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CRIME DE DANO
INTERESSE EM AGIR
PREJUÍZO
DANO DECORRENTE DA PRIVAÇÃO DO USO
Sumário
I - Os danos relevantes para o preenchimento do tipo legal do crime de dano são os prejuízos verificados na coisa danificada e não aquilo que se pagou em parte dos mesmos. II - Verificando que o Ministério Público não interpôs recurso constata-se que o assistente demonstra ainda assim interesse em agir consubstanciado não só no facto de pugnar pela qualificação do dano, mas também porque tem interesse em ver-se ressarcido do montante indemnizatório, sugerindo o seu pagamento como condição para a suspensão da pena de prisão. III - O valor do dano efectivamente provocado no veículo pelo arguido é o que corresponde ao valor do orçamento apresentado nos autos (7.533,53€), correspondente ao efectivo prejuízo causado. IV - A reparação de parte do veículo efectuada a mando e expensas do assistente apenas versou sobre uma parte daquilo que se encontrava orçamentado e danificado. O veículo mantém-se danificado, nomeadamente picado no capô, nos bancos e no fardamento das portas, pelo que, para que o veículo voltasse a ficar conforme estava antes de o arguido o ter deliberadamente destruído, teriam de ser aplicados todos os materiais que constam do orçamento apresentado nos autos e o custo seria precisamente aquele que ali consta. Se seguíssemos o raciocínio aplicado na sentença, poderíamos chegar à caricata situação de o Tribunal considerar não existir qualquer dano, bastando para isso que o assistente não tivesse efectuado qualquer reparação do seu veículo e o mantivesse conforme o arguido o deixou. V - Ficou provado que o assistente não reparou o veículo na sua totalidade, ou seja, não restabeleceu o “status quo ante” que existia antes de o arguido lhe ter destruído o carro. Não pode o assistente sair prejudicado e o arguido sair beneficiado na sua conduta tão-só porque o assistente optou por limitar a reparação do carro ao essencial para que o mesmo pudesse voltar a circular. O dano da privação do veículo é ressarcível só por si desde que se prove que o mesmo era utilizado habitualmente pelo lesado. A indemnização a fixar será por equidade. Não é despiciendo relevar que o assistente possuía outros dois veículos à sua disposição. O que se pretende é compensar o não uso do veículo, a sua indisponibilidade, para fins como o trabalho ou o lazer. Ora, qualquer outro veículo da gama utilitária proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele é correspondentemente efetuada. O valor diário de €124,96 requerido é manifestamente exagerado. Os automóveis hoje em dia, mesmo os de gama mais baixa dispõem de comodidades muito satisfatórias à condução estradal, pelo que para o efeito o assistente não precisaria de alugar um veículo com custos tão elevados, para satisfazer as suas necessidades de locomoção. A privação do uso pelo período de 03 meses resulta do inexoravelmente do comportamento ilícito do arguido. Contudo, não podemos esquecer e tal não foi contrariado por nenhuma prova, que o veículo poderia ter sido reparado no prazo de 03 semanas, não havendo justificação comprovada para o facto de tal não ter ocorrido, ocorrendo culpa do assistente, o que implicará redução do valor indemnizatório, artigo 570º, n º 1 do Código Civil.
Texto Integral
Proc. nº 529/18.4GBAMT.P1
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo comum singular, a correr termos no Tribunal da Comarca do Porto Este – Juízo Local Criminal de Amarante, foi proferida sentença, na qual se decidiu:
“1. ABSOLVER o arguido B… da prática de um crime de ofensa à integridade física simples. 2. ABSOLVER o arguido da prática de um crime de dano qualificado nos termos em que vinha acusado. 3. CONDENAR o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de dano simples, p. e p. pelo art.º212.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 20,00. 4. JULGAR parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, condenado o arguido no pagamento da quantia global de € 10.732,72 (referente a € 4.309,16 e € 5.623,56, a título de danos patrimoniais e € 800,00 a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros, à taxa legal vigente, contados a partir da data de notificação para contestar o pedido de indemnização civil quanto às quantias de € 4.309,16 e € 5.623,56 e a partir da data desta sentença quanto ao restante, absolvendo-o do demais peticionado; 5. CONDENAR o arguido no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em três (03) UC; 6. CONDENAR demandante e demandado civis nas custas cíveis, na proporção de 55%/45% respetivamente; 7. FIXAR o valor da instância cível em € 23.780,65;”
Inconformado, B… interpôs recurso, invocando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«CONCLUSÕES:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos que julgou a acusação procedente por provada e consequentemente condenou o arguido recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de dano simples, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de €20,00 e no pagamento da indemnização de €5.623,56 a título de dano de privação do uso do veículo objeto do crime, tendo como objeto erro de julgamento da matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.
B. Das declarações do arguido prestadas no dia 20-02-2020 entre as 10:53:40 e as 11:52:43, aos 2:17, decorre que o assistente chamou bêbado e drogado ao arguido, o que ressalva verosímil da motivação de facto da douta sentença a quo, devendo pois ser aditado ao elenco dos factos provados o seguinte novo facto: "2- O assistente após ter entrado no estabelecimento “C…”, dirigiu- se ao arguido, chamando-lhe “drogado” e “bêbado”
C. Do depoimento da testemunha D…, sócio gerente da oficina que reparou o automóvel do assistente, cujo depoimento se iniciou às 10:28:42 do dia 13-07-2020 e terminou às 10:39:04, decorre expressamente, ao minuto 9:04 e seguintes, que entre a ordem de reparação dada pelo assistente e a efetiva reparação da viatura decorreram não mais do que três semanas, facto que se revela essencial à boa decisão da causa, pelo que deverá ser aditado o seguinte novo facto ao elenco dos factos provados: "19. A reparação do veículo do assistente demorou cerca de três semanas."
D. Decore do facto provado n.º 18 que “O arguido possuía um outro veículo, no qual se fez transportar durante o período referido em 16)", facto que não se encontra corretamente julgado pois resulta do depoimento do assistente prestado em 20-02-2020, entre as 11:54:06 e as 13:00:55 que o mesmo possui mais dois veículos, além do veículo dos autos, sendo um normalmente usado
pela esposa e o outro pelo seu filho (minuto 47:16 a 47:33), pelo que tal facto deverá ser alterado para a seguinte redação: "O assistente possui mais dois veículos, nos quais se fez transportar até ao dia 19.11.2018".
E. A pena de multa aplicada é manifestamente excessiva.
F. Tendo presente o facto provado n.º 2 que se pretende aditar - o assistente chamou ao arguido bêbado e drogado -, deveria o tribunal a quo ter considerado que tal circunstância diminui a ilicitude do facto, a culpa do agente e a necessidade da pena, atenuando especialmente a pena.
G. O tribunal a quo deveria ter valorado as seguintes circunstâncias: o arrependimento manifestado pelo Recorrente em sede de audiência de discussão e julgamento (aos 10:11 e aos 42:52 do seu depoimento); a confissão integral e sem reservas da prática do crime de dano; a circunstância de os factos relativos ao dano no veículo do assistente terem ocorrido há mais de dois anos e desde então o arguido ter mantido uma boa conduta.
H. Mesmo que assim não se entenda, todas aquelas circunstâncias, bem como a ausência de antecedentes criminais pela prática de crimes desta natureza, sempre importarão uma redução da pena de multa aplicada, uma vez que 220 dias de multa se afiguram desproporcionados.
I. Quanto ao pedido de indemnização civil formulado pelo lesado, vem o recorrente condenado no pagamento da indemnização de €5.623,56 a título de dano da privação do uso do veículo pelo período de três meses, condenação que deve ser, nesta parte, revogada.
J. De acordo com a jurisprudência maioritária dos nossos tribunais superiores, apenas deve ser indemnizada a circunstância em que se identifica um efetivo prejuízo decorrente da impossibilidade de utilização do veículo, uma real frustração da sua utilização e não apenas uma potencial privação desse uso.
K. No caso concreto, apenas se provou que o assistente esteve privado do uso do seu automóvel, não tendo sido alegado qualquer prejuízo, como por exemplo, a necessidade de alugar outro veículo, incómodos pela utilização de transportes públicos, a necessidade diária do uso do veículo para se deslocar para o trabalho ou transportar dependentes, isto é, não foi alegado um dano especifico, quer emergente, quer na modalidade de lucro cessante.
L. Dano que, tendo presentes os factos dados como provados, não ocorreu efetivamente porquanto o assistente possuía dois outros veículos automóveis nos quais se fez transportar, sem que qualquer prejuízo daí tenha advindo.
M. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, sempre se dirá que o valor arbitrado pelo Tribunal a quo a título de indemnização do dano da privação do uso é manifestamente exagerado, não tendo sido atribuído de acordo com um critério de equidade, previsto no nº 3 do artigo 566º do Código Civil.
N. Com efeito, sempre deveriam ter concorrido para a fixação do quantum indemnizatório (i) a circunstância de a viatura ter ficado imobilizada durante três meses por facto imputável ao lesado, o que haveria de concorrer para a redução daquele valor, (ii) o facto de a reparação demorar no máximo três semanas, (iii) a circunstância de o transporte do lesado não ser assegurada exclusivamente pelo veículo dos autos.
O. A indemnização apenas deverá conter-se no espaço temporal entre a data dos factos e a data do orçamento da peritagem, isto é entre o dia 09.08.2018 e o dia 27.08.2018 e a partir daí, durante três semanas, que foi o tempo que se apurou como razoável para a reparação do veículo, o que significa que o arguido apenas pode ser responsabilizado, a título de dano de privação do uso, no máximo, pelo período de 40 dias, devendo ainda ser reduzido o quantum diário de acordo com critérios de equidade, em montante nunca superior a €15,00 diários.
P. Violou a sentença a quo o disposto nos artigos 40.°, 47.º, n.º 1, 70.°, 71 °, 72.° e 73.°, todos do Código Penal e 483.º, 566º, 570.º, do Código Civil.»
E…, ofendido e assistente que acompanhou a acusação do Ministério Público melhor id. nos autos em epígrafe, não se conformando com a sentença proferida nos autos, vem da mesma interpor recurso, Concluindo:
“CONCLUSÕES:
1. Não concordando com a sentença proferida pelo tribunal a quo, o assistente fundamenta o presente recurso em matéria de facto e de direito, nomeadamente na discordância da absolvição do arguido da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, da absolvição da prática de um crime de dano qualificado nos termos em que vinha acusado, tendo-o apenas condenado, em autoria material e na forma consumada, por um crime de dano simples, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de 20,00€ e da procedência apenas parcial do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, que condenou o arguido no pagamento da quantia global de 10.732,72€, sendo destes, 4.309,16€ e 5.623,56€ de danos patrimoniais e 800,00€ a título de danos não patrimoniais.
2. Quanto à absolvição do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, o tribunal a quo incorre num erro de julgamento da matéria de facto, porquanto desconsidera factos essenciais à boa decisão da causa que seriam suficientes para fundamentar a condenação do arguido.
3. Assim deveriam ter sido considerados, como provados, além daqueles que que o Tribunal considerou, os seguintes factos:
a) No âmbito da discussão aludida supra em 1), o arguido desferiu 1 murro na zona do sobrolho do ofendido, tendo sido impedido pelas pessoas presentes de continuar a agredi-lo, tendo-lhe provocado dores;
b) O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do assistente e de lhe produzir as dores verificadas, o que logrou.
4. As concretas provas que fundamentam uma decisão diferente sobre a matéria de facto diversa da defendida pela sentença recorrida, que consideramos erroneamente julgada, são as que resultam dos depoimentos da testemunha F…, ouvida em audiência final na sessão de dia 20/02/2020, cujo depoimento se iniciou às 15:42:12 horas e terminou às 16:12:35 horas e que se encontram integralmente transcritos na transcrição que se anexa ao presente recurso e que dele faz parte integrante, que aqui se reproduzem por mera economia processual (página 126 e seguintes).
5. Salvo o devido respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, não nos parece razoável a desconsideração do escorreito depoimento de uma testemunha que se limitou a demonstrar ao Tribunal aquilo que viu, ainda que tenha demonstrado, logo desde o início, a sua proximidade ao arguido, com quem já havia partilhado jogos de futebol na mesma mesa, bem como lanches, ao contrário do assistente, que apenas disse conhecer por ser frequentador do café onde ocorreram os factos, assim como por ser professora na escola da sua filha.
6. No decorrer do seu depoimento, ao minuto 00:01:39, começou por demonstrar-se claramente em defesa da posição do arguido, dizendo que foi o assistente, ora recorrente, quem foi atrás do arguido para dentro do café, junto do balcão, para o provocar, uma vez que diz que já haveria “mau ambiente entre o arguido e o assistente antes deste episódio”.
7. Depois de muita insistência da parte do Senhor Procurador, ao decorrer do minuto 00:03:19, a testemunha disse que ouviu o arguido a falar para o assistente a dizer “tu queres é o meu dinheiro, tu queres que eu te bata, tás a provocar, tu queres é dinheiro meu”.
8. Até aqui, todo o depoimento da testemunha foi no sentido do de beneficiar o arguido e prejudicar a posição do assistente, dizendo ainda, no seguimento do minuto 00:05:56, que não se sentia confortável na sua posição de testemunha no processo.
9. Após diversas insistências da parte do Senhor Procurador da República, ao minuto 00:08:44, a testemunha F… acabou por reconhecer que o B… (arguido), agrediu o Professor (assistente), exemplificando de que forma o arguido lhe deu um murro: “O B… agrediu o Professor E…. Deu-lhe assim um murro.”
