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TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
ECONOMIA COMUM
PARENTESCO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
NRAU
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário
i) o princípio da igualdade postula o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, pelo que o art.º 1106º/1/c) ao permitir a transmissão do arrendamento a qualquer pessoa que com o falecido vivesse em economia comum há mais de um ano, independentemente dos laços sanguíneos, tem uma previsão distinta da consagrada no art.º 57.º, al. e) do NRAU, que privilegia as relações filiais, daí que não seja inconstitucional. ii) relativamente ao regime da transmissão da posição contratual do arrendamento habitacional por morte deste, o NRAU consagrou a solução aplicável aos arrendamentos celebrados após a sua entrada em vigor – a do art.º 1106.º do CC – e outra aplicável aos arrendamentos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor - constante do art.º 57.º do NRAU, sendo que, esta distinção não afronta qualquer princípio constitucional iii) só há lugar ao pagamento de indemnização por benfeitorias se estiverem em causa benfeitorias necessárias ou benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
P…instaurou ação declarativa, com processo comum, contra A…, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Central Cível de Setúbal – Juiz 3) alegando, em síntese, que é proprietário da fração “F” correspondente ao segundo andar direito para habitação do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua de …, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém com o nº …, a qual o réu ocupa sem qualquer título que o justifique, a partir da morte de sua mãe, por ter ocorrido a caducidade do arrendamento anteriormente celebrado com o, também falecido, pai do réu.
Concluindo peticiona:
a) Se reconheça a propriedade do A. sobre a fração “F” correspondente ao segundo andar direito para habitação do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua de …, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém com o nº …;
b) Se restitua aquela fração autónoma ao A. livre de pessoas e bens;
c) Se condene o R. em sanção pecuniária compulsória, em montante nunca inferior a € 50,00 por cada dia de atraso na entrega da fração, após a prolação da sentença condenatória. Citado, o réu veio contestar impugnando parcialmente os factos, invocando não ter tido conhecimento da carta enviada pelo autor a comunicar a caducidade do arrendamento por motivo do óbito da sua mãe e que havia acordado com ele a manutenção do arrendamento até se mostrar integralmente paga uma dívida dele, em relação à qual corre processo de execução, estando a assegurar os montantes ali devidos, em substituição do pagamento das rendas, pelo que ao intentar a presente ação o autor agiu em abuso de direito.
Deduziu pedido reconvencional a título subsidiário, o qual veio a ser admitido, pedindo que, caso a ação proceda, o A. seja condenado a ressarci-lo por benfeitorias que fez no imóvel, no montante de 1.450,00 €; por agir em abuso de direito, pede que o A. seja condenado a pagar a indemnização de 7.000,00 € a título de danos que sofrerá caso venha a ser despejado, pela necessidade de obter um novo local para arrendar, correspondentes à diferença entre a renda que paga ao A. atualmente e a renda que terá de pagar por um novo arrendamento.
Na réplica o autor pugnou pela improcedência do pedido reconvencional e pela procedência da ação nos termos formulados.
Corrida a tramitação legal e realizada audiência final veio a ser proferida sentença em cujo dispositivo consta: “Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos o tribunal julga: 1. Parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido do A e em consequência decide-se:
a) – Reconhecer a propriedade do A. sobre a fração “F” correspondente ao segundo andar direito para habitação do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua de …, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém com o nº …;
b) – Determinar que o R. restitua aquela fração autónoma ao A. livre de pessoas e bens;
c) Absolver o R. do demais peticionado. 2. Totalmente improcedente por não provado, o pedido reconvencional do R. e em consequência decide-se:
a) Absolver o A. do mesmo. 3. Improcedente por não provada a atuação de má-fé do réu, que vai assim absolvido da correspetiva indemnização.
Custas pelo A. e R., na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que o R. beneficia.”
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Inconformado com a sentença, veio o réu interpor o presente recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem: “ I. O Tribunal a quo proferiu a Sentença ora sob recurso, que resultou na procedência parcial da presente ação – reconhecimento da propriedade do autor, ora Recorrido sobre o imóvel em questão e restituição do mesmo pelo Réu ora recorrente – e na improcedência total do pedido reconvencional.
II. A douta sentença é nula, por manifesta contradição entre a matéria de facto assente (pontos 9 a 13) e a matéria de facto não provada (factos C e H), o mesmo se passando com os pontos 14 da matéria assente e os factos J e K “não provados”,
III. Decorrendo tal nulidade do art. 615.º/1-c) do CPC, nulidade essa que desde já se invoca, para todos os efeitos legais.
IV. Face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nunca poderia o Tribunal a quo ter proferido a decisão recorrida nos termos descritos, pelo que incorreu em claro erro de julgamento.
