ARASS. Este compromisso é revelado pelo esforço para a concretização de novos programas de intervenção, focados no desenvolvimento de competências e capacidades das pessoas assistidas (como exemplo, o grupo de atividades socialmente úteis), a integração de pessoas assistidas em programas de atividades socialmente úteis na comunidade em parceria com a Junta de Freguesia e uma presença constante em eventos desenvolvidos na comunidade. Salienta-se, neste âmbito, o projeto desenvolvido na área do teatro em parceria com as escolas do concelho, permitindo não apenas a integração das pessoas assistidas na comunidade mas de uma ação efetiva de combate ao estigma através da intervenção junto de crianças e jovens e apresentações à comunidade. O estudo apresentado à Câmara Municipal de Évora, no âmbito das barreiras arquitetónicas encontradas na cidade, revelou resultados positivos na adaptação das estruturas para melhorar a acessibilidade das pessoas com mobilidade reduzida.»
163. Nessa proposta, o autor revela ainda saber que a Instituição está em incumprimento com normas da EQUASS e da Segurança Social ali escrevendo “É fundamental e obrigatório pelas normas de EQUASS e da Segurança Social, ter ativo e o grupo de auto-representantes, posso assumir o trabalho com este grupo já em Janeiro 2020”
164. Ainda nessa proposta, o autor revela ainda uma série de projetos que se encontram abandonados e que permitiram alcançar os bons resultados do passado, ali escrevendo:
“Para melhorar estes resultados proponho voltar a retomar projetos e parcerias como o que já tivemos com o Canil Municipal, Horta biológica na qual participavam os clientes DC e DM, Ativar novamente os Grupo ASU, as atividades de culinária e o projeto que estava a ser pensado e desenvolvido com o grupo ASU de pequenos arranjos e trabalhos a realizar no bairro, (…). Apostar cada vez mas na autodeterminação dos clientes, promover junto dos clientes mais autónomos, a utilização de médios de transporte publico (autocarro), Visitas e atividades culturais na cidade de Évora, realização de pequenas compras, levar correspondência aos correios ou contabilista, tarefas que atualmente só realiza o motorista, e que podiam em alguns casos e com o devido acompanhamento e treino realizar alguns dos nossos clientes devemos apostar em atividades que contribuam efetivamente para a sua autonomia, valorização pessoal e Desenvolvimento das suas capacidades e potenciais.”
165. A Direção recusou a proposta por entender que correspondia à confissão de que o autor sabia que aquele estabelecimento se encontrava a funcionar aquém do seu potencial, com atividades abandonadas, sem nunca o relatar, sem propor uma única atividade, mesmo quando diretamente interpelado, ou, por qualquer outra forma, propor a sua correção, permitindo durante um ano que os serviços prestados aos utentes não correspondam ao que este entende como possível, necessário e em alguns casos obrigatórios, sabendo o autor que a nova Direção tomou posse sem conhecimento de toda aquela realidade, tendo permanecido todo esse tempo em silêncio permitindo esse prejuízo – fls. 104 do procedimento disciplinar;
166. E procurando, com essa proposta, retirar benefício de um prejuízo que o próprio, com o seu silêncio permitiu – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 104 do procedimento disciplinar;
167. Demonstrando ainda que entende que a Direção não deve gerir a Instituição, mas ele próprio, autonomizando o estabelecimento que se propunha coordenar – auto de inquirição do Presidente da Direção em fls. 104 do procedimento disciplinar.
168. Assim,
169. O autor agiu de má-fé, quando decidiu ocultar o mau desempenho do estabelecimento de apoio social de CAO, permitindo que vários cidadãos portadores de deficiência vissem subtraídas um conjunto de atividades importantes para o seu desenvolvimento, integração e realização pessoal, com impacto negativo para a vida destes, para a comunidade em que se inserem e para a Instituição em que trabalha;
170. Apesar de ter sido expressamente chamado, de forma individual, a propor ações e atividades para o plano de ação da instituição;
171. E até a exercer funções de responsabilidade.
172. Mais, procurando tirar partido dessa ocultação, tornando-se o único na Instituição com conhecimento daquela situação,
173. Prejudicando os utentes para quem o seu trabalho seria essencial.
174. Neste ponto, agiu consciente e com dolo direto, mantendo esse mesmo comportamento até hoje mesmo, na medida em que ainda não partilhou com a Instituição as informações e documentos a que se referiu na proposta que enviou, nem nunca ofereceu, sequer, uma sugestão”.
Analisados os factos imputados ao trabalhador, aqui autor, vemos que as faltas ao trabalho chegaram ao conhecimento da ré em 25.05.2020.
Em relação às condutas do trabalhador ocorridas em 2019, estas dizem respeito à forma como era prestada a atividade a que estava obrigado. A empregadora foi lidando dia-a-dia com a forma como o trabalhador se comportava e tomou conhecimento dessa forma de prestar de imediato, como comprovam as comunicações referidas. Se entendia que o trabalhador não estava a cumprir as obrigações derivadas do contrato de trabalho poderia ter exercido o poder disciplinar de que está investida, o que não fez nessa altura. A empregadora iniciou um procedimento disciplinar em 31.03.2020 relativo às faltas ao trabalho e acrescentou nessa ocasião os factos relativos ao ano anterior.
Os factos imputados ao trabalhador em 2019, são condutas individualizadas, situadas no tempo. A eventual omissão do dever de informação reclamado pela empregadora constitui, no entender desta, a violação da obrigação a que o autor estava adstrito e que não cumpriu. A infração consumou-se no momento em que o trabalhador deixou de fornecer à empregadora a informação pretendida. Sempre que a empregadora ordenava ao trabalhador que prestasse alguma informação e este não cumprisse, a infração consumava-se no momento em que deixou de fornecer a informação solicitada. Não existe aqui um facto ilícito de execução continuada. O que continua no tempo é consequência da eventual violação do dever de prestar, ou seja, a ilicitude da não prestação da informação ordenada. Mas a infração consuma-se no momento em que é ordenada e não é cumprida.
Daí que não pode proceder a conclusão da empregadora de que os factos relativos a 2019 são factos continuados e que por isso a caducidade não se consumou.
Assim, em relação aos factos imputados ao autor em 2019, quando é instaurado o procedimento disciplinar, em 31.03.2020, já há muito tinham decorrido os 60 dias para a instauração do procedimento disciplinar e os 30 dias para iniciar o procedimento de inquérito prévio, nos termos dos art.ºs 329.º n.ºs 1 e 2 e 352.º do CT.
As faltas ao trabalho, são factos simples, facilmente constatáveis e compreendidos, pelo que entendemos que não se justificava a instauração de um procedimento de inquérito prévio para fundamentar a sua inclusão na nota de culpa. A empregadora conhecia os factos, podia incluí-los na nota de culpa se assim o entendesse, sem necessidade de procedimento de inquérito prévio relativamente às faltas ao trabalho. Uma vez iniciado o procedimento, caberia ao trabalhador justificar as faltas, não recaindo sobre a empregadora outro ónus que não fosse a sua verificação objetiva, já cumprido.
Termos em que se conclui, tal como decidiu a douta decisão recorrida, que se mostra caducado o procedimento disciplinar em relação às faltas do trabalhador, aqui autor, ocorridas entre 17 e 31 de março de 2020 e aos factos ocorridos em 2019, improcedendo totalmente a apelação.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar assim a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 13 de maio de 2021.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
______________________________________
[1] Neste sentido, Ac. RC, de 29.01.2021, processo n.º 537/20.5T8LMG.C1, www.dgsi.pt/jtrc.