CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
APLICAÇÃO DE LEI ESTRANGEIRA
CONVENÇÃO DE ROMA
CONTRATO ATÍPICO
REGIME APLICÁVEL
CONTRATO DE FORNECIMENTO
CONTRATO DE AGÊNCIA
RESCISÃO UNILATERAL
AVISO PRÉVIO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário


I. Tendo as partes clausulado no contrato entre elas outorgado que o mesmo seria regido pela lei italiana, nos termos dos artigos 1.º e 3.º da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, é aplicável à celebração, execução e cessação deste contrato o regime do direito italiano.
II. Um contrato em que um comerciante acorda com um produtor industrial a compra e venda dos produtos por este fabricados, numa cadência estável e contínua, com vista à revenda dos mesmos, por aquele, numa determinada zona, com exclusividade, no direito italiano, tal como sucede na quase totalidade dos países da União Europeia, é um contrato juridicamente atípico, mas socialmente típico, com a denominação, em Itália, de contrato de concessão de venda (concessione di vendita).
III. O contrato de concessão de venda é, pois, um modelo contratual conhecido e estudado no direito italiano que, não tendo um regime legal específico, é regulado pelo que consta das cláusulas que as partes nele inserem, pelas regras gerais que regem o direito dos contratos, podendo aplicar-se-lhe, por analogia, regras especiais que a lei preveja para tipos contratuais que lhe são próximos, como seja o contrato de fornecimento (somministrazione) ou o contrato de agência, operação, na qual, a doutrina e a jurisprudência italiana desempenham um papel que não pode ser ignorado.
IV. Apesar da jurisprudência em Itália, não se mostrar favorável à aplicação das regras do contrato de agência ao contrato de concessão de venda, a ficção da constituição de uma nova, mas idêntica, relação contratual, nas situações em que a primitiva, apesar de ter cessado pelo decurso do tempo contratualmente previsto, continua a ser executada de facto, prevista, no artigo 1750, do Código Civil Italiano para o contrato de agência, deve também aplicar-se, por analogia, ao atípico contrato de concessão de venda.
V. Este novo contrato, como resultado da transformação ope legis do anterior contrato de concessão de venda de duração determinada, mantém as mesmas cláusulas do anterior, com exceção da que respeita à sua duração, que passa a ser por tempo determinado, e daquelas que venha a ser objeto de alteração por vontade das partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual que inclui a faculdade de alterar o contratado.
VI. O novo contrato de concessão de venda, de constituição ficcionada por lei, é de duração indeterminada, pelo que a sua cessação por simples vontade unilateral de uma das partes, exige necessariamente um pré-aviso que permita à contraparte salvaguardar-se das consequências negativas inerentes ao fim de uma relação que, pelas suas caraterísticas, é uma relação duradoura, sendo esse pré-aviso o exigido, pela aplicação analógica do disposto no artigo 1569.º do Código Civil Italiano, para os contratos de fornecimento (somministrazione) de duração indeterminada.
VII. O incumprimento do dever de pré-aviso gera a obrigação de indemnizar os danos que decorram do incumprimento desse dever acessório, abrangendo apenas aqueles prejuízos que, numa relação de causalidade adequada, tenham resultado de a cessação do contrato não ter sido antecipadamente comunicada.
VIII. A relutância da jurisprudência italiana em reconhecer o direito a uma indemnização de clientela pela cessação de um contrato de concessão de venda não deve impedir esse reconhecimento quando, no caso concreto, se provou não só a existência de uma intensa atividade colaborativa entre concedente e concessionária, como também que, cessadas as relações contratuais, a primeira fez sua a clientela que havia sido angariada pela segunda, no âmbito daquela parceria comercial, beneficiando, assim, a concedente da atividade da concessionária, ao longo de toda a relação contratual que entre elas se desenvolveu.

Texto Integral


I – Relatório

A Autora propôs ação declarativa, com processo comum contra a Ré, com fundamento, em resumo e no essencial, em que entre as partes foram celebrados e vigoraram contratos de agência e de concessão comercial, em regime de exclusividade, que foram sucessivamente renovados verbalmente e que a Ré fez cessar sem justa causa para o efeito, concluindo com a formulação dos seguintes pedidos:

1. Seja declarada a ilicitude da cessação do contrato verbal de distribuição firmado entre A. e R. para as estações Outono/Inverno 2008/2009 (Época 33) e Primavera/Verão 2009 (Época 34) promovida pela R.; e

2. Seja a R. condenada a pagar à A. uma indemnização pelos prejuízos causados pela ilicitude da denúncia do acordo, no valor de:

a) € 326.574,67, correspondentes aos benefícios que a A. deixou de auferir na Época 34;

b) € 27.108,23, correspondentes às indemnizações e outros encargos laborais que a A. foi obrigada a pagar aos seus trabalhadores por despedimento, motivado pela denúncia ilegal do acordo, com efeitos imediatos;

c) € 39.926,80, correspondentes ao preço pago pelo mostruário da Época 34;

d) € 100.000,00 correspondentes a danos não patrimoniais.

3. Seja a R. condenada a pagar à A. a título de indemnização de clientela, a quantia de € 684.044,19;

4. Ainda, seja a R. condenada a paga à A. a quantia de € 39.998,69, referente a créditos da A. sobre a R.

5. Seja a R. condenada a pagar juros de mora à taxa de juros comerciais -sobre os valores acima peticionados, desde a data em que recebeu expressa interpelação para proceder a tal pagamento (26-09-2009 – Doc. 72) e até integral e efetivo pagamento.

Contestou a Ré, também em resumo e no essencial, excecionado a incompetência internacional dos tribunais portugueses e, no mais, impugnando os factos e versão dos mesmos, tal como articulados pela Autora, fornecendo a sua própria versão quanto às relações comerciais entre as partes.

Concluiu nada dever à Autora, pedindo a sua absolvição de todos os pedidos contra si formulados, bem como a condenação daquela como litigante de má-fé.

A Autora respondeu à contestação, pugnando pela improcedência da exceção processual dilatória invocada pela Ré, bem como pela improcedência do pedido de condenação em litigância de má-fé.

Por despacho de fls. 1019 a 1024, foi julgada improcedente a exceção invocada pela Ré, declarando-se este tribunal como o competente em razão da nacionalidade.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, tendo decidido:

A- Condenar a ré Valentino Fashion Group SPA, a pagar à autora, Hífen – Modas e Confecções Lda., ambas com os demais sinais, dos autos, a quantia global de 339.998,69 euros (trezentos e trinta e nove mil novecentos e noventa e oito euros e sessenta e nove cêntimos, sendo 300.000,00€ a título de indemnização de clientela e 39.998,69€ a título de comissões devidas e não pagas), quantia esta acrescida dos juros de mora à taxa legal para operações comerciais, mas apenas vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento;

B- Absolver a ré dos demais pedidos contra si formulados pela autora.

Desta decisão interpuseram recurso ambas as partes, tendo o Tribunal da Relação..... proferido acórdão em 10.11.2020 que julgou improcedente a apelação da Ré e parcialmente a apelação da Autora, tendo condenado aquela a pagar-lhe a quantia de € 326.574,67, a título de indemnização pelas comissões que a Autora deixou de auferir pelas encomendas efetuadas, mantendo, no demais, a sentença da 1.ª instância inalterada.

A Ré recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, interpondo recurso de revista comum e, subsidiariamente, de revista excecional, tendo concluído as alegações do recurso de revista comum do seguinte modo:

...

 4. Considerando a matéria invocada pelas partes, prova apresentada e peças processuais juntas, e consequentemente a matéria de facto dada como provada e não provada, - considerando a matéria de facto constante do acórdão recorrido – a decisão tinha necessariamente de ser outra, impondo-se, assim, a modificação da decisão proferida no que tange ao reconhecimento de existência de um contrato verbal e consequente declaração de ilicitude de cessação de tal contrato e na condenação da Recorrente, devendo a ação ser julgada totalmente não provada e improcedente.

5. O raciocino vertido no acórdão está ferido de lapso jurídico, na medida em que confunde a formação do contrato (artigos 224.º a 235.º do CC) com a interpretação das declarações negociais (artigos 236.º a 238.º do CC). Contudo, mesmo através da interpretação das cláusulas contratuais, o acórdão recorrido faz uma incorreta e imprecisa interpretação das mesmas e aplicação do seu regime jurídico.

6. Consequentemente, revogando-se o acórdão proferido e a condenação em indemnização por falta de pré-aviso, será de apreciar e revogar a decisão quanto à indemnização de clientela, na medida em que, além de tal não ter sido pedido e como tal a condenação viola diretamente o disposto no art. 615.º n.º 1 al. e), ex vi 666 do CPC o Tribunal Judicial português não tem competência para tomar a decisão proferida, ou seja, condenação da Recorrente na decorrência de um contrato que, além de se reger pela lei italiana, tem nele inscrito uma cláusula compromissória de jurisdição arbitral para Itália, obrigatória e vinculativa para as partes.

7. Bem como não tem competência para condenar a Ré no pagamento peticionado sobre o ponto 4) formulado pela A, que diz respeito a crédito alegadamente não pago a título de comissões devidas ao abrigo do contrato de agência firmado em 2003, o qual tem, também uma cláusula de foro exclusiva.

8. Sobre tais questões é referido no acórdão recorrido que as mesmas já foram objeto de decisão transitada em julgado, o que não se aceita, uma vez que analisado o despacho a que reporta tal decisão de 07/02/2011 resulta claro que sobre elas não foi proferida qualquer decisão que vincule a sua apreciação, como demonstraremos.

9. O Tribunal a quo considera existir novo contrato entre as partes para as épocas 33 e 34, verbal, sem estar submetida às regras daquele referido contrato de 2004, concluindo, por conseguinte, os Srs. Desembargadores que “tem aqui aplicação o disposto no art. 27.º da Lei n.º 178/86, segundo o qual «Considera-se renovado por tempo indeterminado o contrato que continue a ser cumprido pelas partes após o decurso do prazo»” e por conseguinte é aplicável o disposto no art. 28.º do mesmo Diploma, ou seja, que para que se possa proceder à denúncia deverá ser cumprido o pré-aviso, por conseguinte, não tendo a Recorrente respeitado o pré-aviso decidiu tribunal a quo condenar a Recorrente no pagamento de € 326.574,67 a titulo de indemnização que corresponde ao valor das comissões que a recorrida deixou de auferir pelas encomendas que continuou a efectuar (apesar de saber que o contrato cessaria, dado que a própria Recorrida o não quis renovar.

10. Contudo, não esteve bem o Tribunal a quo, pois, por um lado a decisão recorrida aceita que o contrato de distribuição caducou (p. 127, 2 §), e considera que foi celebrado um novo contrato, fundamentando a sua conclusão num erro jurídico grave, ou seja, confunde a formação do contrato (artigos 224.º a 235.º do CC) com a interpretação das declarações negociais (artigos 236.º a 238.º do CC).

11. O contrato não se formou, pois não houve proposta e aceitação, rectius, a Valentino fez propostas (art. 70.º factos provados) e a Hífen recusou, além de que a Hífen não emitiu a declaração tendo em vista a renovação do contrato antes do final de setembro de 2008. E, ainda que se siga a via da interpretação das declarações negociais – e da teoria da impressão do destinatário –, esta é feita de forma juridicamente incorreta e imprecisa, pois que a conclusão será a mesma, ou seja, o não reconhecimento de contrato verbal por factos concludentes.

12. No caso dos autos, faltou a aceitação (incondicional) de uma declaração negocial (artigo 233.º do CC) e não estamos perante um caso de dispensa da declaração de aceitação (artigo 234.º do CC); como tal, não houve acordo. Não tendo havido acordo, de nada serve a interpretação de uma declaração negocial que caducou (artigo 228.ª do CC).

13. Na sequência desta confusão jurídica, o tribunal a quo, conclui que a relação comercial se manteve sem estar submetida às regras do contrato escrito celebrado entre as partes de 2004. Mas na linha seguinte afirma que, nos termos do artigo 27.º nº 2, o contrato escrito se considera renovado. Ora, se o contrato se renova é submetido às mesmas regras do anterior (de 2004). E se é submetido às regras do anterior, não se pode aplicar o disposto, nomeadamente, do art. 28.º do DL 178/86. A renovação alegada pelo Tribunal a quo contraria o disposto no artigo 223.º do Código Civil.

14. Deferindo o pedido da Recorrente quanto à confirmação da decisão de primeira instância relativamente à inexistência de um novo contrato verbal, deverá ser julgado improcedente qualquer pedido de condenação apresentado pela A, nomeadamente o pedido de condenação na indemnização por falta de pré-aviso nos termos expostos, e bem assim, quanto à indemnização de clientela, uma vez que o único contrato existente – o subscrito em 2004 – contém uma cláusula compromissória arbitral, regendo-se ainda pela lei italiana.

15. Quanto à indemnização de clientela, o acórdão limita-se a seguir a solução constante da sentença. Contudo demonstrando a inexistência de um novo contrato e submetendo-se a actividade desenvolvida pelas partes ao único contrato, ao de 2004, nenhuma indemnização de clientela poderá ser aplicada na medida em que, além de não ter sido peticionado ao abrigo daquele contrato (condenação em objeto diverso do pedido), o Tribunal judicial português não tem jurisdição para poder decidir se é ou não devida indemnização de clientela.

16. Ao contrário do que defendem os Senhores Desembargadores, tal questão não foi objeto de pronuncia por despacho intercalar, de 07/02/2011, o qual se limitou a admitir a competência do tribunal português caso se decidisse pela existência do contrato verbal nos termos requeridos pela Autora na petição inicial. A cláusula arbitral consagrada no acordo subscrito pelas partes de 2004 tem carácter vinculativo. Tal questão de indemnização de clientela terá de ser apreciada em Itália, pelo Tribunal arbitral a ser constituído e à luz do direito italiano.

17. A lide, nos termos em que foi formulada pela A. no seu pedido prende-se com o reconhecimento de um novo contrato verbal e/ou por comportamento concludente, e a consequente ilicitude da sua cessação.

18. Ora, tal como resulta da matéria de facto dada como provada, o contrato de distribuição assinado, aquele firmado em 2004, tinha um prazo de caducidade estipulado, 30 de Setembro de 2008, devendo a Autora até um ano antes, comunicar por escrito à Ré a sua intenção de renovação, caso o não quisesse fazer cessar

19. Nesse sentido, concluiu o Juiz de primeira Instância que “estando expressamente previsto que para renovação do contrato a autora teria que o fazer por escrito, não se nos afigura razoável concluir agora pela sua pretensão de que teria passado a estar em vigor entre as partes um contrato consensual de distribuição comercial ou outro que a analogia justifique.”

20. Ou seja, não tendo a autora efetuado tal comunicação, não pode agora pretender a responsabilização da ré pela cessação da sua vigência.”

21. Acrescentando, ainda o Mmo. Juiz de primeira instância que “não se vislumbra, neste aspeto, qualquer atuação menos lícita da ré, pois que nem sequer se pode dizer ter sido ela a resolver o contrato. Este cessou naturalmente pelo decurso do seu prazo, sem que a autora, como lhe competia e apenas de si dependia, o tivesse renovado.

22. Nem a tal conclusão obsta o facto de, durante a vigência do contrato, terem trabalhado coleções [coleções 33 e 34] que seriam disponibilizadas ao público em período temporal posterior.

23. Nada de mais normal, a nosso ver, pois que até ao fim do contrato, devem as suas relações comerciais continuar naturalmente, colaborando entre si e no interesse de ambas (nomeadamente até porque, mesmo após a cessação do contrato, continuará a autora a ter o direito de receber as comissões devidas pelos produtos encomendados mas só posteriormente vendidos ou dos quais a ré recebeu o respetivo pagamento posteriormente). O que não se pode, a nosso ver, é “recusar” contratar (não remetendo a comunicação de renovação do contrato) por não estar de acordo quanto às condições de renovação e, ao mesmo tempo, pretender que entre as partes esteja em vigor um qualquer contrato consensual (e isso sim, seria vir contra facto próprio).

24. Ou seja, analisando o conjunto das relações comerciais entre autora e ré posteriores a Setembro de 2008, não se nos afigura razoável concluir que as relações comerciais entre ambas se possam reconduzir a um contrato consensual de distribuição comercial ou outro que a analogia justifique.

25. Contrariando à decisão proferida em primeira instância, o Tribunal da Relação veio dizer, que discorda de interpretação supra referida do Mmo. Juiz de primeira instância, manifestando a sua posição, de forma parca e pouco fundamentada, através do Instituto da “Teoria da Impressão do Declaratário”, previsto no art. 236.º do Código Civil.

26. Contudo, com o devido respeito, crê a Recorrente que a aplicação e interpretação dada do disposto no art. 236.º do Código Civil é feita de forma errada e a seu bel-prazer, limitando-se os Mmos. Juízes Desembargadores a tal argumento de forma genérica, revelando uma crassa escassez de fundamentação.

27. Pois bem, é (apenas) referido no acórdão proferido que “efetivamente, colocando-nos na posição das partes aquando da subscrição dos documentos de fls. 144 e seguintes e 177 e seguintes e tendo presente todo o clausulado exarado nesses documentos e circunstancialismos que os envolveu [falamos concretamente do contrato de agência celebrado em 25/07/2003 e do contrato de distribuição celebrado em 13/10/2004 ] e tendo em conta os factos posteriores já acima referidos (37 e seguintes dos factos provados), entendemos que apesar de o contrato ter cessado a sua vigência em 30/09/2008, com a conclusão da época 32, certo é que, como resulta dos factos provados (factos 37 a 42-C) a relação comercial manteve-se nas épocas 33 e 34, sem estar submetida às regras daquele referido contrato de 2007. ” (negrito e sublinhado nosso).

28. Não há qualquer dúvida que as coleções 33 e 34 foram trabalhadas, e tal conclusão não resulta alterada pelos novos factos dados como provados pelo Tribunal da Relação, mas tais coleções foram trabalhadas, conforme bem evidenciado pelo Juiz de primeira instância, durante o período temporal em que se encontrava em vigor o contrato de distribuição de 2004 e em contemporânea com a coleção 32, sempre submetidas às regras do referido contrato de 2004 e não a qualquer outro contrato verbal entretanto “celebrado”!  Sendo certo que, no sector em causa, entre o início da época, que passa pela escolha da coleção e os trabalhos finais, que inclui os saldos, são sempre trabalhadas 3 coleções em simultâneo, ou seja, cada época comporta cerca de 15 a 18 meses.

29. Tal questão, tem de ser analisada do ponto vista jurídico à luz da questão da formação dos contratos, matéria constante nos artigos 224.º a 235.º do CC e em particular a prática consolidada entre as partes

30. Pois bem, conforme consta dos factos dados como provados (factos provados números 15 e 21), entre as partes foram assinados 2 contratos – um de agência firmado em 25.07.2003, com início na época Outono/Inverno 2003-04; e um de distribuição, firmado em 13.10.2004, com início com a época de Outono/Inverno 2005/06. Antes mesmo do contrato de agência as partes haviam assinado um outro documento – Memorando de Entendimento, em 16 de julho de 2003, entre a Marzotto, Spa. e vários outorgantes que integraram a A. (factos provados números 7, 8 e 9).

31. O contrato de distribuição teve início com a época Out/Inv. 2005/2006 devendo extinguir-se com a conclusão das atividades relativas à estação Primavera/Verão 2008 (época 32) e em qualquer caso, a data de cessação nunca poderia ir além de 30 de Setembro de 2008. Mais referia o contrato assinado entre as partes que “qualquer negociação tendo em vista a possível extensão deste contrato de Distribuição, por um período de apenas dois anos, está condicionada à recepção pelo Principal, até 30 de Setembro de 2007, de uma comunicação escrita do Distribuidor confirmando a sua intenção de, em caso de prorrogação deste contrato de distribuição para a época O/I 2008/2009 e até à época P/V 2010 (…)” (negrito e sublinhado nosso). Ou seja, acordaram as partes que em 30 de setembro de 2008 o contrato cessaria por caducidade se a A, Recorrida não procedesse ao envio de comunicação que lhe permitiria renovar o contrato.

32. Recorrente e Recorrida operam no mundo da moda têxtil, em que em cada época são trabalhadas 3 coleções em simultâneo, sendo que uma delas é a actual, trabalhando-se, também as duas estações/coleções seguintes.