V. Assim toda a factualidade que foi dada como não provada e constante do ponto II “Fundamentação de facto”, deveria ter sido dada como provada, à exceção do ponto A).
VI. Dada a matéria que deveria ter sido dada como assente, nenhuma outra decisão deveria ter sido tomada senão a improcedência da ação.
VII. O Recorrido tinha perfeito conhecimento que o Recorrente sempre habitou no imóvel em crise, titulado por um contrato de arrendamento outorgado pelos seus pais, e que essa locado consistia na casa de morada de família, dos seus pais (aquando vivos) e, atualmente, do Recorrente.
VIII. É também líquido que mesmo após a morte da sua mãe, o Recorrente deu cumprimento aos pagamentos das rendas dos locados diretamente à Sra. Agente de Execução, tendo o cômputo dos mesmos determinado a extinção daquele processo por pagamento, tudo com a anuência do Recorrido.
IX. Até porque até ser extinta a execução e consequente levantamento da penhora, não poderia o imóvel ser onerado fosse de que maneira fosse, pelo que era conveniente ao aqui Recorrido manter o arrendamento no seu interesse até este momento.
X. Pelo que se mantém nos precisos termos em que foi celebrado o contrato de arrendamento do imóvel em crise.
Assim não se entendendo
XI. Em sede de articulados invocou o Recorrido que o art. 57.º do Novo RAU disciplina a situação em apreço, impedindo o aqui Recorrente de se manter como arrendatário do locado, ao passo que o Recorrente sustentou, em Fevereiro de 2015, que tinha direito ao locado, por beneficiar de uma transmissão permitida pelo art. 1106.º/1-c CC.
XII. Pelo cotejamento dos referidos preceitos legais, o art. 57.º do NRAU exclui o Recorrente do direito à transmissão, ao passo que o art. 1106.º/1- c) do CC permite ao Recorrente beneficiar de tal transmissão.
XIII. Ora: estamos perante duas normas que tratam materialmente de uma situação idêntica, discriminando-a, só pela circunstância de os contratos em questão terem sido celebrados antes da entrada em vigor do RAU/1990 (como é o caso do art. 57.º, devido à sua inserção sistemática no diploma: Capítulo II da Lei n.º 6/2006).
XIV. Trata-se (o art. 57.º do Novo RAU) de uma norma que afronta o princípio da igualdade, com assento constitucional, devendo a sua aplicação, ao caso concreto, ser rejeitada pelo Tribunal: porque não há fundamento para discriminar os filhos que vivam em economia comum, no que tange à questão da transmissão do arrendamento para habitação (da casa de morada comum), consoante o contrato seja anterior ou posterior a 1990.
XV. A norma em questão (com vigência a partir de 2006, inserida que se encontra na Lei n.º 6/2006) é inconstitucional por violar o princípio da igualdade (art. 13.º da Constituição), pelo que o Tribunal deverá repudiar a aplicação da mesma ao caso sub judice, nos termos do art. 204.º da Constituição e, em sua substituição, aplicar o art. 85.º/1-b) do DL 321-B/90 de 15 de Outubro, norma que permite tratamento igualitário do Recorrente face ao regime estabelecido pelo art. 1106.º/1-c) do Código Civil.
XVI. O preceito em causa (art. 57.º do Novo RAU), da forma como é interpretado, ao reduzir as possibilidades da estabilidade do núcleo familiar na casa de morada de família (concretamente, no caso, ao filho), viola igualmente o direito à habitação, consagrado no art. 65.º da Constituição da República.
XVII. No que concerne ao pedido reconvencional, afirma o Tribunal a quo, que não se logrou provar que o aqui Recorrente não habitava com a sua mãe, e que para a indemnização pelas benfeitorias só podia ser reclamada pelos herdeiros legais.
XVIII. Ora tanto resultou provado que o Recorrente é filho dos primitivos arrendatários, bem como é seu legítimo herdeiro, podendo reclamar os valores que peticionou.”
Apreciando e decidindo
O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).
Assim, do que nos é dado percecionar das conclusões apresentadas pelo recorrente as questões nucleares em apreciação são as seguintes: 1ª - Da nulidade da sentença 2ª - Do erro de julgamento no que respeita à matéria de facto; 3ª - Da manutenção do contrato de arrendamento; 4ª - Da inconstitucionalidade o artº 57º do NRAU; 5ª - Do direito a benfeitorias.