10. No decorrer do minuto 00:12:59, a testemunha F… diz que, ele próprio foi uma das pessoas que disse para se meteu no meio da discussão tentando acabar com aquilo e que, depois de passados uns 20 minutos de discussão, o arguido deu um murro ao assistente.
11. Novamente, no trecho do minuto 00:15:47 ao minuto 00:17:20 do seu depoimento, esta testemunha repetiu ter visto que o arguido deu um murro ao assistente, dizendo ainda que “foi daqueles que não faz mal a ninguém”, porque não lhe deu em cheio” e que foi apenas uma vez”.
12. Não obstante a tentação inicial em beneficiar o seu amigo arguido, a testemunha F… acabou por contar ao Tribunal o que viu, tendo ainda explicado as circunstâncias de tempo e lugar em que tal facto aconteceu, bem como explicou, por gestos, de que forma o arguido esmurrou o assistente, pelo que deveria, o Tribunal a quo, ter valorizado o seu depoimento e deveria ter dado como provados os factos que supra se indicam, condenando-o pela prática de um crime de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal.
13. Quanto à condenação do arguido, em autoria material e na forma consumada, por um crime de dano simples na pena de 220 dias de multa à taxa diária de 20,00€ em detrimento da condenação por um crime de dano qualificado nos termos em que vinha acusado por, em hora não concretamente apurada, na madrugada do dia 9 de agosto de 2018, com recurso a um objeto contundente, ter várias pancadas no veículo automóvel com matrícula ..-QC-.., da marca Mercedes-Benz, propriedade do assistente, que se encontrava estacionado na Rua …, junto ao café “C…”, tendo partido o para-brisas, o vidro traseiro, os limpa-vidros, o retrovisor exterior direito e esquerdo, o farolim traseiro direito, o óculo traseiro, tendo ainda provocado várias amolgadelas e riscos pelo carro todo, cuja reparação foi orçamentada, por sistema certificado, em 7.533,53€.
14. Para além do auto de notícia de fls. 3, das provas fotográficas de fls. 5 a 8 e do relatório fotográfico de fls. 18 a 20, o assistente apresentou nos autos o orçamento de fls. 22 a 26 do Apenso A, que foi elaborado por uma oficina especializada, pelo sistema “Audatex”, que é utilizado pelas seguradoras para avaliação do dano de um qualquer sinistro e para que as mesmas procedam ao respetivo pagamento.
15. Conforme se pode aferir do depoimento da testemunha D…, no depoimento prestado no dia 13 de julho de 2020, entre as 10:28:42 horas e as 10:41:12 horas desse mesmo dia e que se encontram integralmente transcritos na transcrição que se anexa ao presente recurso, que dele faz parte integrante, que aqui se reproduzem por mera economia processual (páginas 194 e seguintes), a testemunha D… identificou-se como sócio-gerente de uma empresa de reparação automóvel, tendo confirmado, no decorrer do minuto 00:00:44 que o orçamento de reparação junto aos do processo, de fls 22 a fls 26 do Apenso A foi elaborado pela sua oficina automóvel, de nome H…, Lda e que correspondia ao carro que o arguido vandalizou, propriedade do assistente.
16. Nas sequências do minuto 00.02:10 e do minuto 00:02:54 do seu depoimento, confirmou que o carro chegou à oficina todo vandalizado, com vidros partidos, cheio de sangue, todo vandalizado, pintura estragada e que a sua oficina elaborou o orçamento e efetuou a reparação do veículo, bem como o veículo esteve na sua oficina uns meses que não soube precisar mas dois ou três meses.
17. Disse ainda, ao minuto 00:04:41 que o orçamento discrimina tudo, desde mão-de- obra, peças, o tempo que demora para desmontar e montar peças, sendo que ao minuto 00:05:13 disse que a reparação do veículo era bastante cara, pelo que o assistente optou por recuperar algum tipo de material, tendo ficado com o tablier picado, com os bancos e o fardamento das portas picadas com os vidros, uma vez que foi aproveitado aquilo que ainda podia ser e se compôs aquilo que não dava para aproveitar. Acrescentou, ao minuto 00:06:05 que se o arguido quisesse reparar o carro na totalidade (repondo o estado do veículo ao momento imediatamente anterior ao da vandalização provocada pelo arguido), teria de meter todo aquele material que se encontra no orçamento apresentado e que totalizava os 7.533,53€.
18. Conformou, ainda, que o sistema informático de apoio utilizado pela sua oficina para elaboração do dito orçamento foi o sistema “G…”, sistema esse que é aquele que é usado na apresentação de orçamentos às companhias de seguros para ressarcimento de danos provocados por sinistros automóveis, sendo que o que muda de oficina para oficina é apenas o preço da mão-de-obra de umas oficinas para outras, não mudando mais nada naquele sistema.
19. De facto, pode verificar-se por consulta ao site da ANECRA (Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel), https://www.anecra.pt/AL/CentralParceriasAudatex.aspx, que este sistema “Audatex” é utilizado por seguradoras, gabinetes de peritagem, oficinas de reparação, grupos e associações de reparadores e compradores de salvados para aferir dos danos efetivos de um qualquer sinistro, pelo que não se entende como é que o Tribunal a quo não teve em consideração valor do orçamento para aferir do real valor dos danos provocados pelo arguido ao automóvel do assistente:
Corresponde à verdade que o assistente pagou 4.309,16€ pela reparação de parte dos danos provocados pelo arguido no seu automóvel, mas também é verdade que o sistema informático oficialmente utilizado pela generalidade das oficinas e seguradoras orçou os danos efetivamente provocados em 7.533,53€.
20. Acresce que a testemunha D…, na decorrência do deu depoimento prestado no mesmo dia 13/07/2020 entre as 10:40:42 e as 10:41:12 horas, confirmou que o veículo se mantém picado no capot e no banco, que ainda se nota isso, que o carro não ficou a 100% uma vez que não foi reparado na totalidade e que se for colocado à venda num stand enquanto não for reparado na totalidade sairá desvalorizado face a veículos semelhantes, uma vez que se nota bem a diferença entre aquele carro e um outro idêntico, que não tenha sofrido danos semelhantes.
21. Assim, o arguido provocou danos, no veículo do assistente, no valor de 7.533,53€ e não apenas no valor de 4.309,16€. Seguindo o raciocínio que o Tribunal a quo tomou para desvalorizar o valor do dano e, consequentemente, para desqualificar o crime de dano qualificado para dano simples, poderíamos até chegar à caricata situação de o Tribunal considerar não existir qualquer dano e, consequentemente, qualquer crime, bastando para isso que o assistente não tivesse efetuado qualquer reparação do seu veículo e o mantivesse conforme o arguido o deixou. Não tendo, o assistente, restabelecido o “status quo ante”, uma vez que não reparou na totalidade o seu veículo, não pode por isso sair prejudicado e o arguido sair beneficiado na sua conduta tão-só porque o assistente optou por limitar a reparação do carro ao essencial para que o mesmo pudesse voltar a circular.
22. Assim sendo o dano patrimonial da destruição do veículo do assistente de 7.533,53€, cometeu o arguido um crime de dano qualificado, p. e p. pelos artigos 212.º n.º 1 e 213.º n.º 1 alínea a), ambos do Código Penal, pelo que deve ser por este crime que deve ser condenado.
23. Quanto à medida da pena, decorre do facto provado n.º 15, nos seus pontos a. até i., o arguido tem uma vida de cometimento de crimes, tendo sido condenado em 9 processos distintos, tanto por crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (6 vezes distintas), um crime de detenção de arma proibida, um crime de desobediência qualificada, um crime de violação de imposições, proibições ou interdições e um crime de falsidade de testemunho, tudo no período de 2006 a 2019.
a. Proc.n.º1094/07.3GBPNF, prática em 28.08.2007 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 04 meses, por sentença proferida em 01.10.2007, transitada em julgado em 22.10.2007;
b. Proc.n.º1312/08.0GBPNF, prática em 17.10.2008 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 9,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 06 meses, por sentença proferida em20.10.2008, transitada em julgado em 11.11.2008;
c. Proc.n.º96/06.1GBAMT, prática em 26.01.2006 de um crime de detenção de arma proibida, e condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, por sentença proferida em 13.07.2010, transitada em julgado em 14.9.2010;
d. Proc.n.º407/10.5GACPV, prática em 15.09.2010 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 07 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano, com regime de prova, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 01 ano, por sentença proferida em 11.10.2010, transitada em julgado em 10.11.2010.
e. Proc.n.º110/10.6GEPNF, prática em 05.08.2010 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de desobediência qualificada, e condenado na pena única de 01 ano e 02 meses de prisão, suspensa na sua execução, com sujeição deveres, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 01 ano, por sentença proferida em 13.04.2011, transitada em julgado em 12.05.2011;
f. Proc.n.º334/14.7GBAMT, prática em 08.03.2014 de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, e condenado na pena de 12 meses de prisão, em regime de permanência na habitação, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 02 anos e 06 meses, por sentença proferida em 20.04.2015, transitada em julgado em 20.05.2015;
g. Proc.n.º1222/11.4GBAMT, prática em 14.12.2011 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 08 meses de prisão, em regime de permanência na habitação, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 24 meses, por sentença proferida em 05.01.2012, transitada em julgado em 25.01.2012;
h. Proc.n.º826/12.2TAPNF, pela prática em 07.09.2012 de um crime de falsidade de testemunho, e condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, por sentença proferida em 03.10.2013, transitada em julgado em 12.11.2013;
i. Proc.n.º168/19.2GBAMT, pela prática em 04.03.2019 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 01 ano de prisão, em regime de permanência na habitação, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 02 anos e 09 meses, por sentença proferida em 28.03.2019, transitada em julgado em 06.05.2019.
24. Conforme se retira do certificado de registo criminal do arguido com a referência 81932408, de 18/02/2020, além destas condenações, o arguido também “coleciona” condenações pelo cometimento de crimes na Suíça, o que também deve relevar na ponderação da pena a aplicar ao arguido.
25. Tendo em conta as condenações supra indicadas e as penas que anteriormente lhe foram aplicadas, a que acresce o facto de ter ficado provado, pelo facto 14, que o arguido ganhou, há cerca de 10 anos, o prémio de 10 milhões de euros do Euromilhões, não se entende a brandura do Tribunal a quo que o condenou, nos presentes autos, a 220 dias de multa, à taxa diária de 20,00€, num total de 4.400,00€.
26. O facto não ter averbado no seu certificado de registo criminal qualquer condenação pelo crime de dano, seja simples ou qualificado, ou pelo crime de ofensas à integridade física não deve relevar para que o sistema penal seja brando com um indivíduo que, não obstante a sua forte e longa relação com o sistema penal, em Portugal e no estrangeiro, não tem sido capaz de demonstrar à sociedade que aprendeu com os seus erros, sob pena de ser o próprio Tribunal a permitir-lhe a errada convicção de que, desde que não repita muitas vezes o mesmo tipo de crime, pode manter uma vida de índole criminoso que o mais que lhe sucederá será ser condenado numa (para si) “pequena” multa, “uns trocos”, antes de ser efetivamente punido com pena de prisão efetiva.
27. O arguido já demonstrou, claramente, não ser merecedor de condescendências e sucessivos perdões dos seus atos pelo sistema penal, tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral, uma vez que demonstra que em nada tem mudado o seu comportamento. Também em nada poderá beneficiar por ter confessado o crime de dano, uma vez que conforme consta do teor do relatório de fls. 40 a 42 (relatório de exame pericial a vestígios lofoscópicos) conjugado com o relatório de fls. 107, onde resulta a correspondência com as suas impressões digitais e vestígios biológicos do arguido, a prova documental da autoria do arguido era absolutamente inequívoca.
28. Posto isto, julgamos que só com uma condenação a pena de prisão efetiva ou, no mínimo, uma pena de prisão suspensa mas sempre condicionada ao pagamento integral e célere da indemnização fixada ao assistente é que se fará Justiça, o que pelo presente deverá ser decidido, revogando, a este respeito, a decisão do Tribunal a quo.
29. No que fiz respeito à condenação parcial do arguido no pedido de indemnização civil que, oportunamente, apresentou aos autos, o assistente propugnou por uma condenação do arguido no valor total de 23.780,65€, sendo 7.533,53€ do dano patrimonial de valor igual ao do orçamento para reparação do veículo a que acima já nos referimos, 11.247,12€ pela privação de uso do seu veículo por um período de 3 meses, justificado com um orçamento solicitado à I… para um veículo equivalente, bem como o valor de 5.000,00€ de danos não patrimoniais sofridos pelo assistente na decorrência dos factos perpetrados pelo arguido.
30. Ao invés do pedido pelo assistente, o Tribunal a quo decidiu fixar a indemnização do assistente no valor global de 10.732,72€, sendo 4.309,16€ referentes ao valor que o assistente despendeu para reparar o veículo, 5.623,56€ referentes à privação de uso do veículo e 800,00€ a título de danos não patrimoniais.
31. Quanto ao de valor de indemnização pelos danos no veículo, que o tribunal fixou em 4.309,16€, correspondente ao valor que o assistente despendeu na reparação do veículo, por uma questão economia processual, repetem-se os argumentos acima aduzidos quanto ao valor do dano efetivamente provocado no veículo, pelo arguido, que correspondem ao valor do orçamento apresentado nos autos (7.533,53€), orçamento este que foi elaborado segundo as regras utilizadas pelas oficinas reparadoras e seguradoras, baseado no sistema “audatex”.
