INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO-PROMESSA
SINAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
Sumário


I. Estipula o artigo 441º do CCivil que «No contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.».
II A formulação legal não parece deixar margem para quaisquer dúvidas, quando abarca na sua previsão que também tem carácter de sinal a entrega pelo promitente comprador ao promitente vendedor, da quantia correspondente à totalidade do preço acordado.
III Sendo esta asserção retirada pela utilização de uma presunção «juris tantum» sempre impenderia sobre as partes contra quem a mesma foi esgrimida, fazerem carrear para os autos todos e quaisquer elementos conducentes ao seu afastamento.

Texto Integral



PROC 9452/15.3T8VNG-C.P1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Por apenso ao processo de insolvência de AA vieram os Credores reclamar os créditos respectivos, tendo o AI apresentado a lista a que respeita o artigo 129º do CIRE.

A Credora PARVALOREM impugnou o crédito reclamado pelo Credor BB, alegando tratar-se de crédito comum por entender não beneficiar do direito de retenção; e o Insolvente impugnou parcialmente o crédito do ISS, IP, invocando a sua prescrição.

A final foi proferida sentença, decidindo nos seguintes termos:

«Finalmente –e no que impende sobre a sorte da impugnação apresentada pelo insolvente Sr. Dr. AA a propósito do crédito reconhecido pelo Exmo .AI . à Segurança Social (cfr. fls.5V-e resposta de fls. 83 ao abrigo do estatuído no art. 131º nº 1 do CIRE ) -facto é que não detecto firmado estribo de facto e direito bastante que permita a sua procedência (tal qual, aliás, já atestado na epígrafe da convicção do julgador pelas razões que aí foram vertidas), destarte improcedendo tal pretensão, havendo como juridicamente incólume o crédito esgrimido pelo ISSP tal qual aceite pelo Exmo AI, como crédito comum, o que consigno ora em decisória sede.

Deste modo – e na esteira do julgado – assente que está a natureza jurídica do crédito do qual atrás se cuidou (art.755º nº 1 f) do Código Civil), passo ora a publicar a seguinte definitiva graduação de créditos:

1º)- As custas saem precípuas;

2º)- Do remanescente, será dado pagamento aos créditos de IMI. na titularidade da Fazenda Nacional;

3º)-Do remanescente, será dado pagamento ao crédito garantido por direito de retenção (credor. Dr. BB);

4º)- Do remanescente, será dado pagamento aos restantes créditos garantidos por hipoteca (Banco BIC /Parvalorem, S.A);

5º)- Do remanescente, será dado pagamento aos créditos comuns;

6º)- Do remanescente, será dado pagamento aos créditos subordinados. Custas pelos impugnantes Banco BIC, S.A. e Parvalorem, S.A. (9/10) e 1/10 pelo impugnante Sr. Dr. AA. - art. 304º, do C.I.R.E. ».

Desta sentença apelaram a Credora Parvalorem, SA e o Insolvente, tendo a final sido dado parcial provimento ao recurso daquela e julgado improcedente o recurso deste, com a alteração da sentença nos seguintes termos:

«[G]raduam-se os créditos da seguinte forma, tendo em conta os artºs 442º e 755º al. b),artºs 686º e 687º do CC:

1.º Custas;

2.º Fazenda Nacional a título de IMI;

3º Crédito de BB, nos termos supra expostos, gozando do direito de retenção;

4.º Crédito da Parvalorem garantido por hipoteca pela Ap. 28 de 2007/05/09;

5.º Crédito do Banco Bic Português garantido por hipoteca pela Ap. 60 de 2007/05/14;

6.º Créditos comuns;

7.º Créditos subordinados.»

Inconformada veio a Credora Reclamante Parvalorem interpor recurso de Revista excepcional, o qual veio a ser admitido pelo Acórdão da Formação datado de 26 de Janeiro, por aí se ter entendido que a decisão em crise estaria em oposição com o Acórdão produzido por este STJ em 7 de Maio de 2009, cuja cópia certificada a Recorrente veio juntar após convite para o efeito.