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No tribunal recorrido foram dados como provados os seguintes factos: 1. Na CRP de Santiago do Cacém, freguesia de Santiago do Cacém, encontra-se descrito sob o nº … correspondente ao segundo andar direito para habitação do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, sito no largo do …, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra sob o artigo …, cuja titularidade está inscrita a favor do autor, pelas ap. 5, de 13.11.2020 e 01, de 14.01.2003. 2. Em 02.05.1969, J…, na qualidade de proprietário, deu de arrendamento o imóvel acima identificado, a C…, pelo prazo de 1 mês, presumindo-se renovado por igual período e assim sucessivamente. 3. O R. A…, é filho de C… e de G…. 4. C…, casou civilmente com G… em 05.01.1954 e faleceu em 20.12.2007. 5. G… faleceu em 20.01.2015, no estado de viúva de C…. 6. Em 26.02.2015 o R, enviou ao A. carta registada com AR, cuja cópia está junta a fls. 19, onde além do mais refere: “1. No dia 20 de Janeiro de 2015, a minha mãe faleceu, conforme consta da certidão do assento de óbito que junto em anexo à presente carta. 2. A minha mãe era arrendatária do apartamento de V. Exa. sito na Rua de … -em Santiago do Cacém (…) mediante contrato de arrendamento urbano para habitação celebrado em 2 de Maio de 1969 com o anterior proprietário do locado, Sr. J…, e pela qual a mesma pagava a renda atual de 145;08 € (cento e quarenta e cinco euros e oito cêntimos), como é do seu conhecimento; 3. Na minha qualidade de filho, vivia na referida morada com a minha mãe, e em economia comum (no sentido de comunhão de mesa e habitação e vivência comum de entreajuda e partilha de recursos). 4. Consequentemente, e nos termos do art. 1106º,nº 1 al. B) e nº2 do Código Civil, o dito contrato de arrendamento não caducou, tendo-me sida estabelecida a posição de arrendatário do mesmo, pelo que realizo a V. Exa. a comunicação a que se refere o artº 1107º do Código Civil, remetendo, em anexo a esta missiva, a certidão do assento de óbito de minha Mãe e a cópia do meu cartão de cidadão, requerendo a V. Exa. se digne, a partir do próximo dia 01/03/2015, a emitir os recibos de renda em meu nome – A….”. 7. Em 08.07.2015, o A. enviou ao R. uma carta registada com AR, cuja cópia está a fls. 20, onde, além do mais, se refere: “… Uma vez que o contrato que tinha com a sua mãe é anterior a 1990 e não obedecia as regras do NRAU e de acordo com a redação da lei 31/2012, artigo 57, V.Exª Não tem direito a transmissão por morte do contrato de arrendamento, tendo o contrato caducado a restituição do imóvel pode ser exigida passados 6 meses sobre a morte da arrendatária. Assim, venho por este meio informá-lo que não tenho intenção de celebrar novo contrato de arrendamento e que deve desocupar a habitação até ao final deste mês, sob pena de proceder à ação de despejo para esse efeito e respetivo pedido de indemnização por despesas e perdas…”. 8. O réu nasceu no dia 02 de Abril de 1966. 9. Correm termos no Juízo de execução do Porto, Juiz 7, uns autos de execução com o nº 7919/10.9TBMTS, em que era exequente M…, SA e executado P…, para pagamento da quantia exequenda de 5.658,59 euros. 10. Naquele âmbito, em 23.08.2011, foi penhorado o imóvel objeto de reivindicação nestes autos. 11. A execução foi extinta por pagamento, em 16.03.207 quanto ao exequente acima referido. 12. Foi requerido o prosseguimento da execução pelo credor reclamante Novo Banco SA, nos termos do disposto no artº 850º, nº 2, do CPC, para pagamento da quantia de: € 56.507,00, apurada em 10.01.2020. 12-a) – No âmbito desse processo, fora, notificados os “Inquilinos de P…”, que as respetivas rendas tinham ficado penhoradas, devendo passar a depositar o valor penhorado na conta do solicitador de execução. 13. A Mãe do R liquidava a renda à referida M…, por determinação desta e o réu continuou a fazê-lo até 05.01.2017, pelo montante de: € 145,08. 14. A Mãe do R realizou uma obras não concretamente apuradas, na cozinha, na sala e nas persianas, com o que despendeu cerca de 1.500,00 euros. 15. O arrendamento pelo R., de qualquer outra casa em Santiago do Cacém, terá um custo provável de € 350,00/mês.
Foram considerados não provados os seguintes factos:
A) O réu não padece de qualquer deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
B) O réu vivia em economia comum com a sua mãe.
C) Em data não concretamente determinada, mas pouco tempo após a missiva documentada sob o art. 4.º da PI, o A dirigiu-se ao R e entabularam uma conversa, tendo em vista discutir o teor da missiva do R ao A.
D) Na sequência de tal diálogo, o A aceitou que o R permanecesse como arrendatário do imóvel locado, em termos e condições semelhantes às que, até então, vigoravam no arrendamento.