32. Ficou provado que a reparação efetuada, a mando e expensas do assistente, apenas versou sobre uma parte daquilo que se encontra orçamentado, o que foi confirmado pela testemunha D…, acima mencionada e cujo depoimento já acima também se identificou, que o veículo se mantém danificado, nomeadamente picado no capot, nos bancos e no fardamento das portas, sendo que, para que o veículo voltasse a ficar como estava antes de o arguido o ter deliberadamente destruído, teriam de ser aplicados todos os materiais que constam do orçamento apresentado nos autos e o custo seria precisamente aquele que ali consta.
33. Assim, deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo e ser o arguido condenado a pagar, ao assistente, a título de reparação do dano patrimonial provocado no seu veículo, uma indemnização no valor de 7.533,53€.
34. Quanto ao valor da privação de uso, conforme decidiu, por exemplo, o STJ, no acórdão de 5 de julho de 2007 (Dr. Santos Bernardino), disponível em www.dgsi.pt, a mera privação de uso do veículo é suscetível de fundar obrigação de indemnizar.
Provou-se que o assistente ficou privado do veículo, que esteve na oficina pelo período de 3 meses, até 19/11/2018 (facto 16).
35. O assistente juntou aos autos, a fls. 26, um orçamento de uma Rent-a-Car reputada no mercado (I…), que revela o valor mensal de aluguer de um veículo semelhante ao do assistente em 3,749,04€, num total de 3 meses de 11.247,12€.
36. Não obstante o assistente possuir outro veículo, no qual se fez transportar durante o período destes três meses, o que é verdade é que aquele não era o veículo que lhe era destinado, porquanto era a sua mulher que dele se servia, o que obrigou a um redobrado esforço do assistente para se revezar com a sua mulher.
37. Assim sendo, tendo o assistente ficado privado do seu veículo pelo período de 3 meses e existindo obrigação de indemnizar pelo arguido pelo facto ilícito por si deliberadamente provocado, deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo e ser o arguido condenado a pagar, ao assistente o valor de 11.247,12€, pela privação de uso do veículo.
38. Quanto ao valor de danos não patrimoniais que o Tribunal a quo fixou em 800,00€, cremos que se encontra verdadeiramente abaixo do patamar mínimo que a jurisprudência vem fixando em situações semelhantes. O Tribunal a quo deu como provado que o assistente se sente vexado e nervoso, que recorreu a ajuda médica especializada, sendo medicado com ADT, Lorsedal e Lorazepam, além de que exerce a profissão de professor há quantidade não concretamente apurada de anos, sendo bastante conhecido no meio social de Amarante e, ainda, que foi candidato a Presidente da Junta de Freguesia …, por duas vezes. (factos 19 a 22)
39. Tendo sido dados como provados os factos acima indicados, teremos forçosamente que concluir que tal factualidade foi suscetível de colocar em causa, nos meios em que o assistente se movimenta, a sua reputação e a consideração perante terceiros, pelo que tais perdas deveriam ter sido mais valorizadas pelo Tribunal a quo, assim como a situação médica para a qual o assistente acabou arrastado, tudo motivado pela conduta criminosa do arguido.
40. Pelo que, deverá deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo e ser o arguido condenado a pagar, ao assistente, a título de reparação dos danos não patrimoniais por si sofridos, uma indemnização próxima do valor por este pedido no pedido de indemnização civil apresentado, de 5.000,00€.”
Arguido respondeu, reafirmando a sua posição expressa no seu recurso.
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência dos recursos e pela manutenção da sentença recorrida.
*
Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acolheu a posição do M.P. na resposta ao recurso, pugnando igualmente pelas respetivas improcedências.
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É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respetiva motivação constantes da decisão recorrida (transcrição):
« Factos Provados:
Da discussão da causa, após ponderação crítica dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos: 1. Em 08.08.2018, cera das 23:00 horas, no interior do café denominado “C…”, sito na Rua …, nesta cidade, o arguido e o assistente E… iniciaram uma discussão entre ambos, por motivos não concretamente apurados. 2. Em consequência da discussão, o assistente ficou ansioso e muito nervoso e, decorridos alguns minutos, caiu inanimado no chão, tendo sido transportado para o hospital, onde permaneceu até ao dia seguinte. 3. Em hora não concretamente apurada, mas sempre após a ocorrência dos factos descritos em 1) e 2) e as 09:00 horas de 09.08.2018, o arguido, com recurso a um objeto contundente, não concretamente apurado, desferiu várias pancadas no veículo automóvel de matrícula ..-QC-.., da marca Mercedes-Benz Classe A, propriedade do assistente, o qual se encontrava estacionado na Rua … junto ao café “C…”. 4. Com a conduta descrita em 3), o arguido partiu o para-brisas, o vidro traseiro, os limpa vidros, o retrovisor exterior direito e esquerdo, farolim traseiro direito, óculo traseiro, provocou várias amolgadelas e riscos pelo carro todo. 5. A reparação dos danos referidos em 4) foi orçamentada em € 7.533,53. 6. O arguido, ao agir da forma descrita em 5), agiu com o intento de provocar estragos avultados no veículo automóvel do assistente, o que conseguiu, já que provocou danos avaliados naquele valor. 7. O arguido atuou sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. 8. O arguido é empresário, explorando com a sua companheira, um posto de abastecimento, auferindo o rendimento mensal declarado de € 1.000,00. 9. No ano anterior, o seu lucro excedeu os € 20.000,00, tendo auferido, a esse título, a quantia de € 15.000,00. 10. Reside em casa própria. 11. Tem dois filhos, respetivamente, de 21 e 17 anos de idade. 12. Possui um Mercedes …, de 2017, adquirido por € 62.000,00.
13. As filhas têm um Peugeot …, no valor de € 25.000,00. 14. Ganhou, há cerca de 10 anos atrás, o prémio de € 10.000.000,00 do Euromilhões. 15. O arguido possui o seguinte registo de antecedentes criminais: a. Foi julgado no Proc.n.º1094/07.3GBPNF, pela prática em 28.08.2007 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 04 meses, por sentença proferida em 01.10.2007, transitada em julgado em 22.10.2007. b. Foi julgado no Proc.n.º1312/08.0GBPNF, pela prática em 17.10.2008 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 9,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 06 meses, por sentença proferida em20.10.2008, transitada em julgado em 11.11.2008. c. Foi julgado no Proc.n.º96/06.1GBAMT, pela prática em 26.01.2006 de um crime de detenção de arma proibida, e condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, por sentença proferida em 13.07.2010, transitada em julgado em 14.9.2010.
d. Foi julgado no Proc.n.º407/10.5GACPV, pela prática em 15.09.2010 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 07 meses de prisão, suspensa na execução por 01 ano, com regime de prova, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 01 ano, por sentença proferida em 11.10.2010, transitada em julgado em 10.11.2010.
e. Foi julgado no Proc.n.º110/10.6GEPNF, pela prática em 05.08.2010 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de desobediência qualificada, e condenado na pena única de 01 ano e 02 meses de prisão, suspensa na sua execução, com sujeição deveres, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 01 ano, por sentença proferida em 13.04.2011, transitada em julgado em 12.05.2011.
f. Foi julgado no Proc.n.º334/14.7GBAMT, pela prática em 08.03.2014 de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, e condenado na pena de 12 meses de prisão, em regime de permanência na habitação, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 02 anos e 06 meses, por sentença proferida em 20.04.2015, transitada em julgado em 20.05.2015.
g. Foi julgado no Proc.n.º1222/11.4GBAMT, pela prática em 14.12.2011 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 08 meses de prisão, em regime de permanência na habitação, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 24 meses, por sentença proferida em 05.01.2012, transitada em julgado em 25.01.2012.
h. Foi julgado no Proc.n.º826/12.2TAPNF, pela prática em 07.09.2012 de um crime de falsidade de testemunho, e condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, por sentença proferida em 03.10.2013, transitada em julgado em 12.11.2013.
i. Foi julgado no Proc.n.º168/19.2GBAMT, pela prática em 04.03.2019 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e condenado na pena de 01 ano de prisão, em regime de permanência na habitação, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 02 anos e 09 meses, por sentença proferida em 28.03.2019, transitada em julgado em 06.05.2019.
16. O veículo supra referido esteve aparcado na oficina por um período de 03 meses, até 19.11.2018.
17. Pela reparação do veículo, o assistente despendeu a quantia de € 4.309,16.
18. O assistente possui um outro veículo, no qual se fez transportar durante o período referido em 16).
19. O assistente sente-se vexado e nervoso.
20. O assistente recorreu a ajuda médica especializada, sendo medicado com Adt, Lorsedal e Lorazepam.
21. O assistente exerce a profissão de professor há quantidade não concretamente apurada de anos, sendo bastante conhecido no meio social de Amarante.
22. O arguido foi candidato a Presidente da Junta de Freguesia …, por duas vezes.
Factos Não Provados:
Além daqueles que se encontram em contradição com a factualidade provada, não se provou: A. Que no âmbito da discussão aludida supra em 1), o arguido tenha desferido 3 murros na zona do sobrolho do ofendido, tendo sido impedido pelas pessoas presentes de continuar a agredi-lo, e que tenha provocado dores. B. E que tenha agido com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do assistente e de lhe produzir as dores verificadas, e que o tenha logrado. C. Que o assistente desde a data supra aludida em 1) até aos dias de hoje ande angustiado, nervoso, ansioso e humilhado, sentindo-se aniquilado no seu desenvolvimento pessoal e relações sociais e que tal se venha agravando com o tempo. D. Que a conduta do arguido corresponda a uma situação de aproveitamento da fragilidade do assistente e que tal agrave o sentimento de tristeza e vergonha deste. E. Que, em consequência da conduta do arguido, o assistente tenha sentido dores na zona atingida, por período não inferior a duas semanas e que continue a ter dores ocasionais na zona lombar e pescoço, que associa à queda. F. Que o assistente tenha perdido o ânimo, o orgulho e o preenchimento intelectual e emocional, sentindo-se discriminado e envergonhado. G. Que todas estas circunstâncias tenham criado no assistente uma forte e estigmatizante perturbação do seu equilíbrio psíquico e emocional. H. Que a toma dos medicamentos referidos em 20) seja consequência da conduta do arguido. I. Que o assistente tenha sentido fortes efeitos secundários, tais como depressão, insónias e pesadelos, alucinações, náuseas, perturbações na concentração e desorientação, bem como tonturas e elevada fadiga em consequência da conduta do arguido. J. Que o assistente exerça a profissão de professor há mais de duas décadas, que tenha sido coordenador/diretor de várias escolas, tanto nos Concelhos de Baião como de Amarante, coordenador do Conselho de Docentes, membro do Conselho Pedagógico do Agrupamento de Escolas de Amarante e que seja uma pessoa conhecida e respeita no meio docente. K. Que o assistente seja uma pessoa bastante conhecida e tida em boa consideração no meio político do concelho de Amarante. L. Que a notícia do sucedido se tenha espalhado pelo concelho de Amarante, bem como professores, diretores e alunos.
III. Motivação quanto à matéria de facto:
O Tribunal fundou a sua convicção na totalidade dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento e nos documentos juntos aos autos, avaliados à luz da experiência comum.
Foram relevantes, então, os documentos de fls.3 (auto de notícia, de onde se retira o circunstancialismo de tempo e lugar quanto à factualidade atinente aos danos no veículo), de fls.5 a 8 (reproduções fotográficas do veículo em causa nos autos, de onde se vislumbram diversos danos), de fls.18 a 20 (relatório fotográfico, cujas fotografias foram recolhidas em 09.08.2018, onde se vê, com mais clareza e detalhe, os danos perpetrados no veículo em causa), de fls.27 (certidão do registo automóvel de onde resulta a propriedade do veículo supra identificada pertencente ao aqui assistente, o que fundamenta a sua legitimidade, desde logo, para deduzir pedido de indemnização civil), de fls.30/31 (documento correspondente a episódio de urgência de 09.08.2018 referente ao assistente onde se menciona que o doente está «bem acordado, com períodos de agitação, discurso desconexo, não colaborante» e sem edemas, bem como a informação então prestada pelo irmão de que «há alguns anos com problemas psiquiátricos (…) comportamento por vezes instável?»), de fls.33 a 35 (relatório de perícia e de avaliação do dano corporal cuja conclusão é a de que «na ausência de lesões, o perito não tem elementos para se pronunciar médico-legalmente sobre as consequências da eventual ofensa à integridade física», sendo transversal a todo o corpo a ausência de lesões ou sequelas, frisando que o exame foi realizado em 13.08.2020, ou seja, 05 dias após a alegada agressão, sendo que o mais consentâneo com as regras da experiência comum e mesmo da Física seria que o assistente envergasse lesões visíveis e compatíveis com as que diz ter sofrido às mãos do arguido, sendo as mais visíveis no rosto e, no entanto, conforme é clara e insuspeitamente referido no relatório em análise, não foi detetada a existência de qualquer lesão ou sequela, apresentando-se, ademais, com «marcha normal, sem apoio nem claudicação»), de fls.40 a 42 (relatório de exame pericial a vestígios lofoscópicos que, conjugado com o teor do relatório de fls.107, de onde resulta a correspondência com as suas impressões digitais, se afirma a autoria do arguido dos danos observados no veículo da propriedade do assistente), de fls.107 (resultado de pesquisa de vestígios biológicos de onde resulta a correspondência com o aqui arguido, afirmando-se, assim, e sem prejuízo da sua confissão nesta parte, a sua autoria dos danos no automóvel do assistente), e a fatura correspondente à reparação do veículo cujo valor não é equivalente ao valor do orçamento, sendo o valor despendido pelo assistente na reparação menor do que o valor constante do orçamento.