33. A distribuidora, Hífen, caso quisesse renovar o contrato deveria enviar a sua manifestação de vontade até 30 de setembro de 2007. Em ago/set de 2007 as partes encontravam-se a trabalhar a época P/V 2007 (época 30 - em saldos), a época Out/Inv 2007/2008 (época 31 - que já se encontrava produzida e em loja) e P/V 2009 (época 32 - que se encontrava em fase de encomendas), ou seja, trabalhavam-se em simultâneo as épocas 30, 31 e 32.

34. A Recorrida não remeteu a carta a manifestar a renovação do contrato, contudo as partes foram mantendo a relação comercial até ao seu término (Setembro 2008), e trocando missivas relacionadas com a sua execução, o que naturalmente incluía tanto a colecção contemporânea, 32, como as seguintes, 33 e 34.

35. Caso não fosse assinado novo contrato ou a renovação do contrato em vigor, as partes já sabiam que o contrato cessaria em 30 de setembro de 2008, mas tal não as impedia de continuar a trabalhar em conjunto até ao fim (o que fizeram), o que implicaria, necessariamente, que duas das coleções ficassem a meio (o que aconteceu).

36. Por outro lado, havendo manifestações da A. no sentido de ter interesse na manutenção da relação comercial, a Recorrente remeteu, por mais do uma vez, documento de renovação contratual para que fosse assinado pela A. uma vez que o que estava em vigor, na ausência de qualquer documento, caducaria, as quais nunca foram assinadas pela Recorrida. Ou seja, existia um comportamento contraditório da A./Recorrida que por um lado, manifestava uma aparência de querer manter as relações comerciais com a Ré mas não fazendo corresponder tal comportamento com a assinatura do documento de renovação escrito, tal como lhe era permanentemente solicitado pela sua Ré/Recorrente.

37. Consequentemente, não tendo enviado a carta de renovação o contrato manteve a sua execução até 30 de setembro de 2008 e o que temos nessa data, data da caducidade do contrato, é o trabalho desenvolvido em 3 épocas, como sempre ocorria: a contemporânea, P/V 2008 em saldos, Out/Inv 2008/09 produzida e a entrar nas lojas e a P/V em fase de encomendas (correspondendo às épocas 32, 33 e 34)! No entanto, apesar dos trabalhados desenvolvidos, a Distribuidora decidiu, conscientemente, “abandonar” as coleções 33 a meio e 34 logo após a fase de encomendas!

38. Tal como resulta bem claro da sentença de primeira instância, não pode deixar de se ter em consideração o que foi contratualmente estipulado pelas partes, e as partes estipularam que o contrato cessaria definitivamente a 30 de setembro de 2008. O contrato celebrado em 13 de Outubro de 2004 foi amplamente discutido e acordado entre as partes (facto provado 111), não foi imposto, pelo que a A., Recorrida, bem sabia o que havia sido acordado entre as partes, bem como sabia que não enviando a comunicação de renovação e não assinando novo contrato com a ré, Recorrida, a relação comercial entre as partes cessaria, pois todo o trabalho desenvolvido entre as partes estava assente num contrato escrito.

39. O que ocorreu, então, entre as partes no período compreendido entre Setembro de 2007 e Setembro de 2008, quanto às épocas 32, 33 e 34 e especialmente quanto a estas últimas que foram objeto condições contratuais ligeiramente diferentes foram negociações, propostas e contra-propostas com vista à renovação do contrato, que não vingaram, tendo por conseguinte a Recorrente enviado a missiva em 20 de outubro de 2008 comunicando que em virtude da cessação do contrato ocorrido em 30 de setembro de 2008 iriam ser dadas sem efeito as encomendas apresentadas para a época 34 – trata-se da mera comunicação informativa pois o contrato já havia cessado em 30 de setembro de 2008 por caducidade! (facto dado como provado 103).

40. Ou seja, nunca foi intenção da Recorrente estabelecer uma relação comercial com a Recorrida, numa base contratual informal para as épocas 33 e 34, conforme ficou expressamente não provado no ponto 2 dos factos dados como não Provados (“Que a Ré tenha decidido manter a relação comercial coma Autora numa base contratual informalmente estabelecida para as épocas 33 e 34”)

41. As coleções 33 e 34 foram, assim, trabalhadas ao abrigo do contrato escrito de distribuição celebrado entre as partes em 2004, que somente cessou em 30 de setembro de 2008, conforme resulta da sentença de primeira instância.

42. Tais coleções foram, ainda, trabalhadas na expectativa de renovação do contrato existente, ou celebração de novo contrato, e nunca como manifestação da celebração, em si, de um novo contrato, tendo nesse sentido dado parecer o Professor Doutor Pedro Romano Martinez, junto com as alegações de apelação. Ora, tal como resulta do Douto Parecer do Professor Doutor Pedro Romano Martinez “as partes atuavam na expectativa de chegar a acordo quanto à manutenção da relação comercial depois da caducidade do contrato de distribuição (30/09/2008).”

43. Contudo, tal como o Professor de Direito esclarece no parecer junto aos autos, as comunicações existentes entre as partes – quer a programação e trabalhos das coleções 33 e 34, quer as comunicações existentes após 30.09.2008 – não podem ser vistas como uma celebração de um terceiro contrato – verbal, resultando tal conclusão, desde logo, da disciplina e regime jurídico da celebração de contratos.

44. Apesar de ser legalmente admissível a celebração de contrato de distribuição verbal à luz da legislação portuguesa, tal não o é à luz do caso concreto.

45. Não configurando tais comunicações um novo contrato – não sendo possível extrair tal conclusão dos factos constantes dos autos – tais coleções (épocas 33 e 34) foram trabalhadas à luz do contrato que (ainda) se encontrava em vigor não obstante a sua adaptação ao mercado, com descontos e ajudas especiais, ajudas e descontos que, de resto, já se verificam em coleções anteriores.

46. Dispõe assim o art. 236.º que “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”,

47. E, socorrendo-nos do critério de interpretação dos negócios jurídicos previsto no art. 236.º do CC deve entender-se que a dedução da declaração negocial aí prevista não exige, por parte do declarante (autor da declaração negocial), uma consciência subjetiva do significado implícito que a mesma possa conter, sendo suficiente que, objetivamente (em termos práticos e coerentes) esse significado seja depreensível do comportamento do declarante.

48. Para melhor compreensão daquela que é a vontade real do declarante/Valentino, basta pensar qual foi o seu comportamento aquando da assinatura dos contratos assinados em 2003 (agência) e 2004 (distribuição) e concluímos que sempre – mas sempre – existiu contrato escrito e, naturalmente não seria diferente em outubro de 2008, tanto é assim que a Valentino nunca quis estabelecer a sua relação comercial com a A. numa base informal, tendo tal facto sido dado como não provado em 2.

49. Assim, debruçando-nos sobre o caso concreto e analisando a conduta das partes, à luz da teoria da impressão do destinatário, já exposta, é impossível concluir estarmos perante uma relação comercial estabelecida à luz de um contrato verbal

50. Ora, através da relação comercial existente entre as partes, resulta bem clara a necessidade de existência de um contrato escrito para a Ré. E tal conclusão também se alcança analisando a própria redação do contrato de distribuição assinado, segundo o qual conforme já se expos, a renovação pressuporia a existência de uma comunicação escrita por parte da A. Comunicação essa que nunca existiu.

51. No caso concreto temos que ambos os contraentes podem ser vistos como declarante e declaratário, pois ambos emitiram declarações negociais, ou seja, comportamento que, exteriormente observados, criam a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial, sendo que em ambas as situações a conclusão jurídica da a que se chega será, necessariamente, sempre a mesma.

52. Analisando o comportamento da distribuidora/Autora/Recorrida enquanto declarante, ou seja, a sua vontade negocial sabemos, agora, que a sua vontade real era a celebração de um novo contrato, verbal, com condições novas, fazendo cessar definitivamente o que havia outorgado, contudo o seu comportamento objetivo e declarativo consistiu na manutenção das negociações, nos termos que em que sempre as realizou, continuando a adquirir produtos ao Principal (Valentino). Ora, a Recorrente, enquanto declaratária normal, ou seja, “medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, entendia tal como manifestações de manutenção da relação comercial existente entre as partes e de intenção de renovação do contrato que haviam celebrado. Assim, apesar da distribuidora não ter enviado a carta que lhe permitiria a renovação do contrato, havia no seu comportamento indícios que era essa a sua intenção. Motivo pelo qual a própria declaratária enviou minuta de renovação para subscrição (facto provado 70).

53. Por ser turno, se analisarmos o comportamento do Principal/Ré/Recorrente enquanto declarante temos uma clara situação em que a vontade real converge com a vontade declarativa e na qual o declaratário conhece, efetivamente, a vontade real do declarante. Ora, a vontade real é a da manutenção da relação contratual mediante a renovação do contrato, tendo deixado sempre assente a necessidade de um contrato escrito e a sua vontade declarativa é igualmente nesse sentido, pois que mantém o trabalho das coleções, enviando, inclusive propostas de renovação do contrato (facto provado 70). Atendo o conhecimento da vontade real do declarante – expresso em virtude das propostas de renovação enviadas, e considerando a relação comercial de anos que existia entre as partes, – aplica-se nesta sede o disposto no n.º 2 do art. 236.º CC, segundo o qual, ainda que se pudesse considerar que através do não envio da carta de renovação se poderia supor a não intenção de renovação do contrato, sujeitando as novas coleções (a 33 e 34) a um novo contrato verbal, tal foge completamente daquela que é a vontade expressa do declarante na necessidade de redução a escrito da existência formal de um contrato. E nesse sentido, conhecendo a Hífen o sentido que declarante, Valentino, pretendeu exprimir através da sua declaração, ou seja, das várias propostas de renovação escritas, é de acordo com a vontade real do declarante que tal comportamento tem de ser interpretado.

54. Ao longo da relação comercial existente entre as partes, outras manifestações de necessidade de outorga de documento escrito para a Recorrente existiram, demonstrando-se bem que a existência de tal documento corresponde à vontade formal do declarante, pois, a época primavera/verão 2005 (época 26), época que se trabalhou entre os dois contratos, não foi considerada trabalhada à luz de qualquer contrato verbal, nem do novo contrato de distribuição, mas sim à luz do contrato de agência de 2003 (vide alegação/confissão do quesito 98.º a 101.º da A. da base instrutória que foi dado como provado, embora de forma resumida em 110). Resulta assim claro a necessidade da Recorrente em encaixar as épocas trabalhas em algum contrato escrito, de distribuição ou de agência.

55. Assim, mais uma vez se conclui que todas as encomendas (das épocas 32, 33 e 34) de mercadoria e compras e vendas efetuadas naquele período, entre setembro 2007 e setembro 2008, entre as partes se encontram contratualmente integradas única e exclusivamente no contrato de distribuição firmado pelas partes, em 13.10.2004 conforme sustentado pela Ré, e regido pela Lei Italiana e remetendo em caso de conflito para cláusula compromissória arbitral junto da Câmara Nacional e Internacional de Arbitragem de Milão – Itália.

56. A Ré, ora Recorrente, sentiu necessidade de enviar a missiva datada de 20 de Outubro de 2008 mediante a qual comunicou à Recorrida que o contrato deve ser considerado definitivamente cessado, não tendo em vista comunicar a cessação do contrato assinado entre as partes mas confirmar essa mesma cessação uma vez que apesar do pleno conhecimento que a A tinha dessa mesma cessação se recusava a prolongar a relação comercial com a Ré, tendo inclusivamente proposto à Ré que adquirisse o seu negócio, resultando tal informação da mencionada carta.

57. Por conseguinte, a posição assumida no acórdão recorrido, segundo a qual “Sendo que tem aqui aplicação o disposto no art. 27.º da Lei n.º 178/86 segundo o qual «considera-se renovado por tempo indeterminado o contrato que continue a ser cumprido pelas partes após o decurso do prazo”. (pág. 127 acórdão) e por conseguinte aplicando a indemnização por falta de pré-aviso de denuncia, nos termos do disposto no art. 28.º do mesmo diploma é completamente desprovida de fundamento.

58. A Recorrida ao não ter enviado a comunicação que lhe permitiria renovar o contrato de distribuição em vigor, bem como subscrevendo as propostas de renovação que lhe foram remetidas, sabia que o contrato cessaria por caducidade a 30 de setembro de 2008. De tal facto também era conhecedora a Ré, contudo, o comportamento da própria A. criou na Ré a expectativa da continuação da relação comercial entre elas. Para a Ré, como a A. bem sabia, a inexistência de contrato escrito nunca foi opção e em face as manifestadas intenções e continuação de relação comercial, a Ré enviou e insistiu inúmeras vezes com a assinatura de um novo contrato, quando se deparavam com o fim do anterior, a partir de julho de 2008, tendo a A. se recusado a contratar. Posteriormente, apesar da sua recusa em contratar, veio a Ré – em pleno abuso de direito, um venire contra factum proprium – invocar a existência de um contrato!!!!

59. Perante estes dados, de facto, temos por certo que o comportamento da A., qualificado em termos jurídicos à luz do que se expôs, integra um venire contra factum proprium, proibido pelo artº 334º do CC, dando também neste ponto Douto parecer o Professor Doutor Pedro Romano Martinez, junto aos autos, seguindo quer a posição da Ré vertida nas presentes alegações, quer a Douta sentença.

60. Assim, conforme se demonstrou não houve qualquer denuncia ilícita do contrato, pois não se reconhece a existência de qualquer contrato verbal assinado entre as partes. O contrato existente entre as partes – aquele de distribuição firmado em 13 de outubro de 2004, cessou em virtude do prazo que lhe foi aposto pelas partes. Mais se demonstrou que as coleções 33 e 34 foram trabalhadas ao abrigo do mencionado contrato de distribuição.

61. Consequentemente, não tendo havido renovação do contrato em virtude do comportamento da própria A. – falta envio da carta de prorrogação do mesmo bem como recusa de assinar os novos projetos de contratos enviados pela Ré – não pode, findo o mesmo, invocar comissões pelas vendas efetuadas, uma vez que a serem devidas – o que não se aceita – terão de ser reconhecido à luz da legislação italiana em sede de arbitragem para o qual remete o contrato.

62. E, ainda que se aceitasse a renovação automática nos termos do art. 27.º n.º 2 do DL 178/86) – que não se aceita, como veremos – quaisquer quantias ou alegados incumprimentos contratuais teriam de ser discutidos em sede de arbitragem e com base na legislação italiana, nos termos do clausula 20.º do contrato assinado.

63. Resulta do acórdão recorrido que, considerando que apesar do contrato ter cessado a sua vigência em 30/09/2008, a relação comercial manteve-se nas épocas 33 e 34 sem estar submetido às regras daquele contrato, sendo, por conseguinte aplicável, por analogia, o disposto no art. 27.º n.º 2 do DL 178/86.

64. Ora, o tribunal a quo, fazendo uma confusão jurídica conclui que a relação comercial se manteve «sem estar submetida às regras daquele referido contrato de 20079». Mas na linha seguinte afirma que, nos termos do artigo 27.º, o contrato escrito se considera renovado. Ora, se o contrato se renova é submetido às mesmas regras do anterior (de 2004). E se é submetido às regras do anterior, não se pode aplicar o disposto, nomeadamente, do art. 28.º do DL 178/86. A renovação alegada pelo Tribunal a quo contraria o disposto no artigo 223.º do Código Civil.

65. Pois bem, se o contrato cessou não se renova, se se renova, não cessou. Cessando, está cessado. Renovando-se aplicam-se as regras dele constantes e aplicando-se as regras dele constante não poderíamos estar nesta sede em discussão, pois no contrato assinado entre as partes – sendo manifestação da sua vontade e liberdade contratual – as partes remeteram para a arbitragem em Milão – Itália e para a legislação italiana a resolução de quaisquer conflitos.

66. Não é por acaso que a forma como formulada a ação e os vários da Autora na Petição Inicial, tem todos como pressuposto a existência de um NOVO contrato verbal e nunca o anterior ou a sua continuação.

67. Foi também somente neste pressuposto que, com o despacho de 7 de fevereiro de 2011, o tribunal português se declarou competente, nos termos do pedido formulado pela A., ou seja, verificar se existe um novo e diferente contrato em relação ao contrato firmado pelas partes em Outubro de 2004.

68. Não sendo aplicável o disposto no art. 27.º/2 do DL 178/86 uma vez que as coleções 33 e 34 foram trabalhadas à luz do contrato de distribuição não o é, igualmente, o disposto no art. 28.º e 29.º do mesmo diploma.

69. No caso dos autos, conforme se demonstrou o contrato assinado, em vigor entre as partes, cessou pelo decurso do tempo. Tratava-se de um contrato celebrado a prazo certo, cuja cessação ocorreu por caducidade e as coleções 33 e 34 foram trabalhadas à luz desse contrato que caducou e não cessando o contrato por denúncia – pois nem sequer estamos perante um contrato celebrado por tempo indeterminado – não está em falta qualquer comunicação por pré-aviso de denúncia do contrato. Entre as partes existiu somente o contrato escrito celebrado em 13/10/2004 e que cessou por caducidade.

70. Em sede de apelação a ora Recorrente invocou a incompetência do Tribunal quanto ao pedido de indemnização de clientela uma vez que a sua condenação – assente na decisão de inexistência do contrato verbal – a ser devida, seria ao abrigo do contrato de distribuição celebrado entre as partes em 13/10/2004 e como tal remetida qualquer conflito para a competência arbitral e regido à luz da lei italiana. Ademais, somente se referiu nas alegações de recurso de apelação à indemnização de clientela, uma vez que só dela houve condenação em primeira instância.

71. Sobre tal alegação não decidiu o Tribunal Recorrido, considerando improcedente o pedido da Recorrente, referindo para o efeito que sobre tal questão já foi tomada posição em primeira instância, por despacho de 07/02/2011, decisão da qual não foi apresentado recurso, formando-se caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo

72. Ora, com o devido respeito, que é muito, também quanto a este ponto não esteve bem o tribunal a quo no acórdão recorrido, impondo-se a alteração de decisão recorrida, nomeadamente devendo o Tribunal pronuncia-se sobre tal questão.

73. O tribunal judicial português considerou-se competente, única e exclusivamente, porque, conforme a autora tinha configurado o seu pedido, deveria ser dada a esta a possibilidade de provar a existência de um novo contrato verbal. Ou seja, no despacho em análise, o tribunal não se considerou competente de forma absoluta, mas somente na medida em que da sentença a proferir fosse declarado existente um novo contrato verbal que sustentava os vários pedidos da Autora. Foi somente neste – e unicamente neste – pressuposto que o tribunal de primeira instância por despacho de 7 de fevereiro de 2011 se considerou competente. Daí advem, necessariamente que no momento em que, considera como não existente o referido contrato verbal que sustenta todos os pedidos da A., também deverá declarar-se incompetente quanto à eventual indemnização de clientela que a ser devida, será unicamente ao abrigo do contrato escrito de outubro de 2004, relativamente ao qual ninguém duvida que há uma clara remissão para o tribunal arbitral.

74. Deste modo, não é correta afirmar que sobre a questão da incompetência do tribunal judicial para apreciar a questão da indemnização de clientela devida à luz do contrato escrito de distribuição de 2004 já tenha recaído decisão transitada em julgado com força obrigatória formal dentro do processo.

75. Pois, pese embora não esteja em discussão que tal despacho de 7 de fevereiro de 2011 tenha transitado em julgado, o mesmo tem força de caso julgado única e exclusivamente na medida em que o A. conseguisse provar a existência de um novo contrato verbal, que obviamente não tinha qualquer cláusula de foro de competência.

76. Quanto ao pedido de incompetência formulado pela Recorrente em sede de apelação não recaiu qualquer decisão, já transitada em julgado, conforme erradamente decidiu o Tribunal da Relação, devendo sobre ela tomar posição o Tribunal ad quem.

77. Consequentemente, caso se admitisse – o que não se aceita, apenas se faz por mera hipótese académica – que o contrato de distribuição assinado entre as partes, o qual contém um prazo se tenha prolongado além do seu decurso (que na tese da A teria ocorrido em 30 setembro 2008)apesar do contrato estabelecer o ano de 2008 apoiando-se nas coleções trabalhadas aplicar-se-ia ao contrato as regras desse contrato de 2004. Ou seja, ainda que se admitisse que as coleções 33 e 34 tivessem sido trabalhadas além de decurso do contrato que cessaria com a coleção 32, o contrato de distribuição converter-se-ia em contrato por tempo indeterminado. Isto é, aquele mesmo contrato, com as cláusulas nele estipuladas converter-se-ia em contrato de duração indeterminada e. por conseguinte, contendo uma cláusula de jurisdição e de foro, ou seja, seria regido à luz da lei italiana e por meio de arbitragem.