E) Tal veio na sequência de o R ter sido interpelado para proceder ao pagamento da renda a uma agente de execução, de seu nome M…, num processo em que o A é executado.
F) O que sucedia porque não convinha ao A proceder a um novo arrendamento, e por recear que o imóvel, devoluto, pudesse vir a ser vendido no âmbito do processo de execução acima referido.
G) O A sabia que, caso o R saísse do imóvel, não conseguiria arrendá-lo novamente, em virtude da penhora.
H) A e R acordaram que o R ficaria no imóvel locado até fins de 2018 / inícios de 2019.
I) O R não conhecia a carta a que se alude em 7, não a tendo recebido.
I-1) O R desconhece quem é a pessoa que assinou o aviso de receção da acima referida carta.
J) Que as obras referidas em 14, sejam concretamente as que adiante se elencam e tenham custado, precisamente, as seguintes importâncias: persianas novas (no valor de 150,00 €); restauro de um reboco da parede da cozinha (no valor de 350,00 €); novos vidros em algumas janelas (no valor de 100,00 €); instalação de canalização (no valor de 600,00 €); colocação de um chão novo (no valor de 250,00 €).
K) Que as obras referidas em 14, tenham sido realizadas pelo R. conjuntamente com a sua mãe.
L) O R é motorista, aufere o ordenado mínimo e não tem condições imediatas para pagar uma renda de 350,00 €.
Conhecendo da 1ª questão O recorrente vem arguir a nulidade da sentença tendo por referência o disposto no artº 615º, n.º 1 al. c) do CPC (a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposioção com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível) por, no seu entendimento, “existir manifesta contradição entre a matéria de facto assente (pontos 9 a 13 e a matéria de facto não provada (factos C e H), o mesmo se passando com o ponto 14 da matéria de facto assente e os factos J e K não provados”.
Diremos que o invocado pelo recorrente não integra uma situação de oposição entre os fundamentos e a decisão, nem indicia ou carateriza uma situação de ambiguidade ou obscuridade, denotando antes uma insatisfação relativa ao julgado de facto no que respeita a determinada matéria que foi dada como provada e não provada. Acresce que, a contradição entre matéria de facto só se pode considerar efetiva e relevante se os factos em questão, que se tenham por contraditórios, estejam integrados no acervo factual dado como provado, pois, só assim, é que poderemos invocar a existência de fundamentos de factos dissonantes a que há que aplicar o direito, doutra forma, não se pode reconhecer a contradição.
De qualquer forma, no que respeita ao julgado de facto, sufraga--se a posição assumida pelo Julgador a quo, quando para efeitos do disposto no artº 617º n.º 1 do CPC apreciou a arguida nulidade da sentença na qual fez consignar. “No que respeita ao primeiro segmento que se alega estar em contradição, entende-se que o facto de ter resultada provada a matéria atinente à pendência do processo executivo, em cujo âmbito foi penhorado o imóvel objeto do pedido de reivindicação e onde foram notificados os “Inquilinos de P…”, que as respetivas rendas tinham ficado penhoradas, devendo passar a depositar o valor penhorado na conta do solicitador de execução, depositando a mãe do réu e depois este, até 05.01.2017, pelo montante de: € 145,08, não está em contradição com o não ter-se provado a existência de acordo entre A e R., no sentido de este permanecer na casa em contrapartida daquele depósito, desde logo porque tal pagamento/depósito não tem como pressuposto necessário haver consentimento do proprietário/senhorio; também a circunstância de terem sido notificados os “Inquilinos de P…”, que as respetivas rendas tinham ficado penhoradas, devendo passar a depositar o valor penhorado na conta do solicitador de execução, não contradiz o facto de não se ter provado que o depósito ocorreu na sequência de o R ter sido interpelado para proceder ao pagamento da renda a uma agente de execução, de seu nome M…, desde logo porque, como resulta do ponto 13, a mãe do réu já liquidava as rendas à referida M…, motivo por que o réu poderia ter prosseguido os depósitos que a mãe realizava, sem qualquer interpelação dirigida diretamente à sua pessoa.
E no que tange à matéria do ponto 14, que refere que “A Mãe do R realizou uma obras não concretamente apuradas, na cozinha, na sala e nas persianas, com o que despendeu cerca de 1.500,00 euros”, também parece não estar em contradição com o não ter-se provado que “J) Que as obras referidas em 14, sejam concretamente as que adiante se elencam e tenham custado, precisamente, as seguintes importâncias: persianas novas (no valor de 150,00 €); restauro de um reboco da parede da cozinha (no valor de 350,00 €); novos vidros em algumas janelas (no valor de 100,00 €); instalação de canalização (no valor de 600,00 €); colocação de um chão novo (no valor de 250,00 €), desde logo porque na matéria provada não se menciona que tenham sido realizadas obras em concreto que depois se tenha considerado não haver prova sobre a sua realização, o mesmo se passando em relação à matéria da al. K), onde se considerou como não provado que as obras não especificadas do artº 14, que a mãe do réu realizou, o tenham sido conjuntamente com o réu.”