Ainda do apenso A, os documentos de fls.15 a 18 (receituário e faturas referentes aos medicamentos alegadamente tomados pelo assistente, podendo admitir-se a sua compra e até a toma, mas já não o nexo de causalidade entre esta e uma alegada conduta agressiva do arguido), de fls.22 a 25v (orçamento no valor de € 7.533,53, datado de 27.08.2018), e de fls.26 (informação da I… que nos revela o valor mensal de aluguer de um veículo de classe idêntica ao sinistrado, de € 3.749,04).
Em complemento e conjugação com os documentos que vimos de elencar, foram relevantes as declarações do arguido e assistente e os depoimentos de J…, F…, K…, L…, M…, N…, D… e O….
O arguido e o assistente apresentam duas versões diametralmente opostas do sucedido.
O arguido B… refere que aquele se foi meter com ele, chamando-lhe “drogado” e “bêbado”, o que nos parece plausível (ainda que não aceitável) atento o seu historial criminal, e que se entretiveram no que chamou uma pequena discussão, tendo alterado as vozes, que o assistente saiu do café e desmaiou, negando que o tenha agredido pois as pessoas ali presentes intervieram agarrando-os antes que tal se concretizasse, no que é corroborado pelo proprietário do café com foros de seriedade.
Mais referiu que, como pensou que a circunstância de o arguido se ter sentido mal e ter ido para o hospital havia sido fingimento e, como tal, após beber, danificou o veículo automóvel do assistente, com uma chave de rodas.
Reconhece ter um problema de alcoolismo, estando a receber tratamento para a resolução do mesmo.
Todavia, o arguido entra em contradição quando refere que, quando chegou, o assistente já estava na esplanada e que, por isso, é que entrou e foi ao balcão, denotando um conhecimento (e atrito) prévio, e que estava calmo, dizendo, contudo, que o assistente estava a destratar toda a gente que ali se encontrava.
O assistente E…, por seu turno, refere que no interior do estabelecimento, se dirigiu ao seu proprietário, J…, e que o arguido, inesperadamente, ficou nervoso, lhe lançou uma garrafa de cerveja na direção da cabeça, que lhe rasgou um sobrolho e bateu na parede.
Após uns minutos, refere que o arguido ia em direção a si e que J… se meteu entre ambos, mas que o arguido, com o braço esquerdo, ainda lhe acertou na zona direita da cabeça, no que é desmentido pelo proprietário do café que, com aparência credível, contextualizou a contenda, explicando o ponto geográfico de cada um por referência a si, e de modo convincente.
Mais referiu que começou a sentir-se indisposto e se dirigiu ao salão, que pediu uma garrafa de água das pedras, foi ao wc lavar a cara e sentiu náuseas e que, tempo depois, já junto à porta, desmaiou.
Tanto um como outro referem não se conhecerem antes desta situação, o que torna estranha, a ter existido cfr o esboça a acusação, a interação entre ambos, podendo, contudo, a testemunha J… oferecer uma explicação plausível, qual seja a de, uns tempos antes, o assistente, ao estacionar, ter encostado o seu veículo ao do arguido.
Com efeito, o assistente refere que conhecia o arguido apenas de vista e do café, mas, mais adiante, já refere que uma semana antes, o arguido o teria ameaçado, o que não é coerente.
Mais refere, com relevo, que ficou com equimose no sobrolho, mas que, como estava bronzeado, tal não era muito visível.
Ora, tal é desmentido pelos documentos médicos, designadamente, o relatório médico-legal que registou a inexistência de lesões ou sequelas, sendo que não seria, certamente, um bronzeado intenso que obstaculizaria a que o olho treinado de um médico aferisse da existência de uma lesão, ainda para mais, no âmbito de uma diligência com vista à realização de perícia no interesse do observando, aqui assistente, e em que, logicamente, o mesmo seria colaborante ao ponto de evidenciar eventuais lesões existentes.
Com relevo, referiu que o que verdadeiramente o apoquentou foi as dores de cabeça e insónias resultantes do choque de ver a sua viatura no estado em que o arguido a deixou.
Relata que esteve sem o veículo até 19.11.2018, tendo utilizado o veículo da sua esposa para se deslocar, acrescentando ter mais dois veículos, além do acidentado, utilizados respetivamente pela esposa e pelo filho, o que demonstra que o assistente tinha uma alternativa de transporte que não o levou a alugar um veículo de substituição.
No mais, referiu factos, tais como o de ter sido convidado para um cargo e que, por força da alegada agressão, foi desconsiderado para o mesmo, o que não logrou provar, nem tão-pouco, a dispersão para além dos clientes do café à data da contenda do sucedido por todo o concelho de Amarante.
Aqui chegados, vejamos o que a demais prova testemunhal nos permite concluir: J… é o dono do café C… e referiu que o assistente disse «está mais fresco; as pessoas estão mais calmas» ao que o arguido respondeu «estás a falar para mim? O que é que queres?», acrescentando que houve alteração de voz e que saiu do balcão e se meteu de permeio entre os dois, pelo menos, para fazerem menos barulho, sem sucesso.
Mais referiu que estavam ambos “pegados” e que o arguido se colocou atrás de si a tentar atingir o assistente, frisando com foros de seriedade que não houve murros, contextualizando e dizendo que sentia os braços do arguido a chegarem à frente, mas que não tinham comprimento para atingir o assistente, frisando que se houvesse contacto, atenta a sua localização de frente para o assistente e de costas para o arguido, veria e não viu.
Relatou que, entretanto, as coisas ficaram mais calmas e que o assistente ficou à porta do café e o arguido já da parte de fora.
Com interesse, referiu que, ao contrário do que o arguido quis fazer crer, nenhum dos dois se tinha portado mal no café, descrevendo o assistente como sempre muito sossegado, ao passo que o arguido, por vezes, bebia demais.
Referiu ainda que houve uma garrafa de cerveja atirada pelo ar, mas que, como estava, então, de costas, não viu quem a arremessou, acrescentando ter ideia que, nessa altura, o arguido não bebia.
Com interesse, referiu que nos dias que se seguiram, as pessoas perguntavam-lhe pelo professor E….
Prestou um depoimento claro, escorreito e completo, com mostras de conhecimento direto. F… referiu que o assistente foi atrás do arguido, o provocou e que, assim, se pegaram.
Ouviu o arguido dizer: «tu estás a provocar-me; tu queres é dinheiro meu!» e que o assistente dizia «isto não é teu; é público» e houve uma altura em que disseram ao arguido para se retirar porque o assistente o estava a provocar muito e que o arguido deu um murro ao assistente, que descreve como “provocador”.
Mais referiu que o murro não foi direto, não lhe deu em cheio, o que, a considerar como fidedigna esta informação sempre poderia contribuir para a convicção de que, tal como J… o disse, o arguido não conseguiu tocar no assistente.
É surpreendente como duas pessoas no mesmo local podem ter prismas tão diferentes. Assim é o caso destas duas testemunhas, em que a primeira não vê nenhuma agressão, embora estivesse bem no meio e a segunda refere que, sim, houve uma agressão e que a primeira testemunha nem sequer saiu do balcão.
Todavia, pela forma como se expressou, de forma completa e aparentemente segura, a que acresce a circunstância de os documentos médicos não atestarem a presença de nenhuma lesão ou sequela na pessoa do assistente, atribuiremos maior plausibilidade e, logo, credibilidade ao proprietário do estabelecimento. K…, frequentadora do café, referiu que quando os ânimos começaram a aquecer, o dono do café ainda se encontrava dentro do balcão e que ouviu falar em dinheiro e mulheres e que ouviu uma garrafa ser atirada, mas que não viu quem o fez. L… nada sabe do historial clínico do assistente, dizendo apenas que lhe receitou a medicação supra aludida em 18), mais descrevendo os eventuais efeitos secundários, cuja existência reconhecemos não só mercê dos esclarecimentos desta testemunha como da posologia dos mesmos junta ao apenso A, no entanto, não foi produzida prova no sentido de a toma daqueles medicamentos advir da conduta do arguido. M…, neurologista, viu o assistente em consulta e apenas sabe referir-se aos registos hospitalares, mais dissertando sobre os efeitos secundários dos medicamentos referidos supra. A… é irmão do assistente, de quem é próximo.
Começou por referir nada saber quanto à alegada agressão, só tendo encontrado o seu irmão já no hospital, tendo-o transportado para casa, bastante perturbado, o que pode também ser compatível com o historial psiquiátrico que referiu no hospital e que o pessoal médico registou na ficha de atendimento do irmão, aqui assistente, e não necessariamente decorrência de uma agressão do arguido.
Referiu ainda que o viu triste e mais nervoso do que anteriormente, mas não sabe se ficou envergonhado ou não, o que nos impele para a negativa, pois, quem é próximo, deveria saber aferir de tal estado e, não o tendo feito, presumir-se-á que esse não existiu.
Da mesma forma, refere não saber os cargos que o irmão teve, embora refira, sem saber circunscrever temporalmente, as duas eleições autárquicas em que o irmão, aqui assistente, concorreu. D… é sócio-gerente da empresa responsável pela reparação do veículo, tendo facultado a fatura correspondente que nos permite concluir que a quantia despendida em concreto fica aquém da quantia orçamentada (até porque o orçamento espelhou apenas os defeitos que estavam à vista).
Com interesse, referiu que a ordem de serviço corresponde à ordem de entrada e que a fatura, corresponde à data de saída da oficina do veículo. O… é companheira do arguido e referiu que a partir deste conflito, o arguido passou a consumir álcool, não sabendo adiantar mais nada de relevo.
Quanto ao registo de antecedentes criminais, o longo CRC junto aos autos, no que respeita às condições socioeconómicas do arguido, este prestou declarações e, por fim, quanto aos factos não provados, além do que fomos referindo, assim resultaram por ausência de prova em sentido contrário.»
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II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente arguido coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
Erro de julgamento.
Do crime, devendo pois ser aditado ao elenco dos factos provados o seguinte novo facto: "2- O assistente após ter entrado no estabelecimento “C…”, dirigiu-se ao arguido, chamando-lhe “drogado” e “bêbado”.
Do pedido cível, dever ser aditado o seguinte novo facto ao elenco dos factos provados: "19. A reparação do veículo do assistente demorou cerca de três semanas."
Facto 18º, deverá ser alterado para a seguinte redação: "O assistente possui mais dois veículos, nos quais se fez transportar até ao dia 19.11.2018".
Da pena.
A pena de multa aplicada é manifestamente excessiva.
Quanto ao pedido de indemnização civil.
Revogação da condenação de indemnização de €5.623,56 a título de dano da privação do uso do veículo pelo período de três meses, por ausência de um efetivo prejuízo.
Subsidiariamente, o valor arbitrado pelo Tribunal a quo a título de indemnização do dano da privação do uso é manifestamente exagerado.
Recurso do assistente.
Erro de julgamento:
Discordância da absolvição do arguido da prática de um crime de ofensa à integridade física simples devendo se dados como provados factos como o arguido tendo desferido um murro no assistente de forma voluntária, livre e consciente criando-lhe dores.
Discordância da absolvição da prática de um crime de dano qualificado nos termos em que vinha acusado.
Pena de 220 dias de multa à taxa diária de 20,00€ manifestamente insuficiente.
Condenação do pedido de indemnização civil aquém dos prejuízos e danos sofridos.
*
Vejamos.
É jurisprudência pacífica a que considera que os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal são defeitos que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua interpretação à luz das regras da experiência comum. São falhas que hão de resultar da própria leitura da decisão e que são detetáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente percetíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.
Ora, compulsado o texto da decisão recorrida e vista a matéria de facto provada e não provada e respetiva motivação, bem como a decisão de direito que se baseou nesses elementos, há que concluir que a decisão proferida encontra ali suporte bastante e necessário.
Em suma, da leitura da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se deteta qualquer falha lógica evidente, qualquer interferência no percurso lógico do texto que seja patente à leitura pelo cidadão mediano e que leve a concluir pela existência que uma qualquer inconsistência ou incoerência lógica, ou mesmo uma contradição de raciocínio.
Do erro de julgamento.
Recurso do arguido.
Como é sabido, na fixação da matéria de facto provada ou não provada o Tribunal de 1ª Instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127.º do C.P.P.
Como bem decidiu o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 18-02-2009 | Proc. 1019/05.0GCVIS.C1 | Relator: Jorge Gonçalves| In: www.dgsi.pt
“1. A sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações (cfr. ac. do S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, www.dgsi.pt): 1ª) – a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; 2ª) - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; 3ª) - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso; 4ª) - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]. 2. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe, sendo, essencialmente, a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. 3. Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões distintas, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável. A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos.”
Como também bem decidiu o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2011 | Proc. 158/09.3GBAVV.G2.S1 | Relator: Des. Oliveira Mendes | In: www.dgsi.pt, “V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido.”