78. As partes acordaram submeter qualquer litígio à jurisdição de um tribunal arbitral e preterindo tal decisão das partes, o acórdão recorrido põe em causa as mais elementares garantias decorrentes da lei, assim como as legítimas expectativas da ora Recorrente quanto à aplicação da arbitragem em disputas originárias devido ou relacionadas com o contrato celebrado entre as Partes.

79. Contudo, apesar de devidamente invocada tal incompetência nas alegações do recurso – no que à indemnização de clientela concernia, uma vez que só essa foi objeto de condenação em primeira instância – o Tribunal a quo refere que tal questão já foi objeto de decisão por despacho intercalar de 7/02/2011, nos termos infra expostos.

80. A cláusula compromissória vertida na cláusula 20.ª do Contrato é válida e eficaz, preenchendo os requisitos legais inscritos na Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, então aplicável, e, bem assim, na atual Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária). Tal cláusula foi aposta no contrato de forma livre e esclarecidamente por ambas as Partes (facto provado 111), demonstrando a real vontade destas de submeter todo e qualquer litígio que tivesse origem ou fosse decorrente do contrato de distribuição celebrado pelas Partes, a um Tribunal Arbitral a constituir em Milão.

81. A cláusula compromissória arbitral é uma cláusula de competência exclusiva e não alternativa, tendo já vários autores e decisões tomado posição nesse sentido, pois resultando claro que foi intenção das partes, aquando da outorga do contrato, submeter quaisquer litígios ocorridos no âmbito do contrato à jurisdição de um tribunal arbitral, não incumbe ao Tribunal judicial decidir em sentido diverso afastando a vontade das partes em matéria da sua disponibilidade.

82. E mesmo que assim fosse, em virtude do princípio da competência teria de ser dada prioridade ao tribunal arbitral de conhecer da sua própria competência conforme disposto no art. 18.º da atual Lei da Arbitragem Voluntária e anterior artigo 21.º da Lei n.º 31/86.

83. Nesse sentido decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta do acórdão proferido pelo mesmo em 21 de junho de 2016 no âmbito do processo n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1, bem como o acórdão do de 20/03/2018, proc. 1149/14.8T8LRS.L1.S1, no qual foi relator HENRIQUE ARAÚJO, (ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), e no recente acórdão de 12/11/2019, proc. 8927/18.7T8LSB-A.L1S1 no qual foi relator o Conselheiro Pedro Lima Gonçalves, no qual se decidiu (usando, ainda a teoria da interpretação do negócio jurídico).

84. Pois bem, qualquer indemnização – seja de que natureza for – ou qualquer questão relacionada com o referido contrato de 13.10.2004 será apreciada à luz da Lei italiana com recurso a Arbitragem, a ter lugar em Milão, nomeadamente a questão da sua conversão em contrato por tempo indeterminado e em caso de duvida acerca da competência de tal jurisdição deve o próprio tribunal arbitral se pronunciar em primeira linha sobre tal competência, não cabendo ao tribunal judicial tal decisão.

85. Nesse sentido, deve o acórdão recorrido, nesta parte, ser igualmente revogado, sendo também nesta sede a Ré, ora Recorrente, ser absolvida dos pedidos da A. contra si apresentados, nomeadamente quanto à indemnização por falta de pré-aviso e, nos mesmos termos, pela indemnização de clientela.

86. SEM PRESCINDIR, na sequência do pedido formulado pela Autora, já exposto nas presentes alegações, o Mmo. Juiz de primeira Instância julgou a presente acção parcialmente procedente com base nos seguintes argumentos: Por um lado o Mmo. Juiz de primeira instância reconheceu não existir novo contrato entre as partes referindo que “analisando o conjunto das relações comerciais entre autora e ré posteriores a Setembro de 2008, não se nos afigura razoável concluir que as relações comerciais entre ambas se possam reconduzir a um contrato consensual de distribuição comercial ou outro que a analogia justifique.”. Contudo, decidiu fixar um valor de indemnização de clientela – sem explicar se se refere ao contrato que ele próprio diz não existir ou ao contrato firmado entre as partes e que consta da matéria assente que é regido à luz nas leis italianas.

87. Contudo, além da incompetência do Tribunal português para decidir tal matéria, pois o Tribunal judicial português não tem jurisdição para poder decidir se é ou não devida qualquer indemnização, nomeadamente a indemnização de clientela ao abrigo do contrato de distribuição celebrado em 13.10.2004, nos termos já expostos, tal pedido NÃO foi formulado pela A. Ou seja, o Tribunal a quo decidiu manter uma decisão nula.

88. De acordo com o pedido formulado pela A. sustentado pelos factos alegados nos artigos 261.º a 298.º da PI, indemnização de clientela dizia respeito ao alegado contrato verbal, pelas épocas 33 e 44, – que a Ré sustenta não existir e nesse sentido decidiu o Mmo. Juiz de primeira instância. Logo improcedendo a petição inicial no que tange à existência de contrato, encontra-se, desde logo prejudicado o pedido de indemnização de clientela – pois refere-se a um contrato inexistente.

89. A Indemnização de clientela peticionada sob o ponto 3) do pedido diz respeito unicamente ao alegado contrato verbal.

90. A ser devida indemnização de clientela será em virtude do contrato de distribuição que existiu entre as partes e a mesma – na esteira da conclusão do Mmo. Juiz de primeira instância e posição sufragada pela Ré, Recorrente – e tal indemnização terá de ser apreciada e fixada à luz da lei italiana e, conforme já exposto, pelo Tribunal Arbitral a ser constituído em Milão, tratando-se, assim, de uma condenação que, além de não ter sido peticionada, seria sempre julgada pelo recurso à Arbitragem.

91. Deste modo, a decisão proferida pelo Mmo. Juiz a quo quanto à condenação da Ré no pagamento de um valor à A. a titulo de indemnização de clientela na sequência da execução do contrato de 13.10.2004, para além de ser nula por não ter sido peticionada pela A., também é ilegítima uma vez que a competência internacional para apreciar a eventual indemnização de clientela relacionada com este contrato foi remetida, em via exclusiva, para o Tribunal Arbitral de Milão, e a sua apreciação a ser julgada em conformidade com a legislação italiana.

92. Além da indemnização de clientela supra descrita, foi a Ré condenada a pagar à A. a quantia de € 39.998,69 a título de comissões devidas e não pagas, que se trata do pedido 4) formulado pela A. (“seja a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 39.998,69, referente a créditos da A. sobre a R.”). decisão essa igualmente confirmada pelo Tribunal recorrido, porquanto “No mais mantêm a sentença inalterada”.

93. Contudo, tal decisão, é sempre recorrível, ao abrigo do disposto no art. 629.º n.º 2.º al a), porquanto o Tribunal português não tem competência para decidir sobre tal questão.

94. Ora, o pedido formulado em 4), prende-se com valores alegadamente devidos a título de comissões por crédito que não foi pago pela cliente Fashion Outlet, SA. e são respeitantes a comissões alegadamente devidas ao abrigo do contrato de agência celebrado em 2003.

95. Ora, lançando mão do mesmo argumento acima exposto, em relação ao contrato de distribuição, o Mmo. Juiz a quo não podia condenar a Ré a pagar à A. o valor de 39.998,69€ a título de comissões na qualidade de agente pela vendas efetuadas à cliente Fashion Outlet, SA.

96. Pois bem, tais comissões a ser devidas pela R. à A. serão ao abrigo do contrato de Agência subscrito pelas partes em 25.07.2003 e junto pela A. como doc. 3 da PI e ponto 15 dos factos dados como provados.

97. Ora tal contrato de agência, também remetia para a legislação e foro em Itália, conforme resulta das cláusulas n.º 15 e 16, tendo as partes expressamente convencionado que o Tribunal de Vicenza tem exclusividade para dirimir qualquer litígio relacionado com o referido contrato, remetendo para a legislação italiana para dirimir qualquer conflito relacionado com o respetivo contrato.

98. De salientar que a R., recorrente, levantou desde início, nos autos, a questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses para decidir os presentes autos, bem como pela aplicação da Lei italiana. Contudo com despacho de fls. 1019 ss., o Tribunal considerou-se como competente para decidir os presentes autos, única e exclusivamente, porquanto a A. configurou a ação na petição inicial baseada num contrato verbal que as partes teriam celebrado para as épocas 33 e 34. Contrato verbal que já não estaria subordinado aos contratos escritos de agência 2003 e distribuição de 2004, mas seria um novo contrato (verbal) que foi ilicitamente cessado pela R.

99. Na medida em que o Tribunal, na sua sentença, acabou por concluir pela inexistência do referido contrato verbal para as épocas 33 e 34, acontece que os únicos contratos existentes entre as partes são os contratos escritos de 2003 (contrato de agência) e o contrato de 2004 (contrato de distribuição) os quais remetem para a legislação italiana bem como, de forma exclusiva, para o foro de Vicenza - Itália (contrato de agência de 2003) e para o Tribunal Arbitral de Milão - Itália (contrato de distribuição de 2004), termos em que Portugal era, e é, incompetente para decidir sobre os referidos contratos.

100. O Tribunal a quo, não podia ter condenado a Ré a pagar à A. o valor de 300.000,00 a título de indemnização de clientela pela cessação do contrato de distribuição celebrado em 2004, também não podia condenar a Ré, ora Recorrente, pelas alegadas comissões devidas ao abrigo do contrato de agência de 2003.

A Autora apresentou contra-alegações, pronunciando-se pela inadmissibilidade da revista, quer comum, quer excecional, e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

Já neste Tribunal, as partes foram notificadas, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para se pronunciarem, sobre a possibilidade de ser aplicável a lei italiana

A Recorrente pronunciou-se no sentido da aplicabilidade da lei italiana.

A Recorrida pronunciou-se no sentido oposto, alegando que sobre essa aplicabilidade já havia sido proferida no processo decisão transitada em julgado (o despacho de fls. 1019-1024), afastando essa aplicação, que os pedidos formulados pela Autora não tiveram como origem a cessação do contrato onde foi estipulada a aplicação da lei italiana, mas sim um contrato verbal, onde estava ausente essa convenção, e que, constando já da matéria de facto provada que as indemnizações arbitradas pelo tribunal da Relação não o foram pela cessação do contrato onde estava inserida tal cláusula, mas sim pela cessação de um contrato verbal posterior, submetido a diferentes regras, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, por não ter competência para tal, alterar essa matéria factual. Terminou, invocando a inconstitucionalidade da aplicação da lei italiana, com fundamento na violação do caso julgado e dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça constitucionalmente atribuídos.

II – A admissibilidade do recurso de revista comum

A Autora, nas contra-alegações, defendeu a inadmissibilidade do recurso de revista comum, com fundamento na existência de uma situação de “dupla conforme”.

Confrontando a sentença do tribunal da 1.ª instância com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, constata-se, desde logo, que este, na sequência da parcial procedência da apelação interposto pela Autora, alterou o segmento absolutório da sentença da 1.ª instância, condenando a Ré a pagar o valor da indemnização pelas “comissões” que a Autora deixou de auferir pela venda dos Produtos já encomendados, relativos à época Primavera/Verão 2009 (coleção 34), no valor de € 326.574,67, pelo que, relativamente a esta condenação, é manifesta a ausência de coincidência entre as duas decisões.

Tendo em consideração que o acórdão recorrido manteve a decisão da 1.ª instância, quanto à indemnização de clientela, poder-se-ia pensar em cindir aquele, para efeitos de verificação da dupla conformidade, não admitindo o recurso de revista comum quanto a este segmento decisório.

No entanto, constata-se que, sendo questionada no recurso interposto o conteúdo da própria relação contratual, em que se alicerçam os fundamentos dos dois valores indemnizatórios, não se verifica uma autonomia entre os dois segmentos decisórios que permita essa cisão.

Além disso, sendo um dos fundamentos do recurso, a incompetência dos tribunais portugueses para decidirem esta questão, sempre o recurso, nessa parte, seria admissível (artigos 671.º, n.º 3, e 629.º, n.º 2, a), do Código de Processo Civil), o que também permitiria o conhecimento da nulidade invocada (artigos 666.º, n.º 1 e 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

Atenta a admissibilidade do recurso de revista comum, pelas razões acima expostas, fica prejudicada a apreciação do recurso de revista excecional, subsidiariamente interposto.

III - O objeto do recurso

Tendo em consideração o conteúdo da decisão recorrida e as conclusões das alegações dos Recorrentes é o seguinte o objeto deste recurso:

- O acórdão recorrido é nulo por ter condenado em objeto diverso do peticionado, quando condenou a Ré a pagar uma indemnização de clientela?

- Os tribunais  estaduais portugueses são incompetentes para decidir a presente ação, face à existência de um pacto privativo de jurisdição constante do contrato de distribuição celebrado em 13.10.2004, o qual atribuía competência para dirimir os litígios que viessem a ocorrer na execução daquele contrato a um Tribunal Arbitral, tendo lugar a arbitragem em Milão (Itália), e de igual pacto, constante do contrato de agência celebrado em 25.07.2003, o qual atribuía competência ao Tribunal de Vicenza ?

- A Autora não é titular de um direito de indemnização pela perda das “comissões” que deixou de auferir, com a venda dos produtos da Ré, relativos à época Primavera/Verão 2009 (coleção 34)?

- A Autora não é titular de um direito de indemnização de clientela?

IV – Da nulidade do acórdão recorrido

A Ré, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação, invocou a nulidade da sentença da 1.ª instância, por a ter condenado em objeto diverso do pedido, quando a condenou a pagar uma indemnização de clientela de € 300.000,00.

Nessa altura, alegou que a Autora havia formulado um pedido de indemnização de clientela, tendo como causa de pedir um alegado contrato de distribuição verbalmente celebrado, enquanto a sentença encontrou fundamento para aquela condenação no contrato de distribuição outorgado por escrito em 13.10.2004.

A arguição desta nulidade foi julgada improcedente pelo acórdão recorrido, o qual confirmou a condenação da Ré a pagar a indemnização de clientela, no valor de € 300.000,00.

A Ré defende nas alegações de revista que, ao ter confirmado essa condenação, a nulidade invocada também afeta o acórdão recorrido.

Efetivamente a Autora alicerçou o pedido de condenação da Ré a pagar uma indemnização de clientela, no valor de € 684.044,19 (pedido formulado sob o n.º 3 do petitório), na cessação, por iniciativa da Ré, de um contrato de distribuição, verbalmente celebrado entre Autora e Ré para as estações Outono/Inverno 2008/2009 (Época 33) e Primavera/Verão (Época 34).

A 1.ª instância condenou a Ré a pagar à Autora uma indemnização de clientela pela cessação do contrato de distribuição outorgado por escrito em 13.10.2004, tendo excluído a existência do alegado contrato verbal.

O acórdão recorrido, contudo, entendeu que o contrato de distribuição celebrado em 13.10.2004 se havia renovado, nos termos do artigo 27.º da Lei n.º 178/86, pelo que teria sido esse contrato renovado que, por ter cessado por iniciativa da Ré, deu origem à indemnização de clientela, que motivou a confirmação da condenação desta a pagar € 300.000,00.

Perante esta factualidade processual, relativamente à condenação no pagamento de € 300.000,00, a título de indemnização de clientela, constata-se que o objeto da condenação está contido no objeto do pedido, pelo que não se verifica uma violação dos limites impostos pelo artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

A argumentação da Ré integra-se antes numa eventual utilização de causa de pedir diversa da alegada pela Autora, o que resultaria na apreciação de uma questão que o tribunal estaria impedido de conhecer, o que, igualmente, geraria o vício da nulidade da decisão (artigo 615.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil).

Todavia, relativamente à decisão recorrida, não se verifica esse vício, uma vez que ela apenas procedeu a um enquadramento jurídico diverso do contrato, cujo termo justificava a indemnização de clientela. Enquanto a Autora entendia na petição inicial que, após a caducidade do contrato de distribuição, celebrado em 13.10.2004, se formou consensualmente um novo contrato de distribuição, cuja cessação lhe confere o direito à indemnização de clientela, o acórdão recorrido apoiou-se na renovação contratual prevista no artigo 27.º da Lei n.º 178/86 para adotar a tese que se formou um contrato renovado, cujo termo justifica a indemnização de clientela.

Não estando o juiz sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), a decisão recorrida não apreciou questão que não podia conhecer, ao fundamentar a decisão de manter a condenação da Ré no pagamento da indemnização de clientela.

Acrescenta-se, apesar dessa questão não estar em causa no presente recurso, que esse vício também não se verificava na decisão da 1.ª instância, uma vez que a condenação por ela proferida também resultava de um diferente enquadramento jurídico da factualidade integrante da causa de pedir invocada pela Autora, e não da construção inovadora de uma causa de pedir.

Por estas razões, improcede a invocação da nulidade do acórdão recorrido.

V – Os factos provados

Neste processo foram julgados provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade comercial que se encontra matriculada desde 29.03.2003 e se dedica à "importação, exportação, comércio de vestuário, calçado e acessórios de moda;

2. São sócias da Autora, cada uma com 50% do capital social, as sociedades comerciais "Simaca - Materiais para Calçado, Lda" e "2 J.M. - Importação e Exportação de Têxteis, Lda";

3. Foram gerentes da Autora, desde a sua constituição e até 18.07.2010, AA e BB;

4. Naquela data, AA renunciou à gerência, mantendo-se no cargo apenas o segundo, e até à presente data;

5. A Ré dedica-se à produção e distribuição de vestuário, calçado e acessórios de moda;

6. Enquanto titular de uma licença de utilização da marca "Marlboro Classics", a Ré exporta os seus produtos de vestuário, calçado e demais acessórios de moda para vários países, através de parceiros comerciais que para o efeito constitui;

7. A relação comercial em referência nos autos foi inicialmente empreendida, no que à Ré diz respeito, ainda pela "Marzotto, SpA", entretanto incorporada na Ré "Valentino Fashion Group, SpA";

8. Na sua génese, as negociações foram estabelecidas entre a "Marzotto, SpA" e um grupo de empresários portugueses, designado "The Group", parte dos quais veio a fundar a ora Autora;

9. Mesmo antes de constituída a Autora, foi celebrado entre a Ré e o "The Group" (constituído nomeadamente pelas sociedades portuguesas "Simaca – Materiais para Calçado, Lda" e "2 J.M. - Importação e Exportação de Têxteis, Lda" e pelos empresários CC e DD) um contrato com a denominação "Memorandum of Understanding", com o teor de fls. 131 e ss., para além das assinaturas, rubricas e carimbos nele apostos, que aqui se dão por reproduzidos;

10. Na sequência deste Memorando, os empresários CC e DD assumiram parte da dívida do anterior distribuidor da marca, no valor de € 685 580,00;

11. Para regularização parcial desse débito, aquando da formalização do "Memorandum of Understanding", o "Grupo" entregou à Ré a quantia de € 250 000,00;

12. E em 24.09.2003, já depois de formalmente constituída a Autora, a "Simaca" e a "2JM" fizeram à Ré nova entrega de € 250 000,00, em cumprimento da Cláusula 4ª do "Memorandum of Understanding";

13. Foram integral e pontualmente cumpridas as obrigações impostas ao "Grupo" pelo "Memorandum of Understanding";

14. Autora e Ré celebraram sucessivos contratos, os quais sempre tiveram por objectivo a promoção, distribuição e comercialização dos produtos da marca "Marlboro Classics";

15. Em 25.07.2003 foi assinado entre a "Marzotto, SpA" e a Autora um contrato com o teor de fls. 144 e ss. dos autos, para além das assinaturas, rubricas e carimbos nele apostos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

16. Neste, as partes acordaram - entre o mais - que “O Agente assume o compromisso de promover permanentemente a venda dos produtos de vestuário, sapatos e acessórios da marca “Marlboro Classics” (doravante Produtos) em Portugal (doravante “Território”), sem procuração, em exclusividade e sem depósito.

(...)

Entende-se que, em todos os casos em que não houver entendimento entre as partes, o valor mínimo de vendas dos Produtos a ser promovido pelo Agente em cada época não poderá ser, em caso algum inferior a 90% (noventa por cento) do valor dos Produtos indicados nas encomendas aceites pela MARZOTTO, e respeitantes à época imediatamente anterior (época Primavera/Verão com a anterior Primavera/Verão e época Outono/Inverno com a anterior época Outono/Inverno.