Nestes termos, não se verifica a arguida nulidade da sentença, improcedendo, neste segmento, o recurso.
Conhecendo da 2ª questão
Entende o recorrente que face à prova produzida o Tribunal a quo “incorreu em claro erro de julgamento” pelo que “toda a factualidade que foi dada como não provada devia ser dada como provada, à exceção da constante no ponto A.
A sindicalização da matéria de facto só pode ser exercida pelo Tribunal da Relação nos termos referidos no art. 662º do Código de Processo Civil sendo que nos termos do n.º 1 da referida disposição legal a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, mas a impugnação da matéria de facto não importa a realização de um novo julgamento global [n.º 3 al. a) do art. 662º do CPC] nem afasta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador da primeira instância, que é indissociável da oralidade e imediação em que decorre a audiência.
No caso em apreço, a discordância do recorrente parece situar- -se essencialmente no âmbito da livre apreciação da prova concedida ao tribunal nos termos do disposto no art. 607º nº 5, segundo o qual o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
A pretensão de impugnação da matéria de facto por alegado erro de julgamento deve obedecer às especificações obrigatórias impostas pelo art. 640º do Código de Processo Civil, sendo que no caso concreto, para nós, manifestamente, tal não se verifica, cingindo-se a impugnação a uma atitude de mero inconformismo.
Dispõe o nº 1 da referida disposição legal que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E o nº 2 refere: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
Como emerge das conclusões que apresentou (bem como das próprias alegações) o recorrente, desde logo, não cumpriu minimamente o disposto na al. b) do n.º 1 do artº 640º do CPC não indicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, donde resulta evidente que o recorrente no que respeita à impugnação da matéria de facto não cumpriu minimamente a alínea b) do n.º 1 do artº 640º do CPC, limitando--se a manifestar, sem qualquer concretização, inconformismo sobre o julgado, mas sem atacar, verdadeiramente, o acervo factual provado e não provado, para além do que referiu no âmbito da arguição da nulidade da sentença, pelo que o não cumprimento dos ónus que lhe são impostos pelo artº 640º do CPC importa a rejeição do recurso no que concerne ao segmento – erro de julgamento da matéria de facto.
Nestes termos, rejeita-se o recurso da decisão relativa à matéria de facto, já que vem sendo entendimento do STJ (ao que cremos reiterado) que a rejeição da impugnação da matéria de facto não está dependente da observância prévia do contraditório, - v. por todos, Ac. do STJ de de 27/10/2016 no processo 3176/11.8TBCCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt. donde nenhuma alteração se introduzirá nos factos dados como provados.
Improcede, neste segmento, o recurso, mantendo-se a imutabilidade da matéria de facto dado como provada e não provada.
Conhecendo da 3ª e 4ª, questões
Defende o recorrente que com a morte do seu pai (que ocorreu em 20/12/2017) e, posteriormente de sua mãe (que ocorreu em 20/01/2015), o contrato de arrendamento existente lhe foi transmitido, por também habitar a casa, devendo considerar-se inconstitucional por afrontar o princípio da igualdade e violar o direito à habitação o disposto no artº 57º do NRAU que rege a transmissão por morte no arrendamento para habitação, nos contratos celebrados antes da vigência do RAU, disposição que foi aplicada pelo tribunal recorrido na subsunção do direito aos factos.
Quanto às questões em apreço no tribunal recorrido, fez-se consignar o seguinte: “O contrato de arrendamento foi celebrado antes da entrada em vigor do RAU.
A Lei nº 6/2006 (NRAU), a par de ter devolvido a disciplina substantiva do arrendamento urbano ao Código Civil e reposto (com a redação dada pelo artº 3) os artºs 1064 a 1113, estabeleceu no artº 27º uma norma transitória no que respeita à transmissão por morte do arrendatário, aos contratos de arrendamento para habitação celebrados anteriormente ou na vigência do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, mandando-lhes aplicar o artigo 57º do NRAU, que estabelece no que ao caso interessa: “O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:
(…);
b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado;
(…);
d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11° ou 12° ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
e) Filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%...”.
