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ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO INADMISSÍVEL
PRAZO DE ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Sumário
Sumário (elaborado pela Relatora):
1. Sendo pacífico que, por força do art. 149.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as nulidades de acórdão da Relação devem ser arguidas perante esta no prazo geral de 10 dias, na situação a que se referem os arts. 615.º, n.º 4, primeira parte, e 617.º, n.º 6 do mesmo Código, isto é, de não ser interposto recurso de revista por o mesmo não ser admissível, o mesmo prazo deve ter sido observado no caso de o mesmo ter sido indevidamente interposto, na situação prevista na segunda parte do n.º 5 daquele art. 617.º. 2. Com efeito, ainda que seja perfeitamente razoável que se arrede uma injustificada prevalência da forma, já seria totalmente desrazoável que se premiasse o causador duma tramitação processual legalmente inadmissível com o aproveitamento desta para a prática dum acto cujo direito, nos termos da regular tramitação, está extinto pelo decurso do prazo estabelecido para o seu exercício (art. 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
Alda Martins
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:
Na presente acção declarativa de condenação, com processo comum, que E. J. intentou contra X – Viagens e Turismo, Lda., a Autora interpôs recurso da sentença, cujo objecto delimitou nas conclusões do seguinte modo:
«I. Constitui, assim, objeto do presente recurso as seguintes questões: nulidade processual decorrente da deficiente seleção da matéria de facto; erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto dada como provada no ponto 3.14, 3.15, 3,17 e 3,19 da matéria de facto provada, e erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto dada como não provada nos pontos a), b), e), e f) da matéria de facto não provada; e erro de julgamento em matéria de direito [ilegalidade do acordo remuneratório e prescrição de créditos salariais emergentes de trabalho suplementar]; (…) LXIX. Aqui chegados, não se pode concordar com a motivação e decisão do tribunal a quo, por violação do preceituado nos art.º 258º/1, 260º/1, 261º/2, 266º, 268º, 269, 276º e 337º/2 todos do Código de Trabalho, por violação do preceituado nos art.º 195º/1, 463º/1 e 3 e 615º/1 a) todos do Código de Processo Civil, pelo que deve a mesma ser alterada em conformidade.»
O recurso foi conhecido por Acórdão desta Relação de Guimarães de 25 de Junho de 2020, que identificou e se pronunciou sobre as seguintes questões:
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre factos alegados pela Autora;
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- ilegalidade do acordo remuneratório;
- prescrição de créditos salariais emergentes de trabalho suplementar.
Tendo concluído nos termos do seguinte dispositivo: «Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 998,70 a título de diuturnidades e a quantia de € 2.095,18 a título de «créditos finais», acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, no mais se confirmando a sentença recorrida. Custas pelas partes na proporção do decaimento.»
Notificado electronicamente o Acórdão à mandatária da Autora em 25/06/2020, esta veio dele interpor recurso de revista em 14/09/2020, formulando, entre outras, as seguintes conclusões: «XII. O aresto decisório do Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou sobre a validade e o correspondente efeito jurídico da alegação de prestação de trabalho suplementar, trabalho noturno e trabalho em dias de descanso e dias feriado nos meses, dias e horas que se discriminam nos documentos número 6 a 111 justos com a p.i., discos tacógrafos e prints de tacógrafos digitais, e que melhor se descrevem nos artigos 84º.-A a 90º-A do requerimento com referência 30854543, de 29 de novembro de 2018, e dos documentos denominados “mapas mensais de serviço”, donde resulta, com rigor absoluto, o ano, o mês, o dia do serviço, a sua descrição pormenorizada e o respetivo número de interno atribuído pela Ré/Recorrida. Mais resulta dos ditos mapas a informação sobre a existência ou não de almoço, jantar, dormida ou serviço noturno, e ainda a hora de saída, a hora de chegada e a contabilização do total de horas trabalhadas e as correspondentes horas extra. Finalmente, dos ditos “mapas de mensais de serviço” resulta ainda o veículo utilizado pela A/Recorrente no trabalho por si realizado, e a contabilização das folgas entretanto gozadas. XIII. Não se pronunciou o Tribunal da Segunda Instância sobre a falta de cumprimento pela Ré/Recorrida da notificação para juntar aos autos de todos os “mapas de Serviço” em que a A/Recorrente foi interveniente feita sob a cominação prevista no n.º 2 do art.º 417º do CPC e respectivas consequências legais. XIV. Mais, não se pronunciou o aresto decisório da Segunda Instância, sobre a inexistência livrete individual de controlo de trabalho suplementar para controlo do horário de trabalho e trabalho suplementar, entretanto registado, e da presunção resultante da sua não existência e assinatura pela ré/recorrida na semana imediatamente posterior àquela a que disser respeito. XV. De acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 662º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa”. XVI. Pelo que, a “não resposta” pelo Tribunal de Segunda Instância constitui nulidade processual, que se invoca para todos os efeitos legais [cfr n.º 1 do art.º 195º, al. d) do n.º 1 do art.º 615º ambos do CPC, por remissão do art.º 77º do CT]. Assim, deve a decisão do Tribunal da Segunda Instância ser anulada e substituída por outra que se pronuncie sobre a matéria de direito em crise, e, em consequência, julgue ampliada a matéria de facto provada sobre a matéria de prestação de trabalho suplementar, o que se requer.»
