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ENERGIA ELÉCTRICA
Sumário
I- O direito a interromper o fornecimento de energia eléctrica só pode ser exercido depois de o distribuidor ter notificado o consumidor, por escrito, do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia, caso entende que não cometeu qualquer fraude. II- Não tendo o consumidor afastado a presunção de autoria do procedimento fraudulento, tem a EDP o direito de interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a entrada do contador. III- A “ameaça” da requerida em interromper o fornecimento de energia eléctrica mais não é assim do que o exercício legítimo de um direito, não consubstanciando qualquer forma de coação “imoral e ilícita” como pretende a requerente.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B….., LDª, instaurou procedimento cautelar comum contra EDP – DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA, SA.
Pediu que seja ordenado à requerida para se abster de interromper o fornecimento de energia eléctrica no estabelecimento da requerente.
Como fundamento, alegou, em síntese, que contratou com a requerida o serviço de fornecimento de energia eléctrica às suas instalações e pagou as facturas que lhe eram apresentadas pela requerida, correspondentes ao fornecimento de energia eléctrica.
Em 14.12.05, a requerida emitiu e enviou à requerente o aviso/recibo a exigir o pagamento do montante de € 16.239,57 e ameaçando a requerente de que procederá à interrupção do fornecimento de energia às instalações onde a requerida exerce a sua actividade, caso aquele montante não seja liquidado até 26.12.05. na acção principal de destituição.
A requerente pretende impugnar aquela factura por entender que não consumiu a energia facturada.
A interrupção de fornecimento de energia eléctrica implicará o encerramento de toda a actividade da empresa e a consequente perda do ganha pão dos seus corpos sociais e dos seus quatro trabalhadores.
A requerida contestou, impugnando os factos alegados pela requerente.
Percorrida a tramitação normal, foi proferida decisão que julgou o procedimento cautelar improcedente.
Inconformada, a requerente interpôs recurso, formulando as seguintes
Conclusões
1ª – A requerida exige o pagamento que corresponderá a uma nota de custos relativos ao consumos (presumivelmente?, efectivamente?) fornecidos referentes ao período compreendido entre 12.07.03 e 13.09.05, e exige esse pagamento em 14.12.05, sendo que o direito a receber essa pretensa diferença de preço entre o consumo efectuado e o efectivamente consumido tinham caducado, por aplicação do disposto no artº 10º da Lei 23/96.
2ª – A eventual prestação de serviços consumidos e não facturados de fornecimento de energia eléctrica que a requerida eventualmente forneceu à requerente foi enviada a esta mais de seis meses após o seu consumo pelo que prescreveu o seu direito.
3ª – A requerida esteve quase dez anos sem vistoriar o seu equipamento de medição, de que era proprietária e de cuja fiscalização estava incumbida, pelo que, agindo negligentemente, não pode imputar qualquer responsabilidade pela situação que invoca, não podendo imputar qualquer responsabilidade à gerência da requerente, visto esta não poder ter contribuído, de alguma maneira, pela situação criada, tanto mais que somente tomou conta da empresa em data posterior aos factos.
4ª – A declaração da requerida enviada ao requerente de ameaça de interrupção de fornecimento de energia eléctrica, enquanto este não procedesse ao pagamento integral do pretenso débito consubstancia uma coacção moral e ilícita, por ser uma coação psicológica determinante e essência, causadora de elevados custos económicos e sociais, bem como o seu descrédito por implicar o encerramento por tempo indeterminado da empresa, causando a esta elevados prejuízos, que excedem consideravelmente o dano que o requerido pretende evitar com tal suspensão.
5ª – Assim, e nos melhores termos de direito aplicável, deverá o Venerando Tribunal alterar a decisão que decretou a improcedência do presente procedimento cautelar e, por via disso, ser decretado que a requerida deverá abster-se de interromper o fornecimento de energia eléctrica à requerente, pelas razões atrás invocadas.
A requerida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O Mº Juiz sustentou a sua decisão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
A matéria de facto dada como indiciariamente provada pelo tribunal recorrido não foi impugnada, pelo que se tem como assente.
É a seguinte:
A requerente dedica-se à actividade de fabrico e comercialização de artigos de pastelaria e confeitaria.
Para o exercício da sua actividade a empresa contratou com a requerida o serviço de fornecimento de energia eléctrica às suas instalações, através do contrato n.º 316143402.