Igualmente bem decidiu o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 09-01-2012 | Proc. 102/10.5TAANS.C1 | Relator: Brízida Martins | In: www.dgsi.pt:
1.- Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
2.- Assim a crítica à convicção do tribunal a quo não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Igualmente o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 22-04-2009 | Proc. 2912/06.9TALRA.C1 | Relator: Orlando Gonçalves | In: www.dgsi.pt-“1- O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
2- Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
3- O objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
4- Tendo a arguida sido vista a fugir de noite do local onde se encontrava estacionado o veículo da assistente, cuja pintura logo nesse momento surge aos olhos da assistente e duma testemunha como riscada, não vai contra as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, concluir que foi a arguida quem danificou a pintura do veículo da assistente.”
Conclui-se, assim, que ter presente que, salvaguardado e garantindo um efetivo duplo grau de jurisdição, o recurso em matéria de facto para o Tribunal da Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância: antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir os erros “in judicando” ou “in procedendo”, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
Diz o arguido que da prova em audiência resultou que o assistente o chamou de “drogado” e “bêbado pelo que tal deveria ser considerado como provado.
Assim, o arguido alega brevemente no sentido de que deveria beneficiar de uma atenuação da pena de multa em virtude de o assistente previamente o ter apelidado de bêbado e drogado.
O Tribunal recorrido não fez constar do acervo dos factos provados tais factos, mas refere expressamente na fundamentação da decisão da matéria de facto que lhe pareceu verosímil que o assistente tenha dirigido ao arguido tais expressões-“ O arguido B… refere que aquele se foi meter com ele, chamando-lhe “drogado” e “bêbado”, o que nos parece plausível (ainda que não aceitável) atento o seu historial criminal, e que se entretiveram no que chamou uma pequena discussão, tendo alterado as vozes, que o assistente saiu do café e desmaiou…”, havendo ainda outras menções na fundamentação a alcoolismo, problema assumido pelo próprio arguido.
Efetivamente das declarações do arguido prestadas no dia 20-02-2020 entre as 10:53:40 e as 11:52:43, aos 2:17, decorre que o assistente chamou bêbado e drogado ao (arguido, o que ressalva verosímil da motivação de facto da douta sentença a quo.
E isto mesmo decorre também das declarações do arguido que, no dia 20-02- 2020 prestou declarações entre as 10:53:40 e as 11:52:43, aos 2:17, referiu: "Eu estava no café, eu estava ao balcão e ele foi-se meter comigo (…) chamar-me bêbado e drogado".
Na formação da sua convicção, o Tribunal a quo teve em consideração todos os meios de prova produzidos em audiência de julgamento, tendo aventado que o histórico criminal do arguido junto aos autos permitia dar como verosímil que o assistente tivesse chamado drogado e bêbado ao recorrente.
Em face do exposto, e porque o tribunal a quo justificou da plausibilidade de tais expressões terem sido proferidas pelo assistente deve tal expressão dar-se por provada e isto não obstante as demais testemunhas nada terem ouvido a propósito e o assistente o ter negado, já que o tribunal apreciou a prova segundo as regras da experiência e sua livre convicção, admitindo terem ocorrido.
Assim deve tal facto constar do facto 1 acrescentando-se “ tendo o assistente chamado o arguido de “drogado” e “bêbado”.
Relativamente às implicações deste acrescento, o tribunal ponderará infra.
Factos atinentes ao pedido cível.
Efetivamente do depoimento da testemunha D…, sócio gerente da oficina que reparou o automóvel do assistente, cujo depoimento se iniciou às 10:28:42 do dia 13-07-2020 e terminou às 10:39:04, decorre expressamente, ao minuto 9:04 e seguintes, que entre a ordem de reparação dada pelo assistente e a efetiva reparação da viatura decorreram não mais do que três semanas e nenhuma outra prova o infirmou, facto que pode revelar-se essencial à boa decisão da causa, pelo que deverá ser aditado o seguinte novo facto ao elenco dos factos provados: "23. A reparação do veículo do assistente demorou cerca de três semanas."
Decore do facto provado n.º 18 que “O arguido possuía um outro veículo, no qual se fez transportar durante o período referido em 16)", facto que não se encontra corretamente julgado pois resulta do depoimento do assistente prestado em 20-02-2020, entre as 11:54:06 e as 13:00:55 que o mesmo possui mais dois veículos, além do veículo dos autos, sendo um normalmente usado pela esposa e o outro pelo seu filho (minuto 47:16 a 47:33), pelo que tal facto deverá ser alterado para a seguinte redação, já que também nenhuma outra prova o infirmou e poderá ter relevância em sede de fixação de indemnização cível: "O assistente possui mais dois veículos, nos quais se fez transportar até ao dia 19.11.2018".
A questão da pena e do montante cível avaliar-se-á mais abaixo.
Recurso do assistente.
Da absolvição do crime de ofensas à integridade física simples.
Julga o ora recorrente que o Tribunal deveria ter considerado como provados, além daqueles que que o Tribunal considerou, os seguintes factos:
I. No âmbito da discussão aludida supra em 1), o arguido desferiu 1 murro na zona do sobrolho do ofendido, tendo sido impedido pelas pessoas presentes de continuar a agredi-lo, tendo-lhe provocado dores;
II. O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do assistente e de lhe produzir as dores verificadas, o que logrou.
Que tendo em conta a prova produzida, no caso a prova da audiência de discussão e julgamento, os factos supraindicados deveriam ter sido dados como provados, nomeadamente com recurso ao depoimento da testemunha F…, que prestou depoimento na sessão de dia 20/02/2020, cujo depoimento se iniciou às 15:42:12 horas e terminou às 16:12:35 horas.
Para o efeito sustenta-se: “No decorrer do seu depoimento, ao decorrer do minuto 00:01:39, começou a contar ao Tribunal a sua versão, onde, claramente em defesa da posição do arguido, explicou que foi o assistente, ora recorrente, quem foi atrás do arguido para dentro do café, junto do balcão, para o provocar, uma vez que já haveria “mau ambiente entre o arguido e o assistente antes deste episódio”. Depois de muita insistência da parte do Senhor Procurador, ao decorrer do minuto 00:03:19, a testemunha disse que ouviu o arguido a falar para o assistente a dizer “tu queres é o meu dinheiro, tu queres que eu te bata, tás a provocar, tu queres é dinheiro meu”. Até este momento, todo o depoimento da testemunha, foi sendo guiado no sentido de beneficiar o seu amigo arguido e prejudicar a posição do assistente. Não obstante, após a insistência do Senhor Procurador da República, que se pode aferir no seguimento do minuto 00:05:56, a testemunha acabou por reconhecer que não se sentia confortável na sua posição de testemunha no processo, tentando não dizer nada que pudesse prejudicar o arguido. Sucede que depois de diversas insistências da parte do Senhor Procurador da República, ao minuto 00:08:44, a testemunha F… acabou por reconhecer que o B… (arguido), agrediu o Professor (assistente), exemplificando de que forma o arguido lhe deu um murro: “[00:08:44] Senhor Procurador Voltando à história do balcão, e então e depois? Aconteceu alguma coisa junto ao balcão? F… Aconteceu. Senhor Procurador O que aconteceu junto ao balcão? F… O B… agrediu o Professor E…. Deu-lhe assim um murro.” Acresce que, ao minuto 00:12:59, a testemunha diz que, ele próprio foi uma das pessoas que disse para eles terem calma, que parassem com aquilo, mas que não conseguiu, tendo-se afastado, que acabou por sair dali do meio de ambos (arguido e assistente), e que já na parte final da discussão, depois de passados uns 20 minutos de discussão, o arguido deu um murro ao assistente. Ou seja, mais uma vez, ao longo do seu depoimento, a testemunha afirma ter visto o arguido a dar um murro ao assistente. No seguimento do minuto 00:14:52, a testemunha disse, em depoimento, que o dono do estabelecimento (“O J…”), que se recorda de o ter visto sempre atrás do balcão, que acha que ele fez mal em não sair de detrás do balcão e que ele próprio, bem como outras pessoas que estavam no café, acabaram por se meter no meio do arguido e do assistente para tentar acabar com a discussão. Novamente, e no seguimento do minuto 00:15:47 ao minuto 00:17:20 do seu depoimento, esta testemunha disse ter visto que o arguido deu um murro ao assistente, dizendo que “foi daqueles que não faz mal a ninguém”, porque não lhe deu em cheio” e que foi apenas uma vez”.
Ocorre que a este respeito discorreu o tribunal a quo refere que “O arguido e o assistente apresentam duas versões diametralmente opostas do sucedido. O arguido B… refere que aquele se foi meter com ele, chamando-lhe “drogado” e “bêbado”, o que nos parece plausível (ainda que não aceitável) atento o seu historial criminal, e que se entretiveram no que chamou uma pequena discussão, tendo alterado as vozes, que o assistente saiu do café e desmaiou, negando que o tenha agredido pois as pessoas ali presentes intervieram agarrando-os antes que tal se concretizasse, no que é corroborado pelo proprietário do café com foros de seriedade. Mais referiu que, como pensou que a circunstância de o arguido se ter sentido mal e ter ido para o hospital havia sido fingimento e, como tal, após beber, danificou o veículo automóvel do assistente, com uma chave de rodas. Reconhece ter um problema de alcoolismo, estando a receber tratamento para a resolução do mesmo. Todavia, o arguido entra em contradição quando refere que, quando chegou, o assistente já estava na esplanada e que, por isso, é que entrou e foi ao balcão, denotando um conhecimento (e atrito) prévio, e que estava calmo, dizendo, contudo, que o assistente estava a destratar toda a gente que ali se encontrava. O assistente E…, por seu turno, refere que no interior do estabelecimento, se dirigiu ao seu proprietário, J…, e que o arguido, inesperadamente, ficou nervoso, lhe lançou uma garrafa de cerveja na direção da cabeça, que lhe rasgou um sobrolho e bateu na parede. Após uns minutos, refere que o arguido ia em direção a si e que J… se meteu entre ambos, mas que o arguido, com o braço esquerdo, ainda lhe acertou na zona direita da cabeça, no que é desmentido pelo proprietário do café que, com aparência credível, contextualizou a contenda, explicando o ponto geográfico de cada um por referência a si, e de modo convincente. Mais referiu que começou a sentir-se indisposto e se dirigiu ao salão, que pediu uma garrafa de água das pedras, foi ao wc lavar a cara e sentiu náuseas e que, tempo depois, já junto à porta, desmaiou. Tanto um como outro referem não se conhecerem antes desta situação, o que torna estranha, a ter existido cfr o esboça a acusação, a interação entre ambos, podendo, contudo, a testemunha J… oferecer uma explicação plausível, qual seja a de, uns tempos antes, o assistente, ao estacionar, ter encostado o seu veículo ao do arguido. Com efeito, o assistente refere que conhecia o arguido apenas de vista e do café, mas, mais adiante, já refere que uma semana antes, o arguido o teria ameaçado, o que não é coerente. Mais refere, com relevo, que ficou com equimose no sobrolho, mas que, como estava bronzeado, tal não era muito visível. Ora, tal é desmentido pelos documentos médicos, designadamente, o relatório médico-legal que registou a inexistência de lesões ou sequelas, sendo que não seria, certamente, um bronzeado intenso que obstaculizaria a que o olho treinado de um médico aferisse da existência de uma lesão, ainda para mais, no âmbito de uma diligência com vista à realização de perícia no interesse do observando, aqui assistente, e em que, logicamente, o mesmo seria colaborante ao ponto de evidenciar eventuais lesões existentes.”
Por sua vez, relativamente à restante prova discorre:” J… é o dono do café C… e referiu que o assistente disse «está mais fresco; as pessoas estão mais calmas» ao que o arguido respondeu «estás a falar para mim? O que é que queres?», acrescentando que houve alteração de voz e que saiu do balcão e se meteu de permeio entre os dois, pelo menos, para fazerem menos barulho, sem sucesso. Mais referiu que estavam ambos “pegados” e que o arguido se colocou atrás de si a tentar atingir o assistente, frisando com foros de seriedade que não houve murros, contextualizando e dizendo que sentia os braços do arguido a chegarem à frente, mas que não tinham comprimento para atingir o assistente, frisando que se houvesse contacto, atenta a sua localização de frente para o assistente e de costas para o arguido, veria e não viu. Relatou que, entretanto, as coisas ficaram mais calmas e que o assistente ficou à porta do café e o arguido já da parte de fora. Com interesse, referiu que, ao contrário do que o arguido quis fazer crer, nenhum dos dois se tinha portado mal no café, descrevendo o assistente como sempre muito sossegado, ao passo que o arguido, por vezes, bebia demais. Referiu ainda que houve uma garrafa de cerveja atirada pelo ar, mas que, como estava, então, de costas, não viu quem a arremessou, acrescentando ter ideia que, nessa altura, o arguido não bebia. Com interesse, referiu que nos dias que se seguiram, as pessoas perguntavam-lhe pelo professor E…. Prestou um depoimento claro, escorreito e completo, com mostras de conhecimento direto. F… referiu que o assistente foi atrás do arguido, o provocou e que, assim, se pegaram. Ouviu o arguido dizer: «tu estás a provocar-me; tu queres é dinheiro meu!» e que o assistente dizia «isto não é teu; é público» e houve uma altura em que disseram ao arguido para se retirar porque o assistente o estava a provocar muito e que o arguido deu um murro ao assistente, que descreve como “provocador”. Mais referiu que o murro não foi direto, não lhe deu em cheio, o que, a considerar como fidedigna esta informação sempre poderia contribuir para a convicção de que, tal como J… o disse, o arguido não conseguiu tocar no assistente. É surpreendente como duas pessoas no mesmo local podem ter prismas tão diferentes. Assim é o caso destas duas testemunhas, em que a primeira não vê nenhuma agressão, embora estivesse bem no meio e a segunda refere que, sim, houve uma agressão e que a primeira testemunha nem sequer saiu do balcão. Todavia, pela forma como se expressou, de forma completa e aparentemente segura, a que acresce a circunstância de os documentos médicos não atestarem a presença de nenhuma lesão ou sequela na pessoa do assistente, atribuiremos maior plausibilidade e, logo, credibilidade ao proprietário do estabelecimento. (negrito nosso) K…, frequentadora do café, referiu que quando os ânimos começaram a aquecer, o dono do café ainda se encontrava dentro do balcão e que ouviu falar em dinheiro e mulheres e que ouviu uma garrafa ser atirada, mas que não viu quem o fez.”