Apresentou as seguintes conclusões:

- O recurso vem interposto do Douto Acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Credora Parvalorem, S.A., tendo, porém, entendido que o Credor BB tem direito à restituição do sinal em dobro no valor de € 114.400,00, que terá de ser descontado o valor pago de € 4.800,00, o qual é garantido por direito de retenção.

- O presente recurso de revista excecional é admissível dado que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o Douto Acórdão ora em crise entra em manifesta contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 7 de maio de 2009.

- No Acórdão fundamento entendeu-se que a entrega feita pelo contraente destinatário da promessa de venda não consistiu numa antecipação parcial ou princípio do pagamento do preço estipulado para o negócio prometido, mas antes num puro adiantamento desta prestação, atenta a expectável e futura compra, não se podendo atribuir àquela entrega a natureza de sinal.

- Por sua vez, o Acórdão ora em crise entende que a quantia de € 57.2000,00, apesar de corresponder à totalidade do preço, presume-se sinal e, como tal, o Credor BB tem direito ao sinal em dobro, o qual é garantido por direito de retenção ao abrigo da al. f) do artigo 755.º do CC.

- No recurso de apelação, a Credora Parvalorem, S.A. impugnou a matéria de facto dada como

provada, nomeadamente quanto às hipotecas voluntárias registadas a favor da Parvalorem, S.A: e do Banco Português de Negócios, S.A, tendo sido a mesma julgada totalmente procedente pelo Douto Tribunal a quo.

- Relativamente à matéria de direito referente ao reconhecimento do sinal em dobro ao Credor BB e respetiva garantia de direito de retenção, o Douto Tribunal a quo julgou improcedente o recurso de apelação deduzido pela ora Credora.

- O Tribunal a quo não podia reconhecer ao Credor BB um crédito no valor de € 127.712,23 correspondente ao sinal em dobro, nem tão pouco o poderia reconhecer como garantido pelo direito de retenção previsto no artigo 755.º, n.º 1, al. f) do CPC.

- O Insolvente AA e o Credor BB celebraram um contrato que denominaram de “contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal e completo pagamento”, mas estipularam, na respetiva cláusula 4.ª, que “o preço da venda ora prometida é de € 57.200,00 (cinquenta e sete mil e duzentos euros) que já foi pago pelo segundo ao primeiro outorgante, parte em numerário e parte por meio de cheques, preço que este recebeu e de que dá completa quitação”, pelo que as partes contraentes não atribuíram à quantia de € 57.200,00 a natureza de sinal.

- O montante pago pelo Credor BB não foi efetuado a título de sinal e princípio de pagamento, mas a título da totalidade do preço da compra e venda definitiva.

- O sinal é a coisa entregue por um dos contraentes ao outro como garantia do cumprimento revestindo, por isso, uma dupla natureza confirmatória e penal, sendo que, o regime legal constante do artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil, ou seja, a indemnização da restituição do sinal em dobro em virtude do não cumprimento imputável ao promitente-vendedor pressupõe necessariamente a existência do sinal.

- A entrega feita pelo Credor BB no valor de € 57.200,00 não corresponde a uma antecipação parcial ou princípio de pagamento do preço estipulado para o negócio prometido, mas antes ao puro adiantamento dessa prestação atenta a expectável e futura compra.

- Não pode aquela entrega no valor de € 57.200,00 presumir-se como sinal, até porque o sinal funciona como um fator de predeterminação do montante indemnizatório em caso de incumprimento do contrato promessa nos termos estabelecidos no artigo 442.º do Código Civil.

- No Acórdão fundamento, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 7 de maio de 2009, ficou a constar que “Tendo o A. antecipado o pagamento da totalidade do preço acordado, falece, em concreto, um pressuposto fundamental da aplicação do regime previsto no art. 442.º, n.º 2, que é precisamente a existência de sinal, seja ele confirmatório ou penitencial.”.

- Considerando que o Credor BB antecipou o pagamento da totalidade do preço

da venda e não lhe conferiu a natureza de sinal, conforme resulta da cláusula 4.ª do contrato promessa de compra e venda, não se lhe pode conferir um crédito correspondente ao sinal em dobro.

- Há sinal quando se convenciona havê-lo, ou quando se presume, e esta presunção reporta-se, nos termos do artº 441 do CC, a toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.