No cumprimento desse contrato a requerente pagou as facturas que lhe eram apresentadas pela requerida, todos os meses correspondentes ao seu fornecimento de energia eléctrica.
Em 14.12.05, a requerida emite e envia ao requerente o aviso/recibo a exigir o pagamento do montante de €: 16.239,59, alegando a existência, nos seus registos de conta corrente de um valor em dívida nesse montante que alega já vencido.
Nesse aviso/recibo a requerida informa a requerente que procederá à interrupção do fornecimento de energia às instalações onde a empresa exerce a sua actividade, caso esse montante não fosse liquidado até o dia 26.12.05.
Nessa mesma data (14.12), a requerida emite factura, com o nº 10233401938, correspondente ao período compreendido entre 12.11.05 e 12.12.05, no montante de € 258,26, e inclui outros movimentos vencidos no valor de € 16.239,57.
No gráfico de facturação anual não se verificam aumentos que possam justificar o de consumo de energia tão elevado.
A interrupção de fornecimento de energia eléctrica, visto tratar-se de um bem essencial, implicará o encerramento de toda a actividade da empresa, com as consequências facilmente perceptíveis.
A suspensão do ganha pão dos seus corpos sociais, que laboram na empresa, bem como dos seus quatro trabalhadores.
O contrato que a requerente refere no artigo 2º do seu articulado foi celebrado entre ela e a requerida EDP em 16.10.96.
Em 17.10.96, a EDP substituiu o contador que existia nas instalações em causa por um aparelho novo.
O aparelho substituído referia-se ao anterior contrato existente para a mesma instalação, sendo titular desse contrato a sociedade B….., Lda., desde 01.10.1942 até 07.10.96.
No dia 06.07.05, pelas 15h30m, a requerida EDP procedeu à vistoria da instalação eléctrica das instalações comerciais da requerente, sitas na Rua ….., nº …, desta cidade.
O selo da tampa de bornes do aparelho de medida (contador) encontrava-se violado e estavam desligadas 2 pontas de fase do referido aparelho, o que implicava que apenas fossem registados os consumos de energia eléctrica correspondentes a uma parte dos consumos reais efectuados naquela instalação.
Até à presente data, a requerente vem pagando à requerida apenas parte do valor da energia eléctrica que efectivamente consome.
Perante a situação verificada em 06.07.05, os trabalhadores da EDP que procederam à vistoria elaboraram o respectivo auto e apresentaram-no a representante da requerente que se recusou a assiná-lo.
Os funcionários da EDP deixaram no local cópia do auto para que a requerente pudesse exercer o direito que lhe assiste de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia, nos termos do nº 2 do artº 5º do DL 328/90.
A requerida EDP procedeu à análise dos históricos de consumos da instalação da requerente, tendo chegado à conclusão que a anomalia referida no artigo 8º já se arrastava há alguns anos.
A requerida elaborou nota de custos relativa aos consumos efectuados nos últimos dois anos, tendo reclamado junto da requerente o pagamento da quantia de € 16.126,94, já com IVA incluído.
Posto que só uma ponte do referido contador se encontra ligada, apenas são registados parte dos consumos reais e efectivos.
As facturas referentes ao período de 12.07.03 a 13.09.05 não incluíram a energia consumida e não registada em virtude do desconhecimento por parte da requerida da alteração do contador.
O contador acha-se instalado no interior das instalações da requerente, não se encontrando acessível a pessoas estranhas aos serviços daquela.
Vistoria efectuada às instalações da requerente pelo Órgão do Governo com competência para o efeito – o Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho, DRE – Norte -, comprovou que “o shunt das fases S e T se encontravam desligados e com os seus parafusos de fixação desapertados…” .
Em 19.09.05, a requerida enviou à requerente a carta de fls. 40, que se dá por integralmente reproduzida, e enviou-lhe, também, folha de cálculos relativa aos consumos de energia eléctrica não registados, onde constava o valor a pagar e a respectiva factura.
Na carta supra referida, a requerida informou a requerente sobre a possibilidade de requerer a vistoria a que alude o artº 5º do DL 328/90, de 22.10.
Em 26.10.05, a requerida mais uma vez reclamou junto da requerente o pagamento do valor dos consumos não registados através da carta.
Em 10.11.05, a requerente requereu a vistoria à Delegação do Norte do Ministério da Economia, vistoria que, efectuada, concluiu como se refere no ponto 23 da factualidade acima provada.