O referido artº 57º, nº 1, do NRAU foi, entretanto, alterado pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, em termos não significativos no que tange à transmissão do arrendamento aos filhos e mantendo o sentido de que o regime transitório fixado no NRAU, continua a manter-se em vigor enquanto subsistirem os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes ou durante a vigência do RAU, só se aplicando o regime previsto no artº 1106.º do CC, aos contratos de arrendamento para habitação posteriores – neste sentido o Ac. do TRP, de 7.10.2019, pº nº 2346/18.2T8GDM.P1, que afirma: “No atual regime do contrato de arrendamento para habitação a regra para os novos contratos é a de que o arrendamento se transmite aos sucessores do arrendatário – cfr. artº 1106º, do Código Civil - e o referido não é aplicável aos contratos celebrados antes do NRAU, valendo, para estes (…) o regime transitório consagrado, previsto no art. 57º, da Lei nº 6/2006, de 27/2, que estabelece condições muito restritivas para a transmissão mortis causa do arrendamento habitacional (…) Para os contratos que lhe são posteriores, o novo regime do C. Civil (art. 1106º) liberalizou a transmissão do arrendamento por morte do arrendatário e fê-lo deliberadamente, certamente por ter tido em consideração que nestes novos contratos o prolongamento da relação contratual já não pode ser imposto unilateralmente pelo arrendatário (o senhorio pode opor-se à renovação do contrato no termo do prazo acordado – arts.1096, nº2 e 1097º, do C. Civil – ou, não tendo sido fixado qualquer prazo, pode denunciá-lo com uma antecedência de 5 anos – art.1101º, al.c), do C. Civil) (…)
Tal dualidade de regimes e de soluções pretendidas justifica-se e impõe-se pois, como vimos, o introduzido pelo art. 1106º, do CC, deve-se ao sistema da renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação, ao passo que o regime transitório do artº 57º, do NRAU visou aperfeiçoar as regras de transmissão do arrendamento, no âmbito do cariz vinculístico da grande maioria dos contratos a que era aplicável, diminuindo, em algumas circunstâncias, a possibilidade de transmissão do arrendamento.”.
Aplicando este critério ao caso presente, que nos parecer ser o que melhor faz a interpretação das normas em confronto e dos princípios que lhes subjazem, somos a concluir que não sendo a falecida mãe do réu a primitiva arrendatária, não se poderia transmitir a este o contrato de arrendamento para a habitação, ainda que reunisse os requisitos do artº 57º do NRAU, o que tão pouco sucede, já que não resultou provado que o réu padeça de incapacidade superior a 60% (embora não tenha resultado provado que não padecesse desse grau de incapacidade, já que a não prova de um facto não implica que esteja comprovado o facto contrário), ou mesmo que vivesse em economia comum com a mãe há mais de um ano aquando do seu decesso.
Nem se diga, como invoca o réu, que o artº 57º do NRAU é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade e o direito à habitação, com consagração nos artºs 13º e 65º, respetivamente, da Constituição da República, motivo por que reclama a sua não aplicação, mas antes a norma do artº 1106º/1-c) do CC.
O artº 1106°, nº 1 do CC, estabelece que o arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário se lhe sobreviver, no que ao caso interessa:
a) cônjuge com residência no locado ou pessoa que com o arrendatário vivesse no locado em união de facto e há mais de um ano;
b) pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de um ano.
c) Pessoa que com ele vivesse em economia comum há mais de um ano.
Sendo certo que o novo regime instituído pela referida norma liberalizou a transmissão do arrendamento por morte do arrendatário, também o é que nos contratos de arrendamento celebrados após a entrada em vigor do NRAU, o prolongamento da relação contratual já não pode ser imposto unilateralmente pelo arrendatário, porquanto o senhorio pode opor-se à renovação do contrato (artºs 1 096º, nº2 e 1097°, do CC (em termos que foram flexibilizados com a alteração introduzida pela Lei 79/2014, de 19.12) ou, não tendo sido fixado qualquer prazo, pode denunciá-lo com uma antecedência de 5 anos – artº1101º, al. c), do CC, ao invés do que sucedia anteriormente, em que o senhorio estava vinculado a renovações sucessivas, enquanto fosse essa a vontade do arrendatário.
Depois, o princípio da igualdade postula o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais - Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Universidade Católica, pág. 167.
, pelo que o artº 1106º/1/c) ao permitir a transmissão do arrendamento a qualquer pessoa que com o falecido vivesse em economia comum há mais de um ano, independentemente dos laços sanguíneos, tem uma previsão distinta da consagrada no artº 57º, al. e) do NRAU, que privilegia as relações filiais, na situação em que os filhos se encontram em situação desfavorecida para prover às suas necessidades, ao invés do que sucede com os filhos maiores, sem aquele grau de deficiência e que por isso não carecem de especial proteção.
Depois, cumpre salientar que o réu tão pouco logrou provar que vivia em economia com a mãe há mais de um ano aquando do seu falecimento, pelo que a situação concreta não tem previsão na regra do artº 1106/1/c) do CC, que nunca poderia ser aplicada, pelo que inexiste qualquer igualdade de situações a serem tratadas diferenciadamente.