- No caso em apreço, a entrega feita pelo Credor BB não consistiu em antecipação parcial ou princípio do pagamento do preço estipulado para o negócio prometido, mas antes num puro adiantamento desta prestação, atenta a expectável e futura compra.

- Aquela quantia de € 57.200,00 não se pode presumir como sinal, dado que o sinal funciona como fator de predeterminação do montante indemnizatório, a satisfazer, naturalmente, pela parte incumpridora do contrato-promessa, nos moldes estabelecidos no artº 442º do CC.

- Num contrato promessa onde não haja sinal passado, os efeitos do não cumprimento são os do incumprimento dos contratos em geral, ou seja, conforme o disposto nos art.ºs 798º e 801º do Código, a indemnização a favor do credor e o direito de este proceder à resolução do contrato, com a exigência da restituição por inteiro da prestação eventualmente efetuada .

- A al. f) do n.º 1 do artigo 755.º do CC dispõe que goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º do Código Civil.

- A aplicação do regime do artigo 442.º do Código Civil, nomeadamente da indemnização do sinal em dobro, pressupõe necessariamente a prestação do sinal pelo promitente-comprador.

- O direito de retenção previsto na al. f) do n.º 1 do artigo 755.º do CC apenas garante o crédito resultante do incumprimento imputável do contrato promessa quando tenha sido prestado um sinal.

- Por um lado, porque a referida al. f) remete expressamente para o artigo 442.º do CC e os créditos referidos nessa norma são apenas o da restituição do sinal em dobro ou do aumento do valor da coisa e não o crédito geral indemnizatório como, por exemplo, o decorrente do artigo 798.º do CC. Por outro lado, não havendo sinal, a tradição da coisa é uma mera tolerância, pelo que não faz sentido penalizar o promitente-vendedor.

- Os efeitos do não cumprimento do referido contrato promessa são os do incumprimento dos contratos em geral que decorrentes dos artigos 798.º e 801.º do Código Civil e que determinam uma indemnização do credor com a exigência da restituição por inteiro da prestação efetuada.

- O Credor BB somente terá direito à restituição do preço por si pago, sendo que, ainda assim, não será na quantia de € 57.200,00 conforme resulta do Acórdão recorrido, tendo de ser deduzida a quantia de € 4.800,00.

- O Credor BB é apenas credor da quantia de € 52.400,00, acrescido dos juros, não sendo este crédito garantido pelo direito de retenção previsto na al. f) do n.º 1 do artigo 755.º do CC.

- O Acórdão deverá ser revogado na parte em que atribui ao Credor BB um crédito correspondente ao sinal em dobro, garantido por direito de retenção ao abrigo da al. f) do artigo 755.º do CC.

Foram apresentadas contra alegações, nas quais se concluiu pela improcedência do recurso, além do mais por não se verificar a apontada contradição jurisprudencial.

II A questão solvenda no âmbito desta Revista é a de saber se a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, correspondente à totalidade do preço acordado tem carácter de sinal.

 

As instâncias declararam como assente a seguinte factualidade:

- Os créditos constantes da listagem junta a fls 2 e segts pelo AI, que aqui se dá por reproduzida e totalmente integrada, nomeadamente no que concerne aos sedimentados créditos não objecto de impugnação por relação ao então estatuído no art. 136º nº6/nº7 do CIRE.

- O ora insolvente, Sr. Dr. AA, foi legítimo dono e proprietário dos seguintes prédios:

-" Casa de r/c, 1° andar e sótão com 326m2, quintal com 2.923m2 e terreno lavradio junto, com 178.080m2, com a área total de 181.329m2, sito no Lugar……, denominado " Quinta ………", freguesia ……, concelho ……, a confrontar de norte com Quinta de ……, sul com Quinta…….., nascente com Rio …… e poente com Quinta…….. e outro, descrito na …. Conservatória do Registo Predial……. sob o n° 2817/……. e inscrito nas respectivas matrizes sob os nºs …30 - Urbano e …, …, …. e …. Rústicos.