Para este fim, o Agente deverá promover de forma assídua e continuada, a venda dos Produtos aos clientes e potenciais clientes no Território (com exceção dos mercados de rua), sem exceção de nenhum canal de venda no sector em questão, com exceção da seguinte clientela:

- Sociedades que são ou virão a ser filiais da Matzotto, ou que de alguma forma estão relacionadas com empresas do grupo Marzotto;

Sociedades ou comerciantes em nome individual que promovam a venda de produtos por catálogo (p. ex: organizações de venda por correio);

Sociedades ou comerciantes em nome individual que promovam a venda de produtos diretamente a partir das fábricas ou em Outlets;

- Organismos e instituições que vendam em leilões;

- Sociedades ou comerciantes em nome individual que promovam a venda de produtos através da internet ou outros meios telemáticos;

Clientes que, pelas características e importância no mercado, justificam a negociação directa a partir dos escritórios da MARZOTTO, e que estão elencados no anexo A.

O respeito pelos limites do Território constitui um dos elementos essenciais do presente acordo.” - CLÁUSULA PRIMEIRA;

17. Mais acordaram as partes - entre o mais – que "O Agente está proibido de negociar, direta ou por interposta pessoa, a venda dos Produtos com empresas concorrentes, sob pena de extinção imediata do acordo com justa causa. Para este efeito, o Agente compromete-se a rescindir, com efeitos imediatos, qualquer representação ou contrato de agência que ainda se mantenha na presente data.

O Agente compromete-se a disponibilizar à Marzotto, por escrito e antes de assinar o presente contrato, uma lista dos estabelecimentos que fornecem produtos têxteis diferentes dos produtos já representados pelo Agente até ao momento da sua nomeação pelo presente contrato; qualquer nova representação, direta ou indireta, ou nomeação de agência está dependente da aprovação prévia e por escrito pela Marzotto.

O Agente mantém a representação em Portugal das marcas Plylife e Killer Loop, o que a Marzotto expressamente aceita.” - CLÁUSULA TERCEIRA;

18. Ainda no mesmo contrato, as partes estipularam - entre o mais – que "Considerando o preceituado no artigo 1748.º do Código Civil Italiano, pelos contratos diretamente promovidos pelo Agente nos termos do presente acordo, e efetivamente celebrados pela MARZOTTO, com exceção dos que tenham sido efetivamente celebrados pela MARZOTTO nos termos do artigo 3., parágrafo III, assim como daqueles celebrados com os clientes mencionados no artigo 1., a MARZOTTO deverá pagar ao Agente a comissão prevista no anexo C.

A comissão será composta da seguinte forma: - 70% (setenta por cento) de comissão “base”;

- 15% (quinze por cento) sobre os valores em dívida cobrados aos clientes;

- 15% (quinze por cento) relativos ao valor das encomendas aceites e não entregues;

A comissão, sempre de acordo com as percentagens referidas, deverá ser calculada - sobre o valor líquido efetivamente apurado, depois de efetuados os descontos previstos na lista de preços (com exceção dos descontos necessários para o pagamento da moeda), nomeadamente, prémios, subsídios e descontos, taxas e direitos.

O cálculo da comissão deverá efetuar-se no final de cada trimestre.

A respetiva fatura deverá ser remetida para a MARZOTTO devidamente assinada pelo Agente. A comissão deverá ser paga ao Agente dentro de 10 (dez) dias a contar da receção da respetiva fatura.

Entende-se que as vendas feitas contra a entrega de cartas de crédito se consideram concluídas quando tenha decorrido o prazo de pagamento e tenham sido cumpridas.

Não será devida qualquer comissão ao Agente no caso de faturação efetuada por uma empresa fora do Território, excetuados os casos expressamente acordados por escrito entre as Partes.

Será acordada por escrito entre as Partes uma comissão reduzida para os casos de fornecimentos aos clientes do Território de coleções de épocas anteriores. As Partes podem estabelecer, em qualquer momento e por mútuo acordo, uma comissão reduzida para os fornecimentos a efetuar a determinados clientes.

Entende-se ainda que todas as despesas suportadas pelo Agente durante a execução do presente contrato e relativas às atividades a si inerentes são da responsabilidade do Agente, exceto para as amostras de coleção, que deverão ser fornecidas ao Agente, sem encargos, e que serão reembolsadas à MARZOTTO no final de cada época de vendas.

O Agente deverá reclamar por escrito, mediante carta registada com aviso de receção.

Todos os erros e/ou omissões do extrato de conta enviado pela Empresa dentro de 60 (sessenta) dias a contar da data da receção do extrato e nunca após a emissão da respetiva fatura.” - CLÁUSULA NONA;

...

18-A. Mais acordaram que “Todas as questões não expressamente previstas no presente contrato deverão ser tratadas nos termos da lei Italiana relativa aos contratos de agência” – CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA [1].

19. Este contrato teve o seu início com a promoção, pela Autora, da Coleção Outono/Inverno 2003/2004 (Época 23), tendo vigorado para as coleções seguintes, até ao seu término, abrangendo nomeadamente as Coleções Primavera/Verão 2004 (Época 24) e Outono/Inverno 2004-2005 (Época 25);

20. A sociedade "Roupa de Marca" era o anterior distribuidor da marca "Marlboro Classics" em Portugal.

21. Em 13.10.2004, as partes celebraram um outro contrato que teve por objeto a importação, venda e comercialização dos produtos da marca "Marlboro Classics" no território português, com o teor de fls. 171 e ss., para além das assinaturas, rubricas e carimbos nele apostos, que aqui se dão integralmente reproduzidos.

21-A. No texto deste contrato constam os seguintes considerandos:

a) O Principal (a Ré) produz e vende peças de roupa e outros produtos da marca “Marlboro Classics”...

b) O Principal pretende intensificar a venda dos produtos em Portugal através de um revendedor independente que importará e venderá os Produtos no Território, e também pela abertura e gestão, por si, ou através de outros revendedores, de postos de venda, exclusivamente para a venda dos Produtos.

c) O Distribuidor (a Autora), que é um revendedor independente, pretende vender os Produtos no Território...[2].

21-B. No texto do mesmo contrato constam as seguintes cláusulas

...

2.1. Nos termos e condições do presente contrato, o Principal autoriza o Distribuidor, que aceita, a importar, vender e comercializar os produtos no Território.

...

3.1. O Distribuidor está autorizado a vender os Produtos dentro do Território, mas não está autorizado a vincular o Principal de qualquer forma.

...

4. O Distribuidor deverá selecionar e encomendar os Produtos duas vezes por ano, de acordo com as regras seguintes:

Até 15 de março de cada ano, para a época O/I, e

Até 15 de Setembro do ano anterior, para a época de P/V.

...

6.2. A propriedade dos produtos transfere-se do Principal para o Distribuidor com a entrega... [3].

22. Com particular relevo, as partes estipularam no ponto 2.2 "O Principal acorda que, durante a vigência do contrato, não irá designar nenhum outro distribuidor ou agente de vendas para os Produtos no território."

23. Estipularam, depois, no ponto 2.3 “Nada neste Contrato atribui ao Distribuidor: a) qualquer prioridade de abastecimento relativamente aos Produtos e em prejuízo dos restantes distribuidores ou clientes do Principal; ou b) qualquer direito sobre o Principal se qualquer Produto for vendido no Território por qualquer pessoa, firma ou sociedade estrangeira, além do Principal."

24. Estipularam igualmente no ponto 4.2 “[...] Cada encomenda de Produtos deverá ser submetida pelo Distribuidor ao Principal via e-mail e deverá ser confirmada através de um formulário próprio disponibilizado pelo Principal (“Encomenda”). A Encomenda deverá: (i) indicar o tipo e a quantidade dos Produtos encomendados, assim como a data de entrega pretendida e o Ponto de Entrega de cada conjunto de Encomendas de Produtos e (ii) estar devidamente assinada em duplicado pelo Distribuidor, no final das Condições Gerais de Venda. O Distribuidor reconhece e aceita que qualquer falha na submissão das Encomendas, nas condições mencionadas e/ou no referente à assinatura, impede que as propostas sejam consideradas finalizadas e devidamente apresentadas”;

25. Mais estipularam ainda, no ponto 12.1 "Este contrato tem o seu início com a encomenda dos Produtos da Época Outono/Inverno 2005/2006 e deverá extinguir-se com a conclusão das atividades relativas à Época Primavera/Verão 2008 (vendas de final de Estação incluídas), sendo certo que, em qualquer caso, a data de cessação deste Contrato não deverá ir além de 30 de Setembro de 2008.";

26. Estipularam ainda nos pontos 12.2 e 12.3 que:

“12.2. Qualquer negociação tendo em vista a possível extensão deste Contrato de Distribuição, por um período de apenas dois anos, está condicionada a receção pelo Principal, até 30 de Setembro de 2007, de uma comunicação escrita do Distribuidor confirmando a sua intenção de, em caso de prorrogação deste Contrato a Época O/I 2008-2009 e até à Época P/V 2010, proceder à aquisição dos seguintes valores mínimos de compra dos Produtos, considerando-se que, neste caso, o Principal não terá qualquer obrigação de levar a cabo tal negociação e proceder a qualquer prorrogação deste Contrato de Distribuição.

-Para as Épocas de O/I 2008-2009 e P/V 2009, compras de Produtos no valor mínimo garantido pelo menos igual ao valor mínimo fixado no Cronograma 2 para época O/I 2007-2008 e para a Época P/V 2008, acrescida de 5% (cinco por cento), e

-Para a Época de O/I 2009-2010, compras de Produtos no valor mínimo garantido pelo menos igual ao valor mínimo comunicado pelo Distribuidor para as Épocas O/I 2008-2009 e P/V 2009, aumentado de 5% (cinco por cento).

Entende-se que, salvo o disposto supra acerca das obrigações de aquisição dos Produtos pelo Distribuidor, e caso de prorrogação deste Contrato de Distribuição, ele será executado nos mesmos termos e condições.

12.3 – O Principal poderá pôr termo ao presente contrato através de comunicação por escrito ao Distribuidor, com antecedência mínima de 30 dias, se:

(i) verificar, a qualquer momento, uma alteração significativa na gestão, propriedade ou controlo por parte do Distribuidor (e as alterações não tenham sido previamente aprovadas pelo Principal ou tal aprovação não tenha sido devidamente requerida); ou

(ii) o Distribuidor, a qualquer momento, questionar a validade de qualquer direito de propriedade do Principal; ou

(iii) o Distribuidor ceder ou dispuser parte substancial do negócio e/ou dos activos, incluindo o direito de comercializar os Produtos no Território em virtude deste contrato.”

26-A. Mais estipularam no ponto 20.1. que:

O presente contrato é regulado e criado em conformidade com as leis de Itália [4].

27. A Autora não enviou à Ré, nem até 30.09.2007, nem em data posterior, qualquer comunicação em que manifestasse o propósito de prorrogar a vigência deste contrato de fls. 171 e ss;

28. Com este contrato, a Ré quis alargar e intensificar a sua penetração no mercado dos produtos da marca, constituindo um parceiro independente, com poderes para importar e comercializar os seus produtos;

29. À data da celebração do contrato cerca de 40% das vendas encontrava-se concentrada na "Fashion Outlet, S.A.", controlada pelo Sr. EE, que liderava a anterior distribuidora "Roupa de Marca";

30. A "Fashion Outlet" debatia-se com constantes problemas financeiros e incorria sistematicamente em atrasos no cumprimento das suas obrigações de pagamento, deixando de adquirir produtos da marca após a estação Outono/Inverno 2005/2006.

31. Autora e Ré consideravam que a existência de lojas exclusivas seria fundamental para manter um nível razoável de vendas no território nacional e para manter o prestígio da marca no mercado português;

32. Em 2005, os sócios da Autora, em conjunto com FF, criaram a sociedade comercial "MC LINE - Modas e Confecções, Lda", com o propósito de abrir lojas exclusivas "Marlboro Classics" em alguns dos principais centros urbanos portugueses, com o incentivo da Ré;

33. No primeiro semestre de 2006, a "MC Line" abriu três lojas exclusivas "Malboro Classics", no "Gaia Shopping", no "Forum Coimbra" e no "Centro Comercial Vasco da Gama", que se tornaram nos principais pontos de venda da marca em Portugal;

34. O contrato celebrado através do documento de fls. 171 e ss. cessou em 30 de Setembro de 2008;

35. A Autora nunca pretendeu prorrogar a vigência do mesmo para além da Estação 32;

36. Em 03.10.2007, Autora e Ré, através dos seus representantes, reuniram em Portugal;

37. Nessa reunião foram discutidos os pontos recapitulados em e-mail dirigido em 11.10.07 pela Dra. GG ao Sr. HH e constante de fls. 223 e ss., cujo teor se dá aqui por reproduzido;

38. Em 13.11.2007 e 23.11.2007, a funcionária da Ré, II, solicitou por e-mail à Autora uma estimativa das vendas previstas para cada cliente para a época 33;

39. No dia 26.11.07, a Dra. GG enviou a II um e-mail com a previsão de vendas, por cliente, com o teor de fls. 244;

40. A funcionária da Ré, II, pediu por e-mail esclarecimentos acerca do mapa com a previsão das vendas para a Época 33, que lhe foram prestados também por e-mail, nos termos constantes de fls. 253 e ss. e 256, cujos teores se dão aqui por reproduzidos;

41. Em 04.12.2007, a funcionária da Ré, II, comunicou à Autora que iria proceder ao envio da primeira parte das amostras da nova coleção da Época 33, nos termos constantes de fls. 259, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

42. Em 06.12.2007, JJ, funcionária da Ré, solicitou à Autora confirmação da sua presença na apresentação da colecção “Malboro Classics”, nos dias 07 e 08 de Janeiro de 2008, em Itália, respeitante à Época 33, nos termos constantes de fls. 262 e ss., cujo teor se dá aqui por reproduzido;

42-A. As épocas 33 e 34 foram preparadas pelas partes com condições comerciais por vezes diferentes das que resultavam do contrato de fIs. 171 e ss.;

42-B. As partes acordaram condições especiais, de forma casuística, mediante propostas e contrapropostas, de acordo com a conveniência e a disponibilidade de ambas;

42-C. Nas épocas 33 e 34 a Autora manteve-se como distribuidora exclusiva em Portugal dos produtos "Malboro Classics", pelo menos até 20/10/2008;

43. Em 10.12.2007, a acima aludida II comunicou à Dra. GG que o mostruário da coleção para a Época 33 seria enviado em 02.01.2008, nos termos constantes de fls. 267, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

44. Em 19.12.2007, a Sr.ª FF enviou um e-mail ao Sr. HH com o teor de fls. 271, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

45. Em 20.12.2007, a Sr.ª JJ enviou para a Autora um e-mail subscrito pelo Sr. KK com o teor de fls. 274, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

46. No dia 26.12.2007, a Sr.ª FF dirigiu ao Sr. KK um e-mail com o teor de fls. 278, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

47. A "MC LIne" iniciou contactos com vários centros comerciais e desenvolveu negociações com vista a abrir uma loja no centro comercial "Mar Shopping", em Matosinhos, junto ao novo IKEA e uma loja outlet no centro outlet "Nassica", em Vila do Conde;

48. Negociações de que Autora e Ré foram sendo postas ao corrente, tomando conhecimento dos centros comerciais em questão, da localização e tamanho das lojas e dos custos inerentes ao ingresso e à utilização das lojas;

49. Em 04.03.2008, o Sr. KK dirigiu um e-mail à Autora com o teor de fls. 281 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido;

50. Em 23.03.2008, a Sr.ª FF, em nome da "MC Line" e da Autora, enviou uma comunicação ao Sr. KK, com o teor de fls. 288, que aqui se dá por reproduzido;

51. No início de Abril de 2008, o grupo IKEA comunicou à Sr.ª FF a abertura desse espaço alternativo no seu centro comercial;

51-A. Em 02/01/08, a Drª. GG enviou um E-mail à Sr.ª LL, trabalhadora da Ré, questionando-a acerca da receção do mostruário da coleção para a Época 33, com o teor de fIs. 292;

51–B. A Sr.ª LL respondeu através de E-mail com o teor de fIs. 295;

51–C. No dia 04-01-2008, a Sr.ª LL enviou à Dra. GG uma tabela com uma lista de preços das peças da coleção da Época 33, comunicação esta com o teor de fIs. 298;

51–D. Em 11/01/08, a Sr.ª LL comunicou à dra. GG o envio do livro de catálogo com a coleção mulher respeitante à Época 33, através de E-mail com o teor de fIs. 301;

51–E. Em 16/01/08, a Dr. GG deu a conhecer à II a listagem das visitas de clientes previstas para os dois meses seguintes no âmbito da campanha de vendas da Época 33, através de E-mail com o teor de fIs. 304;

51–F. No dia 30/01/2008, foi realizada reunião entre AA, BB, FF da "MC Line" e, da parte da Ré, a Sr.ª II, e nessa reunião foram discutidos e acordados os pontos posteriormente recapitulados em e-mail dirigido em 04/02/2008 pela Dr.ª GG a Sr.ª II, com o teor de fIs. 309 e ss.;

51–G. Em mails trocados entre a Drª GG e II, nos dias 4 e 5 de Fevereiro de 2008, foram discutidas as condições para aceitação de devolução de mercadorias para a época 33, com o teor de fIs. 319;

51–H. No dia 19/03/2008, a Sr.ª LL enviou à Dr. GG listagem com os valores das encomendas recebidas até essa data, por cada cliente e referentes a época 33, com o teor de fIs. 327;

51–I. A Sr.ª II enviou a Dr.ª GG um E-mail informando que a época de vendas para a época 33 estava nessa data encerrada, com o teor de fIs. 346;

51–J. Em 06/05/2008, com vista à preparação da época 34, a Srª II enviou a Dr.ª GG um E-mail, no qual anexou um mapa com listagem de clientes, com espaço para indicação da estimativa /objectivos de vendas para a Época 34, com o teor de fIs. 349;

51–K. Em 14/05/2008, a Dr.ª GG enviou um E-mail a II com um plano de vendas para a época 34, com o teor de fIs. 357;

51–L. A Ré convidou a Autora a estar presente na apresentação da coleção "Marlboro Classics" que teria lugar em Itália nos dias 16 e 17 de Junho de 2008, através de e-mails com o teor de fIs. 365 e ss;

51–M. “Em 03/06/2008, a Srª. LL comunicou à Dr.ª GG que o valor das encomendas referentes à época 33 ascendeu ao valor total de € 1.019.123,89, através de comunicação com o teor de fIs. 373 e ss;

52. Autora e Ré trocaram entre si e-mails com o teor de fls. 381 e ss.;

52. Em 12.06.2008, foi realizada uma reunião em que estiveram presentes os gerentes da Autora, a gerente da "MC Line" FF, a Sr.ª II e o Sr. MM, director comercial da Ré para a divisão "Malboro Classics";

52–A. Na reunião de 12/06/2008 a Ré comprometeu-se a:

• emitir uma nota de crédito a favor da Autora, no valor de € 75.000 com contribuição especial pelas perdas da “MC Line”,

• garantir um desconto especial para a cliente “MC Line” na estação 33, no valor total de 45% (no total),

• retomar os produtos da época 32 dos clientes geração X, DDO, Joseph, Roupal e Cardoso da Saudade W’s. ,

• conceder à Autora um desconto (total) de 55%, na aquisição de produtos para outlet,

• Suportar os custos imputados à Recorrente com a emissão de uma carta de crédito para pagamento de 80% do valor da factura pró-forma da época 33,

• Garantir um desconto adicional de 3% a todos os clientes da Hifen na época 34, e

• Retomar as peças não selecionadas pela Recorrente depois de conhecida a lista de produtos por si pretendidos;

53. A Ré enviou à Autora por e-mail as fotografias das peças da nova coleção da Época 34, com o teor de fls. 394 e ss., que aqui se dá por reproduzido;

54. A Ré informou a Autora por e-mail que pretendia expedir 2.750 cartas promocionais a consumidores finais das cidades de Coimbra, Porto e Lisboa, com o teor de fls. 400, que aqui se dá por reproduzido;

55. Em 17.07.2008, a Autora deu a conhecer à Ré a listagem com as datas das visitas de clientes às suas instalações, nos meses de Julho e Agosto de 2008, para realização da campanha de vendas da Época 34, num total de 40 visitas, com o teor de fls. 403 e ss., que aqui se dá por reproduzido;

56. Através da listagem anexa ao documento de fls. 406 e ss., a Autora transmitiu à Ré os valores das encomendas efetuadas pelos nove clientes que até à data se haviam apresentado nas instalações da Autora para realização de encomendas referentes à Época 34;

57. Em 22.07.2008, por e-mail, a Sr.ª NN comunicou à Dr.ª GG o agendamento do evento "Marlboro Look", com o teor de fls. 410, que aqui se dá por reproduzido;

58. Em 22.07.2008, a Dr.ª GG solicitou à Sr.ª II a aprovação das condições de venda para a Época 34, relativamente a determinados clientes, conforme teor da listagem anexa ao documento de fls. 413 e ss.;

59. Em 08.08.2008, a Dr.ª GG enviou à II o e-mail com o teor de fls. 421, que aqui se dá por reproduzido;

60. Em 14.08.2008, a Dr.ª GG enviou e-mail à Ré com o teor de fls. 424 e ss., que aqui se dá por reproduzido;

61. Em 20.08.2008, a Autora enviou à Ré e-mail com o teor de fls. 429, que aqui se dá por reproduzido;

62. A Ré remeteu a resolução desse assunto para a reunião que teria lugar em Setembro, aquando do encerramento da Época 33, através de documentos com o teor de fls. 434 e ss.