Em meados de Dezembro de 2005 a requerida EDP reclamou mais uma vez junto da requerente o pagamento do valor em dívida, informando-a de que a falta de pagamento poderia implicar o corte de fornecimento de energia eléctrica.
Perante a situação em que se encontra a requerente e por via da alteração existente, a EDP mantém o contador nos precisos termos em que foi encontrado aquando da vistoria realizada em 06.07.05, estando por isso a facturar apenas uma parte da energia efectivamente consumida pela requerente.
*
III.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Nas suas conclusões, a requerente invoca a excepção peremptória da prescrição do direito da requerida a exigir o pagamento dos serviços de fornecimento de energia eléctrica discriminados na factura de 14.12.05, no montante de € 16.239,59.
Ora, tal excepção não foi invocada no requerimento inicial do procedimento cautelar e, por isso não foi apreciada pelo tribunal recorrido.
Trata-se portanto de questão nova, que não é de conhecimento oficioso (cfr. artº 303º do CC), pelo que não pode ser conhecida no presente recurso, tal como acima se expôs.
A questão a apreciar no presente recurso é, assim, apenas a seguinte:
- Se se mostram verificados os pressupostos do procedimento cautelar comum.
O artº 381º, nº 1 do CPC (Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem) dispõe que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Por seu turno, o artº 387º, nº 1 dispõe que “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Resulta do disposto nos normativos citados que o decretamento de um procedimento cautelar não especificado depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) probabilidade séria da existência de um direito;
b) fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável a esse direito;
c) inadequação ao caso concreto de qualquer uma das providências cautelares especificadas previstas nos artºs 393º e seguintes.
Com a reforma processual introduzida pelo DL 329-A/95 de 12.12, as providências cautelares não especificadas foram eliminadas e substituídas por um “procedimento cautelar comum”.
Conforme se salienta no relatório daquele Diploma, “Instituiu-se, por esta via, uma verdadeira acção cautelar geral para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado, que tanto pode ser um direito já efectivamente existente, como uma situação jurídica emergente de sentença constitutiva, porventura ainda não proferida.”
Apesar das diferenças em relação ao regime anterior, continuam a ser válidas as construções doutrinárias e jurisprudenciais que se teceram, no domínio de aplicação daquele, sobre o conceito e a função das providências cautelares e sobre os seus requisitos e respectiva prova.
Como refere Alberto dos Reis [“Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., págs. 623 e segs], a providência cautelar surge como antecipação e preparação de uma providência ulterior e final. É um fim e não um meio, uma vez que não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas apenas tomar medidas que assegurem a eficácia de uma providência subsequente, esta sim destinada à actuação do direito material.
Por isso, a providência cautelar tem carácter provisório e é sempre dependente de uma causa (preliminar ou incidentalmente) – artº 383º, nº 1.
A emissão de uma providência provisória, destinada a antecipar a providência definitiva, justifica-se pelo chamado periculum in mora.
Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar esses riscos, para eliminar o dano, é que se admite a emanação de uma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo.
A função das providências cautelares consiste precisamente em eliminar o periculum in mora, em defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a demora da decisão definitiva.
E o mecanismo usado nas providências cautelares para prover aquele fim consiste em submeter a relação jurídica litigiosa a um exame sumário, rápido, tendente a verificar se a pretensão do requerente tem probabilidades de êxito e se, além disso, da demora do julgamento final pode resultar, para o interessado, dano irreparável ou, pelo menos, considerável.
O sucesso da acção cautelar depende, pois, de dois requisitos: a) a verificação da aparência de um direito; b) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
Se o tribunal, naquele exame preliminar e perfunctório, se apercebe da existência dos dois requisitos, decreta a providência, autorizando os actos ou meios necessários e aptos para pôr o requerente a coberto do dano provável, do perigo iminente de insatisfação do direito.
Quanto ao primeiro requisito, pede-se ao tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança (o bonus fumus iuris de que fala a agravante nas suas alegações). Quanto ao segundo, pede-se-lhe um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente [Alberto dos Reis, obra citada, pág. 621].
O receio de lesão grave e de difícil reparação referido no artº 387º, nº 1 significa “receio fundado e actual”.
O receio é fundado quando é de tal ordem que justifique a providência requerida; e só a justifica, quando as circunstâncias se apresentem de modo a convencer que está iminente a lesão do direito.