- Por documento escrito, datado de 28.04.2010, assinado por Réu e Autor, respectivamente como primeiro e segundo outorgantes - cuja cópia constituiu o documento nº 1 com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido - o Réu declarou prometer vender ao Autor, que declarou prometer comprar, o imóvel acima referido em 1., pelo preço de € 57.200.00, nas condições constantes das cláusulas seguintes.

- Ficou consignado na clª 3ª do dito contrato que sobre os prédios urbanos e rústicos prometidos vender estão registadas duas hipotecas a favor do BPN - Banco Português de Negócios, S.A:

Ap. 28 de 2007/05/09 - Hipoteca voluntária a favor do BPN - Banco Português de Negócios, SA, Avenida de ………, ………, capital € 200.000,00; (hoje, BIC, SA/PARVALOREM, S.A).

Ap. 60 de 2007/05/14 - Hipoteca voluntária a favor do BPN - Banco Português de Negócios, SA, Avenida ……, ………, capital € 200.000,00, não existindo quaisquer outros ónus ou encargos sobre os referidos prédios. (hoje, BIC, SA/PARVALOREM, S.A).

- E na cláusula 4ª ficou vertido "Tendo em atenção que os ditos prédios foram prometidos vender com os ónus atrás descritos o preço da venda prometida foi de € 57.200,00 (cinquenta e sete mil e duzentos euros), que já foi pago pelo segundo ao primeiro, parte em numerário e parte por meio de cheques, preço este que recebeu e de que dá completa quitação".

- No acto da celebração do contrato promessa de compra e venda o Autor pagou ao Réu a título de sinal e completo pagamento do preço, a quantia de 57.200,00 (cinquenta e sete mil e duzentos euros).

- Nos termos da cláusula 5ª, o R. comprometeu-se a cumprir todas as obrigações assumidas perante o credor hipotecário BPN - Banco Português de Negócios, SA, até à data da celebração da escritura pública do contrato prometido, designadamente pagando as prestações referentes aos mútuos efectuados, sendo tal responsabilidade transmitida para o Autor somente quando e no caso de vir a ser concretizada a prometida venda dos prédios aqui em causa.

- No interesse e a pedido do insolvente, convencionaram os aí outorgantes, na cláusula 6ª do mesmo contrato, que este, se pretendesse resolver o contrato, poderia fazê-lo desde que restituísse ao Autor o preço ora recebido no prazo de 13 meses a contar de 28/04/2010, ou seja, até ao dia 28 de Maio de 2011 tem 13 prestações mensais e sucessivas, 12 prestações no valor de € 600,00 (seiscentos euros) cada uma. e uma, a última, no valor de € 50.000,00, vencendo-se a primeira no dia 28 de Maio de 2010 e as restantes no mesmo dia dos meses sucessivos.

- Tendo ainda ficado convencionado que, no caso de o ora insolvente não cumprir as prestações convencionadas na citada cláusula 6ª, se obrigava a celebrar a escritura de compra e venda dos imóveis prometidos vender em favor do impugnado Dr. BB, no prazo de trinta dias a contar do incumprimento de qualquer das prestações referidas na dita cláusula, conforme cláusula 8ª do dito contrato.

- O Dr. AA na data da celebração do contrato referido, entregou ao A. o prédio urbano e os prédios rústicos prometidos vender identificados no nº 1 supra, e as respectivas chaves, para que este os fruísse e administrasse como bem entendesse e como se de seu legitimo proprietário se tratasse.

- E desde esse tempo o Dr. BB exerce sobre os prédios em causa todos os direitos inerentes e pratica todos os actos usuais do seu proprietário, detendo as chaves e administrando-os como bem entende, mormente tendo procedido a limpezas das silvas e das bouças, mais tendo contratado projecto de arquitectura tendente à renovação da casa sita no espaço em causa dado aí pretender instalar a sua habitação por relação à localização da mesma (próxima do Rio …) e sita em local aprazível e calmo.

- Acontece que o Réu restituiu ao Autor somente as primeiras 8 das prestações acordadas na cláusula 6ª, no valor total de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros) que se venceram em 28 de Maio de 2010, 28 de Junho de 2010, 28 de Julho de 2010, 28 de Agosto de 2010, 28 de, Setembro de 2010, 28 de Outubro de 2010, 28 de Novembro de 2010 e Dezembro de 2010, não pagando quaisquer outras.