Portanto, nota-se que o tribunal esteve atento e escalpelizou a prova produzida.
Ora, resultou provado em audiência de julgamento, não só pelo depoimento das testemunhas presentes mas também dos documentos juntos aos autos, designadamente, os relatórios médicos juntos pelo assistente, que naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido não desferiu qualquer murro na pessoa do assistente, tendo apenas ocorrido uma forte discussão entre ambos.
O que resulta corroborado pelo depoimento do dono do café onde decorreu o desacato, J…, que se encontrava entre o assistente e o arguido tentando acalmá-los.
Assim, tal testemunha, a única colocada entre arguido e assistente foi perentória ao afirmar que o arguido não desferiu um murro no assistente.
Por outro lado, certo é que também os relatórios médicos juntos aos autos pelo assistente não atestaram a presença de qualquer lesão ou sequela na pessoa do assistente.
Ouvida os depoimentos, nesta parte, a sentença a quo encontra-se cabalmente fundamentada analisando criticamente a prova produzida em audiência constante dos autos. A credibilidade da referida testemunha não foi de modo nenhum abalada pelo que o seu depoimento, concatenado com a ausência de lesões, permitiu a conclusão a que chegou o tribunal.
A diferente opinião do assistente relativamente à valoração da prova ainda que legítima, é irrelevante em sede recurso porquanto, além da sua opinião, não demostra nem evidencia que razões impunham que o Tribunal a quo tivesse avaliado a prova de diferente forma.
Como é sabido, na fixação da matéria de facto provada ou não provada o Tribunal de 1ª Instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127.º do C.P.P..
Como bem decidiu o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 18-02-2009 | Proc. 1019/05.0GCVIS.C1 | Relator: Jorge Gonçalves| In: www.dgsi.pt
“1. A sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações (cfr. ac. do S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, www.dgsi.pt): 1ª) – a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; 2ª) - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; 3ª) - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso; 4ª) - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]. 2. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe, sendo, essencialmente, a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. 3. Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões distintas, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável. A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos. “
Como também bem decidiu o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2011 | Proc. 158/09.3GBAVV.G2.S1 | Relator: Des. Oliveira Mendes | In: www.dgsi.pt, “V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido.”
Igualmente bem decidiu o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 09-01-2012 | Proc. 102/10.5TAANS.C1 | Relator: Brízida Martins | In: www.dgsi.pt:
1.- Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
2.- Assim a crítica à convicção do tribunal a quo não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Igualmente o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 22-04-2009 | Proc. 2912/06.9TALRA.C1 | Relator: Orlando Gonçalves | In: www.dgsi.pt-“1- O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
2- Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
3- O objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
4- Tendo a arguida sido vista a fugir de noite do local onde se encontrava estacionado o veículo da assistente, cuja pintura logo nesse momento surge aos olhos da assistente e duma testemunha como riscada, não vai contra as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, concluir que foi a arguida quem danificou a pintura do veículo da assistente.”
Conclui-se, assim, que ter presente que, salvaguardado e garantindo um efetivo duplo grau de jurisdição, o recurso em matéria de facto para o Tribunal da Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância: antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir os erros “in judicando” ou “in procedendo”, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
Nenhuma censura merece, pois, o julgamento da Matéria de Facto nesta parte, porque a prova enunciada pelo recorrente não impõe outra versão e a dada como assente não viola as regras da experiência.
Em suma, os argumentos do recorrente mais não traduzem que uma discordância quanto à convicção do tribunal, resultando assim de uma leitura diversa da prova produzida em audiência, não logrando, porém, demonstrar, - porquanto, com devido respeito por opinião contrária, não ocorreu, - qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova. O julgador não violou tal princípio, ao efetuar a análise e valoração da prova de modo não discricionário, mas também valorando de forma crítica os depoimentos produzidos, e conjugando todos, de forma unitária, considerando-os na sua globalidade, atento a divergências ou contradições em busca de uma convicção que se tem por assente em elementos sólidos.
Tendo presente que não ficou provada matéria fáctica atinente ao crime de ofensas à integridade física, temos igualmente por certo que as expressões utilizadas pelo arguido e que se acrescentaram ao facto nº 1 são inócuas.
De facto com bem refere o M.P. a quo Assim, o arguido alega brevemente no sentido de que deveria beneficiar de uma atenuação da pena de multa em virtude de o assistente previamente o ter apelidado de bêbado e drogado. O Tribunal recorrido não fez constar do acervo dos factos provados tais factos, mas refere expressamente na fundamentação da decisão da matéria de facto que lhe pareceu verosímil que o assistente tenha dirigido ao arguido tais expressões. Não cremos, tal circunstância poderia ter especial relevância, nos termos do art.º 72º, nº2, al. b), do Código Penal, caso se tivesse provado que o arguido havia agredido o ofendido e por isso tivesse sido condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física imputado na acusação. Sucede que o arguido foi absolvido da prática do referido crime, pelo que se não nos afigura razoável beneficia-lo por ter vandalizado o automóvel do ofendido que se encontrava estacionado no exterior do estabelecimento e a hora que não foi possível apurar mas que não poderá ter sido logo após o desentendimento no estabelecimento porquanto, nomeadamente, estavam pessoas na esplanada aí existente que veriam o arguido a estragar o automóvel.
Nós acrescentamos que relativamente os danos realizados na viatura, a justificação para os mesmos foi-nos dada pelo próprio arguido quando afirmou que a sua raiva se virou para o automóvel do assistente por considerar que o mesmo estava a fingir quando alegadamente se sentiu mal e foi para o hospital.
Da qualificação crime de dano.
Como bem refere a sentença a quo No que tange ao primeiro – dano qualificado – preceitua o n.º1 do art.º212.º do Código Penal que “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”
Plasma a alínea a) do n.º1 do art.º213.º do mesmo diploma legal que “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável (…) coisa ou animal alheios de valor elevado (…) é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.” E, ainda, a alínea a) do art.º202.º do diploma, que estabelece que se considera “valor elevado – aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto,” sendo, cfr o ensina o aresto do Tribunal da Relação do Porto, de 10.12.2014, de ter em conta o valor “do prejuízo sofrido e não o valor da coisa na totalidade”, in http://www.dgsi.pt. In casu, o bem jurídico que a norma jurídica visa proteger é o da propriedade. A prática deste tipo legal comporta o preenchimento dos seguintes elementos típicos: Elementos objetivos: a) Quem destruir, danificar, desfigurar ou tornar inutilizável; b) No todo ou em parte; c) Coisa alheia; d) Neste caso, de valor elevado;
Elemento subjetivo: a) Com dolo.
Extrai-se da factualidade dada como provada que o arguido, com a sua conduta, preencheu todos os elementos deste tipo legal de crime de dano, senão vejamos: danificou e desfigurou um veículo automóvel (que integra o conceito de coisa móvel do art.º202.º do Código Civil) da propriedade do aqui assistente, fê-lo com conhecimento do que estava a fazer e vontade de o concretizar.
O tribunal a quo discorrendo sobre o conceito de valor elevado concluiu: Todavia, será o valor da coisa elevado para efeitos da qualificação prevista na alínea a) do art.º202.º? Sendo o valor da unidade de conta (à data da prática dos factos e atualmente – DL n.º114/2018, de 29.12 e 2/2020, de 31.03) o de € 102,00 e sendo nosso entendimento que o valor a ter por referência para efeitos de qualificação do dano, é não o valor da coisa, mas sim o do efetivo prejuízo causado na mesma por força da conduta do arguido, em face do facto provado em 17) de que o valor concretamente despendido pelo assistente para pagar a reparação efetuada foi de € 4.309,16 e não o valor orçamentado (sendo este uma estimativa e não uma certeza), conclui-se que este valor fica aquém do quantitativo correspondente ao “valor elevado”. Assim sendo, impõe-se desqualificar o crime de dano, verificando-se apenas a comissão de dano simples nos termos do n.º1 do art.º212.º e já não o de dano qualificado nos termos do n.º1, alínea a) do art.º213.º do Código Penal. Pelo exposto, verificado o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime de dano (simples e não qualificado) e inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude, bem como de desculpabilização, impõe-se concluir que o arguido incorreu na prática deste tipo legal de crime, na sua modalidade simples e já não qualificada.
Ou seja, teve em conta para tal efeito o valor efetivamente pago pelo assistente e não o valor orçamentado para a reparação, desqualificando, desta forma o dano.
Será assim?
Como bem refere o recorrente/assistente o arguido vinha acusado da prática de um crime de dano qualificado, porquanto, em hora não concretamente apurada, na madrugada do dia 9 de agosto de 2018, com recurso a um objeto contundente, desferiu várias pancadas no veículo automóvel com matrícula ..-QC-.., da marca Mercedes-Benz, propriedade do assistente, que se encontrava estacionado na Rua …, junto ao café “C…”, tendo partido o para-brisas, o vidro traseiro, os limpa-vidros, o retrovisor exterior direito e esquerdo, o farolim traseiro direito, o óculo traseiro, tendo ainda provocado várias amolgadelas e riscos pelo carro todo, cuja reparação foi orçamentada, por sistema certificado, em 7.533,53€.
O orçamento mostra-se pormenorizado apontando todos os danos constatados e reparações necessárias, não traduzindo, portanto, uma mera estimativa.
Além do auto de notícia de fls. 3, das provas fotográficas de fls. 5 a 8 e do relatório fotográfico de fls. 18 a 20, o assistente apresentou nos autos o orçamento de fls. 22 a 26 do Apenso A, elaborado por uma oficina especializada, nos termos do sistema “Audatex”, que é precisamente o mesmo sistema que é utilizado perante as seguradoras para avaliação do dano de um qualquer sinistro e para que as mesmas procedam ao respetivo pagamento.
Sucede que, conforme se pode aferir do depoimento da testemunha D…, cujo depoimento foi prestado no dia 13 de julho de 2020, entre as 10:28:42 horas e as 10:41:12 horas desse mesmo dia, a testemunha D… é sócio-gerente de uma empresa de reparação automóvel, tendo confirmado, no decorrer do minuto 00:00:44 que o orçamento de reparação junto aos do processo, de fls 22 a fls 26 do Apenso A foi elaborado pela sua oficina automóvel, de nome H…, Lda e que correspondia ao carro que o arguido vandalizou e que acima já se encontra identificado.
Confirmou, na sequência do minuto 00.02:10 do seu depoimento, que o carro chegou à oficina todo vandalizado, com vidros partidos, cheio de sangue, todo vandalizado, com a pintura estragada.
Confirmou na sequência do minuto 00:02:54 que a sua oficina elaborou o orçamento e efetuou a reparação do veículo, bem como o veículo esteve na sua oficina uns meses que não soube precisar, mas dois ou três meses.
Na decorrência do minuto 00:04:41, a testemunha indica que o orçamento discrimina tudo, desde mão-de-obra, peças, o tempo que demora para desmontar e montar peças.
Na decorrência do minuto 00:05:13 a testemunha D… disse que a reparação do veículo era bastante cara, pelo que o assistente optou por recuperar algum tipo de material, tendo ficado com o tablier picado, com os bancos e o fardamento das portas picadas com os vidros, sendo que foi aproveitado aquilo que ainda podia ser e que reparou aquilo que não dava para aproveitar.
Questionado, ao minuto 00:06:05 se o arguido quisesse reparar o carro na totalidade
(repondo o estado do veículo ao momento imediatamente anterior ao da vandalização provocada pelo arguido), a testemunha respondeu que teria de se meter todo aquele material que se encontra no orçamento apresentado e que totalizava os 7.533,53€.
Ainda nessa sequência, questionado sobre o sistema informático de apoio utilizado pela sua oficina para elaboração do dito orçamento, a testemunha confirmou que este foi elaborado com o sistema “audatex”, que é o mesmo que é usado para apresentar orçamentos às companhias de seguros para ressarcimento de danos provocados por sinistros automóveis, sendo que o que muda é apenas o preço da mão-de-obra de umas oficinas para outras, não mudando mais nada naquele sistema.
Conforme se pode verificar por consulta ao site da ANECRA (Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel), https://www.anecra.pt/AL/CentralParceriasAudatex.aspx, o sistema “Audatex” é utilizado por seguradoras, gabinetes de peritagem, oficinas de reparação, grupos e associações de reparadores e compradores de salvados para aferir dos danos efetivos de um qualquer sinistro.
É, de facto, verdade que o assistente pagou 4.309,16€ pela reparação de parte dos danos provocados pelo arguido no seu automóvel, mas também é verdade que o sistema informático oficialmente utilizado pela generalidade das oficinas e seguradoras orçou os danos provocados em 7.533,53€.