E é actual quando o titular do direito se encontra perante simples ameaças: se a lesão já está consumada, a providência não tem razão de ser.
Sobre este segundo aspecto, há no entanto que referir que constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial unânime o de que a existência de lesões ao direito, já consumadas à data da instauração da providência, não afasta o requisito do periculum in mora; pelo contrário, a existência de tais lesões constitui um indício de probabilidade de lesões futuras, tornando, até, tal probabilidade mais forte e mais certa do que nos casos em que nunca existiu qualquer lesão [Alberto dos Reis, obra citada, pág. 684 e, entre outros, os Acs. desta Relação de 17.01.80, CJ-I-13 e de 19.10.82, CJ-IV-246, da RE de 03.03.88, CJ-II-281 e da RL 27.04.95, CJ-II-130.]
A circunstância de existirem lesões anteriores só obstaria ao prosseguimento da providência se aquelas lesões tivessem terminado e não constituíssem indício de futuras lesões [Neste sentido, Acs. da RE de 24.07.86, BMJ 361º-628 e desta Relação de 23.10.90, BMJ 400º-736.]
Ou seja, quando se tratasse de uma situação pontual, que se tivesse esgotado numa actuação específica, sem qualquer hipótese de prosseguimento.
Através do presente procedimento cautelar, pretende a requerente que a requerida se abstenha de interromper o fornecimento de energia eléctrica, alegando, para o efeito, que não consumiu energia eléctrica no valor de € 16.239,50, que lhe está a ser cobrado pela requerida.
Por seu turno, a requerente defende-se, alegando que o valor constante daquela factura corresponde à diferença entre a energia eléctrica registada no contador da requerente entre 12.07.03 e 13.09.05 e a energia efectivamente consumida, devida a alteração do contador imputável à requerente.
O DL 328/90 de 22.10 regulamenta as situações de fraude com vista à fuga ao pagamento da totalidade ou de parte da energia eléctrica consumida, quer através da captação de energia sem aparelhos de medição ou a montante destes, quer através da viciação destes aparelhos ou dos dispositivos de segurança e controle (cfr. o respectivo Preâmbulo).
Nos termos do artº 1º, nº 1 daquele Diploma, constitui violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica consumida ou da potência tomada, designadamente (…) a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos da medida ou do controlo da potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada a cabo através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras.
Nos termos do nº 2 do mesmo normativo, qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor.
Sempre que haja indícios ou se suspeite da prática de qualquer procedimento fraudulento, o distribuidor poderá proceder à inspecção da respectiva instalação eléctrica, por meio de um técnico seu (artº 2º, nº 1 do DL citado). Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, da inspecção será lavrado auto de acordo com o formalismo previsto no nº 3.
De acordo com o artº 3º, nº 1 do Diploma que vimos referenciando, se da referida inspecção se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos seguintes direitos: a) Interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a respectiva entrada; b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor.
Ainda que o consumidor não seja o autor do procedimento fraudulento ou não seja por ele responsável, assiste sempre ao distribuidor o direito a ser ressarcido do valor do consumo irregular feito por aquele (nº 2 daquele preceito).
O direito a interromper o fornecimento de energia eléctrica só pode ser exercido depois de o distribuidor ter notificado o consumidor, por escrito, do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia, caso entende que não cometeu qualquer fraude. É o que resulta das disposições conjugadas dos artºs 4º, nº 1 e 5º, nº 2 do DL citado.
O artº 6º, nº 1 do DL 328/90 estabelece os parâmetros para a determinação do valor do consumo irregularmente feito. Para além do tarifário aplicável, ter-se-ão em conta todos os factos relevantes para a estimativa do consumo real durante o período em que o acto fraudulento se manteve, designadamente as características da instalação de utilização, o seu regime de funcionamento, as leituras antecedentes, se as houver, e as leituras posteriores, sempre que necessário.
O consumidor poderá requerer a arbitragem das quantias que tenha pago em consequência do acto fraudulento praticado quando, as considere exageradas (artº 8º, nº 1 do DL citado).
Para além de poder adoptar os procedimentos previstos nos artºs 5º, nº 2 e 8º, nº 1 (vistoria e arbitragem, respectivamente), pode ainda o consumidor recorrer aos tribunais, quer para ilidir a presunção da prática do acto fraudulento, quer para impugnar os montantes exigidos pelo distribuidor, como referem expressamente aqueles normativos.