- O insolvente deixou de pagar ao credor hipotecário B.P.N- Banco Português de Negócios, S.A., quaisquer das prestações referentes aos mútuos identificados no nº 3 supra.

- O insolvente em causa nunca teve possibilidades de pagar ao referido credor hipotecário as prestações vencidas e os encargos gerados pela mora em que se constituiu.

O Acórdão recorrido alinhou a sua fundamentação na seguinte ordem de razões:

«[A] factualidade apurada consubstancia um contrato promessa de compra e venda.

Não existam nos autos factos que nos afastem da relação contratual prevista no artigo 410º, nº 1 do CC. Estamos perante um acordo de vontades, celebrado entre o credor BB, na qualidade de promitente comprador e o insolvente, na qualidade de promitente vendedor, mediante a emissão de declarações de vontade recíprocas, visando a produção de determinados efeitos.

É verdade que as partes estabeleceram outras cláusulas neste contrato ao abrigo do princípio da liberdade contratual firmado no artº 405º do CC, e, que não desvirtuam o enquadramento jurídico da promessa. Tão pouco a factualidade provada se mostra suficientemente adequada a integrar a simulação do contrato previsto no artigo 240º do CC. Só podemos decidir com base sustentável de facto e não em pressuposições.

A questão que a apelante Parvalorem coloca consiste em saber se a totalidade do preço paga na altura da celebração deste contrato reveste natureza de sinal e se funciona o mecanismo do direito de retenção previsto no artigo 442º e 755º do CC.

E as duas respostas são afirmativas.

Para justificar faço nossas minhas – com o devido respeito- as palavras do acórdão do STJ de 21.3.2012, in www.dgsi.pt- “Embora não seja muito habitual que, a título de sinal, seja paga a totalidade do preço, o certo é que a letra da lei é taxativa, quando, no artigo 441.º do CC, faz presumir como sinal toda a quantia entregue pelo promitente – comprador ao promitente – vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço, pelo que, não estabelecendo a lei qualquer limite, não importa, por isso, que o sinal seja inferior, igual ou superior à prestação”- cfr. artºs 440º, 441º, nº1 e 442º do CC.

Sendo considerado sinal e verificando-se os restantes pressupostos assiste ao credor BB o direito de retenção previsto no artigo 755, nº 1, f) do CC improcedendo as alegações de recurso.

O Credor BB terá direito à restituição do sinal em dobro-€ 114.400,00- que terá de ser descontado o valor pago de € 4.800,00, pelo que o seu crédito totaliza €109 600,00.».

A Recorrente insurge-se contra a decisão plasmada no Aresto em crise, uma vez que na sua tese, entra em manifesta contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 7 de Maio de 2009, porquanto aqui se entendeu que a entrega feita pelo contraente destinatário da promessa de venda não consistiu numa antecipação parcial ou princípio do pagamento do preço estipulado para o negócio prometido, mas antes num puro adiantamento desta prestação, atenta a expectável e futura compra, não se podendo atribuir àquela entrega a natureza de sinal, ao passo que naquele se entendeu e decidiu que a quantia de € 57.2000,00, apesar de corresponder à totalidade do preço, presume-se sinal e, como tal, o Credor BB tem direito ao dobro do que foi prestado, o qual é garantido por direito de retenção ao abrigo da alínea f) do artigo 755.º do CCivil.

Dúvidas não se nos oferecem quanto à existência entre o Credor BB, aqui Recorrido e o Insolvente, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda de um imóvel cujo objecto, como resulta da materialidade assente, é uma casa de r/c, 1° andar e sótão com 326m2, quintal com 2.923m2 e terreno lavradio junto, com 178.080m2, com a área total de 181.329m2, sito no Lugar…….., denominado "Quinta…….", freguesia…….., concelho de …….., a confrontar de norte com Quinta…….., sul com Quinta…….., nascente com Rio ……. e poente com Quinta……. e outro, descrito na …. Conservatória do Registo Predial…. sob o n° 2817/…… e inscrito nas respectivas matrizes sob os nºs …30 - Urbano e …,  …, …. e …. Rústicos.