63. Em 10.09.2008, a Sr.ª II enviou à autora um e-mail com o teor de fls. 447 e ss., que aqui se dá por reproduzido;

64. Em 01.10.2008, a Sr.ª II perguntou à Dr.ª GG se poderia dar como encerrada a campanha de vendas da Época 34, através de e-mail com o teor de fls. 486, que aqui se dá por reproduzido;

65. Em reunião de 22.07.2008, foi comunicado à Ré pelos Srs. AA, BB e FF que a "MC Line" não estaria disposta a continuar a exploração comercial das lojas exclusivas porque as lojas "Marlboro Classics" de Gaia, Coimbra e Lisboa apresentavam valores continuadamente deficitários, admitindo-se a possibilidade da sua venda;

66. Em finais de Agosto de 2008, a II informou a Sr.ª FF que seria agendada uma reunião em Portugal, no início de Setembro seguinte, para apresentar um potencial comprador e iniciar as negociações;

67. Reunião que, todavia, não chegou a ser realizada;

68. A Autora e a Ré trocaram e-mails, entre 01.10.2008 e 20.10.2008, com o teor de fls. 502 e ss., que aqui se dão por reproduzidos;

69. Em 20.10.2008 à Ré comunicou à Autora, através da missiva de fls. 499 que considerava cessada a relação comercial entre ambas com o termo dos trabalhos respeitantes à Época 33 e que dava sem efeito as encomendas colocadas pela Autora para a Época 34.

69-A. Fê-lo sem qualquer aviso prévio;

70. Em 07.10.2008, a Ré enviou e-mail à Autora com o teor de fls. 520, que aqui se dá por reproduzido;

71. A Ré enviou à Autora, em 20.10.2008, via Fedex e via e-mail, missiva com o teor de fls. 499, que aqui se dá por reproduzido;

72. Em 22.10.2008, a Autora dirigiu carta à Ré com o teor de fls. 522, que aqui se dá por reproduzido;

73. A Ré respondeu por missiva datada de 04.11.2018, com o teor de fls. 526 e ss., que aqui se dá por reproduzido;

74. Em 21.09.2009, a Autora enviou à Ré carta registada, com o teor de fls. 532 e ss., que aqui se dá por reproduzido;

75. Em 30.11.2009, a Ré enviou à Autora nova carta, com o teor de fls. 539 e ss., que aqui se dá por reproduzida;

76. As relações comerciais entre Autora e Ré tiveram início em 2003 e o pagamento da importância de € 500.000,00 à Ré foi a condição por esta imposta para que o "Grupo" fosse o representante português da marca "Marlboro Classics", primeiro como agente e depois como distribuidor;

77. Por cada contrato celebrado pela Ré com clientes portugueses, na sequência da promoção empreendida pela Autora, a esta seria devida uma comissão, calculada nos termos das Cláusulas dos contratos acima referidos;

78. Aquando da celebração do contrato de fls. 144 e ss., a promoção da marca revelava-se particularmente difícil porque muitos retalhistas sentiam uma certa desconfiança relativamente à marca, outros deixaram de adquirir produtos da marca e ainda outros diminuíram significativamente o volume das suas aquisições, sempre decorrente da atuação do anterior distribuidor "Roupa de Marca", degradando a marca;

79. Este anterior distribuidor "Roupa de Marca" constituíra-se devedor da Ré em quantia não inferior a 500.000,00 euros, por fornecimentos recebidos e não pagos;

80. Para relançar a marca "Marlboro Classics" no mercado português, a Autora levou a cabo mostras de produtos, visitou clientes e potenciais clientes, divulgou catálogos, promoveu coleções e expôs preços e condições de aquisição, conseguindo reconquistar para a ré a confiança da sua clientela e angariar novos clientes;

81. Autora e Ré decidiram estreitar os seus laços comerciais, tendo a autora sido constituída como distribuidora exclusiva em Portugal a partir de 2004, celebrando o contrato de fls. 171 e ss. em condições de exclusividade, sendo que o texto final deste contrato de fls. 171 e ss. coincide no essencial com a proposta de contrato apresentado pela Ré;

82. Para além do pagamento inicial da quantia acima referida, a Autora fez outros investimentos em bens para assegurar a representação da marca em Portugal;

83. Aquando da celebração do contrato de fls. 171 e ss. a Autora ainda não tinha recuperado tal investimento;

84. Na reunião de 03 de Outubro de 2007 e na generalidade dos contactos e reuniões entre as partes, planeavam-se estratégias comerciais futuras para o mercado português, sendo a Ré advertida pela Autora para as dificuldades perspetivadas nas vendas futuras, atenta a crise económica generalizada no país;

85. Aí, Autora e Ré concordaram que a estratégia para assegurar a continuidade da marca em Portugal passaria por um crescimento do volume de vendas através de lojas exclusivas ligadas à autora, com apoio ativo da ré, nomeadamente no que se refere a melhoramento de preços/descontos adicionais à autora;

86. A Autora e a Ré, no âmbito das suas relações comerciais, prepararam e trabalharam em conjunto épocas que seriam comercializadas ao público em data posterior à que constava do contrato como prazo de vigência do mesmo, nomeadamente recebendo a Autora mostruários, apresentando-os aos seus clientes e recebendo encomendas que endereçou à Ré;

87. Entre 09.07.2008 e 29.07.2008, a Autora apresentou à Ré as seguintes notas de encomenda, destinadas aos seguintes clientes e constantes de fls. 554 e ss.:

- OO, nota n.º 176: € 43.727,80 (Doc. 76);

- Jorge Lima Pereira, Lda, nota n.º 177: € 31.539,40 (Doc. 77);

- Loja Stop, nota n.º 178: € 18.540,60 (Doc. 78);

- Salero, nota n.º 179: € 4.167,20 (Doc. 79);

- Jomani, nota n.º 180: € 11.967,50 (Doc. 80);

- MHB, nota n.º 181: € 26.647,40 (Doc. 81);

- Faraó Jeans, nota n.º 182: € 16.409,50 (Doc. 82);

- Palloram Setúbal, nota n.º 183: € 21.353,80 (Doc. 83);

- Kullto, nota n.º 184: € 3.501,70 (Doc. 84);

- Geração X, nota n.º 185: € 6.689,80 (Doc. 85);

- Loja da Moda, nota n.º 186: € 10.015,30 (Doc. 86);

- Giovanni, nota n.º 187: € 9.828,20 (Doc. 87);

- Palloram Algarve, nota n.º 188: € 38.430,00 (Doc. 88);

- Cardoso da Saudade, nota n.º 189: € 5.082,40 (Doc. 89);

- Top Leaders, nota n.º 190: € 4.889,80 (Doc. 90);

- Vieira & Vieira’s, Lda., nota n.º 191: € 14.364,20 (Doc. 91);

88. Em 01.08.2008, a Autora apresentou ainda à Ré as seguintes notas de encomenda, totalizando € 328.784,10 e constantes de fls.651 e ss.:

- N.º 2008/192/1, valor: € 114.252,60;

- N.º 2008/192/2, valor: € 117.259,80;

- N.º 2008/192/3, valor: € 97.271,70;

89. Entre 04.08.2008 e 12.08.2008, a Autora apresentou à Ré as seguintes notas de encomenda, destinadas aos seguintes clientes e constantes de fls. 672 e ss.:

- Moringa, nota n.º 193: € 6.578,50 (Doc. 93);

- A Roma, nota n.º 194: € 5.905,90 (Doc. 94);

- Nova Minerva, nota n.º 195: € 24.503,80 (Doc. 95);

- Galerias Comerciais, nota n.º 196: € 5.529,80 (Doc. 96);

- PP, nota n.º 197: € 22.295,20 (Doc. 97);

- Farpellas, nota n.º 198: € 10.592,40 (Doc. 98);

- Mealegro, nota n.º 199: € 15.191,10 (Doc. 99);

- Marinha Gomes, nota n.º 200: € 18.204,00 (Doc. 100);

- Juvenatus Modas, nota n.º 201: € 9.803,30 (Doc. 101);

- Arm. Marques Soares, nota n.º 202: € 32.414,50 (Doc. 102);

- Manuel Miguel & Filho, nota n.º 203: € 22.630,50 (Doc. 103);

 - Maison Louvre, nota n.º 204: € 4.850,20 (Doc. 104);

- Durval Unipessoal, nota n.º 205: € 4.205,20 (Doc. 105);

- Jorge & Rodrigues, nota n.º 206: € 11.992,70 (Doc. 106);

- Marianus, nota n.º 207: € 9.140,20 (Doc. 107);

90. Em 08.09.2008, a Autora apresentou novas notas de encomenda de produtos, no valor global de € 19.098,70, constantes de fls. 765 e ss.;

91. Durante o mês de Setembro de 2008, a Autora apresentou ainda à Ré as seguintes notas de encomenda, destinadas aos seguintes clientes, constantes de fls. 755 e ss.:

- Riviera, nota n.º 208: € 9.281,60 (Doc. 108);

- José António Barreira, Lda., nota n.º 209: € 12.893,50 (Doc. 109);

- Modas Maryze, nota n.º 211: € 18.811.00 (Doc. 111);

- Pinagus, nota n.º 212: € 19.576,20 (Doc. 112);

- MC Leiria, nota n.º 213: € 28.363,40 (Doc. 113);

- MC Leiria 2, nota n.º 214: € 14.166,80 (Doc. 114);

- MC Guimarães, nota n.º 215: € 9.499,40 (Doc. 115);

- Urca – JS Carvalho, nota n.º 216: € 5.604,20 (Doc. 116);

- Loja Stop, nota n.º 217: € 3.056,50 (Doc. 117);

- Loja das Meias, nota n.º 218: € 10.952,40 (Doc. 118);

- QQ, nota n.º 219: € 19.352,90 (Doc. 119);

- Palloram Algarve, nota n.º 220: € 14.584,30 (Doc. 120);

- Jorge & Rodrigues, Lda., nota n.º 221: € 5.638,90 (Doc. 121);

- Portas do Castello, nota n.º 222: € 10.570,60 (Doc. 122);

- Malisan, nota n.º 223: € 8.444,30 (Doc. 123);

- Lojas M Silva, nota n.º 224: € 3.874,90 (Doc. 124);

- Salvador Pronto a Vestir, nota n.º 225: € 3.742,80 (Doc. 125);

- Paraíso da Moda, nota n.º 226: € 4.152,90 (Doc. 126);

- Pinagus, nota n.º 227: € 4.384,20 (Doc. 127);

- UU & Filho, nota n.º 228: € 3.818,40 (Doc. 128);

- Poli – Pronto a Vestir, nota n.º 229: € 3.975,60 (Doc. 129);

- OO, nota n.º 230: € 360,00 (Doc. 130);

- Marinha Gomes, nota n.º 231: € 414,00 (Doc. 131);

- Nova Minerva, nota n.º 232: € 3.754,10 (Doc. 132);

- Farpellas, nota n.º 233: € 2.504,70 (Doc. 133);

- Pinagus, nota n.º 234: € 2.618,40 (Doc. 134);

- Palloram Setúbal, nota n.º 235: € 3.145,50 (Doc. 135);

92. Em 10.09.2008, a Sr.ª II enviou à Dr.ª GG uma listagem atualizada das condições especiais de comercialização aceites pela Ré para vários clientes, num total de 21, referentes à Época 34, através de e-mail com o teor de fls. 442 e ss.;

93. Em 10.09.2008, das 30.303 peças encomendadas (= € 994.475,98), a Ré já havia expedido € 25.203 peças (= € 799.968,33) e tinha ainda em armazém € 3.128 peças (=€ 121.875,71);

93-A. A Ré, sem qualquer aviso prévio, recusou fornecer à Autora os produtos da Época 34, já divulgados pela Autora junto dos seus clientes e por ela encomendados com vista a serem revendidos a tais clientes.

94. Através de missiva com o teor de fls. 515, a Ré:

a) Solicitou aos clientes angariados pela Autora que lhe remetessem diretamente as suas encomendas;

b) Comprometendo-se a enviar-lhes diretamente os produtos;

c) Passando a contratar diretamente com os clientes da Autora ou por terceira empresa, que se desconhece;

95. Assim impedindo a Autora de proceder à comercialização dos artigos encomendados e privando-a de auferir a margem de comercialização com que contava e que constituiria a sua remuneração comercial;

96. Ficando ainda a Autora com o custo da aquisição do mostruário da coleção 34, no valor de € 39.926,80, pago pela Autora à Ré;

97. A devolução de tal mostruário não foi aceite pela Ré;

98. A Ré fez sua a margem de comercialização, recebendo dos clientes retalhistas o preço dos produtos;

99. Ao longo dos vários anos de parceria comercial, o volume de negócios potenciado pela Autora contribuiu para a manutenção e crescimento do mercado da marca “Marlboro Classics” em Portugal;

100. A Autora promoveu pelo alargamento do mercado dos produtos em referência, angariando novos clientes;

101. Entre os anos de 2004 e 2008, o valor total das aquisições da Autora em cada uma dessas coleções foi o seguinte:

- Época 28: € 1.600.738 (Doc. 74);

- Época 29: € 1.566.482 (Doc. 74);

- Época 30: € 1.197.587 (Doc. 33);

- Época 31: € 1.057.872 (Doc. 33);

- Época 32: € 1.109.650 (Doc. 33);

- Época 33: € 1.173.062,89;

102. Para exercer cabalmente a sua actividade comercial, a Autora tomou de arrendamento um pavilhão, no qual instalou os seus escritórios e show-room dos produtos da marca “Marlboro Classics”, bem como o armazém para os artigos em “stock”, bem como custeou as obras de adaptação daquelas instalações, respeitando as condições comerciais impostas pela Ré no que especialmente concerne à imagem de marca “Marlboro Classics”, investindo em diversos equipamentos indispensáveis ao exercício da actividade comercial desenvolvida, adquirindo, nomeadamente;

103. A Ré comunicou à Autora que tendo decorrido o prazo contratualmente previsto sem que tenha sido renovado, também nos termos contratualmente previstos, cessavam as suas relações comerciais;

104. Em consequência de, como acima referido, a Ré ter entregue diretamente a mercadoria aos clientes, recebendo o respetivo preço, a Autora deixou de auferir as respetivas comissões pelas encomendas que efetuara, comissões no valor de 326 574,67 euros;

105. Na sequência do fim das relações comerciais entre as partes, a Autora cessou a sua actividade, despediu e indemnizou os trabalhadores que tinha ao seu serviço;

106. Os seguintes clientes foram angariados ou recuperados pela Autora e adquiriram produtos durante a vigência do contrato:

- Eclipse – Santo Tirso

- Casa Toze – Bragança

- Immaginario – Castelo Branco

- Sabitel – Covilhã

- Different – Espinho

- Togabi – Fafe

- Boutique Lord’s – Felgueiras

- Mc Guimarães – Guimarães

- M C Vasco da Gama – Lisboa

- Tamanaco – Oliveira de Azeméis

- Casa dos Fatos – Santarém

- José António & Capristano – Amadora

- A.Loja – Lisboa

- P J L Ferreira, Unip., Lda – Mindelo

- M C Seixal – Corroios

- Cactus – Mem Martins

- Escultural Moda – Mondim de Basto

- Poli-Pronto-A-Vestir., Lda. – Lisboa

- Alfar – Faro

- Amorim Vaz – Póvoa do Varzim

- Boutique Baxike – Régua

- Cactus – Maria João – Massamá

- Galerias JM – Gondomar

- Galerias Palice – Vila Real

- Jeans Club – Viseu

- Jedago – Sesimbra

- José Santos – Paredes

- Karias – Maria do Carmo – Angra do Heroísmo

- Loja das Calças – Soure

- Marianus – Vila Nova de Ourém

- Millenium – Porto

- Morais & Ruivo – Lisboa

- Moringa – Amarante

- New Space – Mem Martins

- O Traje – Montijo

- Resende & Baptista – Porto

- Roupal – Vila do Conde

- Seixal – Seixal

- Tamanaco – S. J. Madeira

- Xana – Estarreja

- Vicente & Ferreira, Lda. – V.P. Aguiar

- RR – Rio Meão

- SS – Figueira da Foz

- Modas Gama – Ovar

- Alveste – Vinhais

- CCM – Marco Canavezes

- Chana – Oliveira de Azeméis

- Stilus – Oliveira do Hospital

- Dezigual – Oliveira de Azeméis

- José Santos, Lda. – Paços de Ferreira

- Joseph – Porto

- Durval, Unipessoal, Lda - Aves

- Maison Louvre 2 – Lisboa

- MC Guimarães 2 – Refojos de Basto

- Secret Coast – Lisboa;

107. Os seguintes clientes foram angariados pela Autora e adquiriram e/ou encomendaram produtos nas Épocas 33 e 34:

- TT – Açores

- Loja das Calças – Bomjardim

- Loja da Moda Fernando Durval – Batalha

- Oliveira Ribeiro – Vila das Aves

- A Romã – Caldas da Rainha

- Faraó – Cascais

- Modas Marizé – Castro Verde

- Boutique Jomani – Chaves

- Palloram – Faro

- Paraíso da Moda – Mirandela

- Cardoso da Saudade – Penafiel

- Mealegro – Porto

- UU – São Pedro do Sul

- Galerias Comerciais – Vila Verde

- MC Line – Gaia Shopping – Vila Nova de Gaia

- Jorge Lima Pereira, Lda - Braga

- MHB – Covilhã

- Palloram Setúbal Confecções – Setúbal

- Lojas M Silva – Anadia

- Geração X Com. Vest., Lda. – Estarreja

- Jorge & Rodrigues, Lda. – Mafra

- Os Palhacinhos, Lda. – Massamá

- Salero – Moura

- Farpellas – Pombal

- Ideia Principal Unipessoal, Lda. – Valbom

- QQ., Lda. – Viana do Castelo

- Marinha Gomes – Aveiro

- Manel (pinagus) – Guarda

- Maison Louvre – Lisboa

- Kultto – Matosinhos;

- Malisan – S. J. Madeira;

- Lojas Octavio – Vila Real;

- Manuel Miguel & Filho, Lda. – Carnaxide;

- Portas do Castelo;

- Lojas Stop;

108. Os seguintes clientes não fizeram qualquer aquisição no Época 33, mas voltaram a apresentar encomendas para a Época 34:

- VV – Alijó

- Carvalho & Carvalho – Coimbra

- Oliveira Pestana Lda – Funchal

- José da Costa Franco Lda – Ponta Delgada

- Marques Soares, S.A. – Porto

- Ramos & Ramos Lda. – Tomar

- Vieira & Vieira’s Lda – Viana do Castelo

- PP & Silva Lda. – Braga

- J. S. Carvalho – Famalicão

- Carlos Vieira e Sobrinho – Viana do Castelo

- Juvenatus Modas Lda – Batalha

- TT – Açores

- Loja das Calças – Bomjardim

- Loja da Moda – Batalha

- WW – Vila das Aves

- A Roma – Caldas da Rainha

- Faraó – Cascais

- Modas Marizé – Castro Verde

- Boutique Jomani – Chaves

- Palloram – Faro

- Paraíso da Moda – Mirandela

- Cardoso da Saudade – Penafiel

- Mealegro – Porto

- UU – São Pedro do Sul

- Galerias Comerciais – Vila Verde

- Manuel Miguel & Filhos Lda – Carnaxide

109. A Ré continuou a fornecer os seus produtos aos clientes angariados e mantidos ao longo dos anos pela Autora, através de novo distribuidor;

110. Por fornecimentos da Ré à sociedade comercial "Fashion Outlet, S.A.", relativamente a encomendas obtidas pela Autora, esta, em Janeiro de 2007, reclamou da Ré o pagamento da comissão respetiva, no valor de 39.998,69 euros, que a Ré não pagou;

111. Quer o contrato de fls. 144, quer o contrato de fls. 171 foram discutidos livremente entre as partes, tendo estas acordado e aceite as respetivas cláusulas de forma livre e esclarecida.