Tão pouco ocorre a violação do direito à habitação (consagrado no artº 65°, da Constituição).
Como se refere no Ac. do TRP acima identificado, “ tal direito reveste, acima de tudo, natureza programática, dirigida ao Estado, e está contemplada no art. 57.º, n.º 1, do NRAU, a parte essencial do direito à habitação, ao estabelecer um conjunto, eleito, de beneficiários na transmissão por morte do arrendamento, nomeadamente nos contratos mais antigos e com um regime fortemente vinculístico, encontra-se salvaguardada, adequadamente, a essência do direito à habitação e em relação às pessoas mais vulneráveis, situações em que mais se justifica uma proteção especial. Por isso, ao legislar nos termos conhecidos, o Estado, no âmbito da sua função soberana enquanto legislador, assegurou, em termos razoáveis, o direito à habitação.
E, como decidiu a Relação de Lisboa, seguindo a orientação que vem sendo traçada pelo Tribunal Constitucional, o “art.1º, que baseia a República Portuguesa, além do mais, na dignidade da pessoa humana, tem, no caso, que ser conjugado com o direito à habitação a que alude o citado art.65º. Na verdade, a dignidade da pessoa humana é que legitima e justifica, designadamente, a garantia de condições dignas de existência, que, por seu turno, é indissociável do direito à habitação. É certo que este implica determinadas obrigações positivas do Estado (nºs 2, 3 e 4, do citado art.65º), embora não confira um direito imediato a uma prestação efetiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação. Todavia, o incumprimento por parte do Estado e demais entidades públicas das referidas obrigações constitucionais constitui uma omissão constitucional. É igualmente certo que o direito à habitação também pode ser realizado por via do direito de arrendamento, cumprindo ao Estado, além do mais, fomentar a oferta de casas para arrendar. No entanto, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol.I, 4ª ed., págs.836 e 837, « … o direito à habitação não preclude o funcionamento de um mercado de arrendamento, através da possibilidade de despejos em casos justificados e da liberdade de fixação de rendas. O direito à habitação justifica seguramente limitações à propriedade no caso de prédios arrendados e não só (…). Mas essas limitações devem obedecer a um princípio de equidade e de proporcionalidade». E acrescentam aqueles autores, in ob. e loc. cits., «Os titulares passivos do direito à habitação, como direito social, são primacialmente o Estado e as demais coletividades públicas territoriais e não principalmente os proprietários e senhorios».
Assim, a Constituição “reconhece a todos, no artigo 65º, o direito à habitação e, em conjugação com o artigo 1º, o direito a uma morada digna, onde cada um possa viver com a sua família” e, “enquanto direito fundamental de natureza social, tal direito “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Ac. nº829/96 – cfr. ainda Acs. nºs 131/92, 508/99 e 29/00)” . Tal artigo, é configurado, fundamentalmente, como um direito à proteção do Estado. O nº 2 impõe ao Estado um conjunto de incumbências em vista a assegurar o direito de todos à habitação e os nºs 3 e 4 têm igualmente como destinatários os poderes públicos. Tal direito não se move, à partida, no círculo das relações entre particulares. Destinatários do direito à habitação são o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais e não, em princípio, os proprietários de habitações ou os senhorios (Ac. nº. 130/92 – cfr. ainda, Ac. nº 590/04), sendo que, contudo, a propriedade tem uma “função social” a ponderar sempre que há conflito de interesses entre o inquilino e o senhorio, embora se não revele legítimo, adequado, proporcional nem constitucional “obrigar os proprietários a sub-rogarem-se ao Estado no cumprimento das incumbências infungíveis que, por expresso imperativo constitucional, sobre ele recaem. Por outro lado, a realização do direito à habitação através da imposição de limitações intoleráveis e desproporcionadas ao direito de propriedade, não só não é constitucionalmente exigível (Ac. nº 633/95 – cfr. ainda Acs. nºs 101/92, 130/92 e 570/01), como, em rigor, se apresenta como constitucionalmente interdita”.
Deste modo, atentas as razões do regime introduzido pelo art.º 57º, do NRAU, e as situações a que o mesmo é aplicável, entendemos que da interpretação e aplicação efetuadas pela decisão recorrida nenhuma violação ao direito à habitação, constitucionalmente consagrado, resulta ocorrer.
Não se verificando a invocada inconstitucionalidade, como vimos, pois que há específicas razões para, no domínio do arrendamento, acautelar determinadas situações de presumida maior vulnerabilidade, afastando a caducidade do contrato de locação, por morte do locatário, prevista na al. d), do art. 1051º, do CC, nuns casos e não o fazer noutros…”.