Nesse acordo, consta na cláusula 4ª «Tendo em atenção que os ditos prédios foram prometidos vender com os ónus atrás descritos o preço da venda prometida foi de € 57.200,00 (cinquenta e sete mil e duzentos euros), que já foi pago pelo segundo ao primeiro, parte em numerário e parte por meio de cheques, preço este que recebeu e de que dá completa quitação», sendo que, como igualmente se apurou «No acto da celebração do contrato promessa de compra e venda o Autor pagou ao Réu a título de sinal e completo pagamento do preço, a quantia de 57.200,00 (cinquenta e sete mil e duzentos euros).».

Estamos assim face um contrato promessa bilateral, tal como o mesmo nos é definido pelo artigo 410º, nº 1 do CCivil, cuja ocorrência não é sequer posta em causa pelas partes.

O dissídio que se coloca é o de saber qual a qualificação jurídica da quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor – no montante de 57.200,00 Euros – quantia esta correspondente ao preço fixado para a transmissão prometida do imóvel.

A este propósito estipula o artigo 441º do CCivil que «No contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.».

A formulação legal não parece deixar margem para quaisquer dúvidas, quando abarca na sua previsão que também tem carácter de sinal a entrega pelo promitente comprador ao promitente vendedor, da quantia correspondente à totalidade do preço acordado.

Aliás, sendo esta asserção retirada pela utilização de uma presunção «juris tantum» sempre impenderia sobre as partes contra quem a mesma foi esgrimida, fazerem carrear para os autos todos e quaisquer elementos conducentes ao seu afastamento, o que, face à materialidade assente nas instâncias, não aconteceu.

Assim sendo, o que nos resta para resolver é a problemática levantada pela Recorrente, da oposição jurisprudencial aceite e que deu origem ao conhecimento da Revista.

Lê-se no Acórdão da Formação:

«Trata-se, pois, de aferir a oposição de julgados com que a requerente justifica a admissibilidade excepcional da revista, entre o acórdão recorrido e o proferido por este Tribunal em 7/5/2009.

E, para a admissibilidade do recurso, não colhe a objecção aduzida pelo recorrido. Com efeito, o AUJ invocado tem o seguinte segmento uniformizador:

«No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil».

Daí imediatamente se retira que o AUJ não fixou jurisprudência ou interpretação normativa susceptível de abarcar a questão resolvida pelo acórdão recorrido, não podendo, pois, preencher a ressalva da conformidade entre um e outro, obstativa da admissibilidade da revista fundada em contradição jurisprudencial.

A esta Formação cabe, sem se imiscuir no mérito da decisão recorrida ou do recurso, decidir tão só se, em face dos argumentos expostos pela recorrente e dos que, de qualquer modo, emirjam dos autos, se detecta razão séria para ocorrer uma última intervenção do Supremo Tribunal, apesar da dupla conformidade das decisões das instâncias. Assim sendo, vejamos.

Numa apreciação sumária, como a que nos é exigida, verificamos que obteve das instâncias nestes autos uma resposta positiva a questão de saber se tem a natureza de sinal o preço total acordado para o contrato prometido e que tenha sido entregue pelo promitente comprador, enquanto no acórdão-fundamento a solução obtida foi diametralmente oposta.

Com efeito, colocando em confronto o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, parece-nos que essa contradição existe relativamente à solução jurídica encontrada para a mesma questão de direito fundamental, para situações que também comungam de identidade, pelo que, uma vez anotada tal antinomia, está em causa a uniformidade e certeza na aplicação do direito, o que também se visa evitar com o invocado fundamento.».

Secundamos a fundamentação aí aduzida, no que diz respeito à não aplicação in casu do AUJ 4/2019, para afastar ab initio a pretensão arvorada pela Recorrrente.