Acresce que a testemunha D…, na decorrência do seu depoimento prestado no mesmo dia 13/07/2020 entre as 10:40:42 e as 10:41:12 horas, confirmou que o veículo ficou picado no capô e no banco, que ainda se nota isso, que o carro não ficou a 100%, que se o carro for colocado à venda num stand sairá desvalorizado enquanto não for reparado na totalidade daquilo que se encontra no orçamento apresentado nos autos pelo assistente, porque é fácil de ver, sendo que se nota bem a diferença entre aquele carro e um outro idêntico, que não tenha sofrido danos semelhantes.
Perante isto, não temos dúvidas que os danos que o arguido provocou no veículo do assistente foram de 7.533,53€ e não apenas no valor de 4.309,16€, que foi aquele que foi considerado pelo Tribunal a quo na sentença proferida.
Os danos relevantes para o preenchimento do tipo legal são os prejuízos verificados na coisa danificada e não aquilo que se pagou pelos mesmos.
Efetivamente, como bem refere o recorrente se seguíssemos o raciocínio que o Tribunal a quo tomou para desvalorizar o valor do dano e, consequentemente, para desqualificar o crime de dano qualificado para dano simples, poderíamos chegar à caricata situação de o Tribunal considerar não existir qualquer dano e, consequentemente, qualquer crime de dano, bastando para isso que o assistente não tivesse efetuado qualquer reparação do seu veículo e o mantivesse conforme o arguido o deixou. Por isso que tal raciocínio não nos parece razoável.
Acresce que ficou provado que o assistente não reparou o veículo na sua totalidade, ou seja, não restabeleceu o “status quo ante” que existia antes de o arguido lhe ter destruído o carro. Não pode o assistente sair prejudicado e o arguido sair beneficiado na sua conduta tão-só porque o assistente optou por limitar a reparação do carro ao essencial para que o mesmo pudesse voltar a circular.
Assim sendo, deve considerar-se o dano patrimonial da destruição do veículo do assistente em 7.533,53€.
Tendo presente isto e o valor da Unidade de conta, temos que aquele valor sustenta a qualificação do dano, pelo que cometeu o arguido um crime de dano qualificado, p. e p. pelos artigos 212.º n.º1 e 213.º n.º 1 alínea a), ambos do Código Penal, pelo que nesta parte a sentença terá de ser revogada.
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Do errado enquadramento legal dos factos e medida concreta da pena.
Tendo o supraexplanado, importa agora considerando a motivação apresentada pelo tribunal a quo a propósito fixar a pena adequada aos atos do arguido.
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Medida da pena.
No que respeita à medida da pena, importa ter presente que o recurso é sempre, e também no que concerne à questão da graduação da pena, um remédio jurídico para um desrespeito das normas por banda do tribunal recorrido; não se destina a colher uma segunda opinião, uma decisão diversa só porque sim; essa decisão diversa tem de ter sempre na base um desvio por parte da decisão recorrida das regras legais que importava observar.
Dispõe o n.º 1 e 2 do artigo 40º do Código Penal que “a aplicação de penas…visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Atendendo ao facto de que as finalidades da punição são a prevenção geral e especial, a escolha do tipo de pena a aplicar deve fazer-se assim de acordo com essas necessidades.
Como se escreve no Acórdão do S.T.J. de 8/11/95, proferido no processo nº 48318 "o limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dosprincípios de prevenção geral, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo docrime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade dasnormas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. A medida da pena tem decorresponder às expectativas da comunidade. Daí para cima, a medida exacta da pena é a queresulta das regras da prevenção especial. É a medida necessária à reintegração do indivíduo nasociedade. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nosprincípios dominantes na comunidade". Tudo, acrescente-se, respeitando sempre o limite daculpa (cfr. entre outros, sobre a defesa da concepção dialéctica dos fins das penas, Claus Roxin, "Derecho Penal, Parte General", Civitas, pág.89, e também Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Vol. I, Bosch, pág.113).
Para a fixação da pena concreta deverá ainda o tribunal ter em conta o disposto no artigo 71º do Código Penal.
Em tal norma legal, o legislador oferece ao julgador uma diretriz sobre os critérios de que este se deve socorrer na determinação da pena concreta. Conforme ensina Figueiredo Dias, «é através da enunciação de tais critérios, complementadoseventualmente pela enumeração, ainda que só exemplificativa, dos factores que osconcretizam, que o legislador tornará mais transparente para o juiz a sua própria concepçãoquanto às finalidades visadas com a aplicação das penas» in DIREITO PENAL PORTUGUÊS – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME, Aequitas Editorial Notícias, 1993, p. 192.
Aqui, a culpa tem como função estabelecer um máximo de pena concreta, o qual não poderá, em caso algum, ser ultrapassado. A culpa jurídico-penal é uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto.
Importa ter presente a gravidade dos factos provados, e bem assim a postura do arguido quanto aos mesmos, antecedentes criminais, remetendo-se, quanto a estes aspetos para os factos provados constantes da sentença e respetiva motivação.
A conduta do arguido é, em moldes abstratos, punível com pena de prisão até cinco (05) anos ou pena de multa até seiscentos (de 10 a 600) dias – art.º213.º, n.º1 e 47.º, n.º1, ambos do Código Penal.
Refere a decisão a quo Em homenagem ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, estabelece o art.º70.º do CP que, sendo aplicáveis, em alternativa duas penas principais (uma delas privativa e outra não privativa da liberdade), “o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” E como a aplicação de uma pena tem por objetivo a proteção dos bens jurídicos ínsitos na norma e a reintegração (vide art.º40.º do CP), dir-se-á que serão considerações de prevenção (geral e especial) a decidir da possibilidade de fazer prevalecer, in casu, uma ou outra. Como atalha Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, Aequitas, p.215, “através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.” Vejamos, então: Têm-se aqui por médias as exigências de prevenção geral por estarmos perante um tipo de crime cujo cometimento não tem elevados níveis de incidência na nossa sociedade, ainda que se esboce um aumento do desrespeito em geral pelo património alheio, daí que seja curial combatê-lo, o que se fará, também, através da ressonância social da censura deste tipo de comportamento. Por seu turno, emergem como elevadíssimas as exigências de prevenção especial, de que constitui o seu vetor mais relevante – parafraseando Figueiredo Dias - a ressocialização do arguido uma vez que este possui um extenso rol de antecedentes criminais. No entanto, dentre esse rol que, em Portugal, se fixa em 09 condenações anteriores, nenhum deles é pelo tipo de crime aqui em causa, sendo-o, essencialmente, embora não exclusivamente, de condução em estado de embriaguez (06 delas), o que confirma a adição recorrente ao álcool admitida inclusive pelo próprio arguido. Esta consideração, conjugada com a ideia de que se provou apenas a prática do crime de dano, que o mesmo foi admitido pelo arguido (embora se conceda que havia elementos expressivos nos autos que determinaram a sua condenação pela sua prática mesmo que não o tivesse admitido), faz esboçar um juízo de prognose favorável à aplicação de uma pena não privativa da liberdade e que esta será plenamente adequada e suficiente às finalidades da punição, especialmente, à sua reintegração. A. Da medida de pena concreta a aplicar ao arguido: Cumpre, então, aferir da medida da pena concreta a aplicar ao arguido. Serão, então, a culpa e a prevenção os dois termos do binómio com que se há-de construir o modelo da medida da pena, havendo de temperá-los com as demais circunstâncias que rodearam o cometimento dos dois crimes por que vem o arguido acusado (art.º71.º, n.º2 do Código Penal). Nos termos do art.º71.º, n.º1 CP, a determinação da medida da pena é efetuada em razão da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes. Para tanto, e cfr. estabelece o n.º2 do referido artigo, deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime e a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como as condições pessoais do agente e a sua situação económica. Para avaliar da medida da pena no caso concreto, a Prof.ª Anabela Miranda Rodrigues, in A determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pág.658 e seg.s, entende que há que indagar fatores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu. Como fatores atinentes ao facto e por forma a efetuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se ao modo de execução deste, o grau de ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução. Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos. Assim, neste caso, e como fatores de graduação da pena importa considerar: - As especiais necessidades de prevenção no que se refere a este tipo legal de crime em concreto, por forma a evitar a lesão de bem jurídico particularmente caro à sociedade, como seja o do património; - A ilicitude ancorada na imagem global do facto de um crime ocorrido na calada da noite e como vingança de uma discussão encetada horas antes com o proprietário da coisa em causa e intensidade dos danos provocados (acrescentamos nós). - O dolo do arguido foi intenso, porque direto; - O extenso rol de antecedentes criminais; - A inserção familiar, profissional e social. - O valor concreto despendido na reparação da coisa e dos prejuízos efetivamente causados na viatura, acrescentamos nós.
Acrescentamos nóso modo de execução com utilização de um instrumento e de madrugada, quando supostamente já tudo estaria sanado e mais calmo.
A sua confissão é inócua em face dos elementos probatórios pré-existentes nos autos.
O seu comportamento exterior consubstanciado num arrependimento relevante inexiste, porque mesmo tendo admitido os factos não contribuiu em nada para a reparação do veículo, não bastando afirmar que se encontra arrependido em sede de audiência de julgamento.
O arguido tem tido uma vida de cometimento de crimes, tendo sido condenado em 9 processos distintos, tanto por crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (6 vezes distintas), um crime de detenção de arma proibida, um crime de desobediência qualificada, um crime de violação de imposições, proibições ou interdições e um crime de falsidade de testemunho, tudo no período de 2006 a 2019.
Conjugando esta condenação com o ponto n.º 14 dos factos provados em que o arguido ganhou, há cerca de 10 anos, o prémio de 10 milhões de euros do Euro milhões, verificamos que a aplicação ao arguido de uma pena de multa acaba por ser a obrigação de pagamento de “uns trocos”, expressão do assistente, como repreensão pelo crime que cometeu.
Diga-se que o facto não ter averbado no seu certificado de registo criminal qualquer condenação pelo crime de dano, seja simples ou qualificado, ou pelo crime de ofensas à integridade física não deve relevar para que o sistema penal seja brando com um indivíduo que, não obstante a sua forte e longa relação com o sistema penal, não tem demonstrado ser capaz de demonstrar à sociedade que aprendeu com os seus erros.
Tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral, o arguido já demonstrou não ser merecedor de contemplações dos seus atos pelo sistema penal, até porque uma condenação em pena de multa a uma pessoa que, há poucos anos, ganhou mais de dez milhões de euros, podia ser um sinal de um sistema penal condescendente.
Em nada poderá beneficiar o arguido por ter confessado o crime de dano, uma vez que conforme consta do teor do relatório de fls. 40 a 42 (relatório de exame pericial a vestígios lofoscópicos) conjugado com o relatório de fls. 107, onde resulta a correspondência com as suas impressões digitais e vestígios biológicos do arguido, a prova documental da autoria do arguido era absolutamente inequívoca.
Ponderadas todas estas circunstâncias, e o facto de o arguido já ter sido condenado por diversas vezes em penas de prisão umas vezes suspensas outra vezes cumpridas em permanência na habitação, verificando que não obstante a diferente natureza do ilícito, os diversos contactos do arguido com o sistema judicial não o têm demovido da prática de ilícitos criminais, não tendo ainda ficado provado que o arguido tenha agido sob a influência do álcool, entende este Tribunal por adequada pela prática deste crime a pena de prisão pelo período de 14 meses.
Tendo presente que que no caso concreto a suspensão da pena de prisão tem ainda a capacidade para satisfazer o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração, indispensável à defesa do ordenamento jurídico porquanto a mesma satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto e condições de vida, pode concluir-se por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, embora, neste momento já com “grano salis”.
Tendo por base não só a sua personalidade, mas também as circunstâncias do facto, atendendo especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto e ainda que cfr. Ac. TRP de 1-07-2015 in www.dgsi: I. A imposição de deveres e regras de conduta, condicionantes da pena suspensa, constitui um poder/ dever, sendo quanto aos deveres condicionado pelas exigências de reparação do mal do crime e quanto às regras de conduta vinculado à necessidade de afastar o arguido da prática de futuros crimes. II. A exigibilidade de tais deveres e regras deve ser apreciada tendo em conta a sua adequação e proporcionalidade em relação com o fim preventivo visado, consideramos que a capacidade do arguido vir a sentir a ameaça da pena a exercer sobre ele o efeito dissuasor em caso de situação parecida e a aptidão de vencer a vontade de delinquir, só é possível alcançar se a suspensão da execução da pena ficar subordinada ao cumprimento deveres.
Assim, tendo presente os factos constantes dos pontos 8 a 14, portanto a sua integração socioprofissional e familiar, ainda é de se fazer um juízo de prognose positiva acerca do comportamento futuro do arguido, pelo que se determina a sua suspensão pelo período de 14 meses mas sujeita às condições de proceder ao pagamento no prazo de seis meses da quantia que se vier a fixar a título de indemnização cível e ainda do pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) repartida em partes iguais a favor de duas instituições de solidariedade social da área da sua residência, uma delas ligada a crianças e a outra a pessoas com deficiências/ incapacidades, a entregar até ao final do período da suspensão, arts. 50º, n º 2, 51º, n º 1, al.a) e c), deveres que se afiguram razoáveis de exigir, atendendo à sua situação económica.
Ainda a propósito do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 1997 (Diário da República, 1.ª série-A, de 10 de Agosto de 1999), mencionado pelo M.P. a quo, o qual firmou jurisprudência de que o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.