                                               *

VI – O direito aplicável

1. Da incompetência absoluta do tribunal

Alega a Ré que os tribunais  estaduais portugueses são incompetentes para decidir a presente ação, face à existência de um pacto privativo de jurisdição constante do contrato de distribuição celebrado em 13.10.2004, o qual atribuía competência para dirimir os litígios que viessem a ocorrer na execução daquele contrato a um Tribunal Arbitral, tendo lugar a arbitragem em Milão (Itália), e de igual pacto, constante do contrato de agência celebrado em 25.07.2003, o qual atribuía competência ao Tribunal de Vicenza.

Esta questão já foi objeto de decisão pelo despacho proferido em 07.02.2011 (fls. 1019-1024) que julgou a exceção dilatória da incompetência arguida pela Ré improcedente.

Esta decisão transitou em julgado, devido à Ré ter desistido do recurso que dela havia interposto, pelo que tem força de caso julgado formal, o que impede que, neste processo, se volte a conhecer desta questão.

Invoca a Ré que nesta decisão o tribunal não se declarou incompetente de forma absoluta, mas somente na medida em que da sentença a proferir fosse declarado existente um novo contrato verbal que sustentava os vários pedidos da Autora, pelo que, não se considerando existente esse contrato verbal, devem os tribunais estaduais portugueses serem considerados incompetentes para decidir o pedido de indemnização de clientela.

Não é essa, porém, a fundamentação do despacho de 07.02.2011.

Aí adotou-se como critério para apurar a competência dos tribunais estaduais portugueses para julgar a presente ação, aferir dessa competência face à relação jurídica, tal como a demandante a configura na petição inicial.

E tendo a Autora configurado essa relação como havendo-se formado consensualmente um novo contrato verbal de distribuição, após a caducidade do contrato celebrado, por escrito, em 13.10.2004, entendeu aquela decisão que não se aplicavam os pactos privativos de jurisdição que constavam dos anteriores contratos.

Esta decisão não foi uma decisão condicionada à prova que se viesse a produzir relativamente à formação desse novo contrato, mas sim uma decisão definitiva, que adotou como critério de verificação da competência dos tribunais estaduais portugueses, o conteúdo da relação jurídica tal como a Autora a havia configurado na petição inicial, independentemente da prova que se viesse a fazer dos factos que a integravam.

Por essa razão tal decisão, porque definitiva, é imutável neste processo, improcedendo esta defesa da Ré.

2. Dos contratos celebrados entre a Autora e a Ré

2.1. Da lei aplicável

No contrato referido no ponto 15 da matéria de facto provada clausulou-se que todas as questões não expressamente previstas no presente contrato deverão ser tratadas nos termos da lei Italiana relativa aos contratos de agência (cláusula 16.ª).

Por sua vez, no contrato referido no ponto 21 da matéria de facto provada clausulou-se que o presente contrato é regulado e criado em conformidade com as leis de Itália.

Do texto destas cláusulas depreende-se que foi vontade das partes subordinar ao direito italiano qualquer litígio relativo à celebração, execução e cessação destes contratos.

Atenta a diferente nacionalidade das sociedades outorgantes, o tipo de contratos e a data da sua celebração é-lhes aplicável a Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (artigo 1.º, n.º 1) [5], a qual no artigo 3.º, n.º 1, acolhendo o princípio da autonomia da vontade, dispunha que o contrato se rege pela lei escolhida pelas partes. Esta escolha deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa. Mediante esta escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a uma parte do contrato.

Alega a Autora que sobre a aplicação da lei italiana a estes contratos já foi proferida decisão, com força de caso julgado, no despacho proferido a fls. 1019-1024.

Não tem razão, uma vez que da leitura desse despacho, apesar de no relatório se referir que a Ré havia invocado a incompetência absoluta do tribunal e a aplicabilidade da lei italiana, quer na parte decisória, quer na fundamentação, a única questão que foi objeto de apreciação e decisão foi a da competência do tribunal, nada se tendo decidido quanto ao ordenamento jurídico aplicável, pelo que sobre essa questão não existe qualquer decisão que tenha força de caso julgado.

Não existindo caso julgado sobre esta questão, inexiste qualquer violação do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, na aplicação da lei italiana.

Neste caso, face ao estipulado pelas partes e ao disposto nos já referidos artigos 1.º e 3.º da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, deve ser aplicado o regime do direito italiano.

Dispõe o artigo 23º, n.º 1, do Código Civil, que a lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas, pelo que, além da leitura dos preceitos legais que regem a matéria em causa no direito italiano, importa fazer apelo às regras de interpretação usuais no Estado estrangeiro e à jurisprudência e à doutrina aí dominantes. Nessa incursão pelo direito estrangeiro, há que ter presente os conselhos de BAPTISTA MACHADO [6]:

A jurisprudência e a doutrina estrangeiras devem ser observadas e seguidas com o mesmo respeito que no respetivo Estado lhes for tributado. O juiz português só deverá afastar-se da interpretação usual no Estado estrangeiro cujo direito aplica se tiver bons fundamentos para crer que essa interpretação no caso sub iudice não é correta. Sem dúvida, ele não é forçado a imitar servilmente, sempre e, em cada caso, a interpretação que a uma regra jurídica é dada no país de origem – não se lhe impõe um tal sacrificium intellectus. No entanto como ponto de partida, há que presumir que tal interpretação é exata e dela não deve o juiz arredar-se sem necessidade e bons fundamentos. Se não pode rigorosamente dizer-se que na interpretação do próprio direito se é arquiteto, ao passo que na interpretação do direito estrangeiro se é fotógrafo (Goldschmidt), convém, todavia, ponderar que, no exercício desta ars inveniendi que é a aplicação do direito, a ousadia ou liberdade na forma de operar deve proporcionar-se ao conhecimento da matéria – e sem dúvida que o juiz do foro não está familiarizado com o direito estrangeiro como com o seu próprio. Tato e prudência – sempre de bom conselho – são especialmente de recomendar aqui.

2.2. O Memorando de Entendimento

Em 16.07.2003, a sociedade italiana Marzotto, SpA, a qual viria a incorporar-se na Ré, em resultado de um processo de fusão, por um lado, e duas sociedades portugueses (a Simaca – Materiais para Calçado, Limitada e a 2 J.M. – Importação e Exportação de Texteis, Limitada) que vieram a constituir a Autora, detendo a totalidade do seu capital social, e dois empresários (CC e DD), numa associação informalmente denominada “O Grupo“, por outro lado, assinaram um Memorando de Entendimento, através do qual, aqueles empresários assumiram parte da dívida do anterior distribuidor da marca “Marlboro Classics”, no valor de € 685 580,00, tendo sido consignado nesse Memorando, além do mais, o seguinte:

1) A Marzotto e o Grupo estão interessados na criação e prossecução de uma relação de negócios para explorar os produtos da Marlboro Classics em Portugal (doravante “os Produtos”) de acordo com os termos e condições do presente Memorando de Entendimento.

...

5) O Grupo compromete-se a constituir a NewCo em Portugal até 31 de agosto de 2003 com o objetivo de continuar as relações de negócios com a Marzotto, como agente comercial dos Produtos em Portugal, a partir de atividades de promoção dos Produtos, relativamente à temporada comercial de Outouno/Inverno 2003, e posteriormente como Distribuidor dos Produtos em Portugal, a partir da temporada comercial Primavera/Verão 2005 em diante, conforme especificado nos artigos 7.º e 8.º do presente Memorando de Entendimento.

...

7) Quanto ao pagamento parcial da dívida de acordo com os termos e condições do presente memorando de Entendimento, a Marzotto e o Grupo (cada membro por si próprio e em nome da futura NewCo) devem assinar e executar, de forma escrita, até 31 de julho de 2003, um contrato de agência, de acordo com o projeto anexo ao presente Memorando de Entendimento como Tabela I (doravante Contrato de Agência); entende-se que, em qualquer caso, o Contrato de Agência deve apresentar os seguintes termos: a data efetiva do início do Contrato de Agência retroage à temporada comercial de Outono/Inverno de 2003, e continua até à conclusão das temporadas comerciais de Primavera/Verão 2004 e Outono/Inverno 2005; b) comissão de 10% do lucro real das vendas.

8) Quanto ao pagamento integral da dívida de acordo com os termos e condições do presente Memorando de Entendimento, e para o cumprimento exato e pontual do Contrato de Agência pela NewCo, a Marzotto e a NewCo devem assinar e executar, de forma escrita, em 31 de agosto de 2004, um contrato de distribuição; entende-se que, em qualquer caso, o Contrato de Distribuição deve apresentar os seguintes termos: a) início do Contrato de Distribuição na Primavera/Verão 2005 e duração de pelo menos quatro anos, renováveis de acordo com o prazo a ser acordado entre as partes, ou numa data posterior previamente acordada pela Marzotto, e, neste caso, o Contrato de Agência, pode ser prorrogado por um período máximo de duas temporadas comerciais; b) comissão de 22% do lucro real das vendas.

Estamos perante um contrato-quadro [7] em que as partes, além de estipularem outros direitos e obrigações, estabelecem as linhas gerais e algum do clausulado dos contratos de execução que venham a celebrar no futuro, revestindo esta, uma das muitas formas que podem assumir os acordos pré-contratuais ou preliminares.

Como refere MARIANA FONTES DA COSTA [8], o contrato base não se extingue com a celebração do primeiro contrato de execução, permanecendo como orientação da vida de toda aquela relação jurídica, pelo que, poderá o seu conteúdo ser utilizado como elemento interpretativo dos contratos que venham a ser celebrados no seu âmbito.

2.3. O contrato de agência

Na execução daquele contrato-quadro, a Marzotto e a sociedade entretanto criada pelas sociedades Simaca – Materiais para Calçado, Limitada e a 2 J.M. – Importação e Exportação de Texteis, Limitada, ou seja a Ré, em 25.07.2003 assinaram um contrato em que acordaram - entre o mais - que o Agente (a Autora) assume o compromisso de promover permanentemente a venda dos produtos de vestuário, sapatos e acessórios da marca “Marlboro Classics” (doravante Produtos) em Portugal (doravante “Território”, sem procuração, em exclusividade e sem depósito.

(...)

Entende-se que, em todos os casos em que não houver entendimento entre as partes, o valor mínimo de vendas dos Produtos a ser promovido pelo Agente em cada época não poderá ser, em caso algum inferior a 90% (noventa por cento) do valor dos Produtos indicados nas encomendas aceites pela MARZOTTO, e respeitantes à época imediatamente anterior (época Primavera/Verão com a anterior Primavera/Verão e época Outuno/Inverno com a anterior época Outono/Inverno.

Para este fim, o Agente deverá promover de forma assídua e continuada, a venda dos Produtos aos clientes e potenciais clientes no Território (com exceção dos mercados de rua)...

...

Considerando o preceituado no artigo 1748.º do Código Civil Italiano, pelos contratos diretamente promovidos pelo Agente nos termos do presente acordo, e efetivamente celebrados pela MARZOTTO, com exceção dos que tenham sido efetivamente celebrados pela MARZOTTO nos termos do artigo 3., parágrafo III, assim como daqueles celebrados com os clientes mencionados no artigo 1., a MARZOTTO deverá pagar ao Agente a comissão prevista no anexo C.

Tendo as partes escolhido no texto do contrato a aplicação da lei italiana, é à luz desta legislação que deve ser analisada e qualificada a respetiva relação contratual.

Esta, atento o conteúdo das prestações a que as partes se vincularam, configura-se como um contrato típico de agência, previsto no artigo 1742 do Código Civil Italiano, onde se refere que, com o contrato de agência, uma parte assume de forma permanente a tarefa de promover, em nome da outra, contra remuneração, a celebração de contratos numa determinada área [9].

Este contrato teve o seu início com a promoção, pela Autora, da Coleção Outono/Inverno 2003/2004 (Época 23), tendo vigorado para as coleções seguintes, até ao seu término, abrangendo nomeadamente as Coleções Primavera/Verão 2004 (Época 24) e Outono/Inverno 2004-2005 (Época 25).

2.4. O contrato de concessão de venda

Continuando a cumprir o previsto no já referido contrato-quadro, em 13 de outubro de 2004, a Marzotto e a Ré, assinaram novo contrato com os seguintes considerandos:

a) O Principal (a Ré) produz e vende peças de roupa e outros produtos da marca “Marlboro Classics”...

b) O Principal pretende intensificar a venda dos produtos em Portugal através de um revendedor independente que importará e venderá os Produtos no Território, e também pela abertura e gestão, por si, ou através de outros revendedores, de postos de venda, exclusivamente para a venda dos Produtos.

c) O Distribuidor (a Autora), que é um revendedor independente, pretende vender os Produtos no Território...

Acordaram, no seguinte, além do mais:

...

2.1. Nos termos e condições do presente contrato, o Principal autoriza o Distribuidor, que aceita, a importar, vender e comercializar os produtos no Território.

2.2. O principal acorda que, durante a vigência do Contrato, não irá designar nenhum outro distribuidor ou agente de vendas para os Produtos no Terriório.

...

3.1. O Distribuidor está autorizado a vender os Produtos dentro do Território, mas não está autorizado a vincular o Principal de qualquer forma.

...

4. O Distribuidor deverá selecionar e encomendar os Produtos duas vezes por ano, de acordo com as regras seguintes:

Até 15 de março de cada ano, para a época O/I, e

Até 15 de Setembro do ano anterior, para a época de P/V.

...

6.2. A propriedade dos produtos transfere-se do Principal para o Distribuidor com a entrega...

Com a celebração deste contrato as relações contratuais entre a Autora e a Marzotto alteraram-se.

A Autora deixou de se limitar a promover a venda de produtos da Marzotto em Portugal, contra o pagamento de uma retribuição, no âmbito do contrato de agência referido no ponto anterior, para passar a importá-los, comprando-os à Marzotto, e revendendo-os, em Portugal.

Como já acima se decidiu, face ao estipulado pelas partes e ao disposto nos já referidos artigos 1.º e 3.º da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, é aplicável à celebração, execução e cessação deste contrato o regime do direito italiano.

Um contrato em que um comerciante acorda com um produtor industrial, a compra e venda dos produtos por este fabricados, numa cadência estável e contínua, com vista à revenda dos mesmos, por aquele, numa determinada zona, com exclusividade, no direito italiano, tal como sucede na quase totalidade dos países da União Europeia [10], é um contrato juridicamente atípico, mas socialmente típico, com a denominação, em Itália, de contrato de concessão de venda (concessione di vendita) [11].

Neste figurino contratual, o concessionário compra os produtos ao fabricante e revende-os em nome e por conta própria a terceiros, ao contrário do agente, que não os compra ao fabricante, vendendo-os a terceiros, por conta daquele, com ou sem poderes de representação.

O contrato de concessão de venda assume-se como um contrato quadro, à sombra do qual se celebrarão múltiplos contratos de compra e venda, mas onde também se definem laços de colaboração entre as partes, com vista a alcançar um objetivo comum – a venda dos produtos do concedente numa determinada zona. Essa colaboração visa sobretudo a integração do concessionário na rede de distribuição do concedente, com tudo o que isso implica, designadamente a prossecução da política comercial do concedente e a possibilidade de este orientar e controlar a atividade do concessionário. O concessionário inclui-se na figura genérica do distribuidor dos produtos do fornecedor, atuando a jusante deste no circuito comercial, unidos, através de um complexo obrigacional, no desígnio de um eficaz escoamento dos produtos e da promoção da respetiva marca.

Como nos dá conta ROBERTO BALDI [12], é muito comum nos contratos internacionais, como sucedeu no presente caso, que, após a celebração de um contrato inicial de agência, o agente, com um melhor conhecimento da recetividade dos produtos agenciados no mercado, ganhe confiança para assumir o risco de ser ele, por sua conta e risco, a disputar o jogo da oferta e da procura do mercado, celebrando um contrato de concessão de venda com o principal, o qual pode substituir o anterior contrato de agência ou com ele conviver.

Num acórdão, relativamente recente do Supremo Tribunal de Justiça [13], investigou-se qual o regime aplicável ao contrato de concessione di vendita no direito italiano, tendo-se chegado às seguintes conclusões:

À semelhança do que sucede no nosso ordenamento jurídico, o direito positivo italiano também não regula o contrato de distribuição, tratando-se, pois, como supra se deixou dito, de um contrato atípico que tem origem na prática comercial.

Tal lacuna de regulamentação é colmatada, em Itália, pelo labor da jurisprudência, que vem aplicando ao tipo contratual em análise, para além das disposições que disciplinam os contratos em geral (artigos 1321.º a 1469.º do Código Civil italiano), as disposições previstas para os contratos que apresentam similitude com o contrato de distribuição, em particular, as relativas ao contrato de fornecimento (somministrazione– artigo 1559.º e segs. do citado Código) e de mandato (artigo 1703.º e segs. do referido diploma legal). O resultado é, assim, conforme ensina Lukas Plattner (I contratti di distribuzione in Italia, disponível em www.jus.unit.it/cardozo/trash/italian-code/plattner-1996/1322.htm), um mosaico composto por peças feitas de vários modelos contratuais, já que é difícil reconduzir o contrato de distribuição a uma única categoria.

Neste mesmo sentido e conforme refere, em sentido figurado, Furio S. Ghezzi (I contratti di Distribuzione, em artigo junto aos autos) Il resultato é una rete di obbligazione (riconducibile ai vari modelli contrattuali) che interagiscono tra di loro come gli ingredienti di un cocktail in grado di modificare totalmente il gusto della bevanda al mutare delle proporzioni (o mesmo é dizer, em tradução livre, que o resultado é uma rede de obrigações, reconduzíveis a vários modelos contratuais, que interagem entre si e que tal como os ingredientes de um cocktail, de forma a modificar, de acordo com as proporções, o gosto da bebida).

Acresce que, não estando o contrato em apreço legalmente tipificado, mas sendo as partes livres, ao abrigo do princípio da autonomia privada consagrado no artigo 1372.º do Código Civil italiano, de determinar o conteúdo dos acordos que firmam entre si e de elaborar esquemas atípicos de negociação (desde que visem dar satisfação a interesses merecedores de tutela), pode dizer-se que as mesmas apenas estarão adstritas, na formação e na execução do contrato, aos dois limites gerais impostos pelos artigos 1341.º e 1375.º do Código Civil italiano, a saber: as normas que regem as condições gerais do contrato e o princípio da boa fé que deverá nortear a sua actuação (cf. Furio S. Ghezzi, no artigo citado).

Como acima se deixou dito, um dos contratos que resulta da prática comercial e, portanto, da autonomia privada, é precisamente o contrato de concessão comercial (contratto di concessione di vendita) que, em Itália, tem tido um discreto tratamento jurisprudencial.

Ainda assim, pode dizer-se que os seus elementos caracterizadores – tal como vêm sendo desenhados pela doutrina e pela jurisprudência italianas – em nada se afastam do figurino acima traçado, contendo o contrato de concessão, na sua esmagadora maioria, cláusulas que regulamentam a exclusividade, a sua duração e cessação, as obrigações do concedente e do concessionário no sentido da venda e da compra para revenda, o pacto de não concorrência e o preço de revenda dos produtos adquiridos, destacando-se ainda uma séria de regras tendentes à integração do concessionário na rede do concedente...

Ora, sendo o contrato de agência definido como aquele pelo qual uma das partes se obriga a promover, por conta da outra, a celebração de contratos, de modo estável, mediante retribuição e numa determinada zona (cf. artigo 1742.º do Código Civil italiano, no qual se preceitua que “Col contratto di agenzia una parte assume stabilmente l'incarico di promuovere, per conto dell'altra, verso retribuzione, la conclusione di contratti in una zona determinata)”, é inegável, face ao que se vem expendendo sobre o contrato de concessão, que este apresenta alguma similitude com aquele.

O contrato de concessão de venda é, pois, um modelo contratual conhecido e estudado no direito italiano que, não tendo um regime legal específico, é regulado pelo que consta das cláusulas que as partes nele inserem, pelas regras gerais que regem o direito dos contratos, podendo aplicar-se-lhe, por analogia, regras especiais que a lei preveja para tipos contratuais que lhe são próximos, como seja o contrato de fornecimento (somministrazione) ou o contrato de agência, operação, na qual, a doutrina e a jurisprudência italiana desempenham um papel que não pode ser ignorado. Se a doutrina tem procurado, numa posição mais pragmática, adotar, indistintamente, as regras daqueles contratos que se revelem mais adequadas a regular cada um dos diferentes aspetos do contrato de concessão de venda [14], a jurisprudência italiana, embora com o mesmo ponto de partida, tem revelado alguma relutância em socorrer-se das regras dos contratos de agência, com o argumento que na concessão de venda não se verifica habitualmente um grau de cooperação entre as partes que justifique o recurso às normas que regem aquele contrato, as quais pressupõem uma atividade de colaboração intensa entre as partes (v.g. a sentenza n.º 4948, de 27.02.2017 da sez. II, da Corte Suprema di Cassazione). Mais do que aquilo que assemelha estes dois tipos contratuais, a escassa jurisprudência sobre o tema tem posto em evidência aquilo que os distingue.

3. O fim do contrato de concessão de venda

Quanto à duração do contrato de concessão de venda celebrado entre Autora e Ré, em 13.10.2004, as partes acordaram no seguinte:

12.1 Este contrato tem o seu início com a encomenda dos Produtos da Época Outono/Inverno 2005/2006 e deverá extinguir-se com a conclusão das atividades relativas à Época Primavera/Verão 2008 (vendas de final de Estação incluídas), sendo certo que, em qualquer caso, a data de cessação deste Contrato não deverá ir além de 30 de Setembro de 2008.;

 12.2. Qualquer negociação tendo em vista a possível extensão deste Contrato de Distribuição, por um período de apenas dois anos, está condicionada a receção pelo Principal, até 30 de Setembro de 2007, de uma comunicação escrita do Distribuidor confirmando a sua intenção de, em caso de prorrogação deste Contrato a Época O/I 2008-2009 e até à Época P/V 2010, proceder à aquisição dos seguintes valores mínimos de compra dos Produtos, considerando-se que, neste caso, o Principal não terá qualquer obrigação de levar a cabo tal negociação e proceder a qualquer prorrogação deste Contrato de Distribuição.

-Para as Épocas de O/I 2008-2009 e P/V 2009, compras de Produtos no valor mínimo garantido pelo menos igual ao valor mínimo fixado no Cronograma 2 para época O/I 2007-2008 e para a Época P/V 2008, acrescida de 5% (cinco por cento), e

-Para a Época de O/I 2009-2010, compras de Produtos no valor mínimo garantido pelo menos igual ao valor mínimo comunicado pelo Distribuidor para as Épocas O/I 2008-2009 e P/V 2009, aumentado de 5% (cinco por cento).

Entende-se que, salvo o disposto supra acerca das obrigações de aquisição dos Produtos pelo Distribuidor, e em caso de prorrogação deste Contrato de Distribuição, ele será executado nos mesmos termos e condições.

12.3 – O Principal poderá pôr termo ao presente contrato através de comunicação por escrito ao Distribuidor, com antecedência mínima de 30 dias, se:

(i) verificar, a qualquer momento, uma alteração significativa na gestão, propriedade ou controlo por parte do Distribuidor (e as alterações não tenham sido previamente aprovadas pelo Principal ou tal aprovação não tenha sido devidamente requerida); ou

(ii) o Distribuidor, a qualquer momento, questionar a validade de qualquer direito de propriedade do Principal; ou

(iii) o Distribuidor ceder ou dispuser parte substancial do negócio e/ou dos activos, incluindo o direito de comercializar os Produtos no Território em virtude deste contrato.

As partes, para o início e termo da vigência do contrato, estabeleceram prazos não fixos, mas determinados, que decorrem da verificação de específicos acontecimentos, os quais eram incertos quanto à sua data. A vigência do contrato iniciava-se com a encomenda pela Autora à Ré dos Produtos da época Outono/Inverno 2005/2006 e extinguia-se com a conclusão das atividades relativas à época Primavera/Verão 2008 (coleção 32), incluindo as vendas de final de estação. No entanto, clausularam um segundo prazo fixo terminal – a data da cessação do contrato não deverá ir além de 30 de Setembro de 2008 – prazo previsível do termo de todas as vendas de final da estação Primavera/Verão de 2008.

A possibilidade da extensão do prazo de vigência do contrato por mais dois anos estava condicionada, por acordo das partes, à receção pela Ré, até 30 de setembro de 2007, de uma comunicação escrita da Autora, confirmando a sua intenção de renovar o contrato para a época Outono/Inverno de 2008 (coleção 33) e até à época Primavera/Verão 2010 com determinados valores mínimos de aquisição de produtos.

O que é que sucedeu ?

Segundo a matéria fáctica provada, a Autora não enviou à Ré, nem até 30.09.2007, nem em data posterior, qualquer comunicação em que manifestasse o propósito de prorrogar a vigência deste contrato, nunca tendo pretendido prorrogar a vigência do mesmo, para além da época Primavera/Verão 2008 (Estação 32).

No entanto, conforme resulta da leitura dos pontos 38 a 64, que se reportam a trocas de comunicações eletrónicas entre a Autora e a Ré e seus funcionários, a partir de finais de novembro de 2007 até outubro de 2008, as partes não deixaram de preparar as épocas de Outono/Inverno de 2008 (coleção 33) e Primavera/Verão 2009 (coleção 34), apesar destas coleções não se encontrarem abrangidas no âmbito temporal do contrato de concessão de venda celebrado em 13.10.2004, como se as relações comerciais entre elas fossem permanecer para além do período de vigência daquele contrato.

Apesar de estar excluída, pelo menos por parte da Autora, a prorrogação da vigência do contrato celebrado em 13.10.2004, para além do prazo nele fixado, verifica-se também que as partes procuraram negociar a celebração de um novo contrato, com igual figurino do anterior, que abrangesse, pelo menos, as épocas Outono/Inverno de 2008 (coleção 33) e Primavera/Verão 2009 (coleção 34), mas com diferentes condições, como resulta da comunicação referida no ponto 49 da matéria de facto provada e do relato da reunião de 12.06.2008, referida nos pontos 52 e 52-A, assim como das comunicações mencionadas no ponto 68 da mesma matéria de facto.

Atendendo à necessidade de realização de um conjunto de operações preparatórias que antecedem a execução de um contrato de concessão de venda de artigos de vestuário, como a exibição de amostras a potenciais clientes da concessionária, a receção de encomendas desses clientes, a definição de objetivos e estimativa de vendas, a presença em feiras promocionais, a realização de campanhas publicitárias, a abertura de postos de vendas, ou ainda a fixação de preços e descontos, a Autora e a Ré, na perspetiva do prolongamento do seu relacionamento negocial, através da celebração de um novo contrato, uma vez que a prorrogação do anterior estava excluída das intenções da Autora, foram realizando todas essas operações necessárias à execução de uma projetada manutenção da parceria comercial, que abrangesse as épocas Outono/Inverno de 2008 (coleção 33) e Primavera/Verão 2009 (coleção 34), tudo ainda na vigência do contrato celebrado em 13.10.2004.

Mas, mais do que a concretização destas operações preparatórias, conforme resulta da missiva que mais tarde haveria de ser enviada pela Ré à Autora em 20.10.2008 (ponto 69 da matéria de facto provada), os fornecimentos das encomendas dos clientes da Autora, relativas à época Outono/Inverno de 2008 (coleção 33), foram mesmo concluídos, pelo que se mostra executada uma prestação típica de um contrato de concessão de venda que não estava abrangida pelo contrato outorgado em 13.10.2004, uma vez que este não incluía a previsão de vendas dos Produtos da Ré à Autora para aquela época.

Diferentemente do que sucedeu, relativamente à época Primavera/Verão 2009 (coleção 34), em que apenas foram realizados atos preparatórios do fornecimento de produtos da Ré à Autora, os Produtos da época Outono/Inverno 2008 (coleção 33), além de terem sido realizados idênticos atos preparatórios, os produtos da Ré foram fornecidos à Autora, para que esta os revendesse aos seus clientes.

Relativamente a essa prestação, provou-se que a mesma foi preparada pelas partes com condições comerciais específicas, diferentes das que constavam do contrato outorgado em 13.10.2004, mediante propostas e contra-propostas, efetuadas de acordo com a conveniência e a disponibilidade de ambas as partes, tendo-se a Autora mantido como distribuidora exclusiva em Portugal dos produtos “Marlboro Classics” da Ré (pontos 42-A a 42-C da matéria de facto provada).

Verificou-se, pois, que o contrato de concessão de venda celebrado em 13.10.2004, apesar de não estar incluída no seu âmbito temporal o fornecimento dos produtos da Ré, relativos à época Outono/Inverno 2008 (coleção 33), foi executado, relativamente aos Produtos dessa época, embora com algumas diferenças nas suas condições, na perspetiva de ser ainda possível a manutenção da parceria comercial entre a Ré e A Autora, no futuro, através da celebração de um novo contrato, relativamente ao qual, decorreram negociações.

Nas regras que no Código Civil Italiano regem o contrato de agência (artigos 1742 a 1753) prevê-se no 1.º parágrafo do artigo 1750 que o contrato de agência por tempo determinado que continue a ser executado pelas partes após o seu termo, transforma-se num contrato por tempo indeterminado.

Esta norma foi introduzida pelo artigo 3 do Decreto Legislativo n.º 303, de 10 de setembro de 1991, que reproduziu o artigo 14 da Diretiva 86/653/CEE.

Tendo em atenção que a execução de um contrato de agência se traduz numa atividade contínua por parte do agente, visou-se, com a previsão desta norma, enquadrar juridicamente as situações em que essa atividade continuava a ser exercida de facto após o termo do contrato, ficcionando a lei a celebração de uma novo contrato, com um conteúdo idêntico ao contrato cessado (um contrato transformado, nas palavras da lei), embora, agora, com um prazo indeterminado, sem prejuízo dos termos dessa atividade posterior revelarem que as partes, tacita ou expressamente, introduziram modificações às regras do anterior contrato.

O contrato de concessão de venda, tal como o contrato de agência, ambos incluídos na grande categoria dos contratos de distribuição, caraterizam-se pelo seu acentuado pendor relacional, no qual os contraentes, inseridos num ambiente permanente, dinâmico e aberto ao futuro, unem esforços para atingirem resultados de mútuo interesse. É inerente à sua execução, a existência de uma organização, mais ou menos complexa, que potencia e onde se desenvolve o cumprimento das obrigações assumidas, a qual exige investimentos e custos de manutenção e proporciona o conhecimento recíproco do saber-fazer de cada contraente. Daí que  se procure prolongar no tempo a manutenção deste tipo de relações contratuais, verificando-se especiais preocupações com a possibilidade da sua cessação.

Apesar da jurisprudência em Itália, não se mostrar favorável à aplicação das regras do contrato de agência ao contrato de concessão de venda, como já referimos atrás e como iremos abordar, com mais detalhe, mais adiante, comungando ambos os contratos das referidas caraterísticas e preocupações, mesmo que se possa apontar ao contrato de concessão de venda uma cooperação entre as partes menos intensa, a ficção da constituição de uma nova, mas idêntica, relação contratual, nas situações em que a primitiva, apesar de ter cessado pelo decurso do tempo contratualmente previsto, continua a ser executada de facto, prevista, por inspiração do direito da União Europeia, no 1.º parágrafo, do artigo 1750, do Código Civil Italiano, deve também aplicar-se, por analogia, ao atípico contrato de concessão de venda. As realidades e os interesses que justificam esta extensão contratual no contrato de agência são as mesmas que se verificam no contrato de concessão de venda – o prolongamento jurídico de uma relação contratual que continua a ser executada para além do prazo previsto.

A resultado próximo, aliás, sempre nos conduziria, por outros caminhos, a teoria das relações contratuais de facto [15], ou a conjugação de declarações tácitas negociais [16], na hipótese de se entender que a posição de princípio dos tribunais italianos de recusarem a aplicação das regras do contrato de agência ao contrato de concessão de venda também era impeditiva de, neste aspeto, efetuar essa integração analógica.

Aplicando este pensamento ao caso presente, o contrato de concessão de venda outorgado entre as partes em 13.10.2004, cessou com o termo das operações relativas à época Primavera/Verão de 2008 (coleção 32), o que, no máximo, segundo a previsão contratual, ocorreu em 01.10.2008, tendo emergido, um novo contrato de concessão de venda, por tempo indeterminado, até, provavelmente, antes da cessação daquele [17], com os primeiros fornecimentos dos produtos da Ré, relativos à época Outono/Inverno de 2008 (coleção 33).

Este novo contrato, como resultado da transformação ope legis do anterior contrato de concessão de venda de duração determinada, mantém as mesmas cláusulas do anterior, com exceção da que respeita à sua duração, que passa a ser por tempo determinado e daquelas que venha a ser objeto de alteração por vontade das partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual que inclui a faculdade de alterar o contratado.

Não se tendo demonstrado qualquer acordo das partes em alterar/revogar o ponto 20.1. do anterior contrato de concessão de venda, mantém-se, pois, a estipulação das partes de subordinarem à lei italiana a execução e a cessação do novo contrato.

Esta conclusão não resulta de qualquer alteração da factualidade provada, mas apenas da aplicação, por analogia, do disposto no parágrafo primeiro, do artigo 1750 do Código Civil Italiano, pelo que, não se verifica qualquer exorbitância dos poderes de cognição deste Tribunal na aplicação da lei italiana à execução e cessação do novo contrato transformado, muito menos existindo qualquer violação aos poderes constitucionalmente atribuídos ao Supremo Tribunal de Justiça.

Após várias tentativas frustradas de negociar um novo contrato, em 20.10.2008, a Ré comunicou à Autora que o contrato deve ser considerado definitivamente cessado com a conclusão das atividades relativas ao fornecimento pela VFG à vossa empresa de Produtos relevantes para a época comercial Outono/Inverno 2008 (n.º 33). Qualquer ordem de encomenda posterior, respeitante à época comercial Primavera/Verão 2009 (n.º 34), não será, portanto, nem aceite, nem executada pela VFG.

Tendo em consideração que as atividades relativas ao fornecimento pela VFG à Autora de Produtos relevantes para a época comercial Outono/Inverno 2008 (n.º 33), só poderiam ter ocorrido na execução de um novo contrato, de constituição legalmente ficcionada, assim como as encomendas que viessem a ser efetuadas de produtos da época Primavera/Verão de 2009 (coleção 34), uma vez que o contrato celebrado em 13.10.2004 não previa o fornecimento de Produtos dessas coleções, esta comunicação da Ré pôs termo, por sua vontade, ao novo contrato, o qual, por força da lei, tinha uma duração indeterminada.

4. A necessidade de pré-aviso

O novo contrato de concessão de venda, de constituição ficcionada por lei, é de duração indeterminada, nos termos no 1.º parágrafo do artigo 1750, do Código Civil Italiano, aplicado, por analogia aos contratos concessão de venda, pelo que a sua cessação por simples vontade unilateral de uma das partes, exige necessariamente um pré-aviso que permita à contraparte salvaguardar-se das consequências negativas inerentes ao fim de uma relação que, pelas suas caraterísticas, é uma relação duradoura [18].

Esse pré-aviso é o exigido, pela aplicação analógica do disposto no artigo 1569.º do Código Civil Italiano, para os contratos de fornecimento (somministrazione) de duração indeterminada, mais ao gosto da jurisprudência italiana, que aqui é também acompanhada pela doutrina [19]se a duração do fornecimento não se encontra estabelecida, qualquer uma das partes pode rescindir o contrato com um pré-aviso, cujo prazo tenha sido acordado pelas partes, resulte dos usos, ou na falta destes, num prazo côngruo, tendo em consideração a natureza dos fornecimentos [20] - apesar dos parágrafos 2.º e 3.º, do artigo 1750.º, do Código Civil Italiano, para os contratos de agência de duração indeterminada, igualmente prever a necessidade de um pré-aviso, embora com prazos mais rígidos de difícil adaptação à plasticidade dos contratos de concessão de venda – se o contrato de agência é por tempo indeterminado, qualquer uma das partes pode rescindir o contrato com um pré-aviso, cujo prazo tenha sido estabelecido pelas partes. O prazo do pré-aviso não pode nunca ser inferior a um mês, no primeiro ano de duração do contrato, a dois meses iniciado o segundo ano, a três meses iniciado o terceiro ano, a quatro meses, iniciado o quarto ano, a cinco meses iniciado o quinto ano, e a seis meses, iniciado o sexto ou qualquer dos anos subsequentes. As partes podem acordar num prazo para o pré-aviso de maior duração, mas o principal não pode observar um prazo inferior àquele que é estipulado para o agente. Salvo convenção em contrário, o fim do prazo do pré-aviso deve coincidir com o último dia do mês civil.

5. Das consequências da inexistência de um pré-aviso

Provou-se que a Ré comunicou à Autora que considerava cessado o contrato de concessão de venda, ficcionamente constituído, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 1750.º, do Código Civil Italiano, sem qualquer pré-aviso.

O incumprimento deste dever acessório gera a obrigação de indemnizar os danos que decorram desse incumprimento [21]. Note-se que os danos indemnizáveis não são todos os prejuízos que resultem da cessação da relação contratual, mas apenas aqueles que, numa relação de causalidade adequada, tenham resultado de a cessação do contrato não ter sido antecipadamente comunicada [22].

6. Da perda do valor das “comissões”

O acórdão recorrido, pela falta de cumprimento da obrigação de pré-aviso, condenou a Ré a pagar à Autora € 326.574,67, que correspondem ao valor das “comissões” que esta deixou de auferir em virtude de já não lhe terem sido fornecidos os produtos da época Primavera/Verão 2009 (coleção 34).

Provou-se que, na sequência da comunicação de 20.10.2008, a Ré, sem qualquer aviso prévio, recusou fornecer à Autora os produtos da Época 34, já divulgados pela Autora junto dos seus clientes e por ela encomendados com vista a serem revendidos a tais clientes, assim a impedindo  de proceder à comercialização dos artigos encomendados e privando-a de auferir a margem de comercialização com que contava e que constituiria a sua remuneração comercial.

Não estamos, pois, perante a privação de “comissões”, como incorretamente as apelida o acórdão recorrido, mas sim perante a privação da margem de lucro com que a Autora iria revender os Produtos já encomendados à Ré, relativos à época Primavera/Verão de 2009 (coleção 34).

Essa privação resulta da cessação do contrato em momento anterior à sua execução, mas após a prática dos denominados atos preparatórios dessa execução acima referidos (a exibição de amostras a potenciais clientes da concessionária, a receção de encomendas desses clientes, a definição de objetivos e estimativa de vendas, a presença em feiras promocionais, a realização de campanhas publicitárias, a abertura de postos de vendas), mas não da falta de pré-aviso.

Caso o pré-aviso tivesse sido cumprido, a Autora teria sido prevenida com uma antecedência côngrua que não lhe iriam ser fornecidos os produtos da época Primavera/Verão de 2009 (coleção 34), mas não evitaria a indisponibilidade desses produtos para revenda e a consequente perda das margens de lucro. O que evitaria seria a realização de todas aquelas atividades preparatórias da aquisição e revenda dos Produtos da Ré respeitantes à época Primavera/Verão de 2009 (coleção 34) e poupança das correspondentes despesas.

Dessas despesas a Autora só alegou e pediu que a Ré a indemnizasse do custo do mostruário da coleção da época Primavera/Verão de 2009 (coleção 34), no valor de € 39.926,80.

A sentença da 1.ª instância absolveu a Ré deste pedido, tal como a absolveu do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, em virtude de não ter sido antecipadamente avisada do termo das relações contratuais que mantinha com a Ré

A Autora não recorreu da sentença nestes segmentos decisórios pelo que, nessa parte, o decidido pela 1.ª instância transitou em julgado.

Por estas razões, sobretudo porque não existe nexo de causalidade entre a falta de cumprimento do dever de pré-aviso da cessação do contrato e a perda das margens de lucro da operação de aquisição e revenda dos Produtos da Ré relativos à época Primavera/Verão de 2009 (coleção 34), não deve manter-se a condenação da Ré no seu valor, procedendo o recurso nesta parte e absolvendo-se a Ré do pedido de condenação no pagamento de € 326.574,67.

7. Da indemnização de clientela

O acórdão recorrido manteve a condenação da Ré a pagar à Autora o valor de € 300.000,00, relativos à habitualmente denominada indemnização de clientela.

A sentença da 1.ª instância condenou a Ré a pagar à Autora € 300.000,00, a título de indemnização da clientela “angariada” pela Autora durante a parceria contratual mantida entre as duas sociedades, e da qual a Ré beneficiou após a cessação das relações contratuais.

O acórdão da Relação, ora recorrido, manteve esta condenação.