Contudo, não podemos deixar de ficar impressionados com a argumentação expendida pelo Acórdão fundamento, quanto ao particular da desconsideração da quantia entregue como sinal, correspondendo a mesma, no caso, à totalidade do preço da coisa que foi prometida vender, porquanto como aí se pode ler:

«[O] recorrente sustenta que o contrato promessa ajuizado foi bilateral e que a entrega antecipada da totalidade do preço que se verificou corresponde à constituição de um sinal, nos termos do artº 441º do CC, sendo aplicável, por isso, a norma do artigo seguinte, que sanciona com a obrigação de restituição do sinal em dobro o promitente vendedor que faltou ao cumprimento.

Mas não tem razão, salvo o devido respeito.

O contrato celebrado é uma promessa unilateral, como claramente se expressa na sua cláusula 2ª, assim redigida (doc. de fls 16): “Pelo presente contrato o primeiro outorgante (o falecido BB , autor da herança Ré) promete vender ao segundo, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, o aludido prédio pelo preço de € 25.000 (vinte e cinco ml euros), que já recebeu, e de que ora dá quitação”. Promessa unilateral, isto é, contrato promessa que vincula apenas uma das partes à realização do contrato prometido. Tal facto, é certo, não seria impedimento à exigência, por parte do autor, da restituição do sinal dobrado, uma vez que não foi ele, mas o promitente vendedor, quem se vinculou em tais termos. Só que falta, em concreto, um pressuposto fundamental da aplicação do regime legal previsto no artº 442º, nº 2, que é, precisamente, a existência de um sinal, seja ele confirmatório ou penitencial. Como bem se observa no acórdão recorrido, “...não foi constituído qualquer sinal pelo A., que nem sequer se obrigou a comprar o imóvel, atenta a unilateralidade do contrato. O A. apenas antecipou na totalidade o preço acordado para o negócio. Há sinal quando se convenciona havê-lo, ou quando se presume, e esta presunção reporta-se, nos termos do artº 441 do CC, a toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço. Acontece que, não só não existiu promessa de compra - e, portanto, promitente-comprador - como a entrega feita pelo contraente destinatário da promessa de venda não consistiu em antecipação parcial ou princípio do pagamento do preço estipulado para o negócio prometido, mas antes num puro adiantamento desta prestação, atenta a expectável e futura compra. Pelo que, ao menos por isso, não pode aquela entrega presumir-se sinal (10). Sendo do conhecimento comum que o sinal funciona como factor de pré-determinação do montante indemnizatório, a satisfazer, naturalmente, pela parte incumpridora do contrato-promessa, nos moldes estabelecidos no artº 442º do CC, sempre pode dar-se o caso de se ter celebrado o contrato e não haver sinal passado. Então, desde que num contrato-promessa não haja sinal passado, os efeitos do não cumprimento são os do incumprimento dos contratos em geral, ou seja, conforme o disposto nos art.ºs 798º e 801º do Código, a indemnização a favor do credor e o direito de este proceder à resolução do contrato, com a exigência da restituição por inteiro da prestação eventualmente efectuada (11). Patenteando-se que a sentença concedeu ao apelante o direito a recuperar da Ré a totalidade do preço entregue ao promitente-vendedor, reintegrando-o no respectivo património, bem como o valor dos juros corridos sobre tal quantia, à taxa legal, desde a citação (a que equivale a “notificação da R. para contestar”) - preço cujo inútil desembolso representou, para ele, apelante, na prática, o único efectivo e inegável prejuízo invocado - não se antolha, pois, nenhum outro fundamento para alterar a condenação da Ré, na direcção proposta nas conclusões recursivas”.

Não tendo havido, portanto, sinal passado, não há lugar à aplicação do artº 442º, nº 2, do CC.».

Este trecho do Acórdão fundamento é por demais importante para a decisão aqui a produzir: não foi a circunstância de se estar ali perante um contrato promessa unilateral que obstou à aplicação do preceituado no artigo 442º, nº 2 do CCivil, isto é, à penalização do promitente faltoso no dobro do que tenha sido adiantado mesmo que correspondente à totalidade do preço acordado, mas antes por não ter havido um sinal passado, fundamento este essencial para que tenha havido apenas o estorno da quantia em singelo que havia sido adiantada por aquele que iria comprar, ao promitente vendedor, único promitente na situação analisada pelo Acórdão fundamento, situação esta que só aparentemente se sobrepõe à questão em tela.