Verificando que o Ministério Público não interpôs recurso constata-se que o assistente demonstra ainda assim interesse em agir consubstanciado não só no facto de pugnar pela qualificação do dano, mas também porque tem interesse em ver-se ressarcido do montante indemnizatório, sugerindo o seu pagamento como condição para a suspensão da pena de prisão.
Do quantum do pedido cível.
Danos emergentes.
Relativamente a esta matéria e conforme já se influi do que acima se disse sobre o montante do dano, começando pelo valor que o Tribunal fixou em 4.309,16€ correspondente ao valor que o assistente despendeu na reparação do veículo, por uma questão economia processual, repetem-se os argumentos acima aduzidos quanto ao valor do dano efetivamente provocado no veículo, pelo arguido, que correspondem ao valor do orçamento apresentado nos autos (7.533,53€), orçamento este que foi elaborado segundo as regras utilizadas pelas oficinas reparadoras e seguradoras, baseado no sistema “audatex”.
A reparação de parte do veículo efetuada a mando e expensas do assistente apenas versou sobre uma parte daquilo que se encontra orçamentado e foi confirmado pela testemunha D…, acima mencionada e cujo depoimento já acima também se identificou, que o veículo se mantém danificado, nomeadamente picado no capô, nos bancos e no fardamento das portas, pelo que, para que o veículo voltasse a ficar conforme estava antes de o arguido o ter deliberadamente destruído, teriam de ser aplicados todos os materiais que constam do orçamento apresentado nos autos e o custo seria precisamente aquele que ali consta.
Se seguíssemos o raciocínio aplicado na sentença, poderíamos chegar à caricata situação de o Tribunal considerar não existir qualquer dano, bastando para isso que o assistente não tivesse efetuado qualquer reparação do seu veículo e o mantivesse conforme o arguido o deixou. Por isso que tal raciocínio não nos parece razoável.
Acresce que ficou provado que o assistente não reparou o veículo na sua totalidade, ou seja, não restabeleceu o “status quo ante” que existia antes de o arguido lhe ter destruído o carro. Não pode o assistente sair prejudicado e o arguido sair beneficiado na sua conduta tão-só porque o assistente optou por limitar a reparação do carro ao essencial para que o mesmo pudesse voltar a circular.
Do artigo 562.º do Código Civil decorre que o obrigado deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Assim, o montante da indemnização deve corresponder aos danos causados, sendo que essa indemnização visa, em primeira linha, a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o resultado que obriga à reparação (reconstituição natural) ou, não sendo isso possível (não levar à reparação integral dos danos, ou tornar a reparação excessivamente onerosa), a indemnização deverá ser fixada em dinheiro (artº 566º nº 1, do Código Civil).
Em caso de indemnização em dinheiro, deverá atender-se à medida que o artigo 566º, nº 2, do Código Civil estabelece: a da diferença entre a situação do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data, se não existissem danos, considerando, ainda, os demais critérios que os artigos 564º a 566º do Código Civil estabelecem.
O dano indemnizável compreende, nos termos do artº 564.º do Código Civil, quer os danos emergentes (perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado) quer os lucros cessantes (acréscimo patrimonial que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que, ainda não tinha direito à data da lesão – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 8ª ed., 1994, p. 610).
Os 7.533,53€ são indemnizáveis nos termos do art.º 564.º do CC como dano emergente.
Ainda que assim se não considerasse, a diferença entre o valor efetivamente pago pela reparação e os restantes sempre seriam indemnizáveis nos termos do art.º 564.º do CC como lucro cessante, pois o lesado deixaria de obter pelo facto ilícito mas que ainda não teria direito à data da lesão, verificar-se-ia quando pretendesse vender o veículo e este manifestamente tivesse valor inferior, como seria o caso dos autos.
Assim, revoga-se a decisão do Tribunal a quo e condena-se o arguido a pagar, ao assistente, a título de reparação do dano patrimonial provocado no seu veículo, uma indemnização no valor de 7.533,53€.
Dano da privação do uso.
O arguido pretende que não seja considerado porque não se provou qualquer prejuízo efetivo pelo não uso do veículo.
O assistente, pelo contrário, afirma que basta a mera privação para haver indemnização.
Subsidariamente, o arguido pretende que se considere apenas o período que seria necessário para a reparação, ou seja, 03 semanas e ainda se considere que o assistente tinha à sua disposição mais duas viaturas usadas pelos restantes dois membros do seu agregado familiar.
O assistente pretende que se considere no cálculo da privação, o montante que seria exigido por empresa que alugasse um automóvel de igual categoria para os 03 meses em que a viatura esteve na oficina.
Quid iuris?
Não desconhecemos a divisão da jurisprudência a respeito da questão
Quanto ao valor da privação de uso, conforme decidiu, por exemplo, o STJ, no acórdão de 5 de julho de 2007 (Dr. Santos Bernardino), disponível em www.dgsi.pt, a mera privação de uso do veículo é suscetível de fundar obrigação de indemnizar.
Há posições para todos os gostos, como é comum acontecer no mundo do Direito, mas entendemos que o dano da privação do veículo é ressarcível só por si desde que se prove que o mesmo era utilizado habitualmente pelo lesado.
A indemnização a fixar será por equidade, sendo que será menor se o lesado teve outro veículo que pode utilizar.
A este propósito neste acórdão da Relação de Lisboa de 11.12.2019, do Desemb Carlos Castelo Branco cujo sumário transcrevemos:“I) A privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa.
II) A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação.
III) A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização.
IV) O dano ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efectuada.
V) Se é certo que tal utilização não erradica o dano consistente na impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, ainda assim, tal utilização deverá, ser atendida na fixação do quantum indemnizatório, chegando-se à conclusão que tal montante será inferior face aos casos em que o sinistrado não tenha outro veículo com o qual possa suprir a utilidade decorrente da realização de viagens.
VI) À míngua de outros elementos, com recurso à equidade, afigura-se ser razoável atribuir ao autor o quantitativo de € 9,00 (nove euros) diário, desde a data do acidente, devendo a ré assumir a responsabilidade por esse dano que o autor sofreu, de privação do uso do veículo sinistrado, não integralmente compensado pela utilização de um outro veículo.”
Posto isto, que valor fixar?
Ora, ficou provado que o assistente ficou privado do veículo.
Que esteve na oficina pelo período de 3 meses, até 19/11/2018 (facto 16).
Que o período de reparação foi computado em cerca de 03 semanas.
Que o assistente neste período tinha duas viaturas à sua disposição.
Assim não é despiciendo relevar que o assistente possuía outros dois veículos à sua disposição, nos quais se fez ou podia transportar durante o período desses três meses, e embora estivessem também destinados à sua mulher e filho, o que é facto é que o assistente atenuou em muito os efeitos daquela privação, pois se fossem mais prementes teria provavelmente mandado efetuar a reparação mais cedo, sendo certo que o esforço de revezamento se mostra igualmente mais atenuado em face da possibilidade de usar os dois veículos do seu agregado familiar.
Deverá ainda ter-se presente que não obstante ter sido junto aos autos, a fls. 26, um orçamento de uma Rent-a-Car reputada no mercado (I…), que revela o valor mensal de aluguer de um veículo semelhante ao do assistente em 3,749,04€, num total de 3 meses de 11.247,12€, o certo é que esta bitola não deve ser usada, recorrendo ao veículo do mesmo modelo do assistente, um mercedes. O que se pretende é compensar o não uso do veículo, a sua indisponibilidade, para fins como o trabalho ou o lazer. Ora, qualquer outro veículo da gama utilitária proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efetuada. O valor indicado corresponderia ao valor diário de €124,96, o que é manifestamente exagerado. Os automóveis hoje em dia, mesmo os de gama mais baixa já dispõem de comodidades muito satisfatórias à condução estradal, nas mais diversas vertentes, pelo que para o efeito o assistente não precisaria de alugar um veículo com custos tão elevados, para satisfazer as suas necessidades de locomoção.
Por sua vez, sejamos justos, se é certo que a privação do uso pelo período de 03 meses resulta do inexoravelmente do comportamento do arguido, não fora os danos provocados não haveria necessidade de o colocar numa oficina, não podemos esquecer e tal não foi contrariado por nenhuma prova, que o veículo poderia ter sido reparado no prazo de 03 semanas, não havendo justificação comprovada para o facto de tal não ter ocorrido.
Deste modo, não pode deixar-se de recorrer ai citado acórdão quando refere o acórdão do STJ de 08.11.1984.
E, como se decidiu no acórdão do S.T.J. de 08-11-1984 (in BMJ 341º, p. 418) “é ao lesante que incumbe providenciar pela reparação do veículo danificado, desde que o seu dono se não oponha, a menos que ela não seja possível ou se mostre excessivamente onerosa, de conformidade com os artigos 566º, nº 1 e 562º do Código Civil. Se o lesante não é pronto nesse providenciamento e a demora, por desleixo seu, avoluma o prejuízo relativo a gastos com o aluguer de um automóvel para substituir, no seu uso, o que ficou paralisado por força do acidente, será o mesmo lesante que haverá de suportar as consequências daí decorrente, e não o lesado. Se para agravamento de tais danos tiver contribuído o lesado, então terá a situação de ser encarada face ao estatuído no nº 1 do artigo 570º do Código Civil, com base no qual caberá ao tribunal, em atenção à culpa de ambas as partes e as consequências dela resultantes, decidir se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida, mesmo excluída”.
Assim, afigura-se-nos que a privação embora deva estender-se aos 3 meses, não pode ignorar-se que foi o lesado que não deu ordem para reparação sem qualquer razão justificativa apurada, pelo que o valor a indemnizar terá de refletir esta situação e portanto ser reduzido.
Assim, tendo presente supradito, considerar-se-á apenas a diária de €40,00 (valor adequado ao aluguer de um veículo) X 90 dias, o que perfaria o montante de €3.600,00.
Considerando a possibilidade do uso de mais dois veículos e a tardia ordem de reparação, deve aquela quantia ser reduzida a metade, fixando-a em €1.800,00.
Quanto ao valor de danos não patrimoniais que o tribunal a quo fixou em 800,00€, cremos que se encontra correto mesmo considerando que o assistente se sentiu vexado e nervoso, que recorreu a ajuda médica especializada, sendo medicado com ADT, Lorsedal e Lorazepam, que exerce a profissão de professor há quantidade não concretamente apurada de anos, sendo bastante conhecido no meio social de Amarante e, ainda, que foi candidato a Presidente da Junta de Freguesia …, por duas vezes. (factos 19 a 22)
Ora, o assistente foi vítima apenas de um crime de dano qualificado, sendo que a discussão dada como provada em 1, não foi imputada exclusivamente ao arguido, tendo-se inclusive dado como provado que o assistente no meio dessa discussão o chamou de bêbado e drogado. O papel do assistente neste início da contenda não é inócuo, pelo contrário é ativo, pelo que o montante encontrado pelo tribunal a quo relativamente ao ilícito associado ao dano qualificado se mostra sensato e correto.
Não se vê por que motivo a sua reputação tenha sido afetada por alguém, no caso o arguido, que decidiu destruir o seu automóvel.
Relativamente à sua situação médica e conforme resulta da motivação, o assistente já tinha um historial clinico associado a toma de medicação semelhante. Esta realidade não brotou ex nuovo. Sendo relevante, não tem a importância que o recorrente lhe quer dar.
Deve manter-se a quantia arbitrada pelo tribunal a quo.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
-Alterar a matéria fáctica provada no facto 1 acrescentando “tendo o assistente chamado o arguido de “drogado” e “bêbado”.
Do pedido cível, aditado novo facto ao elenco dos factos provados: "23. A reparação do veículo do assistente demorou cerca de três semanas."
E facto 18º deverá ser alterado para a seguinte redação: "O assistente possui mais dois veículos, nos quais se fez transportar até ao dia 19.11.2018".
-Julgar:
Parte crime.
-Totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido B….
-Parcialmente procedente o recurso interposto pelo assistente E….
Alterando-se a decisão a quo condenando-se o arguido B… pela prática de um crime de dano qualificado p. e p. pelo art. 213º, n º 1 do Cód. Penal na pena de 14 (catorze) meses de prisão.
Suspender a pena de prisão por igual período.
Sujeitar tal suspensão à condição de o arguido:
-Proceder ao pagamento ao assistente no prazo de seis meses da indemnização devida infra;
-Proceder ao pagamento de € 5.000,00 (cinco mil euros) repartida em partes iguais de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a duas instituições IPSS, uma ligada a crianças e outra a incapacitados, ambas da área da sua residência e até ao final do período da suspensão.
Parte cível.
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido.
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo assistente.
Em consequência condenar o arguido no pagamento ao assistente da indemnização cível global de €10.133,53 (dez mil, cento e trinta e três euros e cinquenta e três cêntimos) sendo destes €7.533,53 e €1.800,00, a título de danos patrimoniais e €800,00 a título de danos não patrimoniais, devidos nos termos exarados no ponto 4 do dispositivo da sentença a quo relativamente aos juros.
Custas crime a cargo do arguido que fixo em 4Ucs (arts. 513.º, n.º 1, do CPPenal).
Sem custas crime pelo assistente.
Custas cíveis na proporção estipulada ponto 6 do dispositivo da sentença a quo, ou seja, 55% para o demandante e 45% para o demandado.
Sumário:
(Da exclusiva responsabilidade do relator)
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Porto, 28 de abril de 2021
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
____________ [1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.