O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 24 de Março de 2021, decidiu que, «(…) em parte por força do caso julgado, e em parte pela existência de “dupla conformidade”, nos termos atrás expostos, não se admite a presente revista, devendo os autos regressar ao Tribunal da Relação para que este se pronuncie sobre a nulidade invocada.»
Vejamos.
Por força do art. 666.º do Código de Processo Civil, é aplicável à 2.ª instância o que se acha disposto nos artigos 613.º a 617.º, sendo a rectificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, decididas em conferência.
Assim, nos termos do n.º 1 do art. 615.º, o acórdão da Relação é nulo quando:
a) Não contenha a assinatura dos juízes;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) a Relação deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) a Relação condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Do n.º 4 da mesma norma resulta que as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o Tribunal da Relação se o acórdão não admitir recurso ordinário, podendo o recurso de revista, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Em conformidade, e em atenção ao princípio do aproveitamento dos actos processuais, decorre da 2.ª parte do n.º 5 do art. 617.º que, se não puder ser apreciado o objecto do recurso de revista e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao Tribunal da Relação, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6, segundo o qual, arguida perante o Tribunal da Relação alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma do acórdão, por dele não caber recurso ordinário, aquele Tribunal da Relação profere decisão sobre a questão suscitada.
Isto é, sendo interposto recurso de revista cujo objecto não seja apreciado, designadamente por se entender que o acórdão da Relação não admitia recurso, como é o caso dos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça deve “mandar baixar o processo para conhecimento da nulidade ou da reforma, tudo se passando como se o recurso ordinário não tivesse sido interposto e aplicando-se o n.º 6.” (1)
Assim, estando pressuposto que não cabe recurso ordinário do acórdão proferido, tudo devendo passar-se como se ele não tivesse sido interposto, com excepção do seu aproveitamento como meio formal de arguição da nulidade, cabe à Relação conhecer desta questão, se a tanto houver lugar, como sublinha o citado n.º 5 do art. 617.º, o que supõe desde logo a sua tempestividade.
Na verdade, sendo pacífico que, por força do art. 149.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as nulidades devem ser arguidas perante a Relação no prazo geral de 10 dias, na situação a que se referem os arts. 615.º, n.º 4, primeira parte, e 617.º, n.º 6 do mesmo Código, isto é, de não ser interposto recurso de revista por o mesmo não ser admissível, o mesmo prazo deve ter sido observado no caso de o mesmo ter sido indevidamente interposto, como resulta – e não podia deixar de suceder – da parte final do n.º 5 daquele art. 617.º.
Com efeito, ainda que seja perfeitamente razoável que se arrede uma injustificada prevalência da forma, já seria totalmente desrazoável que se premiasse o causador duma tramitação processual legalmente inadmissível com o aproveitamento desta para a prática dum acto cujo direito, nos termos da regular tramitação, está extinto pelo decurso do prazo estabelecido para o seu exercício (art. 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Isto é, nas palavras de Cardona Ferreira (2), reportando-se às normas correspondentes revogadas pelo Código de Processo Civil de 2013, é indispensável “(…) que o impugnante tenha utilizado o prazo de reclamação, que é de 10 dias (art. 153.º, n.º 2); caso contrário, estava descoberto o caminho para o reclamante aumentar prazo para reclamar porque, pela lei nova, o prazo normal para se interpor recurso ordinário é de 30 dias (art. 685.º, n.º 1), excepcionalmente de 15 dias (designadamente, arts. 691.º, n.º 5, 721.º, n.º 4, 922.º-B, n.º 2).”
Ora, retornando ao caso em apreço, constata-se que a mandatária da Autora foi notificada electronicamente do Acórdão desta Relação em 25/06/2020, pelo que o prazo de 10 dias para arguir as respectivas nulidades na mesma instância se completou em 9/07/2020, podendo ainda o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes, mediante pagamento de multa, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do art. 139.º do Código de Processo Civil, ou seja, até 14/07/2020.
Em face do exposto, conclui-se que a arguição de nulidade do Acórdão no recurso indevidamente interposto em 14/09/2020 é manifestamente extemporânea, não podendo haver lugar ao seu conhecimento.
Sempre se dirá que esta Relação conheceu das quatro questões delimitadas pela Autora como objecto da sua Apelação, nas respectivas conclusões, e que no Acórdão se enunciaram igualmente (como, aliás, foi também considerado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça), não passando as pretensas questões aludidas nas conclusões XII a XVI do recurso de revista de meros fundamentos e argumentos invocados para a procedibilidade daquelas questões, designadamente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que foi rejeitada por inobservância dos ónus estabelecidos pelo art. 640.º do Código de Processo Civil, pelo que inexiste qualquer omissão de pronúncia geradora da nulidade do Acórdão, atenta a delimitação conceitual que merece esta realidade, já por demais explicitada no mesmo aresto a propósito da alegada nulidade da sentença por idêntico vício.
Em face do exposto, acorda-se em indeferir a arguição de nulidade do Acórdão desta Relação de 25 de Junho de 2020.
Custas pela Apelante.
Em 20 de Maio de 2021
Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso
1. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 2017, p. 745.
2. Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 2010, p. 78.