Ao contrário do que a Recorrente pretende defender, não se vislumbra, neste negócio jurídico bilateral, consubstanciado em duas declarações de vontades convergentes, tendo por objecto único a aquisição pelo Recorrido de um imóvel pertencente ao Insolvente, que quando ambas as partes fizeram consignar na cláusula 4ª «Tendo em atenção que os ditos prédios foram prometidos vender com os ónus atrás descritos o preço da venda prometida foi de € 57.200,00 (cinquenta e sete mil e duzentos euros), que já foi pago pelo segundo ao primeiro, parte em numerário e parte por meio de cheques, preço este que recebeu e de que dá completa quitação» e que «No acto da celebração do contrato promessa de compra e venda o Autor pagou ao Réu a título de sinal e completo pagamento do preço, a quantia de 57.200,00 (cinquenta e sete mil e duzentos euros).», essa quantia entregue, que as partes classificaram como sinal, afinal não tinha constituído qualquer sinal, nem aquelas lhe quiseram atribuir essa significância.

Decorre do disposto no artigo 236º, nº 1 do CCivil que «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.».

A interpretação nos negócios jurídicos surge-nos, assim, como uma actividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo do seu conteúdo, determinando o conteúdo das declarações que o suportam e, consequentemente os efeitos que visam produzir, cfr Mota Pinto, Teoria Geral Do Direito Civil, 3ª edição, 444/445; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral Do Direito Civil, 6ª edição, 546/547.

Tendo como boa a doutrina da impressão do destinatário, posição esta adoptada pela doutrina e pela jurisprudência como a mais razoável e mais justa na interpretação negocial, somos levados a concluir que a aludida factualidade extratada supra, resultante do acordo havido entre as partes nos conduz, a priori, para a existência de um contrato promessa de compra e venda em que o Insolvente prometeu vender ao Recorrido, Credor BB, que por sua vez prometeu comprar-lhe, por documento escrito, datado de ……. de 2010, uma Casa de r/c, 1° andar e sótão com 326m2, quintal com 2.923m2 e terreno lavradio junto, com 178.080m2, com a área total de 181.329m2, sito no Lugar ………, denominado " Quinta ……", freguesia ……, concelho……, a confrontar de norte com Quinta……, sul com Quinta……, nascente com Rio ……. e poente com Quinta das …… e outro, descrito na …… Conservatória do Registo Predial……. sob o n° 2817/……. e inscrito nas respectivas matrizes sob os nºs …30 - Urbano e …, …, …. e …. Rústicos, onde se deixou consignado que a quantia entregue, no valor de 57.200,00 (cinquenta e sete mil e duzentos euros) correspondia ao sinal e, concomitantemente, à totalidade do preço estipulado para a transmissão.

A quantia entregue tem de ser qualificada como sinal, de harmonia com o disposto no artigo 441º do CCivil e o incumprimento contratual imputável ao promitente vendedor, implica a sua devolução em dobro, nos termos prevenidos pelo nº2 do artigo 442º daquele mesmo diploma, cfr Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 10ª edição, 89/91.

Daqui resulta que não possa proceder a argumentação da Recorrente quando pretende afastar a aplicação do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 755º do CCivil quando aí se dispõe que goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º do CCivil, pois a aplicação do regime previsto neste segmento normativo, nomeadamente quanto à previsão da indemnização do sinal em dobro, pressupõe necessariamente a prestação do sinal pelo promitente-comprador e aquele direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do CC apenas garante o crédito resultante do incumprimento imputável do contrato promessa quando tenha sido prestado um sinal, sendo que, no caso dos autos, como vimos, tal sinal foi prestado correspondendo o seu montante à totalidade da quantia estipulada a titulo de preço da venda do imóvel objecto da promessa.

As conclusões falecem in totum.

II Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão impugnado.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de Abril de 2021

Ana Paula Boularot (Relatora)

(Tem o voto de conformidade dos Exºs Adjuntos Conselheiros Fernando Pinto de Almeida e José Rainho, nos termos do artigo 15º-A aditado ao DL 10-A/2020, de 13 de Março, pelo DL 20/2020, de 1de Maio)

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).