O artigo 1751.º do Código Civil Italiano prevê o seguinte em matéria de indemnizações, em caso de cessação do contrato de agência:

No termo da relação, o principal é obrigado a pagar ao agente uma indemnização caso se verifiquem as seguintes condições:

o agente tenha angariado novos clientes para o principal ou tenha desenvolvido significativamente os negócios com os clientes existentes e o principal continue a receber benefícios substanciais derivados dos negócios celebrados com esses clientes;

o pagamento de tal indemnização seja equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias do caso, em particular as comissões perdidas pelo agente e resultantes dos negócios com tais clientes.

A indemnização não será devida:

quando o principal rescindir o contrato devido a uma quebra de contrato imputável ao agente que, devido à sua gravidade, não permite a continuação, mesmo provisória, da relação contratual;

quando o agente rescinde o contrato, a menos que a rescisão seja justificada por circunstâncias imputáveis ao principal ou por circunstâncias imputáveis ao agente, tais como idade, enfermidade ou doença, para as quais já não lhe possa ser razoavelmente exigido que prossiga a actividade;

quando, nos termos acordados com o principal, o agente atribui a um terceiro os direitos e obrigações que lhe são conferidos pelo contrato de agência.

O montante da indemnização não deve exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada com base na média anual da remuneração recebida pelo agente durante os últimos cinco anos e, se o contrato datar de há menos de cinco anos, com base na média do período em questão.

No entanto, a atribuição desta indemnização não priva o agente de ser ressarcido por eventuais danos.

O agente perde o direito à indemnização prevista no presente artigo se, no prazo de um ano após a rescisão do seu contrato, não informar o principal da sua intenção de fazer valer os seus direitos.

As disposições do presente artigo não podem ser derrogadas em prejuízo do agente [23].

No aqui já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2016, que apreciou a aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão de venda, no direito italiano, relativamente a esta indemnização de clientela, escreveu-se o seguinte:

No que concerne, especificamente, à indemnização de clientela – devida em caso de extinção da relação contratual – também a jurisprudência italiana tem vindo a negar um tal direito ao distribuidor/concessionário.

A esta posição alude Lukas Plattner (ob. cit.) ao afirmar que “Un ulteriore problema in caso di estinzione del rapporto é se il fornitore debba indennizzare il distributore per l’eventuale perdita di clientela ou dell’avviamento commerciale, in questo caso la giurisprudenza nega la possibilitá per il distributore di ottenere un risarcimento di tal sorta" (isto é, um ulterior problema em caso de extinção do contrato é o de saber se o fornecedor deve indemnizar o distribuidor pela eventual perda de clientela ou do aviamento comercial, sendo que, neste caso, a jurisprudência nega ao distribuidor a possibilidade de obter um ressarcimento desse tipo – tradução livre).

Por seu turno, Marisa Meli (no artigo a que já se fez referência) – apesar de defender que a aplicação analógica da indemnização de clientela, prevista para o contrato de agência, se justificaria em todos os casos em que o contrato de distribuição realizasse uma substancial transferência de clientela para o concedente - reconhece que a jurisprudência tem sido firme em excluir a aplicação analógica do artigo 1751.º do Código Civil italiano a essas situações, argumentando com a diferente natureza do contrato de concessão. De igual modo, conclui Daniela Biavaschi (no seu artigo I contratti di distribuzione: genesi, evoluzione e aspetti operativi, disponível em http://www.abslaw.it/public/upload/file/papers/files/Contratti di distribuzione) que, em razão da peculiaridade do contrato de concessione di vendita, é prevalente a orientação doutrinal e jurisprudencial que exclui a indemnização de clientela a favor do concessionário no caso de cessação da relação contratual.

E, de facto, os tribunais italianos, estribando-se na circunstância de o contrato de concessão ser atípico e de, como tal, não se encontrar regulado no ordenamento jurídico, têm vindo a recusar – com a concordância da maior parte da doutrina – a aplicabilidade do regime da indemnização de clientela, previsto apenas para o contrato de agência, ao contrato de concessão (vejam-se, neste sentido e a título exemplificativo, as decisões da Corte di Cassazione de 23/02/2011, Civile Sent., Sez 3, N.º 13583, publicada em 21/06/2011, disponível em www.italgiure.giustizia.it/sncass/, de 18/09/2009, Sez. 3, n.º 20126, in Nuova giur. Civ. comm., 2010, p. 231, e de 21/06/1974, n.º 1888, disponível em Giur. Ital., 1975, I, col. 1290).

Defendem, pois, a este propósito, que, sendo o dito regime excecional, o mesmo não comporta aplicação analógica e que, para além disso, tal analogia também não se justifica uma vez que a colaboração que está presente nos dois tipos contratuais é diametralmente diferente: enquanto no contrato de concessão o concessionário atua, na comercialização dos produtos que adquire ao concedente, por sua conta e risco, já no de agência o agente atua por conta e em nome do principal, sendo, pois, este traço particular que dá sentido à indemnização de clientela legalmente prevista para o caso de cessação do contrato (vide, a este propósito, Roberto Baldi, ob. cit., p. 97 e segs. e Francesco Gozzo, Differenze principal tra il contratto di agenzia e il contratto di distribuzione commerciale, disponível na internet.

Destarte, considerando que, conforme supra se expendeu, o juiz interno, ao aplicar o direito estrangeiro, fica colocado em posição exatamente igual à que teria o juiz do direito aplicável ao caso, é mais do que evidente que, não havendo motivos para dissentir da posição que vem sendo seguida, neste particular, pelos tribunais italianos, tal é quanto basta para que a pretensão da ré, reconvinte, não possa merecer acolhimento.

Repare-se, de resto, que a mencionada posição jurisprudencial – que nega ao concessionário o direito à indemnização de clientela – se tem mantido inalterada apesar das críticas que lhe têm sido dirigidas por parte da doutrina italiana, o que, naturalmente, inculca que se trata de uma posição consolidada e enraizada nos tribunais italianos, a qual, à míngua de quaisquer elementos ou argumentos que justifiquem que dela nos afastemos, aqui se acompanha.

Apesar de se terem acentuado as críticas da doutrina italiana à posição de princípio dos tribunais italianos [24], não se detetou qualquer evolução na jurisprudência nesta matéria, mantendo-se o acento na ideia que a colaboração entre concedente e concessionário não constitui habitualmente um elemento determinante da relação negocial estabelecida por um contrato de concessão de venda, capaz de justificar a aplicação, por analogia, do regime do contrato de agência.

Concretamente, no que toca à indemnização de clientela, embora a fundamentação dos arestos da Corte Suprema di Cassazione, citados no já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2016, se limitarem a apontar o diferente grau de colaboração entre as partes de um contrato de agência e de um contrato de concessão de venda, para recusarem a aplicação do direito de indemnização previsto no artigo 1751.º do Código Civil Italiano aos últimos, depreende-se que entendem que a maior autonomia técnica e económica do concessionário na atividade de distribuição dos produtos da Ré não permite estabelecer um prognóstico seguro sobre o aproveitamento da clientela angariada pelo concessionário pelo concedente, após a cessação do contrato de concessão.

No entanto, esta posição de princípio, que não tem companhia no direito comparado europeu [25], não pode ser acolhida, seguida e aplicada com total desinteresse dos cambiantes do caso concreto.

Em primeiro lugar, há que ter em atenção que o contrato de concessão de venda aqui em análise, celebrado entre a Marzotto, SpA e a Autora, sucedeu a um anterior contrato de agência outorgado entre as mesmas partes, pelo que, alguma da clientela dos produtos da Ré, já tinha sido angariada pela Autora, na execução daquele contrato, em que a Autora atuava em nome e segundo as instruções e diretrizes da Ré.

Em segundo lugar, no contrato de concessão de venda, foi clausulada toda uma gama de obrigações acessórias positivas e negativas, criadoras de uma intensa atividade colaborativa, tendo-se, designadamente, estipulado:

- um conjunto de restrições à Autora, relativamente à comercialização de outros produtos, para além dos produtos da Ré e à venda destes no estrangeiro (alíneas da cláusula 3.2.) ;

- um conjunto de obrigações da Autora, visando a proteção da marca da Ré (números da cláusula 7);

- o fornecimento pela Ré de coleções de amostras dos Produtos a revender (cláusula 8.2.).

- a abertura de lojas pela Autora ou por retalhistas, exclusivamente destinadas à venda dos produtos da Ré, previamente aprovadas por esta, sendo estas lojas mobiladas e decoradas, em todos os pormenores, segundo as orientações da Ré (cláusula 9);

- obrigatoriedade da Autora promover e publicitar os produtos da Ré, mediante aprovação desta de todas as ações (números da cláusula 10);

- obrigatoriedade da Autora informar a Ré das vendas efetuadas (cláusula 11.3 iv).

Por fim, mas não menos importante, provou-se que, ao longo dos vários anos de parceria comercial entre Autora e Ré, primeiro mediante a celebração de um contrato de agência, e depois, de um contrato de concessão de venda, o volume de negócios potenciado pela Autora contribuiu para a manutenção e crescimento do mercado da marca e dos produtos da Ré, em Portugal, tendo a Autora angariado mais de uma centena de empresas para adquirir os Produtos da Ré (pontos 99. e 100. da matéria de facto provada), e que, após a cessação do contrato com a Autora, através de missivas, a Ré solicitou aos clientes angariados pela Autora que lhe remetessem diretamente as suas encomendas, comprometendo-se a enviar-lhes diretamente os produtos e passando a contratar diretamente com os clientes da Autora ou por terceira empresa, tendo a Ré continuado a fornecer os seus produtos aos clientes angariados e mantidos ao longo dos anos pela Autora, através de novo distribuidor (pontos 94. e 109. da matéria de facto provada).

Isto é, provou-se que, cessadas as relações contratuais entre a Autora e a Ré, esta fez sua a clientela que havia sido angariada pela Autora, no âmbito da parceria comercial mantida entre as duas sociedades, no período em que entre elas vigorou um contrato de agência e depois um contrato de concessão de venda, beneficiando, assim, a Ré da atividade da Autora ao longo de toda a relação contratual que entre elas se desenvolveu, com diferentes matizes.

Apesar de se apontarem diversos fundamentos para a atribuição do direito de indemnização de clientela, aquando da cessação de um contrato de agência, nos termos do artigo 1751 do Código Civil Italiano, é ponto comum que o mesmo visa compensar o agente dos benefícios patrimoniais para o principal, que se vão prolongar após a cessação do contrato, como resultado da atividade do agente. Se este, através da remuneração acordada, é compensado dos benefícios que se realizam durante o período de execução do contrato, só a indemnização de clientela poderá funcionar como contrapartida dos benefícios futuros proporcionados ao principal, obtendo-se assim uma desejada justiça comutativa.

Ora, embora respeitando a posição de princípio da jurisprudência italiana, segundo a qual a maior autonomia do concessionário perante o concedente dificulta a aplicação, por analogia, do regime legal do contrato de agência, designadamente, a aplicação do direito de indemnização de clientela, previsto no artigo 1751.º do Código Civil, uma vez que a maior autonomia do concessionário na definição das políticas promocionais e comerciais, dispondo de uma estrutura própria reconhecida no mercado, não permite prognosticar um aproveitamento pelo concedente da clientela angariada por aquele, após a cessação do contrato de concessão, o peso dos dados concretos que caraterizam e envolvem o presente contrato impõem uma específica ponderação.

Na verdade, perante uma concreta situação em que está comprovado que um contrato atípico de concessão de venda, no qual se previa uma significativa interferência da Ré na promoção e venda pela Autora dos produtos daquela, sucedendo a um contrato de agência outorgado entre as mesmas partes, tendo a concessionária angariado mais de uma centena de empresas para adquirir os produtos da concedente, durante essa parceria comercial, e que, após a cessação do contrato de concessão, a concedente, por sua iniciativa, continuou a fornecer os seus produtos aos clientes angariados e mantidos ao longo dos anos pela concessionária, através de um novo distribuidor, a não atribuição de uma indemnização de clientela acarretaria um indesejado desequilíbrio contratual, em que as repercussões futuras da atividade desenvolvida pela concessionária ficariam sem contrapartida, gerando um enriquecimento não compensado do concedente.

Perante as particularidades deste caso concreto, a posição de princípio da jurisprudência italiana deve aqui ceder, sendo admissível o recurso excecional à previsão do artigo 1751 do Código Civil Italiano, sem que, com esta opção, tenham sido esquecidos os conselhos de Baptista Machado que acima se relembraram. Ao reconhecer-se, neste caso específico, o direito à indemnização por clientela não deixa o intérprete nacional de ser um fotógrafo atento a uma realidade que escapa aos modelos de trabalho do direito estrangeiro aqui aplicável e, por essa razão, não está forçado a uma imitação servil da posição da jurisprudência italiana, não se lhe impondo um sacrificium intellectus.

Dispõe o artigo 1751.º do Código Civil Italiano que no termo da relação, o principal é obrigado a pagar ao agente uma indemnização caso se verifiquem as seguintes condições: o agente tenha angariado novos clientes para o principal ou tenha desenvolvido significativamente os negócios com os clientes existentes e o principal continue a receber benefícios substanciais derivados dos negócios celebrados com esses clientes, o que se encontra provado no presente caso.

Dispõe ainda o mesmo artigo que o pagamento de tal indemnização deve ser equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias do caso, em particular as comissões perdidas pelo agente e resultantes dos negócios com tais clientes.

Mais acrescenta que o montante da indemnização não deve exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada com base na média anual da remuneração recebida pelo agente durante os últimos cinco anos e, se o contrato datar de há menos de cinco anos, com base na média do período em questão.

A sentença da 1.ª instância, num juízo equitativo, que teve em consideração o preço das aquisições anuais efetuadas pela Autora à Ré e as margens dos descontos comerciais, fixou esta indemnização em € 300.000,00, a qual foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação.

Nas alegações de recurso foi questionada a constituição deste direito de indemnização, mas não o seu montante, pelo que, tendo-se concluído pela constituição deste direito, deve o recurso ser julgado improcedente nesta parte, confirmando-se a decisão recorrida quanto à condenação no pagamento desse valor, a título de indemnização de clientela.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista, revogando-se o acórdão recorrido, na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 326.574,67, a título de indemnização pelas comissões que a Autora deixou de auferir pelas encomendas efetuadas, repondo-se integralmente a sentença proferida na 1.ª instância.

                                               *

As custas da ação e dos recursos são da responsabilidade da Autora e da Ré, na proporção do decaimento.

                                               *

Notifique

                                               *

Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.

                                               *

Lisboa, 29 de abril de 2021

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha

_______

[1] Ponto aditado neste acórdão que se limita a transcrever parte do texto referido no ponto 15.
[2] Ponto aditado neste acórdão que se limita a transcrever parte do texto referido no ponto 21.
[3] Ponto aditado neste acórdão que se limita a transcrever parte do texto referido no ponto 21.
[4] Ponto aditado neste acórdão que se limita a transcrever parte do texto referido no ponto 21.
[5] Sobre a lei aplicável aos contratos internacionais de concessão, à época, MARIA HELENA BRITO, Direito Aplicável ao Contrato Internacional de Concessão Comercial, em “Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço”, vol. I, Almedina, 2002, pág. 103 e seg.
[6] Lições de Direito Internacional Privado, Atlântida, 1994, pág. 245.
[7] Sobre os contratos-quadro, no leque das figuras pré-contratuais, MARIANA FONTES DA COSTA, Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenções, Coimbra Editora, 2011, pág. 88-89.
[8] Ob. cit., pág. 89.
[9] A tradução é nossa.
[10] A Bélgica é a exceção, no Título 3, do Livro X, do Código de Direito Económico.
[11] Sobre este contrato, no direito italiano, Augusto Baldassari, I Contratti di Distribuizone. Agencia, Mediazone, Concessione di Vendita, Franchising, CEDAM, 1989, pág. 473 e seg., ROBERTO BALDI, Il Contrato di Agenzia. La Concessione di vendita. Il Franchising, 6.ª ed., Giuffrè Editore, 1997, pág. 81 e seg., e GIOVANNI IORIO, Riflessioni sui Contratti di Concessione di Vendita, La Nuova Giurisprudenza Civile Commentata, Ano XXXVI, 3/2020, pág. 726 e seg.
[12] Ob. cit., pág. 86-87.
[13] Acórdão de 02.06.2016, no Proc. 6777/09.0TBMTS.P1.S1. (Rel. Orlando Afonso), acessível em www.dgsi.pt
[14] AUGUSTO BALDASSARI, ob. cit. pág. 487, ROBERTO BALDI, ob. cit., pág. 84-90, e GIOVANNI IORIO, est. cit., pág. 732-735.
[15] Sobre esta tese no direito italiano, C. MASSIMO BIANCA, Diritto Civile, vol. III, Giuffrè, 1995, pág. 40-43, VICENZO FRANCESHELLI, I rapport di fatto: riconstruzione della fatispecie e teoria generale, Giuffrè, 1984, G. STELLA RICHTER, Contributo allo studio dei rapporti di fatto nel diritto privato, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, Ano XXXI (1977), pág. 151 e seg.
[16] Sobre a formação tácita do contratos no direito italiano, C. MASSIMO BIANCA, ob. cit., pág. 212-214, e FRANCESCO GALGANO, Diritto privato, 9.ª ed., CEDAM, 1996, pág. 227.
[17] Desconhece-se, quer a data precisa em que terminaram as operações relativas aos Produtos da época Primavera/Verão 2008 (coleção 32), quer a data precisa em que ocorreram os primeiros fornecimentos da Ré à Autora dos Produtos da época Outono/Inverno 2008 (coleção 33).
[18] AUGUSTO BALDASSARI, ob. cit. pág. 503-504, ROBERTO BALDI, ob. cit., pág. 102-103, CECILIA CAGNONI LUONI, La Concessione di Vendita: recesso ad nutum e tutela del concessionário, Contratti (I), 2017, n.º 2, pág. 185 e seg. e GIOVANNI IORIO, est. cit., pág. 733,
[19] AUGUSTO BALDASSARI, ob. cit. pág. 503-504, ROBERTO BALDI, ob. cit., pág. 102-103, CECILIA CAGNONI LUONI, La Concessione di Vendita: recesso ad nutum e tutela del concessionário, Contratti (I), 2017, n.º 2, pág. 185 e seg. e GIOVANNI IORIO, est. cit., pág. 733.
[20] Tradução nossa.
[21] AUGUSTO BALDASSARI, ob. cit. pág. 504, ROBERTO BALDI, ob. cit., pág. 103, e CECILIA CAGNONI LUONI, La Concessione di Vendita: recesso ad nutum e tutela del concessionário, Contratti (I), 2017, n.º 2, pág. 185 e seg.
[22] AUGUSTO BALDASSARI, ob. cit. pág. 504, ROBERTO BALDI, ob. cit., pág. 103, e CECILIA CAGNONI LUONI, La Concessione di Vendita: recesso ad nutum e tutela del concessionário, Contratti (I), 2017, n.º 2, pág. 185 e seg.
[23] Tradução nossa.
[24] ROBERTO BALDI, ob. cit., pág. 111-112, LORENZO DELLI PRISCOLI, Atipicità della Concessione di Vendita e Disciplina Applicabile, Rivista Del Diritto Commerciale, Ano 2003, Fasc. 5-8, pág. 517-518, MARISARIA MAUGERI, Concessione di Vendita, Recesso e Abuso del Diritto. Note Critiche a Cass. N. 20106/2009, La Nuova Giurisprudenza Civile Commentata, Ano XXVI, n.6, Junho de 2010, pág. 319 e seg., e GIOVANNI IORIO, est. cit., pág. 733-734.
[25] Ver uma resenha do direito comparado europeu nesta matéria por ROBERTO BALDI, ob. cit., pág. 103-111, e por MENEZES LEITÃO, A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, Almedina, 2006, pág. 80-83.
   No Título 3, do Livro X, do Código de Direito Económico da Bélgica, único país europeu em que o contrato de concessão de venda tem uma regulamentação própria, previu-se o pagamento de uma indemnização de clientela no termo do contrato.
   Essa previsão também se encontra no Código Comercial de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40/99/M, na Lei brasileira n.º 6729/ de 28 de novembro de 1979, e nos artigos 18.º e seg., do ICC Model Distributorship Contract de 1993, como nos dá conta MARIANA SOARES DAVID, em A Aplicação Analógica do Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Agência aos Contratos de Concessão Comercial: Tradição ou Verdadeira Analogia, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 71 (2001), n.º 3, pág. 889-890, nota 5.