Acrescentamos ainda, que a situação de filhos maiores de 26 anos e capazes de diligenciar por prover pelo seu próprio sustento, não deve sacrificar de forma intolerável os interesses do senhorio, ante a mera conveniência particular.
Para concluir que também por esta via não há regra constitucional violada pela aplicação do no nº1, do art. 57º, do NRAU.
Por conseguinte, não estando o Réu nas condições previstas no preceito legal acabado de referir, não se lhe transmite o arrendamento para habitação, que caducou com a morte da arrendatária sua mãe, pelo que com este fundamento não tem o réu qualquer título legítimo que obste à reivindicação do prédio por banda do A.”
Tal como, também, se reconhece no Ac. do STJ de 04/06/2013 no processo 653/07, somos do entendimento que relativamente ao regime da transmissão da posição contratual do arrendamento habitacional por morte deste, o NRAU consagrou a solução aplicável aos arrendamentos celebrados após a sua entrada em vigor – a do artº 1106º do CC – e outra aplicável aos arrendamentos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor - constante do artº 57º do NRAU, - v. também, Maria Olinda Garcia in Arrendamento Urbano Anotado, 1ª edição, 161; Jorge Pinto Furtado in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2019, 632; Francisco de Castro Fraga in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, 520. sendo que, esta distinção não afronta qualquer dos princípios constitucionais aludidos pelo recorrente, pelo que se sufraga a posição expendida pelo Julgador a quo, nos termos descritos e deste modo improcede, também, nesta vertente, o recurso.
Conhecendo da 5ª questão
Na sua pretensão reconvencional o ora recorrente veio peticionar o pagamento de benfeitorias no montante de € 1 450, 00 que diz ter feito no imóvel cuja restituição é pedida, pagamento que lhe foi negado na sentença recorrida.
Defende nesta sede recursiva que é filho e legítimo herdeiro dos primitivos arrendatários, pelo que lhe devia ter sido reconhecido o direito a tal quantia.
No tribunal recorrido descartou-se a possibilidade de pagamento de tal quantia a título de benfeitorias, desde logo porque nem todas as benfeitorias são indemnizáveis e não se tendo provado outros factos relativamente a obras, para além dos vertidos no ponto 14 dos factos provados, não está demonstrado o direito a tal ressarcimento.
Relativamente a tal problemática afirma-se na sentença recorrida: “Benfeitorias são melhoramentos feitos por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, mas sem a qualidade de proprietário, a saber: o possuidor (arts. 1273º a 1275º CC), o comproprietário (1411º CC), o usufrutuário (art. 1450º CC), o usuário e morador usuário (art. 1450º ex vi art. 1490º CC), o locatário (art. 1406º/1 CC) e o comodatário (art. 1138º/1 CC).
A propósito do direito a indemnização por benfeitorias, o 1273º do Código Civil, dispõe o seguinte:
“1. Tanto o possuidor de boa-fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”.
Já o nº1, do artº 216º, do CC, diz que são benfeitorias “(…) todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa “, podendo elas ser, necessárias, úteis ou voluptuárias ( cfr. nº 2 ).
As necessárias, são aquelas que são realizadas com o intuito de evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa. Já as úteis, não sendo indispensáveis à conservação da coisa, aumentam-lhe todavia o valor. Finalmente, as voluptuárias, não sendo também indispensáveis, sobem o valor da coisa e servem apenas para recreio do benfeitorizante ( cfr nº 3, do artº 216º do C. Civil).
Em síntese: só há lugar ao pagamento de indemnização por benfeitorias se estiverem em causa benfeitorias necessárias ou benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa.
No caso dos autos, com relevo nesta matéria, resultou provado que a Mãe do R realizou uma obras não concretamente apuradas, na cozinha, na sala e nas persianas, com o que despendeu cerca de 1.500,00 euros. Mas nada se apurou sobre a sua necessidade em ordem a obstar à perda, destruição ou deterioração do imóvel, ou mesmo à sua conservação, o que é quanto basta para o pedido improceder.”
Efetivamente, à míngua de outros factos, que tenham sido dados como provados, não podemos deixar de corroborar aa posição expressa pelo Julgador a quo e nessa medida, manter o sentenciado, improcedendo, também, nesta vertente o recurso.
Nestes termos, irrelevam as conclusões do recorrente, não se mostrando violadas as normas legais e cuja violação foi invocada, sendo de julgar improcedente a apelação e de confirmar da sentença recorrida.
DECISÂO Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida. Não são devidas custas nesta instância recursiva [o recorrente goza de proteção jurídica na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e encargos – artºs 10º n.º 1, 13º n.ºs 1 e 3, e 16º n.º 1 al. a) da Lei 34/2004 de 29/07].
Évora, 29 de Abril de 2021
Mata Ribeiro (relator)
Maria da Graça Araújo
José António Penetra Lúcio