Resulta da factualidade provada que, em 06.07.05, a requerida procedeu a uma vistoria da instalação eléctrica das instalações comerciais da requerente, na qual verificou que o selo da tampa de bornes do contador se encontrava violado e que estavam desligadas 2 pontas de fase do mesmo, o que implicava que fossem registados os consumos de energia eléctrica correspondentes a uma parte dos consumos reais efectuados.
Após a vistoria, a requerida procedeu de acordo com o disposto no artº 4º, nº 1 do DL 328/90, notificando a requerente do valor presumido do consumo calculado por aplicação dos parâmetros previstos no artº 6º, nº 1 do mesmo Diploma e advertindo-a do seu direito a requerer a vistoria a que se reporta o artº 5º, nº 2.
A requerente pediu aquela vistoria, que foi realizada e que confirmou os resultados da anterior, comprovando que o shunt das fases S e T [do contador] se encontravam desligados e com os parafusos de fixação despertados.
A mencionada alteração do contador originou que fossem registados consumos de energia eléctrica inferiores aos reais.
Face ao disposto no nº 2 do artº 1º do DL citado, presume-se ter sido a requerente a autora da mencionada alteração do contador existente nas suas instalações, pelo que sobre ela impendia o ónus de ilidir tal presunção (artº 344º, nº 1 do CC).
Como se depreende da matéria de facto acima descrita, a requerente não provou nenhum facto do qual se pudesse concluir pelo afastamento da sua responsabilidade na alteração do contador.
Ao contrário do que a requerente diz nas suas conclusões, não se provou que a alteração do contador fosse anterior ao início da actividade da requerente nas instalações onde o mesmo se encontra.
Pois que o que está provado é que o contrato de fornecimento de energia eléctrica foi celebrado entre a requerente e a requerida em 16.10.96 e que logo em 17.10.96 a requerida substituiu o contador referente ao anterior contrato que vigorou até àquela data e de que era titular outra sociedade comercial.
Também a invocada negligência da requerida em inspeccionar o contador durante cerca de 10 anos não afasta a responsabilidade da requerente na alteração do contador.
Uma actuação mais diligente e célere da requerida conduziria apenas a que a fraude fosse detectada mais cedo, pelo que a inércia da requerida apenas beneficiou a requerente, que durante vários anos não pagou parte da energia eléctrica que consumiu.
Não tendo a requerente afastado a presunção de autoria do procedimento fraudulento, tem a requerida o direito de interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a entrada do contador. A “ameaça” da requerida em interromper o fornecimento de energia eléctrica mais não é assim do que o exercício legítimo de um direito, não consubstanciando qualquer forma de coação “imoral e ilícita” como pretende a requerente.
A requerida tem ainda o direito de ser ressarcida do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor, conforme dispõe o artº 3º, nº 1 do DL 328/90. Direito esse que existiria mesmo que a requerida não fosse responsável pelo procedimento fraudulento (nº 2 do mesmo preceito).
É certo que, mesmo não tendo afastado a presunção de responsabilidade pela alteração do contador, pode a requerente discutir o valor do consumo irregular pedido pela requerente, se o achar exagerado, quer por recurso à arbitragem, quer através dos meios comuns. É o que resulta do disposto no artº 8º, nº 1 do DL citado.
Atente-se em que aquele valor é um valor presumido, cujo cálculo é efectuado segundo os parâmetros definidos na lei (artº 6º, nº 1 do DL que vimos analisando), nem poderia ser de outra forma, pois que não existem registos de consumo. Por isso, se permite ao consumidor que impugne tal valor, usando dos meios acima referidos.
No entanto, quanto a este aspecto, a requerente apenas provou que no gráfico da facturação anual não se verificam aumentos que possam justificar consumo de energia tão elevado.
Mesmo em sede indiciária, reputamos tal asserção (que aliás é uma conclusão e não um facto), manifestamente insuficiente para que dela se possa concluir pela probabilidade da existência do direito da requerente à redução do montante reclamado pela requerida.
A requerente não logrou assim provar o primeiro dos requisitos de que os mencionados artºs 381º, nº 1 e 387º, nº 1 fazem depender o decretamento do procedimento cautelar comum.
Improcedem, por isso, as suas conclusões, sendo de manter a decisão recorrida.
*
III.
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e, em consequência:
- Confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela agravante.
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Porto, 11 de Maio de 2006
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha